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quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P18003: Agenda cultural (611): O nosso camarada José Ferreira da Silva, autor dos Volumes I e II de "Memórias Boas da Minha Guerra", vai apresentar os seus livros na sua terra natal, Fiães, concelho de Santa Maria da Feira, no próximo dia 2 de Dezembro


C O N V I T E


O nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor dos Volumes I e II de "Memórias Boas da Minha Guerra", vai apresentar os seu livros na sua terra natal, Fiães, concelho de Santa Maria da Feira, no próximo dia 2 de Dezembro.




P R O G R A M A

"Memórias Boas da Minha Guerra"

Apresentação do 1.º e 2.º Volumes

Dia 02 de Dezembro de 2017, às 16,00 horas

Salão Nobre da Junta de Fiães

Organização - CDPAC - Círculo Defesa Património Acção Cultural 

Autor - José Ferreira da Silva 

Apoio - Junta Freguesia de Fiães 


Intervenientes 

Coordenador - Manuel Sá Bastos - Membro do CDPAC 
Organizador - Filipe Cálix - Presidente do CDPAC 
Anfitrião - Valdemar Fontes - Presidente da Junta de Fiães 
Editor do Blogue Luís Graça - Carlos Esteves Vinhal - Ligação ao Blogue
Testemunho - Gen. Manuel Maia (ex-Capitão da Cart 1689) 
Apresentador - Bernardino H. Ribeiro - Amigo desde infância do autor 
Testemunho - Ricardo Figueiredo - Museu Vivo dos Combatentes 
Testemunho - CMD Dionísio Cunha - Protagonista da História “É Guerra, é Guerra (Será?)”. Pág -119 - I Volume 
Testemunho - Carlos Fontes - Dados biográficos sobre o autor 
Testemunho - Jorge Pedro - Comentário sobre vivência no mesmo teatro de guerra (Catió e Cabedu) 
Testemunho - Jorge Teixeira - Em representação do Bando dos Melros 
Autor - José Ferreira - Agradecimentos 
Encerramento - Emídio Sousa - Presidente da C. M. Feira
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17999: Agenda cultural (610): O livro "Guiné - Crónicas de Guerra e Amor", da autoria de Paulo Cordeiro Salgado, foi apresentado no passado dia 16 de Novembro, na Messe de Oficiais, no Porto (Paulo Salgado / Amaral Bernardo)

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17896: Notas de leitura (1007): Memórias boas da minha guerra, volume II, por José Ferreira; Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,
Deste batedor de sete léguas, um andarilho que descobre em qualquer lugar convivas e antigos combatentes, já lhe fiz o retrato quando saudei o seu primeiro volume: "Regista os desenrascanços na cozinha, os apetites sexuais, as risotas sobre o linguajar do Norte, pena é que um leitor impreparado no jargão não conheça o significado de morcão, isto é não sabe se estamos a falar num atrasado ou num javardo. José Ferreira faz desfilar jovens que percorreram quartéis e partiram a descobrir mundo". Alguém também já o saudou pelo humor, pelo sarcasmo e pelos condimentos da solidariedade, é um narrador de mil e uma histórias onde cabem manhosos, espevitados, personagens de Camilo Castelo Branco.
Não esteve na operação Bola de Fogo, um dos eventos mais trágicos da guerra da Guiné, o levantamento de um quartel chamado Gandembel, mas tem fibra para homenagear aqueles mártires.
Que mais memórias não te faltem, José Ferreira, um abraço do
Mário


Memórias boas da minha guerra, volume II, por José Ferreira

Beja Santos

Entende-se por literatura da guerra colonial o subgénero literário onde se agrupam romances, contos, novelas, poesias, peças de teatro, ensaios históricos, antologias, biografias, registos fotográficos, memórias, diários, e algo mais, escritos de 1961 à atualidade e cujo tema nuclear tem como palco um dos três teatros onde essa guerra aconteceu. Não é novidade para ninguém que começa a haver uma zona de fricção entre esta literatura e uma outra que tem a ver com escritos elaborados por quem regressou de África ou seus descendentes. A guerra e o combatente dão a placa giratória e daí, mesmo nos livros de caráter memorial, o autor poder falar da sua infância e origens, a preparação, a viagem, episódios da comissão e acontecimentos do regresso. É importante registar que no mercado livreiro proliferam obras com saudades de África enquanto a literatura da guerra gira cada vez à volta das memórias. Talvez se perceba porquê. O combatente caminha para os setenta ou é já um septuagenário consolidado. Tem disponibilidade para juntar peças, já não guarda rancores, constitui amizades, encontra-se regularmente em tertúlias com quem combateu a seu lado, aliás é nesses espaços de convívio que cada um conta o que pensa que aconteceu. Depois, há salas de conversa, como os blogues ou as digressões pelo Facebook, Twitter e Instagram, redes sociais de boa ou belicosa convivência, vêm mais elementos à tona em dado momento organiza-se uma trama e temos um leque de memórias e muita vontade em publicá-las.

“Memórias Boas da Minha Guerra” é o segundo volume de alguém que fez parte de uma companhia de intervenção que atuou em mais de metade de todo o território da Guiné, regressou, manteve-se convivente e lendo os seus escritos fica-se com a ideia que o furriel Silva ou José Ferreira da Silva ou o escritor José Ferreira tem uma enorme sede de camaradagem, conserva um rol de episódios pícaros, burlescos, misturados com estúrdia e passagens por casas de gente mal-afamada. E sempre que vai ao passado sentimos, como num espelho estilhaçado, que ele nos dá uma imagem de gente da nossa geração que cresceu na guerra, foi alvo de endurecimentos vários e em encontros casuais ou programados, os retratos compõem-se e o leitor atento fica com mais imagens desse Portugal de 1950 e 1960, nomeadamente na região Norte. Tenho para mim que é deste modo que ganha a leitura deste segundo volume das memórias de José Ferreira, recentemente publicadas pela Chiado Editora.

Tem muita ironia, em lugares de amenidade como Dunane pode gerar-se uma situação crítica, a memória salta até ao Porto e visita-se uma zona de meretrício na Rua Escura, começa-se a falar no morcon e depois temos uma galeria de retratos, com o Geninho à cabeça:  
“Parecia um miúdo da escola primária. Tinha 1,37 m de altura. A espingarda Mauser, pousada, com a coronha no chão, à sua frente dava pelos olhos. O curioso é que ele era um jovem socialmente bastante desenvolvido e de trato muito agradável. Quando o mandaram embora, ele lamentava-se dizendo: 
- Vou triste, porque até gosto disto e gostaria imenso de servir a minha Pátria”.
Há os molengões, os ronceiros, gente com uma perna mais curta dois dedos do que a outra, gente que sonhava alto, dando um espetáculo que atraía a caserna por inteiro…

E há o amontoado de situações inesquecíveis como os bolos de bacalhau à moda de Catió, o Chico de Alcântara, o cabo Felgueiras, aquele dia 26 que se festejava com um casamento, imagine-se, num quartel em plena guerra, um a fazer de padrinho, outro de irmão da noiva, os noivos em toda a sua alvura e pujança, o sacristão, o moço da água benta e até o fotógrafo.

Ficamos a conhecer histórias de gente que passou uma infância na miséria e até se abre o pano para um palco de amores camilianos, caso do Diogo de Carvalho que se ofereceu para a tropa, havia a história do comportamento do pai que depois de viúvo engravidou uma jovem casada que trabalhava lá em casa, o Diogo adorava a Guidinha, filha de boas famílias, chegaram a brincar ao sexo sem consequências, depois a Guidinha desapareceu, nem às festas da Senhora da Mó veio, anos mais tarde Silva e Diogo encontram-se, Diogo licenciara-se em Coimbra, seguira a carreira da magistratura e depois falou-lhe da Guidinha:
“Lembras-te daquela história da minha paixão? A miúda sempre seguiu para freira. Chegou a diretora de colégio. Recentemente, quando faleceu o tio padre Benjamim houve um funeral especial, que teve muito impacto aqui na região. Por curiosidade quis ver a Guidinha durante o velório”.

Como as memórias são como as cerejas, José Ferreira leva-nos a Crestuma junto a rio Douro, apresenta-nos a terra onde vive, vemos a velha fundição de Arcos de Ferro e Verguinha, fundada em 1793. Mais tarde (e até hoje) Companhia de Fiação de Crestuma, e isto para dizer que após independência da Guiné veio uma equipa de guineenses para aprenderem a trabalhar com teares e outras máquinas, havia a promessa de construir uma fábrica em Bolama. O projeto caiu na água. E após mais umas histórias entremeadas de estúrdia e de que de se guardam boas recordações até ao presente, chegamos à operação Bola de Fogo, a construção de Gandembel onde a CART 1689, a que José Ferreira pertenceu, teve papel primordial na fase de arranque. Ele estava de férias nessa altura mas homenageia os seus camaradas cozendo várias histórias.

Em Abril de 1968 foi lançada esta operação para a implantação de um aquartelamento no corredor de Guileje, na região entre Gandembel e Ponte Balana, intervieram para além da CART 1689 duas companhias de comandos e outras unidades com destaque para a CCAÇ 2317, a quem coube o fel mais amargo. É uma sequência trágica de tiros de obuses, minas, fornilhos, abertura de um quartel dentro da natureza bravia, sem réstia de população, houve que fazer limpezas com motosserra e passar a ser atacado a qualquer hora do dia, são esses os relatos pungentes que José Ferreira organiza, ressalto o sofrimento físico, a violência das mortandades, não faltam cenas horríveis com pedaços de carne humana e lembra-se o alferes Monteiro que já tinha concluído a sua comissão e que se ofereceu para este último serviço:
“No início desta reta, à terceira cratera, do lado direito, e junto à estrada, via-se um tufo de três palmeiras. Numa delas estava uma perna de calças de camuflado, com uma bota amarrada e pendurada da copa da palmeira. No tronco da palmeira central, estava a tampa do crânio de uma cabeça com cabelo louro à altura de um metro e quarenta do chão. O resto do tronco até ao chão era uma massa de carne e sangue, impregnada na casca da palmeira. Deduzimos que eram os restos mortais do alferes Monteiro. Ele era o único branco e louro do pelotão”.

