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sábado, 3 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15192: O segredo de ... (27): A minha prenda de Natal de 1963: a destruição de Sinchã Jobel, com o meu engenhoso fornilho montado numa mala de cartão... (Alcídio Marinho, ex-fur mil at inf MA, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)



Leiria > Monte Real > Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > O Alcídio Marinho (Porto, Miragaia), o porta-estandarte da CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65).


Foto: © Manuel Resende (2011). Todos os direitos reservados.




Leiria > Monte Real > Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > A Rosa Marinho (Porto, Miragaia), empunhando com elegância, firmeza e determinação o estandarte dos Capacetes Verdes (réplica do original).


Foto: © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados.




Guiné > Mapa geral da província > Escala de 1/500 mil  > 1961 > Detalhe: posição relativa de Sinchã Jobel, a norte de Bambadinca e a noroeste de Bafatá...

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)


1. Mensagem de Alcídio Marinho [ ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65)]


Data: 25 de setembro de 2015 às 16:09

Assunto: A aestruição da tabanca de Sinchã Jobel


A DESTRUIÇÃO DA TABANCA DE SINCHÂ JOBEL


Como já referi noutro comentário, quando estive no Enchalé, de outubro de 1963 a janeiro de 1964, fizemos diversos patrulhamentos a Mato Cão, a Sucuta, mas a Sinchã Jobel só fomos 2 vezes e eu pessoalmente só uma vez. 

Duas semanas antes do natal de 1963, fomos a Mato Cão que não deu em nada pois os turras descobriram-nos e fugiram, na direção de Sucuta, fazendo fogo de longe sem nenhum efeito. 

Na semana seguinte, resolvi fazer uma patrulha apeada, com 5 soldados, 1 cabo e comigo, junto ao rio Geba, subindo em seguida, para norte em direção à estrada Geba-Saliquinhé-S. Belchior-Flora-Porto Gole. Começamos a ouvir um barulho, pum-pum, parei a malta e fomos ,o cabo e eu, verificar o que se tratava e vimos um grupo de turras a fazer um buraco no chão para montar um fornilho. 

A malta queria atacá-los mas conferindo as cartucheiras deles, elas estavam vazias, só tinham o carregador da G3 e granadas nem vê-las. Determinei:
- Fiquem calados, esperando que eles se fosse embora. 

Assim, eles montaram o fornilho e foram embora. Claro que assistimos,  parecia que estavamos a ver um filme, 10 individuos armados com 2 PPSH (costureirinhas), 2 espingardas(?), várias pistolas e um a montar o fornilho. Eles estavam atentos ao ruidos de carros, só e apenas. depois vimos eles seguirem pela estrada, descontraidos, descendo a encosta, atravessaram o pontão, pela recta de Saliquinhé e subiram a picada para Sucuta junto ao ribeiro que levava muita água (estávamos fim da època das chuvas). 

Fui, em seguida, ao fornilho, desatei o cordão de algodão (mias de 6 metros), deixando-o ficar lá como estava, retirei o detonador do disparador, peguei num prego (que utizava nas armadilhas) enterrei-o no chão e apertei-o novamente o cordão, com um nó. Seguimos para o quartel, para almoçar e todos os soldados tiveram fazer um reforço à Benfica.

No dia 24 de Dezembro, às 5.30 horas carregamos três vacas na GMC, para vendermos, uma para o BCaç 507, outra para o Esq Cav 385 e, outra para o mercado de Bafatá e uma perna da tinha ficado para nós, para a nossa Companhia.
O preço era 900 pesos. Na bolanha do Enchalé, havia para cima de 200 vacas.

Tomamos a estrada, seguindo no meu jipão, de pé, escrutinando a estrada. Quando chegamos em frente ao sitio do fornilho, desci, fui ver o mesmo e estava como quando o havia deixado. Segui a pé e olhando para junto ao pontão, um pouco mais à frente, a terra estava mexida e com uma pequena nuvem de vapor de água. Alto para todas a viaturas, e toca a fazer a segurança nas bermas da estrada.

Desloquei-me ao local e com a minha faca de mato, comecei a retirar muito devagar a terra e lá apareceu a mina nti-carro. Voltei junto do alferes Cardoso Pires
- Pires,  é uma mina!

- Marinho,  e agora?

- Agora, o Condez (furriel miliciano) que estenda para mais largo a segurança e eu vou levantá-la, para não fazer barulho.

Peguei na corda, com cerca de 8 metros, que trazia sempre no jipão e voltei para a mina. Alguns soldados queriam ir para junto de mim, mas eu não deixei,

Continuei, a retirar a terra de cima e dos lados para ver se estava armadilhada, mas não estava. Atei-a no puxador , estendi-a, puxando de esticão, retirei a mina.

Esperei 5 minutos,  e rodando o prato no sentido contrário do relógio, retirei o detonador, e a mina ficou desactivada. Tapei o buraco com a terra e as viaturas passaram junto dele, para que, se viessem ver, os rodados estavam fora do local da mina e eles não mexeriam na terra, esperando que alguém passassem por cima.

Seguimos para Bafatá e tratamos de tudo, regressando cerca das 13.30 horas. Chegamos entretanto à entrada da tal reta - Saliquinhé, Com os meus soldados subi a encosta, para vigiar, continuando a coluna na referida reta, mas,  na subida da encosta, começou o tiroteiro. Com um tiro furaram a coxa a um soldado. Eram 14.30 e a emboscada durou até ás 18 horas.

Mais tarde, contarei as peripécias dessa emboscada

Como montava armadilhas, resolvi fazer uma que tivesse um poder de destruição enorme

Assim, numa mala de cartão castanha, preparei a armadilha. Utilizei trotil e C4, corpos de granadas desactivadas e serrados, pregos (galeotas), bocados de panelas de ferro fundido e parafusos. Arranjei na Mecânica uma mola e esferas de rolamentos.

Alcído Marinho, foto atual... Um dos nossos
"veteraníssimos"...Um, camarada que tem muitas
histórias por contar...
Na mala enchi com o C4, fiz um buraco onde coloquei a esfera de metal e a mola ficou em obliquo. No aro no fundo da mola atei um terminal do detonador eléctrico, o outro terminal liguei-o ao terminal duma canoa de pilhas de um rádio.

O outro terminal da canoa ficou com a ponta no meio da circunferência no fundo da mola. Assim, se mala se mantivesse direita e ao alto nada acontecia, no entanto de a virassem, a esfera saia do buraco, entrava na mola e nada a parava, indo embater com o outro terminal completando a explosão.

Fechei a mala com a chave e levei-a para a berma da estrada no cimo da encosta, para Saliquinhé, onde a deixei como se alguém se tivesse esquecido dela.

Ficamos internados no mato à espera. Cerca da 11 horas apareceu um grupo de turras,  passaram junto ao fornilho e um viu a mala, tentou abri-la, mas o comandante, um cabo-verdiano, disse-lhe qualquer coisa e começaram a descer rapidamente a encosta, verificando o local da mina, seguindo pela reta, e chegando ao fim, começaram a subir para Sucuta e Sinchã Jobel.

Ficamos a ver o grupo, e o transportador da mala, com ela na mão, dançava, e eu pedia a todos os deuses para que ele não virasse a mala, para não explodir.

Já era quase meio dia e nós olhavamos na direção de Sinchã Jobel, à espera da explosão.

Então ouvimos distintamente uma grande explosão seguida de outras, que duraram mais de um quarto de hora, seguramente.

Voltamos, então, para o quartel, e foi um falatório, contando por todos, para o Alferes, outros furrieis e os outros camaradas que não tinham visto o fumo, mas tinham ouvido as explosões

No dia 26 vieram de Bafatá, outras forças e fizemos uma batida mas não chegamos a Sinchã Jobel, no entanto, apanhamos diverso material e detivemos vários guerrilheiros que, reportaram no Batalhão, que a tabanca havia sido totalmente destruida, com dezenas de mortos.

Explicaram que o portador "da carta a Garcia",  isto é a armadilha, havia sido levada para a morança  do paiol e,  ao tentarem abri-la, ela explodiu, e por simpatia todas as munições. Por isso nós ouvíamos explosões e tiros, eram as munições e os sobreviventes a fazer fogo, pois pensavam que estavam a ser atacados

Assim, foi destruida a tabanca de Sinchã Jobel

Alcidio Marinho 
CCaç 412

Cumprimentos

___________________

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15150: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte IV): Op Insistir (27/10/1967): com a 5ª CCmds e dois 2 grupos de combate de cassanhos, da CART 1690


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5




Foto nº 6

Guiné > Zona Leste > Setor L2 > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamento de Banjara > 1968 > O destacamento não tinha população civil e era defendido por um pelotão da CART 1690. Distava 45 km de Geba, sede da companhia.

As fotos são do ex-Alf Mil Alfredo Reis que,  tal como o António Moreira, o Domingos Maçarico e o A. Marques Lopes, era da CART 1690. Os quatro  figuram na lista dos membros da nossa Tabanca Grande. O Alfredo Reis é veterinário, reformado, vivendo em Santarém. As fotos chegaram-nos por  intermédio do A. Marques Lopes.

