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quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P14998: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (X Parte): Barro, Bigene; Bigene, Barro

1. Parte X de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 10 de Agosto de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - X

Barro, Bigene

Isto por aqui estava tudo calmo. Agora parece que chegou a nossa vez, parece não, chegou mesmo. Isto é complicado, o nosso governo tenta manter esta merda sob controlo, estamos aqui quê, 15, 20 mil gajos, não? Não é pela Guiné, claro, esta terra não tem nada, por outro lado é preciso ver, os soviéticos querem manter o Salazar sob pressão, estás a ver, dispersão de esforços, para a malta não se concentrar em Angola, petróleo, diamantes, madeira e tal, a Guiné é água e mosquitos, fazem-me a vida num inferno, os filhos da puta picam-me até dentro dos lençóis, grandes cabrões, aqui não há mais nada, é ou não é?
É pá, falam da ONU, a ONU é outro buraco, dali não sai nada para nós, pá, o Johnsson está atolado no Vietname, os Américas nem a cabeça podem pôr de fora, caladinhos que nem cucos, votam a nosso favor nas coisas de merda, votam contra nós nas outras, querem lá saber da malta!
E Barro, o que é Barro? Um buraco, num buracão que é a Guiné, correcto?
Mas nada de grandes problemas, mais ou menos calmaria até à semana passada, percebes? Agora, aquela bronca de Farim, é que foi o caraças! Está aqui a malta metida, meia dúzia de gatos-pingados, ainda por cima meias-fodas, que não têm onde cair mortos, a ver se o tempo passa, agora chegam vocês, só me faltava mais esta!
Mas qual ajuda, qual merda! Vocês montam aqui as barracadas e tal, e depois é como os enxames de abelhas, abanam a árvore, as putas das abelhas, dá-lhes não sei o quê, parecem stukas a cair em cima de nós, e depois como é?
Depois vocês vão para o quentinho, para Bissau não é, p'rás cabo-verdianas, para o meio da coxas delas, lençoizinhos brancos que elas gostam, mosquiteiro e tudo, não é, que eu bem sei, também passei por Bissau, ainda me lembro, que é que julgas, a malta aqui nem o padeiro vê, há que tempos que já nem me lembro, ó pá, aqui só tropa, mais nada!
Ouviste, desculpa lá, cabo-verdianas, pois, obrigado, agora estou sempre a lembrar-me é da mão, sim é com esta, sou canhoto, porquê importas-te? Ah bem, era só o que me faltava vir agora um guerrilheiro de Bissau dizer-me para mudar de mão, nem a professora, a D.ª Eugénia, lá de Vinhais, boa senhora, coitada, aquilo é que era uma professora, agora já não há disso, o que é que estava a dizer, ah já sei, olha que nem a D.ª Eugénia, coitada da senhora, se cansou de falar à minha mãe, não me puxavam as orelhas, qual quê, amarravam-se a elas, foda-se, estás a ver como ficaram, espera aí, acabo já, de que é que estávamos a falar, ah a mão, claro já me lembro, estou a dizer-te, amigo, nem a D.ª Eugénia conseguiu mudar-me a mão, ouviste?
Ainda há bocadinho, antes de vocês chegarem, dei com uma revista, ai nossa senhora, uma revista qualquer, sei lá, qual Playboy qual quê, essas ficam todas em Bissau nas mãos do ar condicionado e tal, espera aí, já sei, Estúdio ou Studio, agora não tenho bem a certeza pá, era uma revista de cinema, a Ava Gardner, uma artista, sabes quem é? Sentada num banco alto, ai nossa senhora, não vais acreditar, umas pernas, o vestido um bocadinho acima, os joelhos à mostra, quando fui à sentina, baixei as calças pá, não sei como, sai-me o pau virado p'ra cima, quase encostado ao umbigo, não acreditas? Estás a rir-te, pá? Não acreditas?
Desculpa, amigo, agora a sério, desculpa pá, estavas a falar de quê? Estou meio zuca, não repares pá! Não era só eu que estava a falar, desculpa lá, mas tens que ver, estou aqui há não sei quanto tempo, há dias que não falo, há dias em que só falo comigo! Espera aí, o que é que eu estava a dizer? Ah, sim! Então, vocês levantam a caça, põem-se na alheta, depois é que é o caraças, nós é que vamos apanhar com os cagalhões em cima, foda-se, fodam-se todos mas é!
Não é trovoada, não! Não ouves, porra? Ouvidos de Bissau, claro, é só carros, não têm ouvidos para outra coisa. Aqui em Barro não há surdos, ouvimos tudo!

Pouco mais de um metro e meio, cabelo farto dos lados mais que em cima, bigode farfalhudo, Toilas, o alferes Toilas como era conhecido, comandava aquele destacamento com uma garrafa de Vat 69 mesmo à mão. O outro ao lado, numa esteira presa aos pilares da casa onde estava alojada a inteligência deste posto avançado, Barro, na fronteira norte com o Senegal.
Do quarto ao lado, onde funcionava o posto rádio, o radiotelegrafista a gritar, Bigene está a ser atacado!

************

Bigene, Barro

Em Bigene bebia-se bem, capitão à cabeça. Ou comando ou não comando, o comandante à rasca com as palavras.
Não fico nem mais uma noite neste quarto, daqui a bocado, ponho-me na alheta. Ou acordava com os arrotos ou com as idas do capitão ao quarto de banho, amarrado às paredes, vómitos, água do autoclismo.

Estremunhado, parecem estrondos! O barulho da locomotiva na cama ao lado entrara em velocidade de cruzeiro. Rebentamentos? Ai são, são, calças enfiadas, botas sem meias, p'rá rua já!
Clarões para os lados de Barro. Um espectáculo magnífico e assustador, tal e qual como vira uma vez, quando numa noite de um Agosto longínquo, regressava das festas da Agonia em Viana.
Galgou as duas escadas para a sala do rádio, o telegrafista de serviço na cama, a sono solto. Não se passa nada aqui, o rádio aflito a chamar, não se calava nem o militar acordava. A pé, baixinho, só para os ouvidos do radiotelegrafista. Um pulo, o coração dele também pelos vistos, ligação estabelecida, finalmente! Barro à morteirada, há meia hora pelo menos, temos feridos.
Pessoal cá fora, todos com os olhos para Barro. Chamou o Valente, falaram à parte, outra vez para o quarto. Pepsodent, cuecas e meias no saco, água na cara, porta fora.

Para Barro, margens da picada, em coluna por um, bem espaçados, a 1.ª equipa à frente, destacada uns 50 metros, cuidados mais ainda que os habituais. Uma madrugada fresca, boa para andar. À medida que iam andando, os rebentamentos iam espaçando, até que deixaram de se ouvir.
Chegados a dois ou três quilómetros da povoação, meteram-se para dentro da mata, e deixaram-se estar ali até o dia começar a clarear. Quando voltaram à estrada, um dos homens da frente chamou a atenção para o que lhe parecia ser um papel, pregado numa árvore. Duas folhas dactilografadas, tudo em maiúsculas.

"Chamais bandidos aos que lutam pela sua terra e pela liberdade do seu povo. Vós bem sabeis contudo, que verdadeiros bandidos, são vosso patrão Salazar e a camarilha de ladrões que roubam o bom povo português, mandando os jovens da vossa pátria morrer ingloriamente por uma causa injusta e por isso de antemão perdida.
Sabeis que vossas mães, noivas, irmãos e amigos choram de dor pelos vossos camaradas que morrem neste país que não é o vosso, longe da vossa pátria e da vossa família. Os nossos chefes não estão no chão francês, estão dentro do nosso país!
Vós sois escravos de um tirano, de um velho caótico de 75 anos, peru vaidoso, que demonstrando claro desprezo pelas gerações modernas do vosso país, em conferência concedida ao chefe do "Bureau da Reuter", nas Nações Unidas, declarou que gostaria de se demitir das funções que ocupa mas que não o poderia fazer pela necessidade de dirigir a política portuguesa em África. O vosso patrão considera-se o único homem em Portugal com valor para dirigir o vosso país!
Nós não passamos fome!
Nós não passamos frio!
Porque estamos na nossa terra e a lutar pela nossa pátria.
Na vossa pátria milhares de vossos compatriotas passam fome e toda a miséria possível, vendo-se obrigados a imigrar clandestinamente para o estrangeiro para não morrerem de fome. Só para a França fugiram nestes dois últimos anos mais de cinquenta mil operários, conforme declarações oficiais francesas.
O nível de vida do vosso povo é o mais baixo da Europa e um dos mais baixos do Mundo! A tropa não vai embora?
Sim, infelizmente para vós, muitos ficam!
Não voltarão mais aos seus lares, não voltarão mais ao convívio dos seus, jamais voltarão a receber os carinhos dos pais, das esposas, dos amigos.
Ainda estais a tempo de ir pelo vosso próprio pé!"

Foram entrando devagar em Barro, povoação fantasma. Ouviam risadas de alguns nativos que se iam apagando à medida que os iam vendo, fechavam a cara, ficavam a olhar para eles.

Barro. 
Foto: © A. Marques Lopes, in Luís Graça e camaradas da Guiné.

Uma loja de uma família libanesa, daquelas que vendem arroz, agulhas de coser, frigoríficos, panos, mancarra, o que havia, sentado cá fora, cara de infeliz, chávena de café na mão, o Toilas a olhar para ele.
Calmaria em Barro era uma vez. Por acaso até estava acordado, foi um estrondo a abrir, só queria que ouvisses, não, trovoada não, pá, vai gozar com o caraças, um estrondo mesmo em cima de nós, merdas a partirem-se. Não tive dúvidas, só gritei, é malta, p'rós abrigos!
Sei lá que horas eram, nem me lembrei de olhar para o relógio. Do lado do rio não, fogo foi só daquele lado, do lado do Senegal. Respondemos pois, ai não, à morteirada para não ficarmos atrás e umas bazucadas de brinde. Para onde?
P’ráqueles lados. Queres ver as marcas dos balázios dos gajos? Uma vintena de passos dados, lá estavam as paredes da pequena casa que servia de posto de comando de Barro crivada de furos.
Não, ainda não saímos daqui, o Toilas, agitado. Como é que havíamos de os perseguir, que porra!
Temos cabrito para logo! E temos mais ali, para ocasiões especiais, como esta é que espero que não! Não pode ser tudo mau, não é? Quando voltais a sair? Esta noite não, porra! E o capitão, meteu-se muito nos copos? Aquele gajo já veio bêbado da metrópole, é um profissional do mergulho!

Cabrito arrumado com cerveja, a lua e o sono misturados, num momento parou tudo. Estás a ouvir, outra vez, ouviste? Filhos da mãe, os gajos outra vez! É Bigene, o telegrafista, como se os outros não ouvissem.
Outra vez para Bigene, a mesma caminhada, quase as mesmas horas, procedimentos idênticos. Só o barulho de helis para os lados de Bigene é que foi diferente. À entrada da povoação flagelada nessa noite, os nativos remexiam no chão, nos buracos frescos e, ou não os viam a chegar ou então faziam de conta.
Ar de apardalados, caras desanimadas, uma noite infernal. O capitão, decidido, tinha pedido apoio a Farim. Chegara há momentos uma equipa médica e mais um pide. E havia mais gente dentro das cadeias improvisadas.
Bigene estava a ser atacada de fora, mas também de dentro, as trajectórias das balas, da casa do administrador e de outras casas também, para o edifício onde os oficiais dormiam, não lhes deixavam dúvidas.
Militares num magote, a uma centena de metros além do arame farpado, rodeavam dois tipos brancos com ar de polícias e um desgraçado, àquela distância parecia cabo-verdiano, no meio deles.
São os pides que estão a interrogar o administrador do posto! Está farto de enfardar, toda a maralha já molhou a sopa no gajo, um soldado para outros que corriam para lá, no meio de grande agitação.
Diga lá, senhor Sony, como combinaram então o ataque? Recapitulando, o senhor veio até aqui, esperou junto a esta árvore o Ramos, não foi? E depois, abra lá essa cloaca, conte tudo, que a gente não sai daqui sem o senhor contar tudo, não é?
O desgraçado com marcas de sangue fresco na cara, nos braços, nas costas, os olhos exaustos! Até bocados de pele e carne lhe faltavam!
É guerra, é guerra, um militar inflamado!
O espectáculo continuava, sem intervalos, agora com mais gente, população local também, todos num magote, numa agitação ainda maior.
Um dia para esquecer, ou para não esquecer nunca mais!
O grupo tinha o regresso a Bissau marcado para dois ou três dias depois, por via marítima. No dia seguinte, ao alvorecer, partiriam para Barro, onde aguardariam instruções sobre a data e hora exactas de embarque. Durmo com o grupo na “arrecadação”.

A mulher do chefe de posto, de vestido preto sem mangas, o gabinete do capitão, o tipo a levantar-se, beijo na mão, o sentar elegante e digno dela, o capitão a passar a mão pela careca, olhos de uísque, a porta a fechar-se com estrondo, o coração aos pulos, a querer abrir a porta, não abria, a maçaneta soltou-se com a força, a mão com a maçaneta aos murros na porta, capitão, capitão, não!