É este o remate trágico de um livro inconfundível de memórias que começa em aldeias remotas, em jovens cheios de sonhos que aprenderam a crescer na picada e nos quartéis do fim do mundo e hoje contam à lareira aos netos histórias inacreditáveis que a voracidade mediática e velocidade do nosso tempo reduziram a narrativas do fantástico, uma espécie de contos de fadas dentro de guerras cujo sentido escapa às novas gerações.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17887: Notas de leitura (1006): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (5) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17840: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (45): Questões de sangue

Vista a partir da Serra do Pilar
Foto: © Dina Vinhal

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 29 de Setembro de 2017:

Caros amigos,
Junto nova história verídica que poderá ser incluída na série de "Memórias boas da minha guerra".
Informo que os nomes de pessoas e lugares tiveram que ser alterados devido à exigência do personagem principal.

Abraço
José Ferreira Silva da Cart 1689


Memórias boas da minha guerra

45 - Questões de sangue

No início de Janeiro de 1967, vindos de todo o país e em especial da zona norte, chegavam ao RAP 2 - Serra do Pilar, os seiscentos e tal militares, tidos como preparados para seguirem para a Guerra do Ultramar. Vinham formar o BART 1913 - Batalhão de Artilharia 1913 - que se destinava a cumprir uma Comissão de Serviço Militar na guerra, no CTI da Guiné.

Não fora o facto de ter acabado de frequentar o curso de “Rangers” em Lamego - o que me ligou logo à mobilização - e eu poderia sentir-me satisfeito por continuar a cumprir o serviço militar no norte (depois do GACA 3, de Espinho). Efectivamente, depois de uma razoável classificação no Curso de Vendas Novas (o primeiro sobre guerra subversiva), fui atendido nessas “minhas preferências” então registadas: Espinho, Gaia ou Porto. O que eu não sonhava era que esse pretenso percurso me levaria até à Guiné.

Ao contrário das outras chegadas a novo quartel, desta vez eram evidentes os rostos mudos, carregados de tristeza, apatia e resignação. Entravam cabisbaixos, fixando o chão cinzento-escuro dos gastos paralelos de granito enquanto deambulavam por toda a calçada, na subida até ao pavilhão central onde funcionava a recepção Assumiam, assim, o doloroso papel de “condenados”.
Foi ali que, partindo do zero, nos fomos agrupando em Secções, Pelotões, Companhias, formando o Batalhão. Assim, apareceram as respectivas formaturas, dando início à última e decisiva preparação para a guerra. Claro que reencontrámos alguns camaradas já conhecidos em quartéis anteriores, mas muito poucos a seguirem o mesmo percurso. Uma coisa era certa: iríamos todos para a Guiné.

Da Serra do Pilar, desfrutávamos de vistas deslumbrantes em redor, em especial sobre a cidade do Porto e, planando o olhar, sobre o Rio Douro e sua foz. Agora, nos tempos livres, saíamos dali na esperança de saborearmos mais de perto os encantos daquela lindíssima e secular região portuense. Talvez por isso, era notória a movimentação dos militares a aproveitarem a sua passagem por ali. Em poucos minutos, eles afastavam-se, ansiosos, para contactos novos, pontuais ou não, parecendo quererem absorver conhecimentos, divertimento e os prazeres tripeiros.
Ao fim de uns dias, já havia verdadeiros apaixonados pelo “Puârto”, carago! As paisagens, os petiscos, a linguagem, a franca maneira de ser dos tripeiros, as “gajas” sérias e as outras - as “donzelas” - e, até, os “gajos” porreiros, eram razões mais que suficientes para encantar aquela saudável juventude. Embora eu passasse muitas noites fora dali, uma vez que me deslocava para casa (em Fiães, da Feira) a cerca de 20 quilómetros, tive a oportunidade de conhecer peripécias interessantes e de testemunhar algumas lindas histórias de amor.

Nas minhas histórias acerca desta malta, já destaquei a história do rapaz que casou com a prima empregada nos Caldeireiros (O rapaz do “sorriso parvo”) - https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2016/07/guine-6374-p16268-memorias-boas-da.html, referi o caso do Mirandela que se apaixonou pela “donzela” que trabalhava junto ao largo da Cadeia (“Deixem-nos trabalhar”) - https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2013/09/guine-6374-p12031-memorias-boas-da.html, os engates do Miranda, de Amarante, junto do Café Mucaba e o namoro do Silva “a calcantes” desde a Ponte D. Luís até Gervide, (Cegueira e religião) - https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2010/09/guine-6374-p6951-memorias-boas-da-minha.html.
Todavia, terei que contar ainda a história do Armindo Baptista, um alentejano de nascença e coração, mas um nortenho de sangue e de grande ligação. Seus pais, funcionários públicos, oriundos do Minho, acabaram por assentar em Beja, onde ainda residem, perto dos dois filhos e seus quatro netos.
Desde miúdo, apercebeu-se de que o sotaque de seus pais diferia do dos seus vizinhos. A par disso, notava também que eles se ligavam facilmente com toda a gente e que se predispunham muito no âmbito social e religioso. E ouvia os vizinhos dizerem:
- Eles são de sangue nortenho. São mais activos.

O Armindo cresceu, estudou e fez-se um rapagão, rodeado de alentejanos, com quem cimentou grandes amizades. Mas, sempre que ia ao norte visitar os avós, trazia o seu ego reforçado pelo que via, ouvia e sentia. Ele até aprofundava ali os seus conhecimentos históricos e sentia-se cada vez mais integrado no mundo dos nossos heróis, especialmente dos que nasceram e viveram no mesmo espaço que os seus parentes mais chegados. Sentia um orgulho enorme nessa ligação nortenha e estava sempre atento a tudo que ouvia desses lados, incluindo as notícias dos sucessos do F. C. do Porto.
Apesar de sentir a aproximação das miúdas mais lindas do Alentejo, parecia que via sempre nelas uma pequena sombra de sua mãe, a mostrar-lhe a energia que lhe sobrava e que não vislumbrava nessas belas alentejanas. Chegou à tropa sem compromisso amoroso e, agora, com 23 anos, na hora da partida para a Guiné, nem endereço levava para fazer uma madrinha de guerra.
Esteve na recruta das Caldas da Rainha e rumou para Tavira, para tirar a especialidade. Seguiu para Tancos, onde tirou o Curso de Minas e Armadilhas. Com esta última formação, ficou mobilizado e foi chamado para o RAP 2 - Gaia, para integrar a CART 1687, do nosso BART 1913, acima referido.

À saída da Porta de Armas do RAP 2, surgia logo de frente na Rua dos Polacos, um tasco/mercearia típico (o “Faca Afiada”), gerido pela família Moreira. Penso que todos os tropas que passaram pela Serra do Pilar visitaram esse tasco. Lá existia um grande balcão, interrompido por uma divisória, provocando uma zona mais reservada, onde se serviam alguns petiscos, se bebia e se faziam algumas ”jogatanas”. Passei por lá várias vezes, para tomar o último “reforço vitamínico”, antes de passar a Porta de Armas. E sempre encontrava lá o Armindo, conversando com os derradeiros clientes, nos intervalos de um quase contínuo assédio à moreninha que tanto ajudava os pais.

Logo nos primeiros dias de RAP 2, testemunhámos a presença de dois militares, regressados de rendição individual, que vinham fazer o espólio. Passavam o tempo todo no tasco “Faca afiada”. Um, o Jorge Ribatejano, era Furriel dos Comandos e exorbitava as suas façanhas guerreiras, fazendo relatos medonhos que nos assustavam. Exibia o seu corpanzil de pegador de touros, assumindo a sua superioridade e valentia, bem aproveitadas na preparação especial de Comando e nos seus relatos de heroicidade. O outro, o Furriel Carlos Barroso, negro, também estivera em Angola, onde não se encontraram e preparava-se para regressar à sua terra natal - a Guiné.

Não se sabia quem bebia mais. Mas notava-se que o álcool “atacava” mais o Comando. Este, farto de se exibir na sua aludida “matança de turras”, entrava agora no campo da provocação ao negro da Guiné:
- Os pretos são uns cobardes. Não valem um caralho!
O Barroso respondeu-lhe:
- Somos todos iguais. Somos todos portugueses e temos todos o sangue igual.
Irritado, o Jorge, eleva a voz:
- O caralho, é que é igual.

Pega no copo do brandy, bebe tudo de um gole, trinca as bordas do copo, estende o braço esquerdo de manga arregaçada e com o copo estalado e agarrado ao contrário pela mão direita, esfrega-o longitudinalmente pelo braço, provocando lanhos na carne, que já sangrava e grita:
- Estás a ver o que é o sangue e a coragem de um branco?
O Barroso, ferido no seu orgulho, tira-lhe o copo da mão e faz o mesmo no seu braço:
- Estás a ver, seu caralho? Onde está a diferença?

Quando cheguei ao tasco, já eles estavam quase apáticos, sentados e encostados à parede, com os braços feridos, encobertos por um pano meio ensanguentado. Por sua vez, o Armindo, aproveitava para assumir um papel de moralizador, muito do agrado do Senhor Moreira e da sua filha moreninha, a quem ele queria impressionar.
Pois, o Armindo ficou preso à Leonor, logo que a viu pela primeira vez. Passava ali todo o tempo disponível, enquanto estivemos aquartelados no RAP 2. Em pouco tempo, todos os militares ficaram a saber que a Leonor do “Faca Afiada” estava inacessível e presa a um Cabo Miliciano que não saía de lá.

Saímos da Serra do Pilar em direcção a Viana do Castelo, de onde seguiríamos para a Guiné, em finais de Abril. Com este afastamento, acentuou-se o amor do Armindo e da Leonor, provocando uma inesperada paixão que os fazia sofrer diariamente. Contra toda a lógica e expectativas, resolveram casar a escassos dias da partida dele para a guerra. Creio que poucos acreditavam no sucesso dessa ligação, com alguns prenúncios de loucura e fatalidade.