Na foto nº 2,  ao centro, em segundo plano, está o nosso amigo e camarada Alberto Branquinho, hoje advogado e escritor, ex-alf mil op esp da CART 1689 / BART 1914,  que foi encontrar, em Banjara, o seu amigo e condiscípulo do liceu de Santarém, o alf mil Alfredo Reis, da CART 1690 / BART 1913. Aceitam-se legendas para as fotos...

Fotos: © Alfredo Reis / A. Marques Lopes (2007).  Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



Mais três textos de A. Marques Lopes, publicados no poste P40, em 3/6/2005: Sinchã Jobel IV, V e VI (*):

Continuação da publicação desta série, "Jogos de Cabra-Cega: Sincha Jobel", com a reedição de alguns postes do A. Marques Lopes, que tem por objeto central a descoberta e a tentativa de destruição, pelas NT, de Sinchã Jobel, uma base ("barraca") do PAIGC, em pleno coração da Guiné, na zona leste, no regulado de Mansomine, entre Mansambé e Geba. 

São os postes nº 35, 36, 39, 40, 45 e 763, originalmente inseridos na I Série, e como tal como pouco lidos e conhecidos... Fizemos a revisão de texto (e atualizámos o texto de acordo com a ortografia em vigor). (*)

Estes "jogos de cabra-cega" fazem parte da trama do romance que o A. Marques Lopes lançou, recentemente, em junho passado, sob a chancela da Chiado Editora (capa ao lado). O autor, João Gaspar Carrasqueira, é pseudónimo literário. Aiveca, a personagem central do romance, é o "alter ego" do A. Marques Lopes. A editora meteu o livro na sua coleção "Bios", classificando-a como "biografia" e não como "romance"... Na realidade, é uma autobiografia ficcionada, de 582 pp.

Lembram-se do jogo da cabra-cega, do nosso tempo de infância e de escola? "Tapam os olhos ao que é apontado para ser cabra-cega, Dão-lhe várias voltas para perder o sentido de orientação. Dão-lhe empurrões para o desorientar ainda mais e não saber para onde se virar" (, preâmbulo do livro). A vida (e a guerra) é um jogo de cabra-cega.

Por mais de uma vez, o A. Marques Lopes usa o termo "cassanho" que não vem nos dicionários de língua portuguesa. Era sinónimo de "tropa macaca", confirma-me ele. Alguém se lembra também de o usar no TO da Guiné ? Se sim, vamos nós grafá-lo.


Guiné > Zona leste > Carta de Bambadinca (1955) > 1/50 mil > Posição relativa de Sinchã Jobel, no regulado de Massomine.  Banjara e Mansambá ficavam, a noroeste, Geba e Bafatá a sudeste, Bambadinca  a sudoeste.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)



1. Foi a operação que se fez a seguir àquela em que entraram dois grupos de comandos, e que ficou em águas de bacalhau... Esta foi feita com cassanhos, só, e deu o que vão ler.

A operação foi comandada do PCV (Posto de Controlo Volante) pelo Comandante do Agrupamento. O Agostinho Francisco da Câmara (e não Camará), morto na operação, era açoriano e do meu grupo de combate; o Armindo Correia Paulino, aqui referido, também era do meu grupo de combate, o Bigodes, como lhe chamávamos, um minhoto que foi, mais tarde, aprisionado pelo PAIGC em Cantacunda e que acabou por morrer no cativeiro, em Conacri.

Um esclarecimento: os nomes das operações nesta zona começavam todos por "I" ou por "J".

"17. Op Imparável. 15 de 16 de Outubro de 1967:

"Situação particular:

"O IN tem-se revelado no regulado de Mansomine não só durante as operações, como em ataques a tabancas e aquartelamentos. Possui um acampamento na região de Sinchã Jobel que lhe serve de base às suas acções.

"Missão:

-Golpe de mão ao acampamento de Sinchã Jobel seguido de uma batida na região.

"Força executante:

Dest A - CCAV 1748.

Dest B - CCAÇ 1685 a 2 Gr Comb ref. c/ 1 PEL MIL/CMIL 3.

Dest C -CART 1690 a 2 Gr Comb ref. c/ 1 PEL MIL/CMIL 3.

"Desenrolar da acção:

Em 15, às 4h30, o Dest C saiu autotransportado de Geba, em direção a Sare Madina, progredindo apeadamente em direção a Sucuta que atingiu às 08h45. Instalou-se no orla junto à bolanha, tendo mantido essas posições até 16 de outubro, às 10h30.

"Durante a noite de 15 para 16 fomos flagelados com 4 tiros de morteiro e rajadas de armas ligeiras automáticas. Cerca das 03h00 foi avistado um helicóptero IN que sobrevoou o acampamento IN.

"Quando o Dest A iniciou a travessia da bolanha, a 16, às 9h00, o mesmo foi atacado por tiros de morteiro e rajadas de armas ligeiras automáticas, tendo o Dest B e C feito fogo de morteiro às minhas ordens, sobre o IN instalado na margem oposta. 

Este Dest não conseguiu atravessar a bolanha, o mesmo sucedendo ao Dest B embora, quando este último tentou a travessia, já tivesse apoio aéreo (ATAP). O PCV ordenou então ao Dest C para nomear uma secção e tentar a travessia da bolanha às 11h30. Esta secção atravessou a bolanha sob fogo IN e com apoio aéreo dos T-6 chegando ao outro lado da bolanha às 12h45.

"As 15h00 os Dest A e C tinham atravessado a bolanha e preparavam-se para progredir em direção ao acampamento IN. Antes de iniciarem a progressão teve de se rebentar uma armadilha A/P, constituída por uma granada do LGF. Os dois Dest A e C atingiram a clareira de Sinchã Jobel pelas l6h40, onde se estabeleceu que o Dest C, reforçado por um Gr Comb do Dest ,  iria fazer o ataque ao acampamento IN.

"Pelas 17h00, caiu-se numa emboscada montada pelo IN. Tentou-se anular a emboscada, que seria conseguido senão fosse a hora tardia, a incapacidade de duas armas pesadas (LGF e Mort 60) e algumas G-3 encravadas do Dest C. Outra razão talvez decisiva e que fez com que as NT não calassem a emboscada,  foi o facto de o Dest A não ter envolvido o IN devido ao fogo cerrado do morteiro 60 e 82 do IN.

"Além destas armas, o IN possuía armas automáticas individuais, 3 MP [metralhadoras pesadas] e alguns lança-roquetes ou LGF (Não sei precisar). Uma das MP foi calada pelo nosso LGF [bazuca]. Vários contras para nos surgiram durante a emboscada: O nosso bazuqueiro (passe o termo) Soldado Agostinho Câmara que estava a fazer um fogo certeiro, foi atingido mortalmente (note-se que este LGF era o único que estava a fazer fogo). 

Foi o soldado enfermeiro Alípio Parreira que se encontrava próximo e que estava a fazer fogo com a ML [, metralhadora ligeira] MG-42 (para a qual o referido soldado se oferecera como voluntário),  pegar no LGF e continuar a fazer fogo com ele. Nesta altura tive que pegar na MG-42 e fazer fogo com ela. Logo a seguir tive que me dirigir à retaguarda a fim de falar com o PCV que me chamava.

"Quando regressei à frente verifiquei que o já referido soldado enfermeiro recomeçara a fazer fogo com a ML MG-42 e que passado mais alguns momentos ficou impossibilitado de fazer fogo devido a uma avaria, ao mesmo tempo que o soldado enfermeiro e o municiador eram feridos por estilhaços. Mesmo assim este soldado enfermeiro veio para a retaguarda, onde agarrou no morteiro 60 e continuou a fazer fogo com o mesmo.

"Foi-me impossível continuar o ataque ao acampamento IN, em virtude de se terem esgotado as munições que levava, as armas pesadas não funcionarem, a noite já ter caído por completo e desconhecermos o terreno. Deve notar-se, contudo, que nesta altura já o IN dava sinais de fraqueza e, segundo alguns soldados nativos que se encontram juntamente comigo na frente, estarem a gritar que tinham que fugir.

"Para retirar, pedi auxilio ao Dest A que foi à frente, permitindo que o Dest C retirasse para fora da zona de morte, donde protegeu a retirada do Dest A. Já fora da zona de morte, verifiquei que não se tinham trazido os mortos, pelo que enviei novamente à zona de morte alguns soldados para os trazerem. Tal não foi possível, visto estarem armas automáticas do IN apontadas para o local onde se encontravam os corpos. 

"Ainda foram abatidos a tiro de G-3 dois elementos IN, um destes pretendia agarrar o soldado Armindo Correia Paulino, quando este estava a arrastar um dos nossos mortos para a retaguarda e que se salvou devido ao aviso oportuno do soldado Saliu Baldé e que permitiu ao primeiro soldado citado abater esse elemento IN, ao mesmo tempo que o soldado citado abatia um segundo elemento IN, que se encontrava armado e estava a proteger o outro elemento IN abatido.