Acordou sobressaltado, os estrondos enormes lá longe, outra vez Barro, toda a gente a pé, a correr para a rua, o mesmo espectáculo.

Os ataques às povoações de Barro e Bigene, fisicamente não os tinham apanhado, nunca souberam nem como nem porquê, coincidências apenas.
Alguém alvitrara que as mudanças constantes terão sido um motivo, outros que talvez o IN estivesse a jogar ao gato e ao rato. Chegaram a sair aí pelas três ou quatro da tarde, fizeram grandes desvios pelo mato para disfarçar, dispuseram-se em frente a Barro uma vez e outra em Bigene, aguardaram emboscados noite fora até o Sol nascer, que os guerrilheiros flagelassem para tentar apanhá-los na retirada, eufóricos como costumavam mostrar-se quando não tinham baixas.
Nunca aconteceu. Emboscadas, patrulhamentos, nem um contacto.
Donde vêem eles? De Sano, toda a gente falava em Sano. É de lá que os gajos vêem, é um acampamento grande!
Onde fica isso, o que é que há lá, algum guia para nos levar? Uma noite destas vamos lá acordá-los. Nem penses, comigo não contes, só com uma ordem de operações na mão, arrumara definitivo o Toilas, com um cigarro a cair da boca.

E, na noite desse dia em que chegaram a Barro, prepararam-se para irem a Sano, ao Senegal, sem mais informações a não ser os caminhos que os guias de Barro conheciam. Era o 1.º dia de Dezembro, uma data festiva. O Toilas a insistir, esta noite não pode ser, hoje até é feriado! Toilas, é uma noite muito conveniente.
Um incidente à partida, invulgar para os costumes deles. O sargento Valente pegou-lhe num braço e afastaram-se uns metros.
Estamos com um problema na equipa do Black. O Bacar Jassi recusa-se a levar o lança-rockets e as munições.
Como? Recusa-se? Sempre foi assim, desde sempre, outros carregaram sempre com o material, porque não quer, porque é que o Black não consegue que ele entenda?
Que é muito peso, só quer levar 4 munições, os outros que levem as restantes!
Cheira-me a esturro, Valente, não pode ser, o Albino leva a MG, as fitas, mais de 10 quilos!
Foi ter com o Jassi, ouviu-lhe as razões, uma birra muito estranha.
Os rockets vão, contigo ou com outros, Jassi!
Não posso, meu alferes!
Algemas nas mãos, enfiaram-no num galinheiro com suspeitos apanhados nos últimos dias, arame farpado à volta, enquanto o grupo se aprestava para sair. Um comando estar preso com turras, o Jassi1 a chorar, aos gritos!
Tudo pronto para a saída, duas secções do pelotão do Toilas incluído, e o Valente outra vez, que o Bacar Jassi queria falar com o comandante do grupo. Jassi achava ter razão, que era peso a mais, que na instrução o alferes sempre dissera para pensarem com a cabeça, mas que estava pronto para cumprir a ordem e pedir desculpa.
Enquanto o resto do grupo aguardava que o sargento Valente soltasse o Jassi, o grupo começou a sair de Barro equipa por equipa. Duas ou três centenas de metros adiante, aguardaram que o grupo se recompusesse e puseram-se a caminho, os dois guias à frente, o Jamanca logo a seguir e o grupo todo atrás.
Cerca de uma hora depois arrancou a tropa de Barro, iria ficar instalada a cerca de um quilómetro de Sano. Uma noite boa para andar, lua fraca, noite seca, um pouco fresca.
Aí pelas quatro horas viram luzes, ouviram galos, estavam perto de uma povoação, os guias a dizerem que Sano era em frente, aquelas casas que se recortavam ao fundo. Fizeram o que deviam, colaram-se ao chão, em linha, bem separados. Curvado, percorreu o grupo, parelha por parelha, tudo em ordem.
Estamos em Sano, parece não haver dúvidas, Valente.
Pois, uma povoação no Senegal, se calhar só civis, guerrilheiros o que se sabe até agora é só conversa, mais nada, histórias que têm um acampamento aqui nesta zona. Isto aqui à nossa frente é uma povoação, galos a cantarem, é melhor pensar bem, não? E o meu alferes nem ordem escrita tem!
Mais de meia hora a mirarem Sano. Ok, Valente, não vamos fazer nada2. Civis lá dentro, amanhã o Shenghor, o Touré3, os N’Krumahs4 todos, um barulho danado na ONU, o Salazar furioso, inquéritos, mais chatice, ninguém nos mandou entrar no Senegal, é, vamos mas é dar meia volta, decidiu algo contrariado.
Foi o que fizeram, não sem um perguntar, então, e os rockets voltam outra vez? E outro, nem um aviso deixamos? Achas que é preciso, o furriel Azevedo a cortar.

Regressaram a Brá todos enlameados, por fora e por dentro. A guerra era para ser feita sem alardes, com inteligência. Havia que preservar o grupo de tarefas inúteis, de algumas guerras que uns escritores de relatórios gostavam de desenhar, para depois realçarem no papel a intrepidez da acção, a argúcia do ataque, os resultados brilhantes, que em vários casos só eles viram. Quem os lia no QG, achava uma autêntica felicidade, tanto fogaréu, ataques tão violentos, tantas baixas no In e a NT sem uma beliscadura, ou então uns feridos ligeiros só.
Várias vezes ouvira apartes deste tipo, das bocas de pessoal das 2.ª e 3.ª Rep., em pleno QG em Bissau.

Já à noitinha em Brá, tão exausto que se deitara só para matar saudades da cama, antes de tomar um bom banho, a cara ainda preta de carvão e suor, a voz do Vilaça, com a corda toda, a contar histórias de Bissau, ficara colado ao colchão como um íman, a noite toda.
Quando abriu os olhos viu os dentes brancos do Sany, sentado a olhar para ele. Estava sem calças, sem botas, sem meias, em cuecas só. Sem dar por nada, o Sany tirara-lhe a roupa toda mal chegou pela manhãzinha. Saco arrumado no canto, o quarto outra vez um brinco.
Infamara Sany, herança do capitão Saraiva, era um tipo raro na Guiné daqueles tempos. Uma dedicação tão treinada que incomodava. Em frente do Sany nem se arriscava a tirar a camisa. Quando ia pegar nela outra vez, já tinha ido para lavar. Botas a reluzir, fardas lavadas a cheirar a Tide, engomadas que era um regalo, o quarto a brilhar, nunca em casa alguma em que estivera antes, vira tanta coisa tão limpa ao mesmo tempo!
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Notas:
1 - Bacar Jassi nasceu em Fulacunda, em 7 Janeiro 1944. Foi incorporado em 13 Set. 1964. Tenente da 3.ª CCmds Africanos em 1974. Fuzilado no Cumeré em data não apurada.
2 - 01/12/65, Op. "Soquete", base de Sano, zona de Barro-Bigene. Apoio do BArt 733. Com a base/aldeamento à vista, bem dentro do território do Senegal, foi decidido não atacar.
3 - Sékou Touré, Presidente da República da Guiné-Conacry
4 - Kwame Nkrumah foi Presidente do Ghana de 1960 a 1966

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 6 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14975: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IX Parte): Mais dois lugares è mesa; Bomba em Farim e Rumo a Barro

domingo, 1 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14311: Libertando-me (Tony Borié) (6): Quando fomos à Sede das Nações Unidas

Sexto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.



Antes de tudo, queremos dizer que estamos a falar da nossa “station wagon Malibu Classic”, ou seja da nossa “carrinha”, tinha sido nova em 1976, era robusta, com linhas um pouco a fugir para o modernismo, nunca se lastimava com a neve, frio, calor, chuva ou vento, que constantemente sofria, circulava pelas estradas ou ruas da cidade, carregava com tudo o que dentro dela colocassem, todos a usavam, ensinou os filhos a conduzir, no verão, levava-nos alguns fins de semana à praia, carregava o fogareiro, panelas, tachos e outros utensílios de praia, assim como a família, o cão e, às vezes os filhos do vizinho “Açoriano”, que, tanto ele como a esposa, trabalhavam por turnos e, quando chegavam a casa era para dormir, trazia os géneros alimentícios para casa, tinha muito espaço, era confortável, sendo uma autêntica “street girl”, ou seja “rapariga da rua”, de quem todos gostavam.

Mais tarde, já velha, com alguns acidentes, consumindo muito mal o combustível que necessitava para circular, com algumas amolgadelas aqui e ali, a “cor da pele”, já não era original, ficou quase encostada, mas sempre na família, continuando sempre a ajudar, principalmente nas “emergências”.

Dizia, continuando sempre a ajudar, principalmente nas emergências e, não tendo nada a ver uma coisa com a outra, uma personagem portuguesa, de quem nós por aqui, pelo menos nessa altura, sentíamos muito orgulho, presidiu à 50.ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas e, quando da sua despedida, houve algumas celebrações, onde vieram entidades do Governo de Portugal, onde também participou o Coro dos Antigos Alunos da Universidade de Coimbra.

Nós fomos convidados num dia em que os filhos queriam sair com os companheiros, possivelmente para se  divertirem, tendo portanto levado o carro de serviço e, a “nossa carrinha”, a tal “station wagon Malibu Classic”, já velha, lá estava pronta para as tais “emergências”.


Algum combustível, um pouco de óleo, pois já quase no fim da sua vida, gastava quase tanto combustível como óleo, lá nos levou, entre um trânsito rápido e agressivo, mas nunca desistindo, atravessando as pontes de Nova Jersey, entrando no Holland Tunnel, nunca se lastimando, deixando algum rasto de fumo, chegando com algum atraso ao edifício das Nações Unidas, na cidade de Nova Iorque, onde o funcionário encarregue pelo estacionamento e inspecção dos veículos, antes de entrar no parque do edifício das Nações Unidas, ao lhe entregarmos as chaves da “nossa carrinha”, abanou com a mão aberta na frente da sua cara, sacudindo algum fumo, nos olhou com um sorriso maroto, pensando talvez, “o que andam por aqui a fazer estes Portugueses, lá da antiga Europa”?


Tony Borie, Fevereiro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14283: Libertando-me (Tony Borié) (5): 50 anos depois

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13849: Da Suécia com saudade (42): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte III)... Pragmatismos de Amílcar Cabral e do Governo Sueco, de Olaf Palme, que só reconheceu a Guiné-Bissau em 9 de agosto de 1974 (José Belo)


Guiné-Bissau > PAIGC > Novembro de 1970 > Um bigrupo (em geral, constituído por 30/40 elementos).  Repare-se que na sua generalidade os guerrilheiros usam sandálias de plástico e há uma grande indisciplina no vestuário.  Imagem do fotógrafo norueguês Knut Andreasson (com a devida autorização do Nordic Africa Institute, Upsala, Suécia). A fotografia não traz legenda. São alegadamente tiradas em "regiões libertadas" (sic) (*).

Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Foto: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI)



José Belo

1. Continuação de alguns dados e notas de contextualização sobre a ajuda sueca ao PAIGC, a partir de 1969, e depois à Guiné-Bissau, a seguir à independência (**):



Data: 3 de Novembro de 2014
Assunto:  Pragmatismos de Cabral e do Governo Sueco


Resumo: 

Durante a guerra o governo sueco enviou para o PAIGC um total de 53,5 milhöes de coroas,ao valor actual [c. 5,8 milhões de euros].  Destinaram-se a financiar a maioria das actvidades civis do partido: alimentacäo, transportes, educação, saúde,  incluindo  um vasto número de avultados fornecimentos às Lojas do Povo. 

A Guiné foi posteriormente incluída (como único país da África Ocidental) nos chamados "países programados" para a distribuicäo da assistência sueca ao desenvolvimento. Recebeu  durante o período de 74/75 a 94/95  2,5 mil milhões  de coroas suecas [c. 270 milhões de euros], colocando a Suécia entre os 3 maiores assistentes económicos da Guiné-Bissau.

A Suécai nunca deu nenhum cheque em branco ao PAiIGC, tanto mais que Portugal era um dos seus importantes parceiros comerciais no âmbito da EFTA - Associação Europeia do Comércio Livre, a que ambos os países pertenciam, e de que foram membros fundadores. A Suécia só irá reconhecer a Guiné-Bissau como país independente... em 9 de agosto de 1974. 


Em Abril de 1972 o Comité ds Nações Unidas para a Descolonizacäo adoptou uma resolução reconhecendo o PAIGC como o único e autêntico representante do território da Guiné-Bissau. Para o PAIGC foi um enorme sucesso político-diplomático.´

Baseando-se neste documento o Comité podia agora sugerir o reconhecimento dos movimentos de libertação, näo como peticionários, mas antes numa situacäo de observadores. Havia pela primeira vez na história das Nacöes Unidas a possibilidade de um representante de um movimento de libertação discurssar perante a Assembleia Geral da ONU, isto em Novembro de 1972.