Pouco convivemos na Guiné. A minha companhia saiu do barco Uíge, fundeado ao largo de Bissau, seguindo directamente em barcaça para Bambadinca, enquanto o Batalhão ficou sediado em Catió. O Armindo pertencia à Cart 1687, que se fixou em Cufar, após uma passagem pelo Cachil. Quando estivemos em Catió, vindos do norte, fizemos várias operações militares com passagem por Cufar. Ali convivemos pontualmente e recordámos algumas ligações anteriores. Porém, era evidente que o Armindo acusava um estado bastante sorumbático e cansado. Parece que passou grande parte do tempo afastado das operações, justificando-se com doença e deslocações a Bissau. Sempre pensei que esta relação se iria desvanecer. Com tristeza minha, porque nutri bastante simpatia pelo casal, especialmente pelo Armindo.

Alguns amigos bem conhecidos no nosso Batalhão

No dia 29 de Abril de 2017, participei no Convívio do 50.º aniversário da partida do nosso Batalhão para a Guiné. Teria que ser o mesmo local - a lindíssima e simpática cidade de Viana do Castelo. Quando estávamos dentro do quartel, do Castelo, precisamente no largo onde fora a Parada das tropas, vejo o Francisco Machado (O Chico d’Alcantara) - https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2011/02/guine-6374-p7710-memorias-boas-da-minha.html, a “puxar “ um casal, ao mesmo tempo que dizia:
- Ó Silva, olha aqui o Armindo.
- Qual Armindo? - perguntei.
A Senhora avançou:
- O Armindo que casou com a moreninha do “Faca Afiada”?

Que surpresa agradável! E mais agradável se tornou, à medida que eles iam contando a sua vida deste meio século e aparentando uma felicidade imensa.

Quando me afastei do Convívio, aproveitei para dar uma última olhadela ao baile onde o Armindo e a Leonor dançavam sem cessar.

Nota: - Das conversas que trocámos nesse dia, fiquei a saber que o Armindo perdera o rasto do Comando que trincava o copo de brandy, mas mantivera uma boa relação com o Carlos Barroso, que veio, muito mais tarde, a desempenhar um alto cargo na estrutura do Estado da Guiné-Bissau.
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Nota do editor CV:

Último poste da série de 13 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17462: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (44): O Zé Manel dos Cabritos e a mula transexual

sábado, 12 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17665: Agenda cultural (578): Apresentação, em Crestuma, do livro "Memórias Boas da Minha Guerra" - Volume II, da autoria de José Ferreira, levada a efeito no passado dia 5 de Agosto

Crestuma, 5 de Agosto de 2017 - Apresentação do livro "Memórias Boas da Minha Guerra" - Volume II, da autoria de José Ferreira

Memórias Boas da Minha Guerra - Volume II
Autor: José Ferreira
Chiado Editora - Julho de 2017

No passado sábado, dia 5 de Agosto, integrada nas Comemorações do 4.º aniversário do CRASTUMIA (Centro Associativo Cultural de Crestuma) foi apresentado, na Junta de Freguesia de Crestuma, o Volume II das "Memórias Boas da Minha Guerra", da autoria do nosso camarada José Ferreira da Silva.

Por se estar pleno Agosto, mês de férias para a maioria das pessoas, o José não teve presente a moldura humana que merecia. Mesmo assim, aqueles que puderam não deixaram de estar presentes. Entre a assistência viam-se, familiares, amigos e camaradas de armas, entre estes "Os Bandalhos", que se fizeram representar ao mais alto nível.

A Mesa era composta por: Francisco Baptista, Combatente; Ricardo Figueiredo, Combatente; Romualdo Mota e Silva, Presidente do Crastumia; Alberto Moura, amigo do autor, que mais uma vez coordenava a apresentação do livro; Manuel Azevedo, Presidente da União de Freguesias de Sandim, Olival, Lever e Crestuma; Carlos Vinhal, combatente; e pelo autor, José Ferreira.

Sensivelmente pelas 18h30, o coordenador Alberto Moura dava início à sessão de apresentação do livro "Memórias Boas da Minha Guerra" - Volume II, saudando os presentes e dando de imediato a palavra ao Presidente da União de Freguesias, Manuel Azevedo, anfitrião do evento.

Alberto Moura

O anfitrião Manuel Azevedo dando as boas-vindas aos presentes

Falou em seguida o Presidente da CRASTUMIA, Dr. Romualdo Mota e Silva que salientou as qualidades do autor, que é vice-presidente daquele Centro Associativo e Cultural, assim como das suas actividades sociais e culturais em favor das gentes de Crestuma, desde há longos anos. Aproveitou o ensejo para fazer o balanço da actividade da Colectividade a que preside, no momento a comemorar os seus 4 anos de existência.

O Dr. Romualdo Mota e Silva durante a sua intervenção

Foi dada a palavra ao combatente Ricardo Figueiredo, um dos Bandalhos presentes, que falou da guerra na Guiné, dos seus números e particularidades, para depois recensionar o livro em apresentação. Como não podia deixar de ser, a sessão começou a animar já que o livro fala dos aspectos menos maus da guerra, porque como diria o José Ferreira, na guerra também se viveram bons momentos.

O combatente Ricardo Figueiredo à volta com os números da guerra na Guiné

Mais uma vez, na qualidade de editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, interveio o combatente Carlos Vinhal, que fez uma pequena apresentação do Blogue, onde é co-editor, e da colaboração do José Ferreira nesta página que deu origem aos dois livros do autor.

Intervenção de Carlos Vinhal

O Bandalho Francisco Baptista tomou a seguir a palavra para fazer a sua apreciação ao livro e falar do autor. Do livro reteve a excelente qualidade da escrita, e das histórias de vida nele contidas, ao autor, classificou como cidadão exemplar, excelente amigo e camarada.

O combatente Francisco Baptista

E, por último, subiu ao "púlpito" o autor José Ferreira que, com aparente falta de jeito para falar, já que se acha mais à vontade a escrever, agradeceu a presença de todos, especialmente a dos seus familiares. Não esqueceu o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné que, segundo ele, tem a grande culpa de ter editado estes dois livros. Recordou histórias e momentos nelas relatados.

O autor José Ferreira

Perto das 20 horas, Alberto Moura encerrou a sessão, seguindo-se o jantar comemorativo do 4.º Aniversário do Centro Associativo Cultural de Crestuma (CRASTUMIA), ali mesmo ao lado do edifício da Junta de Freguesia, no qual os combatentes e demais participantes na apresentação do livro, também tiveram assento.

Por estranho que pareça, todos estes 9 combatentes cumpriram a sua comissão de serviço na Guiné e pertenceram à Arma de Artilharia.

Fotos: ©Pedro Sousa/Crastumia, com a devida vénia

Com a devida vénia a Terras de Gaia - JORNAL / TV, aqui fica um pequeno filme do acontecimento da tarde:

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Nota do editor

Último poste da série de 3 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17646: Agenda cultural (577): "Heróis que o tempo não apaga", palestra de capitão Aveiro, o escritor Valdemar Aveiro, Clube de Vela da Costa Nova (CVCN), Costa Nova do Prado, Ílhavo, 18 de agosto de 2017, às 21h30

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17580: Agenda cultural (573): O II volume de "Memórias Boas da Minha Guerra", da autoria de José Ferreira, foi apresentado no passado dia 8 de Julho de 2017, na Quinta dos Choupos, em Fânzeres, Gondomar


No passado sábado, dia 8 de Julho, foi apresentado o II Volume de "Memórias Boas da Minha Guerra", da autoria de José Ferreira, ex-Fur Mil Art da CART 1689 (Guiné, 1967/69).

Cartaz anunciando o acontecimento. © Luís Bateira

A sessão decorreu na Quinta dos Choupos (propriedade do nosso camarada Gil Moutinho, ex-Fur Mil PilAv, Guiné, 1972/73), sede logística da Tabanca dos Melros, onde nos segundos sábados de cada mês se reúnem em almoço de confraternização os combatentes da Guiné do Concelho de Gondomar.

No acto solene estiveram presentes: familiares, camaradas e amigos do Zé da CART, que assim se quiseram associar nesta hora de alegria.

A Mesa era coordenada por Alberto Moura, amigo do autor, e também nosso camarada de armas, que tinha à sua direita: Luís Graça, fundador e editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné; Ricardo Figueiredo, que tem em andamento um projecto para a criação de um Museu da Guerra do Ultramar; Jorge Teixeira, Presidente do "Bando do Café Progresso, das Caldas à Guiné"; e José Ferreira, autor do livro "Memórias Boas da Minha Guerra, II Volume", que ia ser apresentado. À esquerda do coordenador sentavam-se: a representante da Chiado Editora, D. Teresa Mesquita; Carlos Silva em representação da anfitriã "Tabanca dos Melros"; e Carlos Vinhal, co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Alberto Moura, abrindo a sessão. © Dina Vinhal

Momento em que a representante da Chiado Editora, D. Teresa Mesquita, em breves palavras, se congratulava pela oportunidade da Editora publicar o segundo volume desta obra. © Carlos Silva

A apresentação do II Volume de "Memórias Boas da Minha Guerra" esteve a cargo de Luís Graça, que também prefaciou a obra, fundador e editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Doutorado em Sociologia, não teve dificuldade em prender a assistência, dissertando sobre a facilidade com que o autor analisa pessoas e acontecimentos, encontrando em cada indivíduo ou na sociedade em que está integrado, matéria para passar a escrito, donde saem, conforme a apreciação do leitor, verdades ficcionadas ou ficção pura. 
As estórias de guerra, humoradas ou sérias, esplanadas na sua obra, são um modo diferente de contar o quotidiano de homens vivendo em ambiente de alta tensão e perigo constante. As do pós-guerra caracterizam pessoas, suas condições sociais e épocas. Nestes quase 50 anos após o seu regresso da Guiné, muito mudou na sociedade portuguesa, e isso reflecte-se também na sua escrita.  A linguagem utilizada, o vernáculo e o calão, mais não é que uma escrita honesta, sem disfarces para púdico ler, primeiro estranha-se, depois entranha-se.
Luís Graça sugeriu ao José Ferreira, a quem qualificou como homem muito vivido e experiente, que pense numa autobiografia, obra que reputa já de grande interesse e de êxito garantido.