"Seguidamente efetuou-se a retirada (e friso mais uma vez que esta teve de ser feita devido ao Dest C ter esgotado as munições e as armas avariadas), tendo o IN vindo em nossa perseguição até à bolanha onde os últimos elementos a atravessá-la (o Dest C) foram alvejados por rajadas de armas automáticas.

"Após a travessia da bolanha verifiquei que o Dest B já não se encontrava em Sucuta. Os Dest A e C atingiram Sare Madina pelas 02h00 de 17 [de outubro de 1967], onde aguardaram viaturas do Dest C que os transportaram para Geba, tendo uma viatura do Dest C seguido para Bafatá com os feridos mais graves.
O A. Marques Lopes no lançamento do seu livro,  em Lisboa, ADFA, 17
 de setembro de 2015.  Foto de LG.

"Resultados obtidos:

-Baixas sofridas pelo IN:  Mortos confirmados 8 e baixas prováveis numerosas.

-Foi destruída uma armadilha A/P e destruída ou danificada uma MP.

"Comentários:

"O plano de ação inicial não foi cumprido. Se tivesse sido, o acampamento IN teria sido destruído porque o Dest A conseguiu chegar a 50 metros do acampamento IN sem ser detetado.


"Nota:

"Em 27 de Agosto de 1967 foi recebida uma noticia C2 em que referia que o IN tinha sofrido 54 mortos e muitos feridos ainda não controlados.

"As NT tiveram tarefa bastante penosa no regresso devido a terem que transportar 12 feridos graves e 22 ligeiros por as evacuações não poderem ser feitas de helicóptero durante a noite.»


2. Poder-se-ia pensar que, agora, com a 5ª Companhia de Comandos é que vai ser!... Mas não foi. Este é o relatório da CART 1690, o dos comandos não o conheço e não sei o que disse. 

Fizeram a batida e não viram nada, com as coordenadas tão bem definidas... o que me parece é que não era ali exatamente. Além de que o IN não terá visto vantagem em confrontar-se com os comandos, também admito. Mas veja-se como a 5ª Companhia de Comandos se põe a andar, deixando para trás dois grupos de combate de cassanhos...

A operação foi comandada do PCV pelo Comandante do Agrupamento.


"18. Op Insistir. 27 de Outubro de 1967


"Situação particular:

"Desde abril de 1967 que o IN se tem revelado nos regulados de Mansomine e Joladu. Durante a Op Imparável foi finalmente localizado de forma segura o acampamento de Sinchã Jobel que se situa em: 1455 1210 E9-76 [são as coordenadas topográficas].

"Missão:

- Ataca e destrói o acampamento IN de Sinchã Jobel.

"Força executante:


Dest A - 5ª Companhia de Comandos

Dest B - CART l690 ( a 2 Gr Comb) + 1 PEL MIL 109/C MIL 3

"Desenrolar da ação:

"Em D pelas 05h00 o Dest B saiu autotransportado de Geba em direcção a Sare Madina, progredindo depois até em direção a Sucuta que atingiu às 08h15. Instalou-se na orla da bolanha não conseguindo qualquer comunicação através do rádio com Geba ou Bafatá para informar a nossa posição. Cerca das 09h45 foi feito fogo de morteiro de amas ligeiras afim de atrair a atenção do IN naquela direção.

"Após o bombardeamento da FA [Força Aérea] e por ordem do PCV, um grupo de combate iniciou a travessia da bolanha onde permaneceu até que o Dest A fez a batida ao objetivo regressando em direção ao Dest B.

"Gorando-se o encontro do Dest A com o Dest B, por ordem do PCV o Dest B retirou da bolanha vindo juntar-se ao Dest A que já regressava a Sare Madina.

"Em Sare Madina, o Dest B seguiu em viaturas para Geba onde chegou cerca das l6h30.»


3. Esta [operação] nunca entendi. Como continuo a não entender qual foi o "sucesso” da Op Insistir. Foi comandada do PCV.

«19. Op Instar. 28 de Outubro de 1967.

"Situação particular: a do planeamento operacional da Op Insistir.

"Missão: explorar o sucesso da Op Insistir; bater a região de Sinchã Jobel

"Força executante:

Dest A - CCAÇ 1790
Dest B - CART 1690 (a 2 Gr Comb ref. c/PEL MIL 109/C MIL 3

"Desenrolar da acção:

"Pelas 06h15 iniciou a progressão para Sucuta que atingiu cerca das 08h00. Após instalado o pessoal junto à bolanha, um Gr Comb por ordem do PCV cambou a bolanha instalando-se do outro lado, onde emboscado aguardou a chegada do Dest A. Na passagem da bolanha, após a junção dos 2 Dest. em Sucuta fez-se a progressão para Sare Madina onde o Dest B logo seguiu de viaturas para Geba aonde chegou cerca das 16h00.»
______________

5 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14700: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte II): Depois de uma noite, perdido, na bolanha, de 24 para 25 de junho de 1967, "é tão bom estar vivo e saber onde estou e o que quero!... Bora, Braima, bora, rapaziada, toca a sair daqui"...

sábado, 6 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14707: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte III): Op Jigajoga 2, 31/8/1967, e Op Jacaré, 16/9/1967... Fotos de Banjara


Lisboa > Jantar de Natal 2007 > Os quatro magníficos da CART 1690, todos eles alferes milicianos... e todos eles membros da nossa Tabancca Grande: da esquerda para a direita,   o António Moreira, o Domingos Maçarico,  esquerda, o Alfredo Reis e o A. Marques Lopes,  O Domingos Maçariço foi gravemente ferido e evacuado para a metrópole no decurso da Op Jacaré,  16 de Setembro de 1967, na primeira tentativa (falhada) de assalto e destruição da base IN de Sinchã Jobel. 

Foto (e legenda) : © A. Marques Lopes (2007). Todos os direitos reservados.






Guiné > Zona Leste > Setor L2 > CART 1690 (Geba, 1967/68) > Banjara (vd. carta de 1956, escala 1/50 mil) > Foto nº 5 > 

O destacamento era constituído por: (i) uma caserna; (ii) quatro abrigos subterrâneos; e (iii) um posto de comando, que era uma casa abarracada, sem portas nem janelas... Tinha ainda outros abrigos à superfície. A envolver este destacamento, que no essencial era uma clareira circular com cerca de mil metros de diâmetro, havia duas fiadas de arame farpado paralelas e em círculo. As casas de banho, eram... a céu aberto. O capim era necessário cortá-lo de dois em dois meses, para evitar a aproximação camuflada do IN.


Guiné > Zona Leste > Setor L2 > Geba > CART 1690 (1967/68) > Banjara  > Foto nº 4 >

Banjara ficava situada a cerca de 40/45  km de Geba e a cerca de 20 Km de Mansabá, na estrada Bissau-Bafatá. Ficava no coração da mata do Oio, e teve, antes da guerra colonial, uma unidade industrial de serração de madeiras. Pertencia, durante a guerra, à área de actuação da Companhia de Geba, do Batalhão de Bafatá.

Na época, passava por ser, a seguir a Beli, na zona de Madina do Boé, o piro sítio da Guiné...  Não apenas pelos ataques a que estava sujeito o destacamento como, e  sobretudo, pelo perigo que representava, por estar muito isolado da companhia, e por estar cercado por uma cintura de posições IN, que vigiavam facilmente, de fora do arame farpado e do alto das gigantescas árvores em redor, todos os movimentos da nossa tropa. Em termos de 'bases' IN tinha Sinchã Jobel do lado sul e Samba Culo do lado norte.




Guiné > Zona Leste > Setor L2 > CART 1690 (Geba, 1967/68) > Banjara  > Foto nº 6

A paisagem envolvente era de uma beleza indescritível, com dezenas de cajueiros, mangueiras, árvores gigantes, capim e as célebres lianas. O barulho ensurdecedor dos milhares de pássaros e a vozearia nocturna da mais variada bicharada, desde macacos a hienas, tornavam aquele ambiente um mistério todos os dias renovado.





Guiné > Zona Leste > Setor L2 > CART 1690 (Geba, 1967/68) > Banjara Foto nº 7 > A famosa fonte que saciava a sede, à vez, tanto das NT como do IN... A malta procurava lá ir a horas desencontradas...



Guiné > Zona Leste > Setor L2 A> CART 1690 (Geba, 1967/68) > Banjara Foto nº 12

Este destacamento tinha apenas uma coluna de reabastecimento por mês, no máximo, mas chegava a estar mais de 2 meses sem alimentos frescos e sem correio. Não havia população civil, apenas militares. A çaça era um recurso...



Guiné > Zona Leste > Setor L2 > CART 1690 (Gb, ea1967/68) > Banjara Foto nº 8 > Tudo o vinha à rede era peixe...