Esta honra deveria caber a Amílcar Cabral. Este foi informado pelo Secretário do Comité da Descolonizacäo das Nações Unidas (Salim Ahmed Salim) de que tanto a Suécia como os restantes países nórdicos näo estavam satisfeitos quanto às implicacöes legais deste tipo de intervenção (sem precedência na Assembleia Geral) por parte de um representante de um movimento de libertação.

Salientou existirem mais do que suficientes votos e apoios de países africanos, asiáticos e sul americanos,  caso ele estivesse disposto a discurssar, independentemente da opinião dos nórdicos.

A diplomacia de Cabral era caracterizada por um pragmatismo realista que foi entäo amplamente demonstrado. Cabral näo discurssou,  afirmando: "Os países nórdicos têm sempre demonstrado serem nossos amigos.Recebemos o seu apoio em todas as situacöes. Não desejo de modo algum causar quaisquer problemas de ordem político-legal".

Já em 1971,   durante visita ao Ministério dos Negócios Estrangeiros,  em Estocolmo,  Cabral apresentou a hipótese de um reconhecimento "de jure" da independência da Guiné.

Tanto nesta ocasiäo como mais tarde em 1973,  aquando da proclamação da Independência da Guiné-Bissau como Estado dentro das fronteiras da entäo Guiné Portuguesa, a Suécia mostrou-se relutante a reconhecer o novo Estado.

Mesmo depois da Guiné-Bissau já ter sido reconhecida por mais de sessenta países...."inter allia" , o governo sueco  aplicou o princípio da necessidade de o PAIGC controlar TODO o território,  não reconhecendo assim a independência.

Esta atitude provocou fortes reacções nos partidos da esquerda sueca. nos inúmeros grupos de de suporte às lutas de África, e mesmo no seio do próprio partido governamental (Social Democrata).

O golpe militar de Abril de 74 veio facilitar o problema político-legal ao governo sueco.

Foi só 10 dias depois da publicacäo por parte de Portugal de uma "declaracäo de intencöes" quanto ás independências das colónias que o governo sueco reconheceu a Guiné-Bissau como Estado independente (9 de Agosto de 1974).

Portugal reconheceu a independência da Guiné em setembro de 74.

José Belo

(continua)
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Notas do editor:

(*) Vd. a página, em inglês,  sobre a Guiné-Bissau (não do  Nordic Africa Institute, Upsala, Suécia,  mas sim da Nordic Documentation on the Liberation Struggle on Southern Africa / Documentação dos Países Nórdicos sobre a Luta de Libertação na África do Sul):

Aqui vão traduzidos alguns excertos:

(...) Guiné-Bissau > Knut Andreasson eBirgitta Dahl em viisita a  zonas libertadas da Guiné-Bissau, no mês de novembro de 1970  

(...) O fotógrafo norueguês Knut Andreasson  e a ex-presidente do parlamento sueco Birgitta Dahl , juntamente com uma delegação sueca,  visitaram as regiões libertadas da Guiné-Bissau, em novembro de 1970. Esta visita deu-lhes a oportunidade de falar com Amílcar Cabral no seu próprio ambiente e ter uma compreensão mais profunda da luta pela independência, contra  Portugal.. Andreasson e Dahl depois fizeram um livro * em sueco  a partir das  suas impressões e observações  no ªambito desta viagem. 

Andreasson também organizou uma exposição de fotografia com o objetivo de informar o público dos países nórdicos sobre o PAIGC e  a Guiné colonizada . Não só a exposição, como também a maioria das fotos deste período foram posteriormente doadqs ao Instituto Nórdico de África pela viúva de Andreasson . A exposição, por sua vez,  foi oferecida à Fundação Amílcar Cabral pelo Instituto  e apresentada por Birgitta Dahl  por ocasião das celebrações do 80º aniversário do nascimento de Amílcar Cabral, em setembro de 2004.

As imagens que o Instituto disponibiliza mostram como era a vida nas zonas libertadas . Como é que a população fazia a sua sua vida diária, mas também mostram o lado militar, os guerrilheiros com as suas armas.. Como a Guiné-Bissau tem muita rios,  a canoa era   um importante meio de transporte, tanto mais que os portugueses fizeram explodir a maior parte das pontes.  Mais de 99 % da população era analfabeta quando a luta começou em 1963, por isso a educação era importante e o PAIGC montou escolas no mato para crianças e adultos,  Existiam cerca de 75 dessas escolas, uma das primeiras foi a Escola Piloto em Conacri . O primeiro livro de leitura foi financiado por estudantes noruegueses e impresso na Suécia. As fotos mostram também eventos culturais e serviços de saúde do PAIGC.

Algumas das imagens seguintes estão publicados no livro* de  Knut Andreasson e Birgitta Dahl, onde é possível ler mais sobre a situação na Guiné-Bissau naquela época  

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11070: Recortes de imprensa (64): Ontem, Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, cerca de 200 imãs guineenses decretaram, em Bissau, uma fatwa contra o fanado (Lusa / Público)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 80:  Mulheres, de rosto tapado, na festa do fanado (?)... Ignora-se o que faziam junto ao edifício do comando do batalhão... Fotos do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mil reabastecimentos.

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)

1. Ontem foi o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina... A MGF é também conhecida por corte dos genitais femininos, circuncisão feminina, excisão, fanado, sunna, circuncisão faraónica...E ainda se pratica em cerca de três países de África, Próximo Oriente e Sudeste asiático... Portugal, França  e outros países europeus que acolhem imigrantes, nomeadamente da África Ocidental, são também países de risco. Este ano a Organização das Nações Unidas está otimista quanto à possibilidade de, num futuro próximo, ainda se poder pôr fim a esta prática não só atentatória dos direitos humanos como altamente nociva à saúde sexual e reprodutiva das raparigas e mulheres excisadas.

Dados fornecidos pelo International Day of Zero Tolerance of Female Genital Mutilation/Cutting, das Nações Unidas, parecem indicar um decréscimo da prevalência desta prática, em geral, estando a geração mais jovem menos vulnerável  hoje do que no passado.

Nos 29 países da África e do Médio Oriente onde a prática da MGF está concentrada, uma média de 36% de raparigas,  na casa dos 15-19 anos, foram excisadas, percentagem essa bastante inferior à estimada (53%) para as mulheres da faixa etária dos 45-49 anos.  Esse declínio é mais evidente em países como o  Quénia em que a percentagem de mulheres excisadas é três vezes superior à das raparigas entre os 15 e os 19 anos.

Para o director executivo da UNICEF,  Anthony Lake, "este progresso mostra que é possível acabar com a MGF". Estas estimativas recentes produzidas pela UNICEF mostram que pelo menos 120 milhões de meninas e mulheres sofreram MGF / Circuncisão, nestes 29 países. Dadas as tendências atuais, pelo menos 30 milhões de meninas com menos de 15 anos de idade ainda poderão  estar em risco.  

Em  dezembro passado, foi adotada por unanimidade uma resolução da Assembleia Geral da ONU , c condenando a MGF / Circuncisão e convidando os Estados membros a intensificar os esforços para a sua eliminação completa. (A MGF/Circuncisão engloba 4 tipos de práticas: vd. Quadro 1, a seguir).


Fonte: Yasmina Gonçalves - Mutilação Genital Feminina. Lisboa: Associação paar o Planeamento da Família. 2004.


2, Também na Guiné-Bissau surgem algumas boas notícias neste campo. Reproduzem-se aqui excertos de uma notícia da Lusa, publicada no Público, de ontem;


(...) "Líderes islâmicos guineenses pronunciaram esta quarta-feira, no parlamento do país, uma fatwa (um decreto religioso) proibindo a prática de excisão, que afecta cerca de 50% de raparigas e mulheres.

"Cerca de 200 imãs vindos de todas as partes do país assistiram, no parlamento, à leitura da fatwa e declararam solenemente que, a partir de hoje, vão reforçar o apelo para o abandono da prática da excisão, por não ser uma recomendação do Islão".

O influente imã Mamadu Aliu Djaló, da mesquita central de Bissau, que é também o segundo vice-presidente do Conselho Superior dos Assuntos Islâmicos,  declarou que "a excisão não está no Islão, e nos ensinamentos do profeta Maomé também não vimos nada disso, até porque as filhas do profeta, as filhas dos seus discípulos, não foram submetidas à excisão. Isto é um uso e costume de certas comunidades islâmicas”.

Segundo a fonte que estamos a citar (Lusa / Público),  "o presidente do parlamento guineense, Ibraima Sory Djaló, que presidiu ao acto, declarou que se alcançou “um grande marco” no país com a adopção da fatwa, o que, disse, vai ao encontro da lei aprovada pelos deputados em 2011 criminalizando a prática. “Esperamos agora que a lei seja respeitada, para que não seja necessário que se prendam pessoas por causa da excisão” na Guiné-Bissau, declarou Sori Djaló, apelando, contudo, para o reforço da divulgação da lei.

Ainda segundo a Lusa / Público:

(...) Para Fatumata Djau Baldé, presidente do Comité Nacional para o Abandono de Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança, um consórcio de 18 ONG guineenses e estrangeiras, “hoje é um grande dia” na luta contra “a tragédia silenciosa que afecta cerca da metade das raparigas e mulheres” da Guiné-Bissau. “Hoje é um dia histórico. Não ganhámos a guerra contra a excisão, mas alcançámos uma grande conquista contra essa prática degradante para a saúde da mulher guineense”, disse Djau Baldé, emocionada. [Ela própria foi vítima, em criança, da MGF].

O ministro da Saúde Pública guineense, Agostinho Cá, considerou o dia de hoje como sendo aquele em que se prestou um dos melhores serviços ao povo com a adopção da fatwa “pelos chefes religiosos” islâmicos, “proibindo uma prática secular” que se caracteriza pela submissão da mulher a situações “atentatórias da sua dignidade”.

Assistiram à leitura e adopção da fatwa, a primeira a ser pronunciada na Guiné-Bissau, elementos do corpo diplomático e o representante adjunto do secretário-geral das Nações Unidas, Gana Fofang, que é também o coordenador do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) no país.

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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10931: Recortes de imprensa (63): Homenagem, em maio de 2008, ao tenente capelão Joaquim Ferreira da Silva, jesuíta, natural de Santo Tirso, que pela sua coragem e lucidez terá evitado um banho de sangue no campo de prisioneiros de Pondá, Goa, em 19 de março de 1962 (JN- Jornal de Notícias, 12/5/2008)

quinta-feira, 25 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6050: O grave incidente, com repercussões no Conselho de Segurança da ONU, provocado pela incursão no Senegal da pequena força portuguesa comandada pelo Cap Cav Alves Boltelho (Esq Rec Fox 3431), em 12/10/1972


Guiné > Zona Leste > Galomaro > CCS do BCAÇ 3872 (1972/74) > Chaimites durante uma visita do General Spínola... Data provável: início de 1973... Estas viaturas blindadas pertenciam ao Esq Rec Fox, com sede em Bafatá...  Quem sabe se alguma delas não terá estado envolvida no incidente, na região fronteiriça de Pirada,  que levou à desgraça do Cap Cav Alves Botelho...  As autoridades militares portuguesas tentaram, publicamente, branquear o caso, remetendo a explicação para o insólito comportamento do oficial de cavalaria para  um "caso de perturbação mental" (sic)...

Já aqui reproduzimos  excertos do depoimento do Sérgio Marques, que foi testemunha do acontecimento, em reportagem publicada no Correio da Manhã,  revista "Domingo", na conhecida série "A Minha Guerra"  (*):

(...) Foi uma tarde louca, aquela de [12 ] Outubro de 1972, em Pirada, no Leste da Guiné, na fronteira com o Senegal. Eu integrava um pelotão de reconhecimento composto por duas viaturas blindadas, uma ‘White’ e uma ‘Chaimite’, que fazia escolta ao comandante do Batalhão de Caçadores (BCAÇ) 3884, a Uacaba, Mafanco, Sonaco, Paúnca e Pirada.  A certa altura, no intervalo de uma reunião de oficiais, o nosso comandante, o capitão de Cavalaria Manuel Eduardo Alves Botelho, diz: 'Venham comigo, vamos dar uma volta!' Fomos, éramos uma dezena de homens.


"Passámos a fronteira e penetrámos quatro ou cinco quilómetros no Senegal. Nenhum de nós adivinhava a intenção do capitão, que continuava entusiasmado a conduzir-nos por território estrangeiro adentro. A certa altura, avistámos um acampamento militar de senegaleses [, em Niano] . A ‘White’ foi obrigada a interromper a marcha, por causa das valas feitas pelos militares estrangeiros, mas a ‘Chaimite’, que tudo passa, entrou no acampamento" (...).