Luís Graça durante a sua intervenção. © Dina Vinhal

Seguiu-se a intervenção do nosso camarada Ricardo Figueiredo, que na linha do orador anterior, salientou a qualidade da escrita do José Ferreira. Que o autor, a par de outros combatentes, deixa um legado, em dois livros, para que os vindouros saibam como foi o nosso tempo e a nossa experiência de guerra.

Ricardo Figueiredo no uso da palavra. © Dina Vinhal

Seguiu-se o momento mais humorado da sessão com a intervenção do "Bandalho" Jorge Teixeira, que falou dos livros do José Ferreira mais no sentido estético do que propriamente do conteúdo. Sabemos que esta intervenção só podia ter sido assim, vindo de alguém muito amigo.

Jorge Teixeira, Presidente dos "Bandalhos", tecendo as suas opiniões estéticas sobre o livro do José Ferreira. Não se esqueceu de elogiar as qualidades pessoais do autor, também ele um dos "Bandalhos". © Carlos Silva

Seguiu-se a intervenção do "Presidente" da Tabanca dos Melros, também ele elogiando as qualidades pessoais do autor e caracterizando a sua maneira muito própria de escrever. Em tom mais ligeiro, frisou que tendo já lido centenas de livros sobre a Guiné, ultimamente é a sua mulher quem os lê e lhe conta depois as partes mais importantes. Só nos faltava ouvir esta, nem todos temos uma leitora/narradora.

 Carlos Silva, na sua intervenção. © Dina Vinhal

O último orador convidado foi o co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, Carlos Vinhal, que falando por último, ficou sem assunto. Toda a gente já tinha dito bem do Zé Ferreira, tinham feito já a devida crítica literária à obra... mais isto e mais aquilo. Qual a saída? Entalar o Zé, e ler uma das suas estórias publicadas neste segundo volume. Escolheu e leu, contendo a muito custo o riso, "Morteiradas em Canquelifá". Foi outro momento divertido.

O ar divertido na Mesa não se deve aos dotes do orador mas do autor José Ferreira. © Dina Vinhal

...E por último falou o "bombo da festa", perdão, o autor José Ferreira. Visivelmente atrapalhado por estar a ser alvo de tantos elogios por parte dos seus amigos e pela presença dos seus familiares, onde pontuavam as 5 netas e o neto, uns maiores que outros, assim, uns mais atentos que outros, que não quiseram deixar de estar junto do avô, uma pessoa muito importante como estava ali patente.
Na sua genuína humildade, o Zé Ferreira agradeceu aos presentes e ao ausente Alberto Branquinho a quem deve o empurrão definitivo que o levou a este desafio de escrever estas suas Memórias. Agradeceu especialmente ao Luís Graça, fundador do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné que o deu a conhecer ao mundo como o primeiro repositório das suas Memórias, agora transportas em dois livros. Agradeceu-lhe também a disponibilidade para se  deslocar expressamente de Lisboa para estar ali, e pelo prefácio neste segundo volume.

O autor José Ferreira durante a sua alocução. © Dina Vinhal

A sala estava repleta. No exterior havia algumas pessoas a assistir de pé. © Luís Bateira

Segue-se uma sequência de fotos da sessão de autógrafos

Na fila. © Carlos Silva

Silvério Lobo, só podia. © Luís Bateira

 Uma leitora muito especial. © Luís Bateira

José Barreto Pires. © Carlos Silva

Ricardo Figueiredo. © António Tavares

Seguir-se-á o almoço/convívio

Texto, selecção e edição das fotos: Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17571: Agenda cultural (572): Exposição "Manuel Ferreira, capitão de longo curso", Museu Malhoa, Caldas da Rainha. Convite para a inauguração, no próximo dia 22 de julho, sábado, às 15h00 (João B. Serra, comissário)

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17476: Agenda Cultural (566): Lançamento do II Volume de "Memórias Boas da Minha Guerra", da autoria de José Ferreira, dia 8 de Julho de 2017, pelas 10h30, no Choupal dos Melros, Rua das Cabanas, 177, Fânzeres-Gondomar - Seguir-se-á um almoço com inscrição prévia



1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", I e II volumes, com data de 14 de Junho de 2017:

Caros amigos
Graças à vossa atenção e ao vosso carinho, o nosso blogue “ Luís Graça & Camaradas da Guiné” vem publicando regularmente as minhas histórias, nestes últimos sete anos. Elas estão divididas em duas séries; “Memórias boas da minha guerra” e “Outras memórias da minha guerra”.

Por insistência de alguns amigos, estou a passá-las para livro. Já editei o primeiro volume e vou agora lançar o segundo. Cada um é composto por 26 histórias e como já ultrapassei as setenta e cinco, tudo leva a crer que ainda virá um terceiro volume.

O primeiro volume foi lançado no simbólico RAP 2, de onde saiu a minha CART 1689, integrada no BART 1913, para a Guerra da Guiné(*). Este segundo volume será lançado no Choupal dos Melros, outro lugar de enorme importância para os Combatentes, dado que ali coabitam os grupos “Bando do Café Progresso” e a “Tabanca dos Melros”.

Conforme aponta o cartaz, o evento terá lugar no próximo dia 8 de Julho, pelas 10h30. 
Quem quiser, fica para o tradicional almoço convívio, que se realiza todos os segundos sábados de cada mês.

Um abraço cheio de gratidão
José Ferreira da Silva
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Notas do editor

(*) - Vd. poste de 21 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16626: Agenda cultural (508): No passado dia 14 de Outubro de 2016, no Salão Nobre do Quartel da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, realizou-se a sessão de apresentação do livro "Memórias Boas da Minha Guerra" da autoria do nosso camarada José Ferreira da Silva

Último poste da série de 8 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17446: Agenda Cultural (565): Convite para a apresentação de livros da colecção Fim do Império, a levar a efeito no próximo dia 11 de Junho, pelas 15h00, no Auditório da Feira do Livro de Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

terça-feira, 13 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17462: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (44): O Zé Manel dos Cabritos e a mula transexual




1. Em mensagem do dia 10 de Junho de 2017, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", enviou-nos uma história, no mínimo, estranha. Não é que nós até conhecemos os intervenientes?

Caros amigos
Tal como na anterior história sobre o Zé Manel dos Cabritos, existem várias coincidências que podem induzir em interpretações precipitadas. Quero-vos garantir que esta é mais uma história de ficção que quase nada tem a ver com os amigos, acontecimentos e lugares que nos rodeiam.

Grande abraço do
JFSilva da Cart 1689


Memórias boas da minha guerra

44 - O Zé Manel dos Cabritos e a mula transexual

O Zé Manel dos Cabritos é sobejamente conhecido entre os ex-combatentes em geral e muito em particular com os que lutaram na guerra da Guiné. Entre estes, acentuou a fama de açambarcador de cabritos, ao ponto de ser acusado da sua exterminação numa importante zona dessa região africana.
Por outro lado, o facto de ter sido um emigrante de sucesso, parece ter despertado algum sentimento de inveja, por parte desses “amigos mais chegados”.

Ultimamente tenho tido um relacionamento mais próximo do amigo Zé Manel. Ele, que é sistematicamente acusado de “açambarcador mafioso” no controlo e no proveito dos cabritos no leste da Guiné, esconde, naquele fundo de guloso e de espertalhão, muita bondade e muita ânsia de sã camaradagem. Por isso, ele tem desabafado comigo sobre essas acusações infames e de outras coisas que ele não quer que se saiba. Porém, há uma a que não posso resistir.

Perguntei-lhe se tinha emigrado logo que veio da Guiné e ele respondeu:
- Não. Voltei ao Antero, para me dedicar aos trabalhos na pedra. Já andava lá há uns meses, mas como eu era muito desenvolvido no trabalho de série e rápido noutros serviços, o patrão não me dava oportunidades para me desenvolver na arte de esculpir figuras. E foi num dia de verão que decidi que aquele seria o meu último serviço em Portugal.
O patrão pediu-me para eu ir perto de Bragança levar a escultura de um macho, para ser colocada sobre uma fonte que iria ser inaugurada no Domingo seguinte. Carregaram a escultura numa carrinha Datsun, de caixa aberta, bem amarrada e bem protegida. Levei a carrinha para casa, a fim de seguir, directamente, no Sábado, para Trás-os-Montes. Ainda em casa, pus-me a mirar a obra em toda a volta do carro e cheguei à conclusão de que o “badalo” do burro estava demasiado grande e torto. Peguei no cinzel e fui dar-lhe uns retoques. Só que, não sei porquê, o “badalo” caiu e partiu-se em vários bocados. Fiquei aflito e não sabia como havia de o recolocar no macho. Pensei, pensei e, quando já estava mais calmo, voltei a retocar a zona sexual do animal, destruindo-lhe os tomates e o resto que ficara do badalo. Perdi um tempão naquelas operações delicadas mas, no final, convenci-me de que conseguira travesti-lo numa bela mula.
Faltava, agora, convencer o cliente, que estava a aguardar o macho há várias horas. Ribeira da Raia ficava para lá de Bragança, perto da fronteira, por onde passavam os emigrantes clandestinos. Passei por uma placa que dizia FRANÇA, onde, vim a saber depois, era onde os passadores mais vigaristas, largavam alguns clientes como etapa final desse “salto” clandestino. Fui andando e acabei por parar junto a um rio, onde me apercebi de algum barulho em redor de uma fogueira.

Passava das duas e meia da madrugada. Ouvi alguém dizer:
- Deve ser o gajo que vem trazer o matcho.
- Ó diatcho, agora não vem nada a calhar. Ali o Tono já está a dormir co’ a borratcheira, tuJaquim, estás meio fodido e eu, sozinho não aguento.
- Deixa-te estar Alfredo, que tu estás melhor.

Aproximei-me, passaram-me a caneca colectiva e indicaram-me o local exposto do presunto, salpicão, alheiras, queijo, chouriço, pão etc. etc.
- Olhe, o que o safou é que o Regedor trouxe para aqui material, para esperarmos por si até de manhã. Foi-se deitar e disse que você pode ficar cá, mas que convinha, antes, colocar o matcho, para lhe cimentarmos as patas. Mas estou a ver que isto vai ser difícil.