Guiné > Zona Leste > Setor L2 >  CART 1690 (Gbea, 1967/68) > Banjara Foto nº 13 > Um valente javali...



Guiné > Zona Leste > Setor L2 > CART 1690 (Geba, 1967/68) > Banjara Foto nº 17 > Um dos nossos caçadores...



Guiné > Zona Leste > Setor L2 > CART 1690 (Geba, 1967/68) > Banjara Foto nº 2  >  Cobra, também se comia...




Guiné > Zona Leste > Setor L2 > CART 1690 (Geba, 1967/68) > Banjara Foto nº 20 >

O dia amanhecia, então, e, pelas 7 da manhã, iniciava-se a distribuição da 1ª refeição. As horas mortas do pessoal eram gastas, durante o dia, à caça, quando isso era possível e o capim estava seco e caído no chão, a jogar cartas, pôr a correspondência em dia e jogar futebol. O jogo de futebol era normalmente diário, mas sempre a horas diferentes, para não se cair na rotina, e sempre com os abrigos guarnecidos de atiradores.


Guiné > Zona Leste > Setor L2 > CART 1690 (Geba, 1967/68) > Banjara > Foto nº 44 >  Às voltas com uma avaria na picada...


Guiné > Zona Leste > Setor L2 > CART 1690 (Geba, 1967/68) > Banjara > Foto nº 55

A guarnição deste destacamento, comandado por um Alferes, variava entre 60 a 80 homens, normalmente (houve alturas em que tinha só um pelotão), bem armados e disciplinados, capazes de aguentar debaixo de fogo uma boas dezenas de horas. O seu comando era rotativo e por lá passámos os mais longos meses da nossa juventude, então com 23 anos, e responsabilidades tremendas em cima dos galões de Alferes.

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]

I. Continuação da publicação desta série, "Jogos de Cabra-Cega: Sincha Jobel",com a reedição de alguns postes do A. Marques Lopes, que tem por objeto central a descoerta e a tentativa de destruição, pelas NT, de Sinchã Jobel, uma base ("barraca") do PAIGC, em pleno coração da Guiné, na zona leste, no regulado de Mansomine, entre Mansambé e Geba. São os postes nº 35, 36, 39, 40, 45 e 763, originalmente inseridos na I Série, e como tal como lidos e conhecidos... Fizemos a revisão de texto (e atualizámos o texto de acordo com a ortografia em vigor). (*)


II. Jogos  de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte III): tentativa falhada de assalto e destruição da base IN


1. Depois da minha "descoberta involuntária", mas sem surpresa para alguns, iniciaram-se algumas operações mais elaboradas com o objectivo da destruição da base de Sinchã Jobel.

Era, como vos disse, uma antiga tabanca, já destruída, sendo agora uma clareira de cerca de 2.000 m2, cercada por uma mata densa, tendo a sul o Rio Gambiel, com água pelo peito e uma "ponte" submersa, isto é, dois troncos de palmeira debaixo de água, (quando fui para lá o meu guia indicou-ma, quando regressei, sem guia, tive de a descobrir); a oeste e a este tem várias bolanhas, uma delas mesmo perto da clareira (a tal onde durante a noite toda a minha vida me passou pelo pensamento); a norte, até Banjara, tem uma floresta muito densa e dezenas de poilões (há lá, na Guiné-Bissau de agora, uma serração).

Nas margens do rio Gambiel e das bolanhas os guerrilheiros tinham sentinelas; pelo lado de Banjara, a floresta impenetrável tornava o acesso impossível. É claro que a base de guerrilha não estava na clareira de Sinchã Jobel (nem antes dela, pois não a encontrei quando ia para lá) mas em algum local deste contexto que vos descrevo, para norte, muito bem situada e com ótimas condições de defesa.

Nesta fase, certamente ainda em início de implantação, é natural que os guerrilheiros só se manifestassem quando lhes parecesse conveniente (foi o que lhes pareceu quando viram trinta mecos a ir para lá...), por isso não se manifestaram nesta Operação Jigajoga 2. 

Além de que o seu principal objetivo era montar minas e emboscadas no itinerário Geba-Banjara e atacar os destacamentos. Mais tarde, quando fortalecidos e bem guarnecidos, creio que alargaram a sua ação até Mansabá e para o Xime e Xitole. Este enquadramento da base de Sinchã Jobel expliquei-o ao comandante do Agrupamento 1980, em Bafatá, mas, pelo que vão ver nos "próximos capítulos", não valeu de muito.


Op Jigajoga 2,  31 de Agosto de 1967:

"Situação particular:

O IN tem-se revelado a sul de Banjara, com mais intensidade nos regulados de Mansomine e Joladu. Em Sinchã Jobel possui uma base forte, que serve de apoio às suas acções.

"Missão:

- Assegura a ocupação do Setor, tendo em atenção os regulados da faixa Oeste e as linhas de infiltração que conduzem ao interior.

- Detecta, vigia ou captura elementos ou grupos suspeitos de subversão que se hajam infiltrado ou constituído no setor, impedindo que a subversão alastre.

- Captura ou aniquila os rebeldes que se venham a revelar, destruindo as suas instalações ou meios de vida e restabelece a autoridade e a ordem nas regiões afetadas.

- Armadilha os itinerários utilizados pelo IN.

"Força executante:

Dest A - CART 1690 (2 Gr Comb); CCAÇ 1685 (1 Gr Comb); CCVA 1693 (1 Gr Comb); 1 PEL SAP / CCS 1877 (2 secções); 1 PEL 109/CAÇ MIL 3

Dest B - CCS 1877 (1 Gr Comb) /CCS 1877 (1 Gr Comb); 1 PEL REC/EREC 1578.

"Desenrolar da acção:

"Em 31 de Agosto de 1967, pelas 4h30., iniciou-se a progressão a partir de Darsalame. Durante a progressão foi batida toda a zona do itinerário, procurando vestígios e/ou trilhos que indicassem a existência do IN.

"Pelas 09H00 aproximação de Sare Tamba, os cuidados de pesquisa redobraram no sentido de localizar e assaltar o possível acampamento IN. Batida toda a mata durante 2 horas onde se supunha existir o referido acampamento, não foi possível localizá-lo nem o IN se revelou.

"No deslocamento para o objetivo pelas 11h00 foi ouvido um disparo de espingarda tipo Muaser ao longe, não sendo possível determinar a sua direção. Continuada a batida foram encontrados restos de um camuflado IN, não sendo possível, porém, encontrar mais nada. Pelas 11h50 foram ouvidos muito ao longe alguns rebentamentos fora da zona de ação.

"Por parecer mais fácil passou-se a bolanha junto a Sinchã Bolo e a seguir o Rio Jago na direcção de Sucuta (Madina Fali) onde se chegou pelas 15h00. Fez-se uma paragem para se conferir pessoal e material, porque as bolanhas foram de difícil travessia e foi a coluna atacada por um enxame de abelhas durante a transposição da primeira bolanha.

"Reiniciada a progressão em direção a Sare Budi foi detetada pelas l6h00, em 1445 121.07H, 100 metros após a entrar na mata uma armadilha A/P a qual foi destruída pela Secção do PEL SAP/1877. Em Sare Budi no itinerário para Sare Madina foram montadas 2 armadilhas A/P cujo croqui será elaborado pelo Cmdt SAP/BCAÇ 1877.

"Continuando a progressão em direção a Sinchã Fero Demori, não foi possível montar mais armadilhas em virtude do adiantamento da hora e não ser possível determinar o itinerário de acesso ao interior do setor desta CART.

"A chegada a Sare Banda verificou-se às 19h30, seguindo em meios auto até Geba, o que se registou às 20h30, tendo regressado às suas unidades o Gr Comb / CCAÇ 1685 e o 1 PEL SAP / CCS 1877 (2 secções)".


2. Nesta altura, as cabeças pensantes do Comando de Agrupamento [sedeado em Bafatá, o Cmd Agr 1980, 1967/68] já teriam concluído, e tinham provavelmente informações, que a base se situava a seguir à clareira de Sinchã Jobel, para norte. Daí a presença de dois grupos da 5ª Companhia de Comandos para o eventual golpe de mão ao acampamento. 

Só que a guerrilha já se tinha também prevenido com minas A/P (já vistas na Op Jigajoga 2) e A/C como mais uma limitação no acesso à base e, ao mesmo tempo, um factor de alerta. Um dos feridos com o rebentamento de mina nesta operação foi o meu amigo (hoje eng agr  Domingos Maçarico, então alferes miliciano da CART 1690, que acabou por ser evacuado para o Hospital Militar Principal da Estrela, e anda agora com uma placa de platina na cabeça.


Op Jacaré,  16 de Setembro de 1967: 

"Situação particular:

"O IN tem-se revelado em operações realizadas nos regulados de Mansomine. Possui um acampamento forte em Sinchã Jobel que serve de base para as suas acções.

"Missão:

- Assegura a ocupação do sector, tendo em atenção os regulados da faixa Oeste e as linhas de infiltração que conduzem ao interior.