Foto: ©  Juvenal Amado (2008). Direitos reservados


1. Em relação ao "incidente fronteiriço" provocado, em 12 de Outubro de 1972,  pelo primeiro comandante do Esq Rec Fox 3431 (Bafatá, 1972/74), o Cap Cav Alves Botelho, já aqui referido em postes anteriores (*), veja-se algumas das repercussões que teve a nível diplomático e militar: (i) apresentação de queixa do Senegal na ONU; (ii) condenação de Portugal no Conselho de Segurança da ONU; (ii)  pedido de desculpas ao Senegal  por parte do Com-Chefe Gen Spínola e oferta de indemnização às vítimas;  (iii) prisão imediata do ofiicial português e seu posterior julgamento em tribunal militar e sua muito provável expulsão do exército, se não fora o golpe militar de 25 de Abril de 1974...


"Em relação ao Senegal, Portugal continuou[, em 1972] empenhado em manter um canal de comunicação  confidencial com Senghor, pois era um meio seguro e secreto de chegar ao PAIGC.

"Em Março realizaram-se contactos bilaterais entrre delegações dos dois países para a criação de uma comissão mista que controlasse a fronteira comum, mas esta não chegou a concretizar-se porque o Senegal queria estabelecer uma relação directa entre a segurança e a perpectiva de uma paz duradora para o confllito da Guiné-Bissau, com a participação do PAIGC. Para o discutir, Spínola e Senghor chegaram a encontrar-se dois meses mais tarde.

Mas a recusa do Governo português em modificar o estatuto do território levou a um aumento da actividade militar que, por sua vez, resultou  numa incursão das forças portuguesas ao posto senegalês de Niano, a 12 de Outubro [de 1972].

Este facto provocou um protesto de Dacar no Conselho  de Segurança, o qual condenou Portugal por não respeitar nem a integridade do Senegal, nem os  países vizinhos das suas colónias. A resolução obteve 12 votos a favor e três abstenções, dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Bélgica."

A 15 de Outubro de 1972, o jornal Le Monde, editado em Paris, publica excertos de um comunicado do Comando-Chefe das Forças Armadas Portugueses, no TO da Guiné, Gen Spínola, "apresentando as suas desculpas ao Senegal depois de um incidente de fronteira" (sic).(**)

"Le  12 octobre, dit le communiqué, une unité de l'armée portuguaise composé de trois véhicules blindés a violé la fontière du Sénegal, dans la région de Pirada, causant un morte  et un blessé dans un détachement  de l'armée du Sénegal et provocant égalemet la morte d'un civil portugais.

"Le commandement en chefe des forces armées de Guiné déplore profondément ce qui est arrivé, et a adressé un constat du délit au commandant de cette unité en vue de le traduire ultérieurement  devant um conseil de guerra. On suppose qu'il s'agit d'un cas de perturbation mentale du commandant de cette unité, étant donné qu'il  a agi em dehors de sa zone d'action et contre toutes les directives supérieures.

"Le commandement en chef est entré immédiatement en contact ave c les autorités sénégalaises afind e leur présentar ses excuses et de les assurer que toutes les indemnisations seront payées comme cela est juste". (***)

O jornal acrescentava que o Senegal, país francófono, como se sabe, tinha apresentado queixa contra Portugal à ONU na sequência deste incidente fronteiriço, e que no passado estas incursões em território senegalês eram frequentes, com os portugueses a invocar a legítima defesa ou o direito de perseguir os nacionalistas do PAIGC, acoitados no país vizinho...

A propósito do importante depoimento do nosso camarada Sérgio Marques [dos Santos], gostaríamos de o poder contactar e confirmar a sua versão. Sabemos que ele é (ou era) taxista da praça do Porto e que, em 2007, o seu telemóvel era o 914 181 777. Talvez alguém da Tabanca de Matosinhos o possa contactar e falar com ele pessoalmente...para tentar saber mais pormenores desta estranha história... Fica desde já feito o convite para ele ingressar na nossa Tabanca Grande: se ele aceitar, será o primeiro camarada do Esq Rec Fox 3431 (Bafatá, 1972/74) a pertencer ao nosso blogue...

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Notas de L.G.:


(*) Vd. último poste, 23 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6039: (Ex)citações (53): O desvario de um capitão de cavalaria, que matou a tiro um militar e um civil, no Senegal, e que apanhou 12 meses de presídio militar (Carlos Cordeiro)


(**) Extractos de: Sanchez Cervelló, Joseph [ foto à esquerda,]: 1972: Da reeleição de Américo Tomás a Wiriyamu.

In:  GOMES, Carlos Matos, e  AFONSO, Aniceto - Os anos da guerra: volume 13: 1972:  negar uma solução política para a guerra. QuidNovi: Matosinhos. 2009. pp. 95-96.



(***) Tradução de L.G.:

(...) "Em 12 de Outubro, diz o comunicado, uma unidade do exército português, composta por três veículos blindados,  violou a  fronteira do Senegal,  na região de Pirada, causando um morto e um ferido num destacamento do exército do Senegal  e provocando igualmente um  morto civil português.

" O comando das forças armadas da Guiné lamenta profundamente o que aconteceu e enviou uma cópia do auto de corpo de delito levantado  ao comandante desta unidade que deverá ser presente a tribunal de guerra. Presume-se que se trata de um caso de perturbação mental , por parte do comandante da unidade, uma vez que agiu fora de sua área de ação e contra todas as ordens superiores.

"O comando-chefe entrou imediatamente em contaco com as autoridades senegalesas a fim de les apresentar o seu pedido de desculpas e garantir que todas as indemnizações serão pagas como de direito ".  (...)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5804: Documentos (10): PAIGC: A agressão contra a missão especial da ONU, Excertos de um relatório de Amílcar Cabral, 1972 (António Graça de Abreu)






1. Mensagem do António Graça de Abreu, com data de 22 de Janeiro último:

Assunto - Relatório da ONU,  Abril 1972

Meu caro Luís



Inicialmente coloquei isto como comentário (*) mas creio, com as fotografias do documento, que merece um post.


Deixo ao teu cuidado.


Um abraço,


António Graça de Abreu



Meus caros: Já havia esquecido, mas ontem fui aos meus papéis velhos sobre a Guiné e lá encontrei o relatório da "Missão especial da ONU na Guiné, Abril de 1972."

Está aqui comigo e recomendo a leitura e entendimentos a todos os que passámos pela Guiné na fase final do conflito. Esclarecedor, brilhante, também angustiante. As verdades dos factos. Talvez a publicar no blogue mas são dez páginas em A 4.

Em anexo ao texto dos homens da ONU, são publicados excertos do relatório então escrito por Amílcar Cabral sobre a visita dos homens da ONU.

No nosso blogue temos tido o gosto (eu não) de denegrir a capacidade militar das NT (Guileje, a guerra militarmente perdida, perdida em termos militares, etc.).

Pois,  Amílcar Cabral faz exactamente o contrário, exalta e exagera a capacidade militar das tropas portuguesas em Abril de 1972. Leiam as palavras de Amilcar Cabral no seu relatório sobre Missão da Onu:

"No dia seguinte da partida da missão (da ONU), o Estado Maior Português, declarou o estado de prevenção para os 45.000 militares das tropas coloniais existentes no nosso país, dos quais 15.000 se encontram acampados no Sul (...) 10.000 homens das tropas especiais foram transportados durante alguns dias de Bissau para o Sul. Se juntarmos as forças da aviação e da marinha que operaram no decurso da agressão, o número total de homens mobilizados foi da ordem de 30.000."

Isto num pequeno país onde, segundo a missão da ONU,  3/4 do território eram "zonas libertadas pelo PAIGC" que dispunha de 5 a 6 mil combatentes, e onde (agora em Janeiro de 2010) segundo a opinião do diplomata equatoriano da ONU que fez parte da missão, os portugueses, "entrincheirados nos
seus quartéis" apenas "se deslocavam por via aérea."

Tanto dado falsificado!... Difícil fazer a nossa História e a dos povos da nossa Guiné!

Um abraço.

António Graça de Abreu
 
2. Comentário de L.G.:
 
 No mesmo poste,  havia já eu inserido antes um comentário, a 21 de Janeiro, começando por reforçar "as palavras que tu escreveste no teu Diário (Pouca gente em Portugal tinha essa informação privilegiada e detalhada, como tu tinhas em 25 de Junho de 1973, quando chegaste a CUFAR, como alferes miliciano do CAOP1":


"(...) Até Dezembro de 1972, isto era quase tudo território do PAIGC. Havia os aquartelamentos de Catió, Cufar e Bedanda bem defendidos onde a tropa portuguesa não punha muito o nariz de fora.


"Em Abril de 1972 estiveram por aqui observadores do Comité de Descolonização da ONU para conhecer as realidades das zonas libertadas pelos guerrilheiros. Vieram de Conacry, entraram pela zona de Guileje, chegaram até perto de Cufar, sempre a pé, abrigados pelas florestas." (...)

E no mesmo comentário, acrescentava eu: "E depois, dizes, mais à frente e bem, que as coisas mudaram, a partir de finais de 1972, com a reocupação do Cantanhez por dois mil homens das NT... que praticamente não sentiram resistência por parte do PAIGC... Tal como tinha acontecido no Como, em 1964...

"Como tu também sabes, as guerras não se ganham só com as armas e os homens em armas, e as unidades de quadrícula...O Como e o Cantanhez são a prova provada de que não havia 'santuários' (tu mesmo falas em 'zonas libertadas')... Mas não foi aí que a guerra se ganhou ou perdeu... O campo de batalha, a batalhava mais decisivo, não se travava aí, mas nos aerópagos internacionais, nas chancelarias, na Assembleia Geral das Nações Unidas...

"Bem, vamos ler o relatório ? O primeiro que arranjar uma cópia, faz a divulgação no blogue, para que todos possamos perceber qual foi a metodologia, o itinerário e os locais da visita, as observações, as conclusões... Bom dia!"

Como foste tu o primeiro a arranjar a tal cópa, deixa-me dizer-te duas palavras de agradecimento:

Obrigado, António, por teres sabido guardar, preservar, proteger e depois divulgar um documento como este, dactilografado, policopiado, e que seguramente terá interesse para a historiografia dos dois países... Se tiveres tempo e pachorra, podes digitalizar e mandar-nos as restantes páginas que faltam (dez ?)... Muitos dos nossos camaradas não estão habituados a lidar com documentos originais como este. E é importante que tenham acesso a cópias dos documentos originais, sejam  das NT sejam do PAIGC... Não tendo formação em história, muitos leitores nossos também não sabem como trabalham os historiadores, como é a sua metodologia (e a sua ética) de investigação, como é isso do recurso à triangulação das fontes ou das versões, etc.

O Amílcar Cabral não era historiador, era um líder revolucionário. O excerto que aqui transcrevemos deve ser visto apenas como um texto de combate político. Não mais do que isso. Na guerra de propaganda, cada uma das partes puxa a brasa à sua sardinha. Spínola também não era historiador, era um cabo de guerra, um líder político-militar. Os seus discursos, defendendo a Guiné Melhor, também devem ser vistos como armas de arremesso político.

Quarenta anos depois, somos capazes de ler e analisar os documentos (escritos, falados, etc.), de um lado e de outro, com a suficiente distância crítica, isenção, objectividade... Pessoalmente congratulo-me por podermos e sabermos apresentar e discutir, aqui no nosso blogue, com naturalidade, sem crispação, documentos sobre a guerra colonial que não têm necessariamente uma leitura única, linear...

Um bom Carnaval (a festa do "Adeus à Carne"). Daqui do Porto, da tua terra, envio saudações para ti, para Lisboa, e para o pessoal das diversas Tabancas deste regulado, de Matosinhos, do Centro, da Linha,  da Lapónia... Ainda quero ver se vou ver os caretos de Lazarim, Lamego, onde há o Carnaval mais português de Portugal...

PS - Estou a envidar todos os esforços para poder participar, eu e a Alice,  no almoço da Tabanca do Centro, a 26  do corrente...

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Nota de L.G.:

(*) 20 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5680: Efemérides (41): No 37º aniversário da morte de Amílcar Cabral, recordando o sucesso diplomático que foi a visita da missão da ONU às regiões libertadas, no sul, 2-8 de Abril de 1972

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5680: Efemérides (41): No 37º aniversário da morte de Amílcar Cabral, recordando o sucesso diplomático que foi a visita da missão da ONU às regiões libertadas, no sul, 2-8 de Abril de 1972


Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral > s/d > Amílcar Cabral em reunião com combatentes nas Regiões Libertadas. Distinguem-se Constantino Teixeira, Aristides Pereira, Bacar Cassamá, José Turé e André Gomes.


Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral > Abril de 1972 > Região de Tombali > "Visita da Missão Especial da ONU a Cubucaré [, a sul do Rio Cacine,] distinguindo-se Fidelis Cabral de Almada e José Araújo. Com a inscrição manuscrita a lápis no verso: Recebida, com entusiasmo pela população, a missão especial chega ao local de um grande meeting popular, em Cubucaré". Guiné-Bissau, 2 a 8 de Abril de 1972."



Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral > Região de Tombali > "Missão Especial da ONU visita uma tabanca destruída pela aviação portuguesa. 2 a 8 de Abril de 1972."



Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral > Rgeião de Tombali > "Grupo de diplomatas do Comité de Descolonização da ONU visita quartel destruído. 2 a 8 de Abril de 1972."