Pensei logo em desenrascar-me o mais depressa possível. Acompanhei-os nos comes e bebes e ajudei-os a alegrar-se. Acordámos o Tono e fomos descarregar o macho.

Logo que desamarramos a escultura, ali junto à fonte e sob um poste de luz eléctrica, o Tono exclamou:
- Olhem, o matcho não tem margalho!
- É porque vem capado – disse o Jaquim.
- Ó amigo, isto parece mais uma mula. Não me parece que seja o que o Regedor encomendou. – disse o Alfredo.

Olhei para ele, abeirei-me e, lamuriento, exclamei:
- Vocês têm razão. Estou aqui desesperado porque me aconteceu isto, assim, assim… e assim.

Perante o silêncio prolongado, o Tono arrebitou e ordenou:
- Vamos descarregar a puta da mula e colocá-la no sítio do matcho. Afinal sempre gostamos mais de fêmeas e o rapaz, coitado, tem de ir à sua vida. E querem saber uma coisa? A mula vai chamar-se Lola, em homenagem ao nosso amigo Betinho da Rosita, que era unha com carne com o Regedor, e que num dia de Benfica-Porto foi para Lisboa com o Tininho de Bragança e nunca mais voltaram. Parece que o jogo foi em 1963 ou 1964 e empataram a 2-2.

O Alfredo, que não se mostrou muito de acordo, foi avisando:
- Vocês sabem que o Regedor não vai gostar dessa brincadeira, até porque dizem que ele ficou solteiro, à espera desse Betinho.

O Jaquim acrescentou:
- Não sei se sabem que o Betinho fez uma operação, cortou a piroca, abriram-lhe um buraco e que agora se chama Lola e que é um bom pedaço de mulher. O Tono já a viu, não é verdade?
- Sim, é verdade. – disse o Tono, que continuou:
- Um dia em que fomos a Lisboa procurá-la numa boite, perguntámos-lhe pelo Betinho mas ela não nos passou cartão. O Regedor ficou pior que estragado. Até lhe chamou paneleiro. Ela respondeu-nos que não se lembrava desse nome, que era transexual e que se chamava Lola. Quando vínhamos embora, o Regedor confirmou-me que, quando comprara à D. Rosinha, o campo das hortas, fora para pagar a tal operação.

O Jaquim ainda lembrou os tempos de infância do Betinho, dizendo que ele “tinha a mania de tocar ao bicho dos colegas”.

De repente colocaram a mula lá em cima, foram buscar a caneca e brindaram:
- À nossa Lola, a primeira mula transexual de Portugal! 

Nota:
Acredito nesta história do Zé Manel dos Cabritos porque, por volta de finais dos anos 70, eu costumava ir pescar nessa zona raiana e lembro-me de ver o carinho e a admiração que essa gente local prestava às mulas. Também vi a estátua sobre uma fonte. E, enquanto bebíamos uma cerveja no Bar de uma Associação Recreativa e Cultural, contaram-nos que por altura do 25 de Abril, tinham retirado a Lola, “porque era ofensiva à honra das nossas mulas e, ao mesmo tempo, se identificava com o único panasca transmontano”.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17438: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (43): O Zé Manel dos Cabritos e os amigos invejosos

terça-feira, 6 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17438: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (43): O Zé Manel dos Cabritos e os amigos invejosos



1. Em mensagem do dia 29 de Maio de 2017, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", enviou-nos uma história, no mínimo, estranha. Não é que nós até conhecemos os intervenientes?

Caros amigos,
Esta história pode, até, parecer verdadeira. É que há nela muitas coincidências com nomes de pessoas e com moradas que nos podem levar a essa conclusão. No entanto, quero desde já declarar que tudo é pura ficção.

Um abraço do
JF Silva


Memórias boas da minha guerra

43 - O Zé Manel dos Cabritos e os amigos invejosos

Nasceu nos arredores de Penafiel, mais precisamente na zona descendente ao Rio Tâmega, ali à esquerda de quem vai para Entre-os-Rios. Desde miúdo, ajudou os pais no amanho das terras e no pastorício do gado. Gostava muito de animais e, se possível, de os domesticar. Para além das vacas e ovelhas, ele perdia-se com cães, gatos, pegas, melros etc., etc. Mas o que ele mais gostava era de “dominar” os cabritos. Mais as cabras, porque se afeiçoavam a ele facilmente. De tal forma se dedicava a eles que os seus amigos de infância o baptizaram por Zé Manel dos Cabritos.

Pouco se sabe dele nessa época de juventude. Deve ter decorrido normalmente, para um jovem do campo, de aspecto feliz e brincalhão. Apenas se lhe destaca essa paixão desmedida pelos cabritos. A tal ponto que sua mãe, ao contrário de seu pai que o que mais queria era o rendimento que o rapaz lhe proporcionava com essa dedicação, enquanto ela, preocupada, ia dizendo:
- Ó home, bê se tiras o teu filho de trás das cabras, porque o pobo inté lhe arranja alguma fama feia.

Ele ria-se, ria-se, sem se preocupar de nada. Até que a mãe, D. Ana, tomou a decisão de arranjar uma ocupação para o rapaz numa fábrica de trabalhar a pedra. Porém, ele não assentava, com as saudades da vida do campo e foi despedido mais que uma vez, por estragar o granito tentando esculpir imagens dos animais da sua estimação. O pai até achou piada quando o empresário Antero lhe disse:
- Ó Manel, olha que o teu filho pode vir a ser um grande artista. Manda-o para as Belas Artes, antes que se perca por aqui a fazer estragos. Eu, é que já não o posso aguentar mais porque dá me muito prejuízo. Ainda lhe expliquei que se fizesse crucifixos, alminhas, pias para água-benta ou pias para porcos, talvez se safasse, mas ele é teimoso e só pensa em figuras de animais.

Curioso que, quando veio da Guiné, voltou a ir trabalhar para o Antero e, desta vez, foi ele que se despediu. Foi para a Bélgica. A mãe foi ter com o Antero culpabilizando-o de o filho ter emigrado. O Antero meio desanimado, justificou-se junto da amiga Ana e disse-lhe:
- Eu gostava dele. Era trabalhador mas fazia muitas maluqueiras. Parece que ainda veio pior da Guiné. O último prejuízo que me deu foi quando, armado em escultor, fodeu-me uma estátua, já pronta, que valia um dinheirão. Ó rapariga deixa-o ir que só lhe vai fazer bem. E vai safar-se a fazer qualquer coisa, ainda que seja a encher pneus.

Tudo estaria bem e tudo seria esquecido se não fossem os “amigos” que ele arranjou na tropa. Com a alcunha que já trazia da terra e mais as histórias que se foram contando lá pela Guiné, ele ficou marcado para sempre. E tudo por causa dos cabritos. O que lhe vale é a excelente mulher (muito linda, por sinal) que teve a sorte de arranjar e que o compreende e o acarinha como ninguém.
Eu, que o conheci em convívios de ex-combatentes, chego a ter pena dele, só pelas supostas infâmias que ouço, acerca dele. Coitado, ri-se muito (dizem que sai ao pai) e, também, tem muita dificuldade em defender-se do veneno de alguns desses “amigos”. Não imaginam o que eles dizem a seu respeito.
O Neca da Régua, nunca mais lhe perdoou as privações que passou na Guiné por causa dele. Quantas vezes ele percorreu as tabancas de Mampatá e arredores, à procura de cabritos, e sempre lá ouvia:
- Cabrito cá tem. Zé Manel fodéo-o todos.

Segundo este conceituado poeta duriense, o Zé Manel organizou uma pequena mafia que açambarcava os cabritos, provocava a sua procura e especulava os preços de venda. Tinha o esquema tão bem montado, que ninguém o poderia atacar. Diz que veio a descobrir que o Zé Manel se infiltrara nas tabancas, negociando com cipaios, gilas, lavadeiras e, até, com feiticeiros. Por outro lado, tinha o Capitão, o seu Alferes, o Primeiro Sargento, o Enfermeiro, o Vagomestre e o grupinho da sueca, caladinhos como ratos, porque também “mamavam” à grande.
Conta também que, um dia, tentou sensibilizá-lo, explorando o facto de serem ambos do norte, quase vizinhos e que, se calhar, até seriam do mesmo clube.- “Quando eu lhe disse que era do Benfica, então é que fodi tudo. Nunca mais nos entendemos”.

Ainda hoje, quando estamos por perto (nos convívios), vemos que vai um para cada lado, por forma a não estragarem o ambiente com tanta provocação.
Outro que também lhe guarda rancor é o Augusto Carvalho, o ilustre Mayor de Meladas City, que foi veterinário no tratamento de carne para canhão, e se especializou também em tratar de gazelas e cabritos para o tacho, peixinhos da bolanha em escabeche e nhecas com piri-piri. Também era conhecido por alguns excessos como aquele de aconselhar a utilização de preservativos usados, desde que virados do avesso. Dizem que em campanha eleitoral, lá na terra, chegou a referir o mau exemplo da oposição, açambarcadora e insaciável, que lhe “fazia lembrar uma certa pessoa de Penafiel que conhecera na Guiné e que roubava os cabritos aos pretinhos, para se banquetear apenas com os seus capangas mais chegados”.

Todos sabemos que os Enfermeiros (também chamados de Veterinários) gozavam de um estatuto especial; partilhavam mezinhas e recebiam chorudas compensações. Pois o Carvalho viu-se fracassado no exercício das suas nobres funções. E como os indígenas já não lhe podiam trazer galinhas ou cabritos, talvez por vingança, passou a cortar-lhes nos medicamentos. O Zé Manel diz que ele chegou ao ponto de colar os comprimidos na testa dos doentes para que não os gastassem. Também o acusa de comilão insaciável, que apanhou a bicha-solitária lá na Guiné e que nunca mais a largou. E ainda acrescenta:
- Agora até lhe dá muito jeito porque anda sempre em comezainas, a mamar à custa do povo e dos amigos. Cuidado, porque com ele só interessam contas à moda do Porto. Vá comer ao caralho!!!