- Deteta, vigia ou captura elementos ou grupos suspeitos de subversão que se hajam infiltrado ou constituído no sector, impedindo que a subversão alastre.

- Captura ou aniquila os rebeldes que se venham a revelar, destruindo as suas instalações ou meios de vida e restabelece a autoridade e a ordem nas regiões afectadas.

"Força executante:

Dest A - CCAV 1650 (-); CART 1690 (2 Gr Comb); CCAÇ 1685 (1 Gr Comb); PEL MIL 111/C MIL 3

Dest B - 01 PEL REC / EREC 1578.

Dest C - 2 Gr  COMANDOS [,5ª CCmds]

Dest D - 1 Gr. Comb /CCS/BCAÇ 1877.

Dest E - 1 Secção / AML 1143.

Dest F - 1 Secção / AML 1143.

"Desenrolar da ação:

"Em 16 de Setembro de 1967, pelas 6h30, o Dest A menos o PEL MIL / C MIL 5 deslocou-se em meios auto em direção a Cheuel. Após a saída de Geba uma viatura avariou, sendo o pessoal distribuído pelas outras viaturas que constituíam a coluna.

"Cerca das 08h00, uma mina anticarro destruiu a terceira viatura da coluna a cem metros de Chuel, projetando os ocupantes, dos quais 8 foram evacuados por heli para o Hospital Militar 241, tendo os restantes ficado em condições de não prosseguir a operação, o mesmo acontecendo, com outros que ao saltar das viaturas se haviam magoado.

"Montada a segurança aos feridos e viaturas, procedeu-se a escolha e preparação do campo de aterragem para o heli que imediatamente fora pedido pelo PCV [posto de controlo volante] que na altura nos sobrevoava. Posta a situação ao PCV, quanto a baixas, foi ordenado ao Dest A para regressar ao quartel depois de evacuar as viaturas, e onde chegou pelas 17h00.

"Devido à quebra do segredo foi ordenado pelo cmdt AGRUP 1980 o cancelamento da operação.»

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Notas do editor:

Vd. postes anteriores da série:

3 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14695: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte I): Op Jigajoga, 24 de junho de 1967, o meu dia de São João

5 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14700: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte II): Depois de uma noite, perdido, na bolanha, de 24 para 25 de junho de 1967, "é tão bom estar vivo e saber onde estou e o que quero!... Bora, Braima, bora, rapaziada, toca a sair daqui"...

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14700: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte II): Depois de uma noite, perdido, na bolanha, de 24 para 25 de junho de 1967, "é tão bom estar vivo e saber onde estou e o que quero!... Bora, Braima, bora, rapaziada, toca a sair daqui"...



Guiné > Zona leste > Setor de Geba > CART 1690 (1967/68) > Cantacunda > Foto nº 4 >  Abrigo



Guiné > Zona leste > Setor de Geba > CART 1690 (1967/68) > Cantacunda > Foto nº 6 > Posto de vigia  




Guiné > Zona leste > Setor de Geba > CART 1690 (1967/68) > Cantacunda > Foto nº 5 > Posto equipado com metralhadora pesada


Guiné > Zona leste > Setor de Geba > CART 1690 (1967/68) > Cantacunda > Foto nº 1 >  Picada... para Cantacunda  


Guiné > Zona leste > Setor de Geba > CART 1690 (1967/68) > Cantacunda > Foto nº 2 > Convívio com a população local.


Guiné > Zona leste > Setor de Geba > CART 1690 (1967/68) > Cantacunda > Foto nº 7 > Arame farpado...   Não impediu que o destacamento fosse atacado na noite de 10 para 11 de Abril de 1968, de que resultaram 11 prisioneiros (incluindo 1 furriel, o Vaz, e dois cabos)  e 1 morto. Os prisioneiros foram depois levados para Conacri. Foi um dos maiores roncos do PAIGC, em toda a história da guerra colonial.,.. Onze tugas "apanhados à unha", com a alegada cumplicidade de alguém do pelotão de mílícia local...



Guiné > Zona leste > Setor de Geba > CART 1690 (1967/68) > Cantacunda > Foto nº 8 > Chifres: quem não os tem, pede-os emprestados...

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição  e legendagem complementar: LG]


Guiné > Zona Leste > Setor L2 > Geba > CART 1690 (1967/68) > Destacamentos e aquartelamentos >  A CART 1690, com sede em Geba, tinha vários destacamentos: Cantacunda, Sare Ganá, Sare Banda, Banjara... Os destacamentos não tinham luz eléctrica e as condições de segurança eram precárias. Banjara (a noreste) e Cantacunda (a norte) eram o destacamento mais distante: ficavam a 45 km e 50 km, respetivamente, da sede da companhia, que era em Geba... Banjara não tinha população civil e estava cercada por mata;  era defendida por um pelotão, 30 efectivos; a  um quilómetro havia uma fonte onde, alternadamente, os NT  e o PAIGC se iam fornecer de água. Às vezes, encontravam-se… Mas havia uma fuga concertada dos dois lados, sem tiroteio.

Como se pode ver pelo "croquis" supra,  o destacamento de Banjara tinha, a norte, a base IN de Samba Culo, e  sul a base IN de Sinchã Jobel. Os abastecimentos eram feitos por terra, com grandes dificuldades. Às vezes demoravam muito tempo, pelo que era necessário recorrer aos "produtos da terra", isto é, apanhar algum bicho para comer (javalis, pássaros, macacos e, até cobras).


Infografia: © A. Marques Lopes (2007). Todos os direitos reservados.


1. O A. Marques Lopes já nos descreveu, em poste anterior (*),  as circunstâncias (que eu diria  insólitas, quiçá caricatas e até burlescas, se não tivessem sido tão dramáticas) em que ele se perdeu no mato e descobriu, atónito, a base do IN em Sinchã Jobel, no decurso da Operação Jigajoga, na noite de 24 para 25 de Junho de 1967.

É um texto de uma grande riqueza humana e de excelente recorte literário... Um texto de cortar a respiração, ao reconstruir o inferno da guerra, o infermo físico e psicólogico daquela guerra, ao mostrar o absurdo daquela guerra e das suas poderosas (mas pouco comvincentes) razões de Estado...

Há 10 anos atrás eu já tinha a visão (premonitória) de que esta história sairia em livro (**):

Na altura, em 2005, fiquei com a ideia de que, mais do que uma simnples página de um diário, o texto que voltamos a reprodzuir, poderia ser o excerto de um livro em curso:

"Um daqueles livros que se vai construindo na cabeça de cada combatente da guerra colonial na Guiné, depois de passar à peluda. Um livro que todos nós, um dia, gostaríamos de escrever e de publicar. Ou de ter escrito e de ter publicado. Um livro que gostaríamos de dar a ler, porventura com secreto prazer mas seguramente com reserva e pudor, à nossa companheira, aos nossos filhos e netos, aos nossos pais, aos nossos irmãos e e aos nossos amigos, e até aos poucos companheiros da nossa geração que não foram à guerra. Talvez um livro, ou talvez apenas um conto, um conto de guerra, em todo o caso a merecer antologia"....

O A. Marques Lopes é um de nós,  que regressei do inferno e ainda está  vivo para contar, a única diferença talento literário para nos dizer como é que um  homem é capaz de sentir, pensar e fazer numa situação-limite como a guerra. Naquele já longínquo  dia 25 de Junho de 1967, de manhã, na região de Massomine, perto de uma antiga tabanca chamada Sinchã Jobel, ams barbas dos homens que o queriam matara ou apanhar vivo, o alferes mil Lopes, antigo seminarista,  regressava ao  mundo dos vivos, sob a proteção dos bons irãs da floresta, exclamando e ordenando aos bravos do seu pelotão:  "É tão bom estar vivo e saber onde estou e o que quero! Bem, Braima, rapaziada, toca a sair daqui".



2. Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte II):  Depois de uma noite, perdido, na bolanha, de 24 para 25 de junho de 1967, "é tão bom estar vivo e saber onde estou e o que quero!... Bora, Braima, bora, rapaziada, toca a sair daqui" (***)...


Bonito! Os outros foram-se embora e aqui estamos, meia dúzia de mecos, no meio da bolanha. Tenho cada ideia, ás vezes... esta, então, de escolher a bolanha para descobrir se eles têm aqui uma base é do caraças. Que havia de fazer?... Eles não nos deixaram aproximar mais por outro lado... O que vale é que não perdi o quico. Sempre me dá jeito e vou já mergulhá-lo na água, para ficar com as ideias mais frescas...

Sabe di más!... Como é que eu não perdi o raio do quico no meio desta baralhada toda?!... Tem estado agarrado à minha cabeça como qualquer coisa que é parte integrante de mim mesmo... mas não é, claro. No entanto, tenho-o enfiado na cabeça de tal modo que mais parece o contrário, parece que faz parte de mim.