Fotos e legendas: Cortesia de Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral (2003)


1. No 37º aniversário da morte de Amílcar Cabral (1924-1973), que se celebra hoje, tanto na Guiné-Bissau como em Cabo Verde, vale a pena evocar aqui a célebre (e inédita)  visita da de uma missão da ONU, a convite do PAIGC, às então chamadas Regiões Libertadas, missão essa que correu no sul, à actual região de Tombali  entre 2 e 8 de Abril de 1972. Foi uma maiores vitórias diplomáticas de Amílcar Cabral. A Região de Tombali engloba, hoje, os sectores de Bedanda, Catió, Como, Quebo e Quitafine, tendo  um total de cerca de 3700 km2 e 90 mil habitantes.

Segundo Carlos Matos Gomes e Aniceto Afomo (Os Anos dfa Guerra Colonial, Vol 13, 1972 - Negar uam solução política para a guerra, Matosinhos, QuidNovi, 2009,  pp. 20-21), "a missão que visitou a Guiné era constituída por três membros efectivos, representantes do Equador, Suécia e Tunísia e por dois funcionários da ONU"... 

Os diplomatas estiveram nas zonas de Catió e Quitafine onde, segundo o relatório  observaram "estuturas militares, escolas e aramazéns". Mais concretamente, do relatório "constam apreciações sobre a situação no campo do ensino, da saúde, da administração da justiça, da reconstrução da economia e da formação de uma assembleia nacional".

Segundo os autores citados, "esta visita (...) contribuiu decisivamente para uma crescente aceitação daquilo que veio a tornar-se inevitável - a declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau", em 24 de Setembro de 1973, na região do Boé.

Ainda de acordo com os mesmos autores, entre 2 de Novembro e 14 de Dezembro de 1972, a Assembleia Geral da ONU produziu 11 resoluções  condenando abertamente a política africana do regime de Marcelo Caetano. "As mais significativas foram as 2 e 14 de Novembro e a de 12 de  Dezembro" (op. cit., p. 97)

Qual foi, entretanto,  a resposta das autoridades portuguesas à visita da missão da ONU de 2 a 8 de Abril de 1972 ?

 Sabe-se que "enquanto decorreu a visita, as forças portuguesas tentaram perturbá-la com acções militares, mas sem porem em em risco a a vida dos membros das ONU" (sic)...  Escrevem Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso:

"As grandes acções ocorreram após a visita. Para demonstrar  a inexistência de regiões libertadas, condição essencial para a Guiné viessse a ser reconhecida como Estado independente, foram realizadas  várias operaçõe no Cantanhez e nas zonas onde o PAIGC  tinha uma forte componente militar - regiões de Bedanda, Cabolol, Tombali, Guileje".

A 23 de Novembro de 1972, é a vez de uma missão da OUA - Organização para a Unidade Africana, tendo à frente o seu secretário executivo, o major Mbita,   visitar as mesmas regiões, durante cinco dias.  Desse dia é a Directiva 23/72,  de Spínola, com ordens para a reocupação do Cantanhez...

A Op Grande Empresa, conduzida pelo recém-criado COP 4, teve início em 8 de Dezermbro, com desembarque de forças e a  sua instalação   nas tabancas de Cadique Ialala, Caboxanque e Cadique. "Seria tmbém ocupada a região de Jemberém e construída uma estrada táctica a ligar as duas margens da península do Cantanhez" (op. cit., p. 70). Na sua mensagem de  Ano Novo 1973, Amílcar Cabral denuncia e reconhece as tentativas de reocupação do Cantanhez, aos microfones da Rádio Libertação, três semanas antes de ser assassinado (Oiça-se o registo aúdio, disponível no Dossier Amílcar Cabral, da Fundação Mário Soares).

Um dos diplomatas que visitou o sul da Guiné, de 2 a 8 de Abril de 1972,  foi o equatoriano Horácio Sevilla Borja, neste momento em visita a Cabo Verde. 

No Arquivo de Amílcar Cabral, a cargo da Fundação Mário Soares, e em boa hora disponível em linha, não há infelizmente muitas imagens desta visita. Selecionamos alguns, reproduzidas acima, com a devida vénia. A missão da ONU integrava um fotógrafo japonês... Se alguém souber como se chamava, que nos diga... Acho que já vi fotos dele tiradas no âmbito dessa visita... E, já agora, seria interessante localizar o relatório da missão, ou obter um cópia, em inglês ou espanhol....

A propósito desta efeméride (o vil asssassínio de um grande intelectual, dirigente africano, homem e cidadão do mundo), e sobre as circunstâncias e o móbil do crime - nunca totalmente esclarecidos -, leia o poste da Diana Andringa Conversas sobre Cabral, com data de hoje, no blogue Caminhos da Memória  (de cuja redacção ela faz parte, juntamente com o nosso camarada João Tunes e outros). (LG).

2. Mensagem de 18 do corrente, do nosso amigo Nelson Herbert, guineense, jornalista da Voz da América, enviando-nos o seguinte recorte de imprensa:

Embaixadores da ONU que visitaram as zonas libertadas da Guiné-Bissau em Cabo Verde



No âmbito das comemorações do dia dos Heróis Nacionais, a 20 de Janeiro, estará em Cabo Verde, a convite do Presidente da República, Pedro Pires, os embaixadores Horácio Sevilla Borja, equatoriano, e Folke Lofgren, sueco, para participarem na palestra intitulada "A Diplomacia ao Serviço da Luta de Libertação Nacional", que se realiza no próximo dia 19, pelas 17 horas na Biblioteca Nacional, tendo como oradores a antropóloga Irosanda Barros e o Professor da Universidade de Santiago, Aquilino Barbos.


Os embaixadores Horácio Sevilla Borja e Folke Lofgren são os únicos sobreviventes da missão especial da ONU enviada às áreas libertadas da Guiné-Bissau, em 1972, até então sob a administração colonial portuguesa.

(Fonte: Expresso das Ilhas, Cabo Verde >  18 de Janeiro de 2010 )


3. Mensagem de 19 do corrente, do nosso Nelson Herbert, com envio de outro recorte, que se publica em parte, com a devida vénia ao jornal  A Semana, e para o competente conhecimento dos  leitores deste blogue.

(...) Retratos >  Horácio Sevilla Borja, observador da ONU às zonas libertadas da Guiné: 'Com a nossa missão tudo mudou'

Entrevista de JVL. A Semana, 19 Janeiro 2010  (Excertos, com a devida vénia)




Há 38 anos a ONU enviou uma missão de observadores às zonas libertadas pelo PAIGC na Guiné-Bissau. Chefiada pelo equatoriano Horácio Sevilla Borja, integrada pelo tunisino Kamel Belkhiria e pelo sueco Folke Lofgren, o grupo percorreu durante oito dias o interior daquele território cujo domínio (em dois terços) era reivindicado pelo PAIGC.


Quase 40 anos depois, Sevilla Borja [, foto à esquerda,] relembra nesta entrevista os significados da missão.  (...)

Foto e texto: Cortesia de A Semana


Para os portugueses, na altura, vocês não entraram nunca na Guiné. Tudo não passou de uma ficção.

Isso realmente foi dito por eles, nomeadamente, pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício. Mas, claro, a nossa missão estava documentada, fotografada, de maneira firme. Fomos perseguidos pelos portugueses, que nos bombardearam quase o tempo todo. Mesmo assim, caminhamos oito dias pelas zonas libertadas pelo PAIGC.

Num dado lugar, Quedanda [, Bedanda ?], se não me engano, passámos ao lado de um quartel português, a dois quilómetros. Portanto, a missão foi real, não foi uma ficção, como quiseram fazer crer. Uma decisão revolucionária,

Como é que se deu a sua escolha para essa missão?

A decisão aconteceu no âmbito do Comité dos 24, da ONU, que se ocupava da descolonização. A proposta, quando submetida à Assembleia Geral, foi aprovada por uma larga maioria. Tratou-se de uma missão inédita, um passo em frente, se quiser, uma revolução nos anais da ONU. Na altura deveríamos ir também a Angola e a Moçambique, também convidados pelo MPLA e pela Frelimo. Mas o primeiro convite surgiu do PAIGC.

Por que diz que foi uma "revolução"?

Foi uma revolução porque, pela primeira vez, na ONU, um movimento de libertação convidou a comunidade internacional a visitar um território. Até aí eram as potências administrantes a convidar as missões de visita da ONU, nelas procuravam mostrar os passos que estavam a dar em benefício dos povos por elas tutelados, com vista à sua autodeterminação e independência.

Com o convite do PAIGC, romperam-se todos os moldes, as formas de trabalho da ONU no processo de descolonização. E dada a tenacidade de Portugal de conservar as suas colónias, negando a realidade, a ONU deu um passo em frente, com a abstenção de uns poucos países que o apoiavam, dentre eles os EUA, a França, etc. Portugal se opôs por todos os meios ao seu alcance.

Vocês eram quantos?

Éramos três e estávamos apoiados por dois membros da secretaria da ONU. O secretário-geral na altura era o austríaco Kurt Waldeim. No caso do Equador a escolha recaiu sobre mim, mas também estavam os meus colegas da Tunísia [, Kamel Belkhiria, ] e da Suécia [, Folke Lofgren]. A distribuição era geográfica. Um dos elementos de apoio era do Senegal, o Sr. Gaye, e o fotógrafo era japonês. Portanto, havia gente de todos os continentes.

E foi com base no vosso relatório que o PAIGC pôde declarar a independência da Guiné-Bissau, não?

Sim. No nosso regresso dissemos que efectivamente o PAIGC controlava a maior parte do território da Guiné-Bissau. Mais do que isso, tinha organizado a sociedade. Era incrível como um movimento de libertação, em condições tão difíceis e precárias, tinha conseguido montar escolas, serviços de saúde, de abastecimento às populações, etc. Com base nisso, a ONU declarou que o único movimento representante desse povo era o PAIGC e não a potência colonial.

Diante disso também, recomendou-se a todos os estados para que reconhecessem o PAIGC como o único representante dos povos da Guiné e Cabo Verde, e se instruiu também a todas as agências da ONU a ter em conta nos seus programas esses dois territórios. A missão mudou totalmente o quadro político na Guiné-Bissau e por isso foi uma tremenda vitória diplomática do PAIGC e dos seus líderes.

 
Fora isso, também fizemos uma série de recomendações militares. Do nosso ponto de vista, os portugueses estavam entrincheirados nos seus quartéis e apenas por via aérea conseguiam mover-se, destruindo muitas vezes o que o PAIGC tinha construído ou estava a construir. Lembro-me que, depois da missão, um dia, Amílcar Cabral nos enviou um telegrama a dizer que uma dada escola no interior, que chegámos a visitar, tinha sido bombardeada e destruída, com morte de várias crianças.

Com base nisso tudo, se pediu aos Estados que ajudassem a luta do PAIGC, com as armas necessárias, para enfrentar os helicópteros e outros meios aéreos utilizados pelos portugueses. Ou seja, com a nossa missão, tudo mudou, e isso acelerou e permitiu a independência da Guiné que foi logo reconhecida por dezenas de outros países.

E pressões, tiveram muitas?

Portugal, sobretudo, exerceu muita pressão sobre o Equador. As autoridades portuguesas consideravam que a missão era um ataque a Portugal, a uma província autónoma sua, e que, portanto, um país amigo, como Equador, não devia estar numa missão a favor da independência de um dos territórios que supostamente eram parte de Portugal. Mas houve também pressões directamente contra a minha pessoa, nomeadamente, no meu Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Mas a posição do Equador era muito clara. Se lutamos há 200 anos atrás pela nossa independência, através de uma luta armada conduzida pelo nosso Amílcar Cabral – Simon Bolívar – , entendíamos que devíamos apoiar outros povos no mesmo sentido.

Convém recordar que nessa época estávamos a viver na segunda metade do século passado, em 1972, e já em 1960 a ONU havia aprovado a resolução 1542 dizendo que tinha de terminar o colonialismo.

Nessa missão à Guiné o que é que mais o marcou?

Duas coisas. Primeiro, o povo. Na missão pudemos ver e contactar pessoas, às vezes, em grandes aglomerados, vimos e falámos com responsáveis dos vários sectores (mulheres, jovens, etc.) que, apesar de muitas carestias, estavam determinadas, queriam ser independentes, para conseguirem melhores condições de vida. A outra coisa era a capacidade dos líderes do PAIGC. E não me refiro só a Amílcar Cabral.

Quem em particular?

Refiro-me, por exemplo, a Pedro Pires. Tivemos a oportunidade de falar duas vezes com ele na altura, à chegada e no fim. Mas também me recordo do José Araújo, Fidélis Cabral Almada, Nino Vieira... Lembro-me que numa noite, depois de uma longa marcha, exaustos, em plena selva, ouvindo os bombardeios, conversámos sobre filosofia, literatura, etc. com algumas desses dirigentes. Eram pessoas que tinham ideias claras, uma capacidade humana extraordinária. Nessa noite, ao mesmo tempo que ouvíamos ao fundo o som de bombardeios e discutíamos literatura, filosofia, através de um aparelho, ouvimos um concerto de J.S. Bach.