O Carlos Rocha, sabia de tudo. Como era vizinho do Zé Manel, este bonacheirão também era amante de cabritos… no forno (e não só), cedo se comprometeu numa relação de franca amizade, selada pelo apadrinhamento de um descendente e pela sua união em festas tradicionais e patuscadas intermináveis, ou periódicas, como se fossem telenovelas brasileiras.
Porém, já o ouvi lamentar-se que um dia ficou envergonhado. Foi pelas festas de Rio de Moinhos, quando passeava na companhia do Zé Manel, e se viu observado por um grupo de alunos seus que estavam a cochichar e lhe perguntaram:
- Ó Sô Pro’ssor, veio ver se consegue algum cabritinho? Olhe que a Festa do Cordeirinho já passou. Vai ver que desta vez não leva nada.


A festa do Cordeirinho realiza-se na véspera da Quinta-feira do Corpo de Deus. De acordo com a tradição lá na terra, os miúdos das escolas desfilam com oferendas ao seu professor. Todos levam o cordeiro ainda vivo, acompanhado de salpicão, chouriço, queijos, batatas, cebolas etc., etc.
Conta o Rocha que um dia teve que chumbar um aluno pela terceira vez consecutiva. Dizia:
- É que ele não aprendia mesmo nada!


Quando chegou ao dia da festa do cordeirinho verificou que o cordeiro melhor era o do rapaz que chumbara. Ficou meio encaralhado, sem saber como reagir. E quando se ia a esquivar da tribuna dos professores e das outras entidades, apareceu-lhe o pai do rapaz que o quis abraçar:
- Obrigado, Sôr Pro’ssor, não imagina o favor que me fez. A minha, mulher que é ainda mais burra que o filho, passava-me o tempo a teimar que o rapaz tinha esperteza para chegar a presidente. E eu, o inteligente, que me fodesse a amanhar as terras, sozinho.


Quando o Zé Manel emigrou para a Bélgica, ganhou umas coroas e reformou-se cedo e bem. Juntou ainda a reforma de escultor e a de militar. Mexeu os cordelinhos de tal maneira que nem o Presidente Cavaco ganha tanto como ele. Ora, isto dá azo a que os seus “amigos”, invejosos, passem grande parte do tempo comum, acusando-o de se andar a aproveitar da bagunça que tem reinado em Portugal.
E o que é mais flagrante é que o Zé Manel, que não consegue gastar o que ganha, vive à grande e à francesa, consolado de gargalhadas contínuas, contagiando o ambiente que o rodeia.


Ainda muito recentemente, vimos fotos dele, parecendo assediar cabritos em Mampatá, numa das várias viagens que tem feito à Guiné. O Neca da Régua sabe que aquilo é uma provocação. Sempre afirmou que devido àquela revoltante razia, estes cabritos, que agora são tratados como animais sagrados, tipo vacas na Índia, são descendentes de uma cabrita prenha que conseguiu escapar ao bando do famoso Zé Manel dos Cabritos.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17341: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (42): O Arturinho do Bonjardim, a relojoaria, o negócio das carnes, os vários circuitos e destinos, até ao reagrupamento do… Bando

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17365: Notas de leitura (957): está no prelo o II volume das "Memórias Boas da Minha Guerra", do José Ferreira da Silva (Lisboa, Chiado Editora, 2017).... Reproduz-se aqui um excerto do microconto "Promessas", que tem a ver com Fátima e os pagadores de promessas durante a guerra colonial

1. Está no prelo o Volume II das Memórias Boas da Minha Guerra, do José Ferreira da Silva, sob a chancela da Chiado Editora

Escrevemos-lhe, a seu pedido e com muito gosto, o prefácio a este segundo volume. E o título do prefácio está alinhado com o do livro: "Aqueles que souberam fazer a guerra e a paz, com 'sangue, suor e lágrimas'… e uma boa pitada de humor de caserna"...

Pelo índice, provisório, que o autor nos mandou por email, sabemos que um dos contos inseridos tem por título "Promessas".

Este segundo volume é uma seleção, feita pelo próprio, dos melhores textos ("short stories" ou microcontos) publicados no nosso blogue sob a série "Outras memórias da minha guerra", que se seguiu à série "Memórias boas da minha guerra".

A pretexto do centenário do  santuário de Fátima (1917-2017), e a propósito do inquérito sobre Fátima que termina hoje no nosso blogue (*), achamos oportuno reproduzir uma excerto desse história, "Promessas", justamente a última parte (**). Com a devida vénia ao autor... e votos de bom sucesso de vendas para este segundo volume. (***)


José Ferreira da Silva.
Foto: Chiado Editora
2. José Ferreira da Silva:  Memórias Boas da Minha Guerra, vol II, Lisboa, Chiado Editora,  2017 (no prelo) > 
Promessas (excerto)

(...) Quando se aproximou o 13 de Maio de 1969, já os dois filhos mais velhos da Ti Ana haviam chegado sãos e salvos [, o mais velho, de Angola, e o outro, o Mário, da Guiné] . Agora era preciso pagar as promessas.

A Ti Ana vivia dias felizes, de bem com Deus e com todos os santos, a quem prometera sacrifícios até ao fim da sua vida. De sua casa partiram em conjunto mais de 20 pessoas, com destino a Fátima, a pé. Entre elas, seguiam vários jovens vestidos de camuflado como o faziam lá na guerra, nas Operações Militares. Um deles, estava numa cadeira de rodas. O Mário, que cumpria a sua promessa pela negativa, abeirou-se do rapaz e perguntou:
– Também vais até Fátima?

Ele respondeu:
– Sim, com ajuda da malta e da N.ª S.ª de Fátima que, graças a ela, aqui estou salvo, lá chegarei. E tu, não vais?
– Eu, não. Não fiz promessas e tive sorte. Pelo contrário, tive amigos que lá ficaram e tinham prometido ir a Fátima, Arcozelo, Peneda e Sameiro.
– Pois, tiveste sorte, é porque alguém pediu muito por ti. – respondeu o rapaz

Vinte e cinco anos depois, a Ti Ana, já com uns 70 e tal anos, deixou de poder cumprir a promessa, indo a pé. Confessou a sua impossibilidade ao padre das Missões, onde passou a colaborar, e “renegociou” as suas Promessas: passaria a organizar 2 excursões anuais, em autocarro, mobilizando mais de meia centena de seguidores de N.ª S.ª de Fátima.

Com a mãe a aproximar-se dos 90 anos, o Mário resolveu dar-lhe a alegria de ir a Fátima numa dessas excursões, que era, agora, ajudada na organização, pela filha mais nova. Ele gostou imenso daquele ambiente popular e alegre e prometeu ir lá mais vezes.

Quando, estavam em Fátima, o Armindo interpelou a Ti Ana, na frente do Mário:
 – Como é que conseguiu que este herege viesse a Fátima?
 – Olha, menino, quanto mais velha, mais feliz me sinto. Hoje estou a cumprir a minha promessa mais difícil. Há mais de 40 anos que a estava a dever à N.ª S.ª de Fátima!
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Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 16 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17363: Inquérito 'on line' (115): Fátima... Com 70 respostas no início da tarde, e a menos de 24 horas para o fim do prazo, conclui-se que todos lá fomos, pelo menos uma vez na vida, antes, durante ou depois da tropa... mais como turistas (58%) do que como peregrinos (18%)

(**) Vd. poste de 24 de março de  2012 > Guiné 63/74 - P9650: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (15): Promessas

(***) Último poste da série >  15 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17359: Notas de leitura (956): “Portugal e as Guerrilhas de África”, por Al J. Venter, Clube do Leitor, 2015, prefácio de John P. Cann (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17341: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (42): O Arturinho do Bonjardim, a relojoaria, o negócio das carnes, os vários circuitos e destinos, até ao reagrupamento do… Bando

O Bando


1. Em mensagem do dia 26 de Abril de 2017, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", enviou-nos mais esta história para a sua série...


Memórias boas da minha guerra

42 - O Arturinho do Bonjardim, a relojoaria, o negócio das carnes, os vários circuitos e destinos, até ao reagrupamento do… Bando

O Alferes Artur Bastos está ligado a algumas das histórias que venho relatando aqui no blogue. Já o referi em “A honra não tem preço” (P16511) e em “O galã de Nhacra” (P15836). Porém, dada a sua ligação e importância da sua convivência com vários companheiros, desde a escola até à guerra da Guiné (e posterior tempo de convívios de ex-Combatentes), julguei oportuno registar com mais pormenor algumas passagens da sua vida.

“…Nos primeiros anos da década de 1920, terminada a Grande Guerra, a instabilidade cresceu: para além dos governos se sucederem a um ritmo alucinante (foram 23 os ministérios entre 1920 e 1926), os atentados bombistas e a forte actividade anarco-sindicalista criavam no país um clima pré-insurreccional que fazia adivinhar um fim próximo para o regime….” 
(in Wikipédia – Revolução de 28 de Maio de 1926). 

Gomes da Costa e suas tropas desfilam vitoriosos em Lisboa (6 de Junho de 1926) 

Foi por essa altura que a Emília do Campo casou com o Zé da Serra. Ela, uma mulheraça carregada de vida, bonita e bastante desejada e ele, um rapagão, capaz de satisfazer o mais exigente patrão madeireiro e qualquer mulher. O desejo de se unirem era mais forte do que a instabilidade política e social reinante. Todavia, esse golpe de 28 de Maio parece ter provocado alguma esperança entre os portugueses (já bastante cépticos quanto à governação republicana).

Em poucos anos, a Emília dera à luz uma meia-dúzia de filhos. Todos saudáveis e robustos como os pais. Porém, mesmo com as medidas rígidas de poupança e restrições, impostas pela crise e pelo novo regime político, a sua sobrevivência tornara-se um grande problema. Foram tempos muito difíceis. Tempos de fome. Tempos em que muitas vezes o trabalho era pago com uma frugal refeição. Desde crianças, muitas das raparigas eram distribuídas na serventia das famílias mais abastadas e muitos dos rapazes eram aproveitados para ajudar nas fábricas e na construção civil. A escola era luxo difícil de conseguir.

Das três filhas assim distribuídas, uma delas foi para o Porto. Foi a Rosita, a tal que sempre se entusiasmava quando a tia Candidinha vinha de visita à terra, por altura da Páscoa, Natal e de outras festas familiares.