Tenho que pensar para ver como nos vamos safar daqui. Por agora, é de aguentar. Aqueles gajos continuam a andar por aí, que eu bem os oiço, mas não os vejo, no meio destas cortinas de capim. Se eu não os vejo, eles também não me veem a mim... mas, é melhor não me armar em avestruz e pôr-me mas é a pau!

Há barulho de passos no carreiro e na clareira e oiço cortar ramos e bater no chão. Estão a montar armadilhas, com certeza. Com uma base aqui, era o que eu faria também, para prevenir novas aproximações. Não são parvos, não senhor... e isso não me ajuda nada, pois estou a sentir-me cada vez mais entalado. Mesmo que se vão embora daqui a bocado, não me atrevo a meter-me por esses caminhos. É mais que certo que vou topar com uma armadilha, e não me agrada nada... se não lerpei até agora, não será por minha vontade que isso vai suceder daqui para a frente.

É evidente que eles não podem armadilhar toda a zona... têm de garantir o regresso do grupo que foi até à margem do rio Gambiel. Deve haver, evidentemente, um caminho não armadilhado... mas como vou adivinhar qual é? Não me atrevo a voltar por aqueles que conheço, por onde vim até aqui, pois esses estão-no, com certeza... porque são os mais evidentes. Posso procurar outros... mas quem me garante que não vou pisar uma puta duma bailarina?

Não me arrisco. Tenho de pensar noutra maneira de sair daqui. Mas como?... só se me armar em Tarzan de árvore em árvore, agarrado às lianas... Havia de ter piada!... De qualquer modo, nem isso pode ser, pois lianas... cá tem. Não vi lianas em lado nenhum deste matagal. Nos filmes é que elas estão ali, mesmo à mão de semear, no sítio exato e necessário. Mas aqui, de facto, não há nada no seu lugar devido, para me facilitar a vida.

Já lá vai o tempo em que as coisas para mim eram fáceis. Em termos de garantia de subsistência, em termos de programação de vida. Quando eu estava nos padres[, no seminário], ttnha tudo. Pequeno almoço, almoço e jantar a horas certas, brincadeiras e estudos programados e dirigidos. Havia, apenas, que cumprir o regulamento e ser piedoso. Mas tinha um grande contra para mim: não se podia cometer pecados.

Não vou, agora, pensar nessas coisas, senão ainda me ponho aqui a rezar em vez de puxar pela cabeça e ver se nos safamos... O mapa, o mapinha que trago sempre comigo quando venho para estas coisas! Sou um gajo cumpridor das regras...Goza, goza, mas o facto é que o mapa me vai fazer jeito. Braima, dá-me aí o mapa. Sare Ganá... Sinchã Sutu, aqui... a picada para sul e, aqui à direita, o desvio de Sare Madina... mais à frente... Aqui está Sucuta, a bolanha e o rio Gambiel... que atravessámos com cuidado, por cima do troco submerso... Avançámos por este carreiro... e aqui está Jobel... Sinchã Jobel, como vem aqui no mapa!... Aqui, no extremo da clareira, foi a emboscada... e cá está assinalado o palmeiral e, ao lado, a bolanha onde, por aqui, mais ou menos, estou com o cú de molho!... E estou mesmo todo encharcado, pés, botas, calças... Debaixo deste sol, o melhor seria estar só com a cabeça de fora, como as rãs. Mas não pode ser. Já não é mau ter o material ao fresco.

A nossa posição, pelo que estou a ver no mapa, não é famosa. A bolanha, que deve ter servido para as culturas de arroz de Jobel, vai até ao rio Gambiel, formando no encontro com ele um ângulo reto. Portanto, segue paralelamente ao caminho por onde vim para chegar ao local da tabanca. Esta bolanha é uma espécie de braço do rio na época das chuvas, mas na época seca tem mais capim que água. Está à vista. Assim sendo, e se estou a ver bem, se regressarmos ao longo e por dentro da bolanha, vamos ter a umas centenas de metros mais a norte do sítio onde atravessámos o rio. E tem mesmo de ser assim. Não vejo outra alternativa mais segura. E também me parece que, se o local de atravessar o rio,  era aquele que me indicou o guia quando viemos para cá, é porque não havia outro mais acima.

Não, não estou disposto a correr o risco de atravessar noutro sítio que não seja o que já conheço. Esta bolanha não a conheço e não tenho, portanto, outra alternativa senão ir por ela, com cuidado, só se tiver azar é que vou cair nalgum buraco. Mas, quando chegar ao rio, já sei que há um lugar seguro para passar, Sucuta. Temos de descer até lá. Um rio não é uma bolanha, para se ir assim à aventura.

Tem que ser. Descemos a bolanha até ao rio e vamos passá-lo no mesmo sítio da vinda. O problema é que, se nos pomos agora a andar pela bolanha abaixo, caçam-nos que nem patos na água. Topam-nos no meio e é só apontar calmamente. Quer dizer que não posso largar daqui em pleno dia. Não tropeço numa mina nem caio num buraco, mas o mais certo é não dar dois passos sem levar uma rajada nas costas. Merda! Será que tenho mesmo de fazer isto à noite, cair num buraco e enfiar-me pelo rio dentro?...

Puta de vida! Mas, não, não posso estar condenado, tem de haver uma saída. Deixa pensar mais um bocado. Vou refrescar os miolos outra vez... mais uma chapelada de água... Parece sopa, mas é mesmo boa! A vantagem de ter abancado neste charco é que tenho água para me refrescar, quanta quiser.

A única possibilidade que temos de nos safar daqui é arrancar amanhã muito cedo. Às 5,30 já se começa a ver alguma coisa. Já podemos ir vendo onde pôr os pés e orientar-nos... além de que, segundo dizem os manuais, as sentinelas têm tendência para abrandar a vigilância pela madrugada e deixarem-se adormecer antes de despontar a aurora... Terá de ser nessa altura que vamos desandar daqui p´ra fora. E oxalá os gajos não tenham lido os manuais também!...

Que calor infernal faz aqui no meio do capim! O sol e o ar quente entranham-se por entre os caules e permanecem também eles poisados sobre a água. Não há a mais leve aragem. A estagnação é total, na água e no ar. Afinal, não é nada bom estar aqui de molho... As rãs devem sentir-se melhor, com certeza, mas eu mais pareço uma azeitona em água parada, opaca e gordurosa. Começo a ter sede. Não trouxe o cantil, pois não contava com esta variante no programa das festas.

A estas horas já eu devia estar a comer um bom bife de vaca, isto é, um bife dos cornos da vaca... nesta terra parece que não há carne tenra. De qualquer modo, com batatas fritas e empurrado com cerveja, com muita cerveja, não há nada que não entre pelas goelas adentro. E cerveja não falta para a tropa. Valha-nos isso... Afinal, lamento-me com sede, mas estou rodeado de água por todos os lados, como as ilhas. É só enfiar a cabeça no charco e abrir as goelas... Mas há por todo o tipo de bicharada. Eu seja cão se vou beber esta porcaria. Prefiro beber mijo.

Há vozes e barulho. O IN continua por aqui, a rebuscar no mato e a montar armadilhas. O tipo que eu vi com um penso no braço e companhia não vão largar tão cedo. Devem estar bastante confiantes, uma vez que não largam este sítio e não se preocupam com o barulho que fazem. Devem ter montado uma sentinela do lado de cá do rio. Sabendo de qualquer avanço, poderão organizar a defesa ou montar emboscadas com facilidade e segurança. Este local é de acesso muito difícil. Segundo o mapa, só de um lado é que não está cercado de matagal. É o lado da bolanha e do rio. E mesmo este é um bom bico d'obra. Tenho de aguentar e ver, pois eles não estão com vontade de se ir embora.

Relaxa e esquece o IN... O IN! Toda a gente usa isto. É mais fácil dizer IN do que "inimigo". Acho que é por isso que usamos estas abreviaturas... No entanto, tornando mais fácil a referência àqueles ou àquele de quem falamos, o "IN" e o "turra" são, de facto, expressões meramente referenciais e sem o significado profundo contido nas palavras "inimigo" e "terrorista". Se não abreviasse, é claro que eu acabava por me cansar a pronunciar as palavras por inteiro. Passaria, enfim, a tratá-los com demasiada familiaridade, teria que me arrimar aos inevitáveis "os gajos", ou "os tipos" ou mesmo "os filhos da puta". Era tratá-los como trato, às vezes, os que me são indiferentes, os que me pisam ou dão um empurrão...

Isto seria, seguramente, o abandalhamento da guerra. Em vez de balas a malta começava a amandar-lhes com nomes feios, a gritar-lhes que fossem levar no olho, que não chateassem, que nos deixassem em paz... Era complicado. Não havia guerra que durasse. Poderia ser uma das consequências, resultante do cansaço pelas palavras difíceis e compridas demais para inserir na linguagem corrente da soldadesca. E poderia dar noutra coisa, se o maralhal não usasse profusamente estas abreviaturas: ao pronunciar por inteiro as palavras "inimigo" e "terrorista" é natural que começássemos a interrogar-nos sobre a correspondência entre o significado e o significante...