Continuou a acompanhar o processo guineense?

Sim, na medida do possível, com preocupação, os seus altos e baixos. Infelizmente, vários dos seus lideres que conheci durante a missão morreram ou foram mortos. Quem me protegeu durante toda a missão foi o Constantino Teixeira, comandante Tchutcho. Ele morreu em circunstâncias trágicas, eu soube, e isso me deixou triste. E é também com muita tristeza o que vejo o que se passa na Guiné. Em contrapartida, sinto-me confortado com Cabo Verde. (...)

[ Revisão / fxação de texto / selecção / bold: L.G.]


Recorde-se a sequência dos acontecimentos (LG):

1972 - 2 de Fevereiro

 Perante o Conselho de Segurança da ONU, reunido na sua 163ª sessão, em Adis Abeba, Cabral convida a Assembleia Geral das Nações Unidas a enviar uma delegação às 'zonas libertadas'.

 4 de Fevereiro

Resolução 312 do Conselho de Segurança sobre a situação dos territórios sob a administração portuguesa. É autorizada uma missão às regiões libertadas da futura Guiné-Bissau.

2 a 8 de Abril

Visita de um grupo de Diplomatas do Comité de Descolonização da ONU aos territórios libertados.
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quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3190: A guerra estava militarmente perdida (29)? A situação na metrópole (A. Marques Lopes)

Não entro nessa polémica... (IV)

A. Marques Lopes (1)

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Situação na Metrópole (alguns dados)


1962

12 de Janeiro – Franco Nogueira propõe a Salazar a realização de conversas exploratórias secretas com o regime senegalês, uma vez que a Guiné se configurava como um território para o qual era difícil delinear uma solução aceitável.
Julho – Agostinho Neto (MPLA) e Vasco Cabral, dirigente do PAIGC, evadem-se clandestinamente de Portugal a partir da Doca do Bom Sucesso, em Pedrouços, com o apoio dos dirigentes do PCP Jaime Serra e Dias Lourenço.

1963

18 de Janeiro – Debate pelo Governo português de um projecto de Lei Orgânica do Ultramar.
10 de Junho – É comemorado em Lisboa pela primeira vez.
10 de Agosto – Crítica do Marechal Craveiro Lopes a alguns aspectos da política ultramarina.
12 de Agosto – Discurso de Salazar sobre o problema do ultramar, que teve grandes
repercussões internacionais e levou os nacionalistas a reafirmarem a continuação da luta.
23 de Agosto – Cerimónia de apoio dos generais e oficiais superiores a Salazar e à política ultramarina.
27 de Agosto – Manifestação nacional no Terreiro do Paço, em Lisboa, de apoio à política ultramarina do Governo, que serviu de base à legitimidade da política de defesa ultramarina do Governo português.
17 de Outubro – Decisão do Governo português de considerar os crimes previstos na legislação militar, como cometidos em tempo de guerra.

1964

Janeiro – Realização da II Conferência das Forças Antifascistas Portuguesas, promovida pela FPLN.
11 de Janeiro – Aprovação pela Assembleia Nacional, de uma moção de apoio à «política de defesa intransigente do solo pátrio», com referência ao Ultramar.
Março – Comunicado do PAIGC distribuído em Argel, afirmando o acordo entre a oposição portuguesa, representada por Humberto Delgado e os movimentos de libertação africanos, para estreitamento de relações e concordância numa acção comum.
5 de Março – Concessão de facilidades da Alemanha para recuperação de militares mutilados nas guerras coloniais.
8 de Março – Reunião de dirigentes do PAIGC e da FPLN em Argel.
21 de Março – Comunicado da PIDE a acusar Humberto Delgado de auxílio aos «grupos terroristas».
17 de Março – Garantias de apoio do cônsul de Portugal na Rodésia a Ian Smith no caso de declaração unilateral de independência da minoria branca.
25 de Setembro – A França anuncia a entrega a Portugal de oito navios de guerra, como contrapartida pela cedência da base das Flores.
31 de Dezembro – No final do ano de 1964, os efectivos portugueses nos três teatros de operações ultrapassaram os 84.000 homens. Declaração de Franco Nogueira sobre o abandono da ONU por parte de Portugal.

1965

Janeiro - Portugal põe em causa a legalidade da constituição do Conselho de Segurança da ONU, pelo que declara não se considerar obrigado por qualquer decisão sua.
2 de Janeiro – Abertura da base aérea alemã em Beja.
13 de Fevereiro – Assassínio de Humberto Delgado pela PIDE, próximo de Badajoz.
18 de Fevereiro – Salazar, referindo-se à política ultramarina portuguesa, designa Paris e Argel como as capitais da subversão contra Portugal, referindo que os portugueses combatem sem espectáculos e sem alianças, «orgulhosamente sós».
21 de Maio – Assalto à sede da Sociedade de Escritores, na sequência da atribuição do Grande Prémio de Novelística a Luandino Vieira.
3 de Setembro – Encerramento pela PIDE, da Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa.

1966

Abril – Legislação do Governo português para travar a emigração clandestina. Terá limitado, mas, como posso ver pelo quadro em baixo, não travou a emigração, quer legal quer clandestina. Pelo contrário, aumentou.




29 de Maio – Criação do Vicariato Castrense Português, com um corpo de capelães e um bispo.
Agosto – Aumento dos impostos decretado pelo Governo português entre 7 e 27 por cento para fazer face às despesas militares.
14 de Outubro – Difusão das normas a observar pela Direcção dos Serviços de Censura em especial sobre as notícias que visem a «politica adoptada quanto ao Ultramar Português».
15 de Outubro – Abstenção de Portugal na ONU na criação do Dia Internacional para a Eliminação da Descriminação Racial.
Novembro – Personalidades da oposição pedem a Américo Tomás a demissão de Salazar.

1967

23 de Fevereiro – Inauguração do Comando Ibero -Atlântico (Iberlant) da NATO em Oeiras
Abril – Encerramento pela PIDE da Cooperativa católica Pragma. O Hospital Militar de Hamburgo recebe 88 mutilados de guerra portugueses.
17 de Maio – Assalto por um comando da LUAR à delegação do Banco de Portugal na Figueira da Foz.
Setembro – Início dos contactos da PIDE com sectores da oposição ao regime da Guiné-Conacri.
Outubro – Publicação do Manifesto pela Oposição Democrática exigindo para o Ultramar uma solução política.

1968

2 de Fevereiro – Visita de Américo Tomás a Cabo Verde e Guiné.
9 de Julho – Entrada em funcionamento do Centro de Alcoitão para mutilados de guerra.
11 de Julho – Entrada em vigor da nova Lei do Serviço Militar.
19 de Agosto – Bettencourt Rodrigues substitui Luz Cunha no Ministério do Exército e Manuel Pereira Crespo rende Quintanilha Mendonça Dias na pasta da Marinha.
7 de Setembro – Revelação pública de um acidente de Salazar, com irrecuperáveis lesões cerebrais.
26 de Setembro – Anúncio por Américo Tomás da substituição de Salazar por Marcelo Caetano
27 de Setembro – Governo de Marcelo Caetano com Sá Viana Rebelo na Defesa Nacional, Bettencourt Rodrigues no Exército, Franco Nogueira nos Negócios Estrangeiros e Silva Cunha no Ultramar.
27 de Novembro – Discurso de Marcelo Caetano na Assembleia da República, onde declara que «a liberdade e independência dos países da Europa ocidental joga-se não só na própria Europa, como em África».

1969

Março – Autorização de despesas, a contrair pelo Governo português, até ao montante de dois milhões de contos, para reequipamento do Exército e da Força Aérea.
8 de Abril – Início de uma visita de Marcelo Caetano à Guiné, Angola e Moçambique.
24 de Setembro – Refúgio de Marcelo Caetano no Posto de Comando da Força Aérea em Monsanto, por causa de rumores sobre um golpe de Estado.
8 de Novembro – O ministro da Defesa Nacional informa a Cruz Vermelha sobre a existência de 23 militares «retidos» na República da Guiné-Conacri, cinco na República Democrática do Congo, quatro na Tanzânia e um na Zâmbia.
15 de Dezembro – A Assembleia Nacional exorta, por unanimidade, Marcelo Caetano a prosseguir a «política nacional de manutenção e defesa da unidade e integridade de todos os territórios portugueses».

1970

15 de Janeiro – Remodelação ministerial, com Sá Viana Rebelo a assumir a pasta do Exército e Rui Patrício a dos Negócios Estrangeiros.
28 de Janeiro – Os Estados Unidos decidem fornecer a Portugal equipamento militar «não letal». Fevereiro – Vaga de prisões de estudantes africanos das universidades portuguesas.
20 de Fevereiro – Prisão do pároco de Belém (Lisboa), Padre Felicidade Alves, por denunciar a situação da guerra colonial.
Abril – Organização de um curso de «guerra subversiva» pela Legião Portuguesa, com exercícios na Serra de Sintra. Protesto de Portugal na ONU por a Assembleia Mundial da Juventude, realizada sob a égide da ONU, ter convidado directamente representantes de Angola, Moçambique e Guiné sem o conhecimento do Governo português.
Maio – Informação de Portugal ao secretário-geral da ONU de que não participaria na Assembleia Mundial da Juventude, a realizar em Julho. Reorganização territorial do Exército na metrópole e nas províncias ultramarinas.
29 de Maio – Visita a Lisboa do secretário de Estado norte-americano, William Rodgers.
19 de Junho – Prisão em Lisboa de vários cristãos por assumirem posições contra a guerra colonial.
15 de Agosto – Deserção de seis alunos da Academia Militar, durante uma visita à Suécia, e a quem este país concedeu asilo político.



29 de Agosto – Rebentamento de um engenho explosivo na Embaixada de Portugal em Washington, sendo desmontado outro engenho no gabinete dos adidos militares.
27 de Setembro – Conversa em família de Marcelo Caetano, em que acusa as Nações Unidas de instigarem a «subversão no Ultramar».
26 de Outubro – Acção da ARA, braço armado do PCP, contra o navio Cunene, fundeado no porto de Lisboa e pronto a partir para África com material de guerra. Acção do António João Eusébio e do António Pedro Ferreira. “O Comando Central da 'ACÇÃO REVOLUCIONÁRIA ARMADA' declara que ao atacarmos a máquina de guerra que alimenta a guerra colonial não estamos contra os soldados, os sargentos e oficiais honrados, forçados a fazer uma guerra que odeiam. Estamos, sim, contra a continuação desta criminosa guerra de opressão colonial que se transformou num flagelo para os povos de Angola, Guiné e Moçambique e num cancro que corrói a nação, que queima vidas e bens do povo português para servir os interesses dum punhado de monopolistas sem pátria. Estamos solidários com a justa luta libertadora dos povos coloniais.”
29 de Outubro – Acção de sabotagem no navio Vera Cruz em Lisboa. Criação da associação Sedes, como esboço de um partido politico de tendência moderada.
20 de Novembro – Destruição parcial da Escola Técnica da PIDE-DGS, pela ARA. Na acção participa Carlos Coutinho (ex-combatente em Moçambique). Neste dia, destruição igualmente pela "ARA" de importantes quantidades de equipamento e material de guerra armazenados no cais privativo da C.N.N., prontos para embarque no navio Niassa. A "ARA" colocou uma bomba no "Centro Cultural" da embaixada dos Estados Unidos em Lisboa.
2 de Dezembro – Entrega pelo Governo à Assembleia Nacional de uma proposta de revisão constitucional, prevendo um estatuto de autonomia interna para as províncias ultramarinas.
4 de Dezembro – Deserção de três oficiais do Exército, que se refugiam na Bélgica.
17 de Dezembro – Julgamento do Padre Mário de Oliveira, pároco de Macieira da Lixa, por oposição à guerra.

1971

8 de Março – Atentado da "ARA" contra aeronaves militares (vários helicópteros) na Base Aérea de Tancos. Acção do Ângelo Manuel Rodrigues de Sousa (pseudónimos Tavares e Miguel), já falecido.
Maio – Portugal retira-se da UNESCO em virtude de esta organização apoiar os movimentos de libertação.
28 de Maio – Promoção de um jantar legionário no Porto contra a reforma constitucional de Marcelo Caetano.
3 de Junho – Atentado da ARA [Acção Revolucionária Armada] contra a central radiotelegráfica e telefónica (RARET) de Lisboa, no dia de abertura de uma cimeira da NATO.
19 de Junho – Promulgação da nova Lei Orgânica da Ultramar, passando Angola e Moçambique a ser designados por Estados.
16 de Agosto -Profunda alteração da Constituição de 1933.
27 de Outubro – Acção da ARA contra as instalações de Oeiras do Comiberlant, na véspera da sua inauguração.
19 de Novembro – A Assembleia Nacional decreta o «estado de subversão», por se verificarem «actos subversivos graves em algumas parcelas do território nacional».
25 de Novembro – Criação pela DGS, do Grupo de Trabalho Madeira, com a finalidade de efectuar a «integração» da UNITA e de Jonas Savimbi.
28 de Novembro – Comunicado do PCP a criticar a acção das BR e dando o seu apoio às acções da "ARA".