A Candidinha foi uma rapariga de sucesso numa casa de putas, na zona do Bonjardim. Dizia-se que ela se havia especializado em Lisboa, junto dos meios republicanos, então muito voltados para a rebeldia e estrangeirismos, modernices ou libertinagem. Era muito disputada pelos frequentadores mais exigentes nesse “negócio de carnes”. Foi tal o sucesso que a Candidinha passou de protegida da Madrinha do Lar para a amiga/amante do senhorio desse Lar das Donzelas. Uns anos atrás, o Senhor Lopes fora abandonado pela sua mulher que o deixara só e que, após algumas tentativas de gravidez falhadas, mudou de homem, talvez na convicção de que o “defeito” era dele. Mais tarde, ela quis regressar mas o Lopes sentia-se muito bem servido com a Madame Candidinha.

A Rosita, embora auxiliasse a tia nos serviços domésticos, teve a oportunidade de frequentar a Escola Primária da Fontinha. Nas visitas à aldeia, a Rosita mostrava algumas saudades dos irmãos e do calor do ambiente familiar. Como as dificuldades continuavam, o pai Zé da Serra, viu que seria oportuna e desejável a entrada de mais uma féria na família. A Rosita lá ficou para trabalhar numa fábrica de cortiça, em Lourosa. Inicialmente não lhe desagradou a mudança mas, cedo se apercebeu de que agora, o futuro que esperava deveria ser diferente. Cresceu e amadureceu naquele ambiente de fábrica, cerimónias de Igreja, festas pagãs e de santos. Em poucos anos, deitou corpo de mulher. Agora, com 16 anos, já se via cortejada pelos rapazes da terra.

Subitamente, a Rosita foi de novo para o Porto. A tia Candidinha adoecera e passava a maior parte do tempo na cama. Pediu para que a Rosita a fosse ajudar, com a promessa aos pais de que, agora, os compensaria monetariamente.

A Rosita apareceu grávida. Há quem diga que isso fora o resultado de um namorico, iniciado com um colega de fábrica, lá de Lourosa. Porém, a Rosinha não queria comprometer o rapaz. Mas, como ela era menor, o pai não aceitava que o assunto ficasse assim. Valeu-lhe a ajuda da tia Candidinha, que a protegeu e lhe assegurou o apoio, até ao nascimento do Arturinho.

O Arturinho foi muito bem recebido pelo Lopes e pela Candidinha. E a Rosita foi ficando por ali, pelo Bonjardim, sem vontade de ir à aldeia mostrar o filho.
Porém, a Emília do Campo veio a ter um problema de saúde e insistiu que deveria ser a filha Rosita a ir ajudá-la. A tia Dina concordou e até gostou de ficar com o Arturinho.

Nos dias que se seguiram, a Rosita encontrou-se com o Eduardo Valente, o tal rapaz com quem ela já havia namorado. O Eduardo mostrou-se interessado em reatar o namoro com a Rosita. Desta vez, ele apareceu bastante credenciado pelo suporte social da pequena empresa corticeira que o seu pai havia criado. A empatia que os ligava veio ao de cima e, em pouco tempo, assumiram apaixonadamente a desejada relação amorosa e amadurecida.

O casamento foi muito bonito. O Arturinho levou as alianças e a tia Candidinha e o Senhor Lopes foram os padrinhos. Até teve vários automóveis. Tínhamos que parar o jogo da bola no largo, para que eles passassem. Eu teria já os meus 7 anos.

A reforçada paixão dos noivos foi tal que nem se preocuparam com a tutela do Arturinho. Embora o Eduardo estivesse convencido de que teria de assumir a paternidade do miúdo, a Rosita conseguiu libertá-lo dessa pressão, facilitando a sua permanência no Porto junto da tia Candidinha. Digamos, de passagem, que o Arturinho, graças ao mimo que o envolvia, sentia-se um principezinho no Bonjardim.

O Artur frequentou a escola primária perto de casa, na Fontinha. Na escola era conhecido por filho do Lopes da Relojoaria e da Dona Nandinha, apesar da idade já um pouco avançada que aparentavam. Não era mau aluno, mas um bocado preguiçoso. Porém, a Mãe Dina sabia impor-lhe a disciplina necessária. Por outro lado, o Pai Lopes era um bolas, entretido com o trabalho da relojoaria e com algumas tardes de pesca, junto à Ponte D. Maria.

Quando o Arturinho passou a frequentar a Escola do Infante Dom Henrique apanhou alguns colegas novos, oriundos de várias zonas típicas do Porto e de outras fora da cidade. Foi desta forma que começou a tomar maior contacto com gentes e costumes portuenses.
Por sua vez, o Arturinho cedo ficou referenciado como o puto vizinho das Donzelas do Bonjardim. É que ele, sem se aperceber, dava o seu endereço que era próximo de uma casa de putas, precisamente por cima de uma loja de relojoaria e jóias. A relojoaria do Pai Lopes era onde, segundo a especificação do Teixeira de Salgueiros, se vendiam os “broches” que eram fabricados ali mesmo por cima. E o Arturinho, muito fascinado nas jóias e relógios do Pai Lopes não fazia ideia dessa actividade “artística”, fora de Gondomar.

Efectivamente, o Arturinho sempre manteve uma ligação privilegiada com as vizinhas do prédio da relojoaria do Pai Lopes. Ainda criança e já sentia o carinho das vizinhas que o beijocavam quando se cruzavam, lá no Bonjardim. E muitas das vezes via lá a Mãe Dina a conversar com a Dona Laidinha (a Madrinha do Lar), aparentando sempre uma boa relação. E sempre recebia alguma carícia doce, acompanhada pelo cumprimento especial:
- O Arturinho está a ficar um homem!

Um dia, podia tê-las ouvido cochichar:
- Olha que ele já deve andar a tocar ao bicho. Qualquer dia temos que o levar lá para cima.
- Já notei isso e confesso-te que ando preocupada. Tenho medo que se meta com as badalhocas, sem controlo sanitário, e lhe peguem alguma doença. E tu sabes bem o que isso é.
- Fica descansada que vou preparar um bom petisco para ele. Vais ver que ele nunca mais vai esquecer as Donzelas do Bonjardim! Quando entenderes que é oportuno, manda-o ir lá acima levar-me um recado, para se ir ambientando.


Ele já sabia qual o verdadeiro ramo de actividade do Lar das Donzelas. E a malta da Escola espicaçou-o de tal forma que ele já passava grande parte das horas livres junto do Pai Lopes. Creio que ele ainda não teria feito os catorze anos. A Mãe Dina mandou-o levar um pequeno embrulho à Dona Laidinha. Ele, surpreendido, fitou-a de tal forma que ela o esclareceu:

- Ó rapaz, não tenhas medo, que elas não te fazem mal nenhum. São mulheres como as outras.

Propositadamente, a Dona Laidinha fê-lo esperar, enquanto lhe mandou servir um refrigerante. Algumas Donzelas estavam em serviço de quarto mas outras vieram cumprimentar o rapaz com reforçados carinhos. Quando vinha a descer as escadas, a Dona Mariota acompanhou-o, para lhe segredar:
- Leva o meu relógio para arranjar. Quando estiver pronto, vem-mo trazer.

Quando o Arturinho chegou à relojoaria junto do Pai Lopes já tinha pensado num esquema:
- Pai Lopes, podias arranjar este relógio de um amigo meu, lá da escola.


A Dona Mariota era já entradota na idade para aquele métier. Era a última das colegas da Madrinha Laidinha e da Madame Candidinha. Mantinha-se ainda ao serviço, graças às suas renovadas capacidades. De cara, já acusa os seus 50 e tal anos mas, do resto, conserva o aspecto de “bambolona”, tão do agrado dos olhares masculinos de quase todas as idades.

Logo que o Arturinho apanhou o relógio arranjado, aproveitou o período da sesta daquele dia primaveril e subiu ao Lar das Donzelas. Entrou e encontrou tudo muito calmo e não se via ninguém. De uma porta entreaberta viu surgir a Dona Mariota que lhe fez sinal para entrar. Recebeu o relógio com manifesta simpatia, puxou-o e abraçou-o agradecida. De seguida, disse-lhe para se sentar na cama e ficar à vontade. Fechou a porta, abriu a camisa e enquanto abanava a saia ligeiramente levantada na frente, dizia:
- Ui que calor!

Mostrou que lhe queria pagar o concerto do relógio mas ele recusou qualquer valor monetário. Cada vez mais grata, ia-lhe manifestando simpatia. Seguidamente, enquanto se coçava sobre a anca direita, voltou-se de costas e pediu-lhe:
- Ó Arturinho, por favor vê se encontras aí alguma coisa. Sinto comichão.

Com a saia levantada, ele regalava os olhos para o seu avantajado traseiro. E como ele dizia que não encontrava nada, ela mandou-o apalpar, mas com cuidado. De repente, virou-se de frente, de forma a aparecer-lhe com a “entreperna” diante dos olhos, e desafiou-o:
- E agora, vês?

Ele sorriu, enquanto ela lhe agarrou numa mão e pousou-a sobre o seu farto e escuro ninho.
- Não tenhas medo. Isto ferra mas não magoa.

Fê-lo levantar, e ao apalpa-lo entre as pernas, exclamou:
- Carago, tens aqui um pedaço de categoria, deixa-me ver.

Sentou-se de pernas abertas, enquanto lhe desapertava a portinhola, para soltar o leão. Desceu-lhe calças e cuecas e pôs-se a fazer-lhe caricias eróticas. Chegou a beijar-lhe o animal. Como ela sentiu que o rapaz já estava bastante excitado e antes que ele ejaculasse precocemente, abriu mais as pernas e encaminhou-o para a desejada penetração. O Arturinho andava nas nuvens; já fora ao pito, já era um homem. Agora parecia ver o mundo de uma forma diferente. E não olhava mulher alguma sem a imaginar de pernas abertas e acessível como a Dona Mariota.

Entretanto, o tempo ia passando mas sempre que se olhava ao espelho, sentia alguma preocupação com a escassez de barba e com o excesso de borbulhas. Na Escola do Infante, onde passava despercebido, agora sentia-se mais homem que os outros. Já discutia sexo com outros colegas mais velhos. E, até, acabou por entusiasmar alguns, que levou ao Lar das Donzelas.