Ai estas aulas de linguística!... O que é isso de "inimigo"? Aqui, na terra deles, são eles meu inimigo?... Atacam-me para me roubar, para ficar com o que é meu?... Têm interesses opostos aos meus e atacam-me, por isso?... Para eles, sou eu o inimigo? Venho roubar o que é deles? Tenho interesses opostos aos deles?... Claro, cinco séculos de história, civilização, blá, blá, blá..., como diz o Salazar. O facto é que isso se traduz nos libaneses a dominar o comércio, no nazi Landorf, fugido da Alemanha depois da guerra, a vender quinquilharias aos pretos de Geba.

Eu, aqui, só estou a perder uma coisa: o curso de filologia românica que estes filhos da puta não me deixaram continuar. ... Não me parece que o "IN" seja meu "inimigo". Eu sou, com certeza, o "inimigo" deles. Linguística à parte, isto é mesmo uma situação aberrante.

Há pouco, quando os vi ali todos juntos, ainda pensei em disparar. Acabei por não o fazer e acho que fiz bem. É claro que eles devem ser muitos mais do que os que andam por aqui... E, sei lá, disparar, assim à queima-roupa sem que eles esperassem, sem mais, ainda era capaz de ficar com algum peso na consciência... Os meus anseios nunca foram matar. Só por medo o faria, por necessidade, pela situação.

Tenho encarado isto como uma aventura. A verdade é que nunca desejei vir para a guerra. Se me tivessem dado o adiamento da incorporação, estaria, agora, a terminar o segundo ano de românicas. Eu até gostava daquilo. Mas aos senhores da guerra não interessam os doutores em letras. Se eu estivesse em engenharia ou medicina, isso sim... há sempre pernas e braços para cortar, certidões de óbito para passar, há que fazer quartéis, arame farpado para erguer e picadas para abrir. Para os doutores ou candidatos de letras há que pôr-lhes mas é uma canhota nas mãos. Na guerra não servem para mais nada...

Se eu tivesse continuado nos padres, o mais certo era não ter vindo à guerra ou, então, vinha como capelão, um ofício que, aliás, também faz muito jeito na guerra. Há preconceitos a alimentar, consciências a adormecer e angústias para apaziguar. Sou vítima da vingança concertada dos senhores da guerra e dos senhores da consciência: já que não quiseste reconhecer os imensos benefícios da religião, sentir a honra de pertencer ao número dos eleitos, vais sentir as agruras da guerra... que é um inferno na terra.

Dentro em breve será noite. Já se estendeu sobre a bolanha um manto enorme de sombras, sinal de que o sol se começou a esconder por detrás da grande floresta de poilões que rodeiam a clareira de Jobel.

Já não estou tão calmo e seguro. A previsão do perigo eminente, a expetativa da emboscada ou do ataque repentinos não são nada comparados com um perigo que nos rodeia mas que não sabemos qual é, nada em comparação com este manto de escuridão que se abate sobre nós, que se entranha na minha farda, que me cobre as mãos, as pernas, o local onde estou. As trevas, meu Deus, é o pior que me pode acontecer. Mil vezes a emboscada que desaba sobre o grupo, mas que eu vejo, que acabo por limitar em todas as suas proporções, do que o perigo que só se imagina mas que nunca se vê, nem mesmo quando está em cima de nós.

Nesta terra de ténues ondulações,  a noite surge depressa. Começo a não distinguir as minhas próprias mãos. Não percebo como os outros ao longe as poderão ver. Mas vou fazer o que mandam as regras, barrá-las, e à cara também, com esta lama onde me assento. Mas, antes, vou beber desta água que me tem de molho há várias horas. Os outros já estão também com falta de água...Que remédio, tenho sede. Nunca a fome me atacou durante todo este tempo, mas a sede é um tormento e eu quero que se lixe a limpeza. Vou mesmo beber esta água, agora que já não consigo ver o seu grau de sujidade e inquinação.

Os sons noturnos assumem proporções descomunais em relação aos diurnos. Aquilo que durante o dia me parece uma grande algaraviada, uma sinfonia de cacofonias, aparece-me agora como uma execução em estereofonia. Consigo distinguir todos os sons e vozes de pássaros. Aquilo que me parecia uniforme na promiscuidade de vozes aparece-me agora como o conjunto de várias espécies de pássaros e mamíferos. Não sei identificá-los pelo nome, a não ser o dos macacos, mas sou capaz de os contar através das diferenças de vozes. Na margem da bolanha, entre as árvores, são os macacos e os periquitos que dominam. Aqui, por aqui mais perto, são as moscas e mosquitos que não cessam de zumbir aos meus ouvidos. De vez em quando há um ruído na água. Pode ser um peixe a saltar, mas também pode não ser... Ao longe, um pássaro, penso eu que é um pássaro, lança um pipilar modulado que mais me parece um uivo de lobo. Mas, segundo sei, aqui na Guiné não há desses bichos...

Quem me dera a mim que se ouvissem só os macacos, os periquitos, as moscas e os mosquitos! O que me enerva e causa medo são os mil sons que eu desconheço. Este borbulhar na água pode ser uma cobra e aquele chapinhar mais além pode ser um javali, o resfolegar que vem das palmeiras pode ser uma onça...

Lá mais para a frente, do outro lado da clareira, precisamente daquele sítio onde os guerrilheiros montaram a emboscada, vêm ruídos que parecem provocados por pessoas. Ia jurar que há uma tabanca para estes lados... Como é que eu não me apercebi destes ruídos durante o dia? Seria mais lógico que os ouvisse melhor , uma vez que as pessoas fazem mais barulho durante o dia do que à noite. As marteladas, ou outras pancadas em madeira, deveriam ser mais audíveis durante o dia, quando não há tanta preocupação em manter o silêncio, em não incomodar.

A explicação tem de ser esta: a tal enorme cacofonia diurna, que não deixa qualquer hipótese de identificação dos sons a que nos habituámos no nosso dia-a-dia. Porque a noite não deve ter sons, qualquer um que surja é identificável e sobressai no meio do silêncio, como milhares de pirilampos que, apesar de minúsculos, sobressaem na escuridão sem, no entanto, se conseguirem juntar num sol que torne a noite em dia.

Distingo perfeitamente os toques na madeira. Pilão ou martelo, é bater de gente. E surgem agora sons que só podem ser vozes de gente também. Então, contrariamente ao que me garantiram, esta zona não é desabitada! Isto explica a emboscada. Entrei no terreno deles, com tanto à vontade... e estupidez! Tenho de falar com o palerma do major de operações... se conseguir sair daqui.

De olhar no escuro, tentando fazer luz com os olhos e com a mente, ver mais além do que esta escuridão me permite, na expectativa. Esta noite faz-me lembrar outras noites que passei à janela, de olhar perdido no escuro ou na barreira de ciprestes que cercavam aquele pequeno mundo do seminário. Mas bem pior estava então, apesar de tudo. Neste momento, estou esperando, pacientemente; nervoso, mas não desesperado; receoso, mas não em pânico; sozinho, mas não perdido. Não estou triste, não choro e não desejo a morte. Pelo contrário. Impaciente, desesperado, perdido, em pânico e desejando a morte... assim era eu, não há muito tempo. Passaram-se apenas três anos. Tinha vinte anos e não tinha outros horizontes senão uma vida de torturas e recalcamentos, ou o inferno como alternativa.

Mais do que as obrigatórias meditações em conjunto no seminário, no meio dos maus cheiros dos "irmãos em Cristo", de olhos fechados em atitude piedosa, este é o ambiente ideal para meditar, ligado pela escuridão à natureza. Naquelas mais de mil noites nunca consegui estar sozinho, apesar de me lamentar de uma solidão terrífica. Os outros e a organização estavam sempre presentes em mim, quando lutava sozinho para me ver livre deles. Por isso mesmo. Enquanto tive dúvidas nunca me largaram. Só me deixaram quando eu passei a ter a certeza do que queria e do que não queria.

Aqui, na guerra, não há outra coisa que me ligue aos outros a não ser o desejo de sobrevivência, e este desejo liga-me efetivamente, mas não o sinto como prisão. Pelo contrário, liberta-me para este tipo de meditações, para aceitar e tirar partido desta noite, para estar com todos no desejo de regressar, de não morrer, de viver. Lá, não. Os laços que me prendiam aos outros só me arrastavam para desejos de morrer e de os odiar. Aqui, na guerra, não há perigo de ter dúvidas, a certeza surge-nos dos factos do dia-a-dia. É tudo muito real, muito direto, entra-nos pelos olhos dentro, por todos os sentidos. Quando se nos revela assim, e surge sempre, mais tarde ou mais cedo, é um facto que faz parte de nós e é, portanto, uma certeza. Quando vim para cá não sabia nada o que era esta guerra. Mas já estou a saber o que é.