1972

12 de Janeiro – “Na madrugada do dia 12 de Janeiro de 1972, um comando da ARA colocou duas potentes cargas, uma explosiva e outra incendiária, num dos armazéns do cais de Alcântara em Lisboa. Em consequência da forte explosão e do incêndio que se lhe seguiu foi destruída grande quantidade de material pronto a embarcar para a guerra colonial, entre o qual se encontrava importante material de guerra recém-chegado de França e destinado a unidades de caçadores pára-quedistas. Porque o comando da A.R.A actuou entre as 6 e as 8 horas da manhã, quando no Porto de Lisboa não há trabalhadores em actividade, não houve mortos nem feridos. O comando da A.R.A que realizou a acção não teve baixas.”
4 de Fevereiro – Primeira reunião do Grupo de Trabalho Madeira, da DGS.
17 de Abril – Divulgação de um manifesto da oposição «O Fracasso do Reformismo», denunciando a crise do regime.
29 de Abril – Directiva do ministro da Defesa sobre a alta prioridade das Forças portuguesas à missão de informação, propaganda e contra propaganda.
18 de Junho – Acusação de Marcelo Caetano à oposição, por esta ter aberto a «quarta frente de combate».
19 de Junho – Publicação da Lei Orgânica do Ultramar Português.
5 de Julho – Decisão do Governo de libertar mais de 1.500 prisioneiros internados em campos situados nas colónias.
11 de Julho – Destruição pelas Brigadas Revolucionárias, em Cabo Ruivo, de 15 camiões destinados ao Exército português.
28 de Julho – Agravamento pelo Supremo Tribunal Militar, para dez anos de prisão da pena do capitão cubano Pedro Peralta.
Agosto – Criação pelo Estado-Maior-General de uma rede de informações para actuar em diversos países africanos, chefiada por Alpoim Calvão.
9 de Agosto – Acção da "ARA" de destruição de duas dezenas de torres eléctricas nas áreas de Lisboa, Porto e Coimbra, da rede eléctrica nacional. Participaram na acção António João Eusébio e António Pedro Ferreira (ex-combatentes em Angola).
30 de Setembro – Publicação da Lei Orgânica da DGS.
2 de Outubro – Discurso de Rui Patrício na ONU, boicotado pela maioria dos delegados.
30 de Novembro – Início da vigília na Capela do Rato, em Lisboa, durante a qual um grupo de católicos aprova um documento contra a guerra colonial.

1973

1 de Janeiro – Aproveitando a circunstância de se comemorar o Dia Mundial da Paz, um grupo de cristãos que tinha iniciado uma acção de cariz Anti-Colonial, de forte impacte, ocupando a Capela do Rato, em Lisboa, inicia uma greve de fome, organizando ao mesmo tempo, uma assembleia aberta a cristãos e não cristãos, para discussão do problema da guerra colonial, assunto totalmente proibido pelo Regime.
2 de Janeiro – Uma força da Polícia de Choque, comandada pelo capitão Maltês Soares, irrompe, pelas 19h00, na Capela do Rato e prende 70 pessoas.
11 de Janeiro – Demissão da função pública de todos os funcionários que participaram na vigília da Capela do Rato.
13 de Janeiro – Marcelo Caetano numa «Conversa em Família» declara que «só temos um caminho, defender o Ultramar».
4 de Abril – Realiza-se em Aveiro o III Congresso da Oposição Democrática. A sua realização foi cercada de intensas medidas repressivas, entre elas o ataque da Polícia de Choque aos congressistas quando se deslocavam em manifestação silenciosa ao cemitério local, em romagem ao túmulo de Mário Sacramento (eu e o José Luís Judas levámos umas pancadas – eu fiquei ferido num braço – e tivemos que nos refugiar numa casa).
6 de Abril – Atentados das BR, no Porto, contra instalações militares.
29 de Abril – Rebentamento de petardos em várias localidades do país com panfletos contra a guerra colonial.
25 de Maio – Visita de Costa Gomes, chefe do Estado-Maior-General, à Guiné.
1 de Junho – Desenrola-se no Porto o chamado I Congresso dos Combatentes do Ultramar, através do qual o Governo pretende demonstrar, interna e externamente, a «adesão entusiástica» dos militares à política ultramarina. A sua forma de organização antidemocrática desencadeia um amplo repúdio no seio das Forças Armadas, em Portugal Continental, Ramalho Eanes, Hugo dos Santos, Vasco Lourenço e outros encabeçam um vasto movimento de protesto. Com o mesmo objectivo, são recolhidas quatrocentas assinaturas de oficiais do Quadro. Enviado um telegrama ao congresso assinado por Marcelino da Mata e Rebordão de Brito.
13 de Julho – É publicado, no Diário do Governo, o Decreto-Lei n.º 353/73 (e posteriormente o 409/73, com pequenas alterações), o qual criava um conjunto de condições que facilitava o ingresso dos oficiais milicianos no Quadro Permanente, medida que vem incrementar a contestação já latente nos oficiais desse Quadro, tornando-se o verdadeiro rastilho para a criação do futuro Movimento dos Capitães.
16 de Julho – Início da visita oficial de Marcelo Caetano a Inglaterra, onde é recebido com manifestações de protesto.
6 de Agosto – Regresso de António de Spínola a Portugal, vindo a ser substituído nos cargos que desempenhava na Guiné.
20 de Agosto – Publicação do Decreto-Lei 409/73, que corrige alguns aspectos do DL 353/73, referente às carreiras dos oficiais do exército.
Setembro – Deserção de 5 marinheiros durante a realização de um exercício NATO no Atlântico Norte. Encontro em Paris de delegações dos Partido Socialista e Partido Comunista, chefiadas por Mário Soares e Álvaro Cunhal.
9 de Setembro – Tendo por local de encontro o Templo de Diana, em Évora, 136 oficiais dirigem-se ao monte do Sobral, em Alcáçovas, a uma herdade de um familiar do capitão Diniz de Almeida, onde nasce formalmente o «Movimento dos Capitães». Exige-se a revogação do Decreto 353/73, um abaixo-assinado será entregue na Presidência da República e na Presidência do Conselho de Ministros, pelos capitães Lobato Faria e Clementino País. 94 Capitães e subalternos, em comissão em Angola, assinam colectivamente um protesto e enviam-no a Marcelo Caetano. Em Moçambique elabora-se um documento idêntico que recolhe 106 assinaturas, entre oficiais superiores, capitães e subalternos.
14 de Setembro – Reunião de Kaúlza de Arriaga com outros generais das Forças Armadas para preparação de uma acção concertada contra o Governo.
21 de Setembro – Reunião do movimento dos Capitães em Luanda, onde se decide a apresentação de um pedido individual de demissão de oficial do Exército.
6 de Outubro – Reunião alargada do Movimento dos Capitães, em Lisboa, realizada simultaneamente em quatro locais, onde se coloca a hipótese do emprego da força para derrubar o regime. Início da assinatura de um pedido de demissão de oficial do Exército por parte dos oficiais abrangidos pelos decretos de 13/7 e 20/8, que ficaram na posse de uma comissão coordenadora provisória.
18 de Outubro – Reunião do Movimento dos Capitães em Bissau e Luanda, decidindo-se, em ambos os lados, prosseguir a mobilização dos oficiais, apesar da suspensão dos decretos.
28 de Outubro – Eleições para a Assembleia Nacional com a desistência da Oposição Democrática (CDE) que classifica o acto de fraude eleitoral.
7 de Novembro – Remodelação ministerial que afasta o Ministro da Defesa, general Sá Viana Rebelo e o secretário de Estado do Exército, Alberty Correia. Em sua substituição são nomeados para as pastas da Defesa Nacional e do Exército, respectivamente, o Prof. Joaquim da Silva Cunha, até então Ministro do Ultramar, e o general na reserva Alberto Andrade e Silva, sendo o coronel de artilharia Carlos Viana de Lemos designado subsecretário de Estado do Exército e Telo Polleri para a Aeronáutica.
24 de Novembro – As Comissões Coordenadora e Consultiva provisórias do Movimento dos Capitães reúnem num casarão nas traseiras da Colónia Balnear Infantil de O Século, em S. Pedro do Estoril. É necessário fazer um ponto de situação e eleger uma Comissão Coordenadora definitiva que seja verdadeiramente representativa do Movimento. A «guerra do decreto» devia ser ultrapassada pela acção e passar-se a uma nova fase de luta. Os delegados são solicitados a auscultar as suas unidades sobre o caminho a prosseguir pelo Movimento dos Capitães. Luís Banazol fala da necessidade de fazer uma revolução e se colocam três hipóteses de futura actuação; conquista do poder, exigência de eleições livres ou reivindicações exclusivamente militares.
Dezembro – Manifestação contra a guerra colonial (não me lembro do dia exactamente) que saiu do Marquês de Pombal e só chegou até perto do Parque Mayer. Éramos umas dezenas. A polícia de choque veio da Praça da Alegria e bateu. O José Luís Judas (ex-pára-quedista e, então, contabilista da Novopca) e o Jorge Aguiar (jovem engenheiro das Construções Hospitalares) enfiaram-se no Parque Mayer a jogar matraquilhos. Nada. Eu, o Muradali Mamadussen (era estudante, foi adjunto do Samora Machel depois e com ele morreu no desastre (?) de avião) e o António Monteiro (actual Relações Públicas da TAP) socorremo-nos do Ribadouro. O Muradali assentou-se, logo à entrada, numa mesa onde estavam turistas e agarrou num copo. Passaram. Eu e o António Monteiro fomos para o balcão onde a polícia de choque nos foi apanhar pelos cabelos (era moda na época). O que é que foi?!! Que merda é esta?!! O que é isto?!! Arrastaram-nos até à porta mas lá nos largaram...
1 de Dezembro – Reunião, em Óbidos, do Movimento dos Capitães, em que é eleita uma comissão coordenadora alargada e votados os nomes dos generais a contactar pelo movimento. Após se ter tomado conhecimento de que as bases do Movimento não pretendiam, por ora, ir além das reivindicações militares, importantes decisões são tomadas. Vota-se o nome do general Costa Gomes como chefe prestigiado que o Movimento deveria chamar a si. Delibera-se alargar o Movimento aos outros ramos das Forças Armadas (Marinha e Força Aérea). Elege-se uma Comissão Coordenadora e Executiva (CCE), com 3 oficiais por cada arma e serviço do Exército.
5 de Dezembro – 1ª Reunião da nova CCE, numa casa de praia na Costa da Caparica. Prepara-se uma proposta com base em reivindicações militares, a apresentar a elementos dos outros dois ramos. Esse documento era de tal forma ambicioso que seria uma forma de pressão quase extrema para o Executivo. Para a CCE foi escolhida uma direcção: majores Vítor Alves, Otelo Saraiva de Carvalho e capitão Vasco Lourenço.
17 de Dezembro – Vislumbram-se insistentes sinais de que estaria em preparação um golpe de Estado de extrema-direita, com a implicação dos generais Kaúlza de Arriaga, Silvino Silvério Marques, Joaquim Luz Cunha e Henrique Troni, visando a conquista do poder.
20 de Dezembro – Ordem de embarque imediato para a Guiné de alguns oficiais do batalhão de Ataíde Banazol.
22 de Dezembro – São revogados os Decretos-Lei 353/73 e 409/73 que haviam estado na origem do Movimento dos Capitães. Teme-se que a mobilização da luta alastre à maioria dos militares.