Um dia a Dona Mariota, que lhe andava a dar umas “borlas” às escondidas, disse-lhe que podia marcar com os seus colegas de Escola uns “servicinhos” mais acessíveis e em segredo, mas fora do Lar.

Quando sussurrou essa proposta a alguns colegas, foi surpreendido com o entusiasmo do Marinho da Sé. Inicialmente, imaginou-o demasiado amaricado e um tanto identificado pela popularidade do vizinho Carlinhos da Sé. Depois, ficou bem esclarecido quanto às suas capacidades e experiência no “negócio das carnes”. Não fora a “escola” recebida do tio Júlio, e ninguém lhe imaginaria tais capacidades.

Quando o Arturinho perguntou ao Marinho a confirmação da sessão colectiva, foi logo esclarecido:
- Não te preocupes, já seleccionei a malta que vai, leva a gaja para o sítio combinado, que está tudo organizado.

Quando a Mariota entrou naquela casa abandonada, manifestou logo a sua discordância. Porém, o Marinho acalmou-a e adiantou-lhe uma verba jeitosa, fazendo-a hesitar quanto a uma possível desistência.
O Arturinho foi aguentando mas quando se apercebeu da real situação, tentou reagir. Logo foi ameaçado, especialmente pelos mais velhos, que agora estavam em maior número. O Marinho havia arranjado os clientes, recebera o dinheiro e controlava a situação. A Mariota, que já fora ameaçada e agredida, agora, via-se amarrada sobre uma improvisada cama: o tampo de uma mesa antiga.

À saída, o Marinho estendeu a mão ao Arturinho com algum dinheiro:
- Pega lá e vai buscar a gaja lá dentro.

O Arturinho esquivou-se e respondeu:
- Fica com o dinheiro todo e não me apareças mais.

Revoltado, o Arturinho abandonou a Escola do Infante. Ainda pensou ir para o Liceu Alexandre Herculano mas teve receio de encontrar dificuldades de adaptação às Letras e, também, aos meninos queques, mais frequentes nessa escola. Acabou por se decidir pela Escola Oliveira Martins, onde se veio a sentir muito bem.
Entretanto, sentia-se inibido em voltar ao Lar das Donzelas. Foi precisa a intervenção da Madrinha Laidinha. Ela nada soube do que se passara, mas estranhou o seu afastamento do Lar. Todavia, tinha conhecimento de que ele andara a desenrascar-se minimamente com a Mariota. Pois, a Madrinha esmerou-se em agradar e prender aquele jovem, tido como filho da casa.

Arranjou-lhe um serão espectacular. Meteu-o num quarto onde estava escondida uma jovem menor, acompanhada de uma amiga mais madura. Agarraram-se a ele e atiraram-no para cima da cama. Ele limitou-se a deixá-las despi-lo e descalçá-lo. O resto, foi um mundo de meiguices, de loucura e de prazer. Deram-lhe tudo. Até de comer. Foi nessa fartura que se apercebeu da fama do Bonjardim, onde se comiam os 3 pratos.

O Arturinho adaptou-se facilmente à nova escola. Foi ali que ficou esclarecido sobre os “Chulos da Sé”, os Carteiristas da Costa Cabral e Areosa e dos Pipis da Foz, tidos como ricos. Porém, estes também tinham a fama dos Manteigueiros, devido à pobreza de outros Fozeiros (os da parte velha, mais do lado da Cantareira), sem dinheiro para os cremes protectores solares. Também ficou a saber que os gajos da Ribeira eram tidos como Rufias, os do Marquês e Paranhos tinham a mania de ser Dândis e Cinéfilos, enquanto que os de Campanhã eram famosos pela boa vida, bons passeios e muitas festas. Ah!... e os das Antas eram os Andrades.
Foi com estes que mais conviveu e mais cresceu. E foi com alguns destes amigos que “percorreu” o Porto, desde a Ribeira ao Amial ou do Castelo do Queijo até Campanhã. Também foi com eles que rompeu panos de bilhares e fundilhos das calças nos cafés Embaixador, Palladium, Imperial, Guarani, etc. E com um grupo mais restrito, “passou” para fora do Bonjardim, conhecendo muito do mundo nocturno portuense, do Marquês à Ribeira ou dos Caldeireiros à Trindade ou Santos Pousada.

De tempos a tempos, iam enfiar umas cervejolas na “CUF”, na “Sá Reis” ou no “Pereira”, uns petiscos no “Buraquinho”, “Flor dos Congregados”, na “Mãe Preta” e no “Olho” e umas francesinhas na “casa mãe”, Restaurante Regaleira, precisamente onde foi criada essa famosíssima especialidade da culinária portuense.

A autoria desta criação pode não ser tão debatida como a da Ilíada, mas aqui o Homero é Daniel David Silva, um ex-emigrante que pegou na tradição da tosta francesa (ou croque-monsieur), adicionando-lhe molho, e criando uma iguaria que rapidamente ganhou fama. Corria o ano de 1953 e um dos actuais sócios, Augusto Marinho, era então seu ajudante. Hoje, guarda consigo o segredo do molho (que é bem picante), e mantém a tradição de usar carne assada entre fatias de pão de bijou, o que lhe permite dizer que a sua francesinha é "única". Como os juízos de valor são complicados, só podemos garantir que, por ser tão purista, se trata de uma versão diferente. Augusto Marinho ironiza: "Se tivesse registado a patente, agora éramos donos do mundo."

Enquanto a maioria dos amigos já andava na tropa e na guerra, o Arturinho, que ficara adiado para acabar o curso, ia mantendo a tradição de alimentar alguns dos seus hábitos de vida nocturna. Entretanto, acabara por conhecer a vizinha Lenita, a tal especialista em sexo oral, cuja bicha de clientes, por vezes, se estendia pela estreita escadaria de madeira, desde a entrada até à pequena sala de estar do 1º andar. Curiosa a fama desta “artista” que não admitia que lhe tocassem no corpo, o qual escondia até ao pescoço, enquanto, de mangas arregaçadas, exercia os serviços de criteriosa limpeza das mãos, da boca e do instrumento do cliente.

Também frequentava os bares de streap. Foi no Gata Preta que se perdeu um pouco mais. A Joaninha, a jovem menor que conhecera no Lar das Donzelas, actuava ali em grande estilo. De tal forma que ganhava umas boas coroas. Entusiasmada com o seu relacionamento com o Arturinho, pagava todas as despesas. Ela preocupava-se com o seu aspecto e até insistia que ele deveria puxar o cabelo para trás e assapá-lo com fixador e brilhantina. Um dia levou-o a Sta. Catarina, para lhe oferecer um fato ao seu gosto, um fato escuro de listas largas, inspirado nos personagens do filme “O Padrinho”.


Quando chegou o tempo de tropa já o grupo se havia desfeito. Haviam seguido um para cada lado. O Teixeira tinha ido para as Artes Reunidas, o João fez-se Professor, o Jorge entrou na área Comercial de componentes de Escritório, o Manel seguiu Mecânica, o Jotex foi para Delegado de Propaganda Médica, o Carvalho entrou na Petrogal, o Monteiro andava no Instituto de Contabilidade, o Arturinho em Eng. Civil e o Francisco em Eng. Electromecânica. Com o desaparecimento da malta, foi crescendo a curiosidade de se saber por onde andavam.

Quase por instinto, a malta quando estava livre, passava à tarde pelo Café Progresso, na esperança de encontrar alguém que desse notícias dos outros. E foi assim que se soube que seguiram uns poucos para a recruta nas Caldas da Rainha e para a especialidade em Vendas Novas. E que a estes se juntaram outros, vindos de Santarém e Mafra, os quais se foram misturando por Espinho, Gaia e… Guiné. Por vezes juntos, mas com tempos de serviço diferentes. Desta forma, o Café Progresso foi servindo cada vez mais, como ponto de encontro da malta, cujo percurso muito coincidira em importantes momentos da sua vida.

Dessa malta, lembro bem o Egas e o Rio Tinto, em Santarém, o Delfim no GACA 3 e nos Rangers, o Teixeira, em Catió e o Gonçalves em Vendas Novas e Cufar. Eu conhecia o Arturinho pelas suas origens lá da terra, pela sua família e pelas suas regulares e pontuais visitas. Nunca consegui encontrá-lo durante o serviço militar. Porém, mais tarde, vim a contactar bastante com ele, quando era engenheiro na construção da Barragem de Crestuma. Foi nessa altura que também me contou que o Pai Lopes o declarara único herdeiro, pouco antes de falecer. E que a mãe lhe segredara recentemente, que o Pai Lopes era o seu pai verdadeiro.

Passada a fase da Guerra do Ultramar, cada um fez-se à vida, constituiu família, andou por casa do carago e amadureceu. As visitas ao Café Progresso foram rareando e reduzidas aos mais vizinhos. Até que o Teixeira (Portojo), recentemente falecido, e o Jotex se lembraram de “determinar” que, pelo menos uma vez por mês, se efectuasse um Almoço Convívio, para se perpetuarem a camaradagem e as amizades conquistadas. E até lhe deu um nome: “Bando do Café Progresso - das Caldas à Guiné“.

Com a chegada do Facebook, acentuaram-se os contactos e alargaram-se as relações. Actualmente, o Bando agrupa ex-combatentes com percursos guerreiros diferentes mas de sensibilidades coincidentes.

Agora, para além do bom convívio mensal, onde diversificamos o local, o programa e a componente gastronómica, por vários pontos de interesse do norte de Portugal, mantemo-nos diariamente em contacto, o que tem contribuído imenso para uma boa camaradagem entre todos.

Por outro lado, tem sido maravilhoso poder ouvir, reviver e registar histórias que perdurarão e que vincarão o nosso envolvimento na Guerra do Ultramar.

Nota: - Mais tarde, o Arturinho passou a loja de Relojoaria e Jóias e criou uma Casa de Alterne. Porém (estranhamente!) essa sua iniciativa empresarial viria a tornar-se desastrosa, o que o obrigou a dedicar-se definitivamente aos trabalhos de engenharia. 
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17095: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (41): Dimensões guerreiras