1974

23 de Janeiro – Apresentação à hierarquia de uma exposição do Movimento dos Capitães de Moçambique sobre a situação resultante dos acontecimentos da Beira, assinada por 180 oficiais. É redigida a 1ª circular do Movimento (circular n.º 1/74), por decisão da sua direcção. A mesma é amplamente distribuída, relatando os acontecimentos ocorridos em Moçambique e apelando a que cada militar «...dentro das mais estritas regras da disciplina...» se empenhe na exigência de um desagravo à instituição. Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço avistam-se com Spínola, dando-lhe conhecimento da posição do Movimento. A referida circular viria a ser citada na BBC, no Le Monde e na emissora Rádio Portugal Livre de Argel.
26 de Janeiro – Reunião do movimento dos Capitães no Estoril, onde é constatada a necessidade de elaborar um documento que defina os seus objectivos políticos.
27 de Janeiro – Abaixo-assinado elaborado pela comissão regional do Movimento dos Capitães na Beira (Moçambique) sobre os últimos acontecimentos.
29 de Janeiro – Envio pela comissão do Movimento dos Capitães em Nampula, de um relato circunstanciado dos acontecimentos da Beira, para Lisboa e para as comissões regionais.
5 de Fevereiro – O Movimento dos Capitães politiza-se de forma galopante. É necessário adoptar um programa, para isso realiza-se um encontro alargado da CCE no qual é eleita uma Comissão de Redacção do Programa do Movimento; dela fazem parte o tenente-coronel Costa Brás, majores Melo Antunes e José Maria Azevedo e capitão Sousa e Castro. Chegada a Lisboa de Jorge Jardim para conversações com o Governo sobre uma proposta de resolução do problema de Moçambique, supostamente apoiada pelos dirigentes de alguns países africanos.
12 de Fevereiro – Publicação do documento do bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto, «Imperativo de Consciência».
13 de Fevereiro – Restabelecimento de contactos entre a UNITA e a administração de Angola.
14 de Fevereiro – Carta do Movimento dos Capitães da Guiné sobre a situação geral e a necessidade de ser passar à acção contra o regime.
22 de Fevereiro – Sai do prelo o livro “Portugal e o Futuro”, da autoria de António de Spínola, que se esgota rapidamente, conhecendo um enorme sucesso. O general defende uma solução política e não militar para o Ultramar. Fica demonstrado publicamente o conflito existente no seio do regime em torno de uma solução para o problema colonial.
5 de Março – Mini plenário do Movimento dos Oficiais das Forças Armadas, em Cascais, o último antes do 25 de Abril. Presentes 194 oficiais, das unidades de Infantaria, Artilharia, Cavalaria, Engenharia, Administração Militar, Transmissões, Serviço de Material, Pára-quedistas e Força Aérea (FA), representando 602 militares. O documento, de índole política, «O Movimento, As Forças Armadas e a Nação» recolhe 111 assinaturas.
6 de Março – Marcelo Caetano faz defesa inflamada da política do Governo para o Ultramar, em discurso proferido perante a Assembleia Nacional e transmitido pela RTP. No seu seguimento é aprovada pelos deputados uma moção de apoio à «política ultramarina do Governo». Elaboração de um plano por Kaúlza de Arriaga e Luz Cunha para por fim à «subversão comunista do Exército».
9 de Março – Os capitães Vasco Lourenço, Antero Ribeiro da Silva (Presidente da Delegação do Norte da Associação 25 de Abril) e Pinto Soares são detidos, tendo os dois primeiros, decorridos alguns dias, sido transferidos compulsivamente para os Açores e a Madeira, respectivamente, enquanto o terceiro foi internado num estabelecimento hospitalar.
11 de Março – Aprovação da politica colonial do Governo, pela Assembleia Nacional.
14 de Março – As chefias das Forças Armadas e de Segurança e os oficiais generais dos três ramos vão a S. Bento afirmar ao Presidente do Conselho de Ministros e ao Governo a sua fidelidade e apoio à política ultramarina, em nome das respectivas instituições.
15 de Março – Demissão de Costa Gomes e António de Spínola dos cargos de chefe e vice-chefe do Estado-maior General das Forças Armadas. Os jornais anunciam com grandes parangonas a exoneração dos generais Francisco da Costa Gomes e António de Spínola dos cargos de Chefe do Estado-maior General das Forças Armadas e vice-CEMGFA, respectivamente.
16 de Março – Às 04:00 da madrugada, uma coluna do Regimento de Infantaria 5 das Caldas da Rainha passa os portões do aquartelamento, comandados pelo capitão Armando Marques Ramos. Pretende executar um golpe militar, marchando sobre Lisboa e depondo o Governo, a apenas a três quilómetros da capital terá a noção de que se encontra isolada. Um precipitado e deficiente planeamento da acção leva ao seu fracasso, sendo presos quase duas centenas de militares, oficiais, sargentos e praças, entre os quais o tenente-coronel João de Almeida Bruno, majores Manuel Monge e António Casanova Ferreira e capitães Marques Ramos e Virgílio Varela. Um avanço à margem do Movimento por parte dos spinolistas, constituiu, embora, um importante balão de ensaio para o 25 de Abril.
18 de Março - Otelo e Vítor Alves redigem a Circular 2/74, procedendo a uma análise dos acontecimentos e apelando à firmeza e perseverança nos objectivos do Movimento. Encontram-se com Melo Antunes, no Café Londres, e pedem-lhe que elabore um programa político do Movimento dos Oficiais das Forças Armadas (MOFA), com base no Manifesto aprovado no plenário do dia 5. O diário República, dirigido por Raul Rêgo, desde sempre ligado à oposição ao Estado Novo, publica, de forma criptográfica, na página desportiva, a notícia intitulada «Quem travará os leões» na qual se conclui que «perdeu-se uma batalha, mas não se perdeu a guerra»
19 de Março – General Joaquim da Luz Cunha, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.
21 de Março – Após um contacto estabelecido no alto do Parque Eduardo VII por iniciativa do capitão Luís Macedo, colocado no Regimento de Engenharia 1 (RE 1), em que solicita a Otelo, em nome de muitos camaradas, que assuma a condução militar do Movimento, este aceita a missão e designa-o seu adjunto operacional.
22 de Março – Reunião em casa de Vítor Alves de um pequeno núcleo de oficiais do Exército, da Força Aérea e da Armada. Melo Antunes lê a primeira versão do programa político do Movimento, sendo por todos aprovada. Melo Antunes comunica que, por ironia do destino, em resultado de um pedido seu, deferido apenas naquela altura, irá partir nessa noite para Ponta Delgada, devido a ter sido colocado no Comando Territorial dos Açores (CTIA). Fica combinado o célebre telegrama em código que o irá informar do grande momento: «Tia Aurora segue dia... Um abraço António». O comandante Almada Contreiras acompanha Melo Antunes ao aeroporto, sendo apresentado por este a Álvaro Guerra, jornalista do República.
24 de Março – A CCE reúne e é aprovado por unanimidade que os dois elementos da direcção ainda activos assumam a responsabilidade da preparação militar e da preparação política do movimento. Otelo aceita, perante os presentes, gizar um plano operacional e elaborar a «ordem de operações» respectiva. Garante que o golpe será desencadeado entre 20 e 29 de Abril e, desta vez, para conduzir à vitória.
28 de Março – Marcelo Caetano faz, na RTP, a sua derradeira «Conversa em Família», em que reafirma a politica ultramarina do seu Governo e condena os implicados no movimento de 16 de Março.
4 de Abril – Carta da direcção do movimento de oficiais para as colónias, informando as respectivas comissões de que não deveriam tomara iniciativa de qualquer acção.
13 de Abril – Informação do movimento de oficiais da Guiné à comissão de Lisboa de que está preparada para assumir a iniciativa do movimento, caso seja necessário.
15 de Abril – Otelo Saraiva de Carvalho conclui o Plano Geral das Operações, que intitula simbolicamente «Viragem Histórica». Divide o país em duas grandes áreas de operações: Zona Norte e Resto do País, sendo este segmentado em quatro áreas. As unidades do Norte deveriam convergir para o Porto, onde ocupariam pontos estratégicos, nomeadamente o Quartel-General, instalações de forças de segurança, estações de rádio e televisão, aeroporto e pontes. As unidades situadas a Sul do Douro adoptariam idêntica manobra relativamente à capital, sendo atribuídas a algumas das colunas mais importantes missões de natureza táctica (EPC e EPA). Nesse mesmo dia entrega-o ao tenente-coronel Garcia dos Santos para que este elabore o Anexo de Transmissões. Encontro no restaurante Califa, em Benfica (perto da minha casa...), de Otelo, do capitão Frederico Morais e dos tenentes milicianos Luís Pessoa e Miguel Amado com vista a planear a tomada da Emissora Nacional. Escolha do Rádio Clube Português (R.C.P.) para posto emissor do MFA, em virtude de possuir uma rede que cobre o país e o Ultramar, emitir noticiários de hora a hora em simultâneo e de dispor, nas instalações da Rua Sampaio e Pina, nº 26, de um estúdio compacto, de gerador de emergência com entrada automática em funcionamento e radiotelefone para o centro emissor em Porto Alto.
16 de Abril – Otelo Saraiva de Carvalho reúne, no RE 1, com o major Eurico Corvacho a quem explica a ideia geral de manobra, particularizando as movimentações a levar a cabo na Zona Norte. A pedido deste, agrega-lhe as forças do Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE) de Lamego, cometendo-lhes a missão de reforçar as tropas do Porto.
17 de Abril – Otelo Saraiva de Carvalho distribui as missões aos delegados do Agrupamento Norte (November), no apartamento de Dinis de Almeida, estando presentes todos os agentes de ligação para esse sector, facto que se repete nas restantes reuniões.
18 de Abril – Otelo Saraiva de Carvalho distribui as missões aos delegados do Sector Centro (Charlie), em sua casa, contando-se entre estes o capitão Correia Bernardo, em representação da Escola Prática de Cavalaria (Santarém).
19 de Abril – Otelo Saraiva de Carvalho distribui as missões aos delegados do Sector Sul (Sierra), em casa do major Fernandes da Mota.
20 de Abril – Finalmente, na mais importante das reuniões, Otelo Saraiva de Carvalho distribui as missões aos delegados das unidades da Região Militar de Lisboa (Lima), na residência, então vaga, do pai do tenente Américo Henriques, em Cascais. Conclusão do essencial dos textos políticos (em cuja redacção, coordenada por Vítor Alves, participaram Franco Charais, Costa Brás, Vasco Gonçalves, Nuno Lopes Pires e Pinto Soares, pelo Exército; Vítor Crespo e Lauret, com a participação menos activa de Teles e Contreiras, pela Marinha e a ocasional presença do major Morais e Silva e do capitão Seabra). A partir desta data, Otelo, que também assegura a ligação com Spínola, passa a efectuar os contactos, por razões de segurança, através do major de cavalaria na reserva Carlos Alexandre de Morais. São da lavra do general algumas das modificações introduzidas, nomeadamente a designação de Movimento das Forças Armadas (MFA), em substituição da versão anterior de Movimento dos Oficiais das Forças Armadas (MOFA) e de Junta de Salvação Nacional (JSN) em alternativa à proposta de Directório Militar.
21 de Abril – Encontro na marginal em Oeiras, de Otelo e do major Moura Calheiros com os coronéis Rafael Durão (representante do general Spínola) e Fausto Marques, com vista a obter a adesão do Regimento de Caçadores Pára-quedistas, comandado pelo último oficial, iniciativa que se revela inconclusiva.
22 de Abril – A partir do início deste dia, todos os delegados do Movimento nas unidades entram em estado de alerta, preparados para receber o contacto do agente de ligação, portador das instruções finais. A Escola Prática de Transmissões (EPTM), localizada em Sapadores, recebe autorização do Estado-Maior do Exército (EME), por proposta do tenente-coronel Garcia dos Santos, para o estabelecimento de uma linha directa com o RE 1, da Pontinha, numa extensão de 4 quilómetros. Inicia-se, sem demora, a sua instalação, efectuada por uma equipa comandada pelo furriel Cedoura, que ficará concluída em menos de 24 horas. Tal iniciativa viria a permitir ao Posto de Comando do MFA o acesso permanente às escutas das redes de transmissões militares e das forças de segurança, missão de apoio técnico cometida à primeira unidade militar, em que se destacaram os capitães Fialho da Rosa, Veríssimo da Cruz e Madeira.
23 de Abril – Otelo Saraiva de Carvalho e Costa Martins, protegidos pelo major FA Costa Neves, avistam-se, no Apolo 70, com João Paulo Diniz. Este esclarece que apenas colabora no programa matutino Carrossel do R.C.P., razão pela qual não poderá emitir a senha pretendida. Obtêm, contudo, a garantia de transmissão do seguinte sinal, entretanto combinado, “Faltam cinco minutos para a meia-noite. Vai cantar Paulo de Carvalho «E depois do adeus»”, através dos Emissores Associados de Lisboa (E.A.L), que apenas dispõem de um raio de alcance de cerca de 100 a 150 quilómetros de Lisboa. A limitada potência do emissor torna, assim, necessária a emissão de um segundo sinal, através de uma estação que alcance todo o País. Deslocam-se, seguidamente, para junto da Penitenciária de Lisboa, onde aguardam que o ex-locutor do Programa das Forças Armadas em Bissau obtenha informação no Rádio Clube Português sobre a constituição da equipa que entrará de serviço na madrugada de 25. Este apura que o serviço de noticiário estará a cargo de Joaquim Furtado mas, conhecendo-o mal, não arrisca estabelecer contacto.
25 de Abril – Às 00h40 na EPC, em Santarém, os oficiais do MFA procuram obter a adesão ao Movimento do tenente-coronel Henrique Sanches. Não o conseguindo, procedem à sua detenção.

E foi o que veio a seguir...

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Notas:

1. A. Marques Lopes, ex- Alf Mil Inf ( hoje Cor DFA, reformado), CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro)

2. artigos relacionados em:

21 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3077: A Guerra estava militarmente perdida (27)? Reacções a nível internacional. Os efectivos das NT. (A. Marques Lopes).

13 de Julho > Guiné 63/74 - P3057: A Guerra estava militarmente perdida? A situação político-militar na Guiné (26). A. Marques Lopes.