Tenho-me interrogado variadas vezes sobre as razões por que entrei para o seminário. Mais para carpir uma mágoa por um passo mal dado do que para tentar esclarecer aquilo que já sei. Foi a minha condição de menino pobre que me pôs perante essa necessidade. Mas nem por isso, naturalmente, fui responsável por essa decisão. A necessidade foi dos meus pais, que aproveitaram o desejo de um padre que se arvorou em meu protetor. As pressões daí decorrentes, o meio em que passei a ter de me mover, fizeram o resto.

À distância, sinto em mim uma grande mágoa por não ter conseguido libertar-me mais cedo dessa catástrofe que sucedeu na minha vida. Mas, nem sei se poderia ter sido diferente. Para quem tinha fome, para quem passava o dia com uma fatia de pão com margarina ou, mais do que uma vez, com uma côdea seca, era impossível recusar a possibilidade de ter refeições a tempo e horas. Como não aceitar a perspetiva do café com leite e pão com marmelada, da sopa, da carne e do peixe, se cheguei, quando era puto, a ter que andar aos caixotes?...

Já tenho desejado muitas vezes não acreditar em Deus. Mas não consigo. Numa guerra, nesta guerra em que me encontro como interveniente ativo, a fuga, os desejos, a esperança, a ideia de quem morre são os outros e não eu, tudo está depositado em Deus, que me há-de proteger e guardar... Mas porquê a mim e não aos outros?... aos que morreram, aos que ficaram sem braços e sem pernas, aos que ficaram cegos e aos que ficaram loucos?

É uma dúvida e, ao mesmo tempo, uma incompreensão muito funda que se afoga e perde naquilo que a minha formação religiosa chama "os insondáveis desígnios de Deus"... Quer dizer que, se eu morrer ou ficar estropiado, foi desígnio de Deus, se eu sair bem disto tudo, será também vontade de Deus. E posso, desta maneira, encontrar em Deus a "explicação" de todas as coisas, poderei continuar tranquilamente a fazer a guerra. Posso matar, porque nos desígnios de Deus tanto pode estar o castigo como o prémio. O desígnio que eu mate, o desígnio que o outro morra. O prémio para mim que matei e não morri e o castigo para o outro que não me matou e morreu? Ou serei eu castigado porque matei e o outro terá um prémio na outra vida porque não me matou? Se eu comparecer perante Deus, durante ou após esta guerra, serei condenado às penas eternas ou entrarei no rol dos bem-aventurados? Serei condenado ou premiado se tiver obedecido aos meus "legítimos superiores", àqueles que " têm sobre si a pesada responsabilidade de governar e mandar"? Serei condenado ou premiado se lhes desobedecer e não matar?

"A Deus o que é de Deus e a César o que é de César". A citação fatal do diretor do instituto filosófico onde andei, quando seminarista, o qual, desta forma, tentava calar as minhas dúvidas. Que confusão, se o que interessa a César vai contra o mandamento "não matarás"! É uma resposta hipócrita. Procura justificar a passividade da Igreja perante a guerra... Ou consentimento? Como admitir que a Igreja abençoe a guerra?

Antes de vir para a Guiné, o meu batalhão foi obrigado - é o termo - a assistir a uma missa na parada do quartel. Tal como no tempo das cruzadas, quando se partia para combater os infiéis e libertar os lugares santos. O padre capelão, o senhor major-capelão, fez uma eloquente exortação ao cumprimento do dever para com a pátria, da necessidade de defender os valores da civilização ocidental e o património legado pelos nossos antepassados... Enfim, a mesma conversa dos senhores da política, abstrata, situada em algo que não me toca, em valores que não compreendo, em património que não possuo. E, ainda por cima, era um dos padres do seminário onde andei, um que eu bem conhecia.

Pode a Igreja justificar a sua atitude perante a guerra pela necessidade que há de acompanhar, assistir os soldados que passam dias e meses, anos até, de profunda angústia e desespero? Que o objetivo não é apoiar a guerra, mas sim servir de consolo religioso a quem necessita da religião? Para mim, não serve. Tentando diluir as contradições que naturalmente emergem da mente de quem é religioso, está-se a colaborar na manutenção de uma situação que o soldado não deseja instintivamente, está-se a diluir as dificuldades para que essa situação indesejável se mantenha o máximo possível. E, o que é mais grave para mim, não se responde às angústias e interrogações de quem se vê confrontado com uma realidade que é pura negação de tudo o que lhe incutiram de bom, de justiça, de amor, de fraternidade.

Utilizando uma única frase dos Evangelhos - dar a César o que é de César - subverte-se todo o restante texto dos livros sagrados. Por oportunismo, pela mais rematada hipocrisia. São muitas as críticas que tenho a fazer àqueles que dizem representar-te cá na terra, ó Deus. Mas confio que me hás-de ajudar a sair deste aperto.

Tenho os membros anquilosados de tanta imobilidade. A pele das mãos está toda encarquilhada pelo permanente e prolongado contacto com a água. O mesmo deve suceder com os pés e com o material, devo ter tudo mirrado e encolhido.... Sinto nas mãos, nos braços e pelo corpo todo uma imensa comichão que, curiosamente, nunca tive vontade de coçar. Estou cheio de bolhas e ampolas, que só vejo nos braços e nas mãos mas que devem estar por todo o corpo, até na cara. À minha volta há milhares, talvez milhões de mosquitos e moscas tzé-tzé. A minha esperança é que só tenha sido picado por novecentas e noventa e nove moscas do sono... segundo dizem as estatísticas, só uma em mil é portadora da doença do sono, não é?... De qualquer modo, não sei se me fariam efeito: estou tão cheio de vacinas contra tudo que essa tal milésima, se me picou, deve ter morrido intoxicada, com certeza...

Devo ser um nojo completo. Uma merda da cintura para baixo.

Começa a surgir uma luminosidade por detrás das palmeiras, uma luz branca muito mortiça. Por aqui, começo a vislumbrar uma neblina leitosa a empastar a bolanha. Há outro silêncio neste despertar da mata e dos seres que a povoam. Imagino-os dolentes, agora conscientemente enrolados sobre si mesmos, sem se mexerem, como fazem inconscientemente durante o sono. Procuram forçar o prolongamento desse sono. Por isso, este, agitado ou tranquilo, deu lugar a modorra prolongada e estática, intencionalmente silenciosa, para não acordar. No entanto, porque não é só o ouvido que está desperto e atento, como sucede na mais completa escuridão, toda esta imensa calma que precede a agitação e luta de mais um dia na vida da natureza é apenas perceptível ao nível dos sentimentos mais íntimos do meu ser, pois a luz que penetra nos meus olhos desperta nestes uma segunda dimensão que faz sentir as coisas de uma forma avassaladora e total. Tudo aquilo que povoou a minha mente, os ruídos que se apossaram de mim através do ouvido, tudo isso passou a estar submerso pela impressão visual do que me é exterior. Durante estas horas de vigília noturna estive dominado e cercado por mim mesmo, por toda a minha vida, pelo passado.

Agora não. Sinto que tudo se vai diluindo, que a realidade externa se apossa de mim, que a posse da totalidade dos meus sentidos me introduz novamente no seio do meu destino, composto também de exterior. É uma visão "ruidosa", na medida em que este contacto com a realidade da manhã consegue abafar o domínio exclusivista do ouvido e do raciocínio. O conjunto harmonioso da vida não deixará que prevaleçam as sensações parcelares e limitadas. A total percepção da realidade não deixará que me deixe dominar por um único dos seus aspetos. A perfeita e clara perceção em todos os sentidos, agora, não deixará que me domine o medo do desconhecido ou do indefinido.

É tão bom estar vivo e saber onde estou e o que quero! Bem, Braima, rapaziada, toca a sair daqui.

A. Marques Lopes

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 3 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14695: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte I): Op Jigajoga, 24 de junho de 1967, o meu dia de São João

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14695: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte I): Op Jigajoga, 24 de junho de 1967, o meu dia de São João


Guiné > Zona leste >  Carta de Bambadinca (1955) > 1/50 mil > Posição relativa de Sinchã Jobel, no regulado de Massomine. Bambadinca ficava a sul, e Bafatá a leste.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)


I. Por sugestão do nosso grã-tabanqueiro nº 2 (em termos de antiguidade), Sousa de Castro,  e por empenho do nosso coeditor Carlos Vinhal, resolvemos republicar alguns postes do A. Marques Lopes, e nomeadamente sobre Sinchã Jobel, uma base ("barraca") do PAIGC, em pleno coração da Guiné, na zona leste, no regulado de Mansomine, a norte de Geba. São os postes nº 35, 36, 39, 40 e 45... Mais tarde, o A. Marques Lopes escreveu um outro, o nº 763, na sequência de uma das suas viagens de "viagem de saudade". Fizemos a revisão de texto (e atualizámos o texto de acordo com a ortografia em vigor). (*)

Como muito bem lembra o Sousa de Castro, "são postes publicados há 10 anos, numa altura em que o número de tabanqueiros era diminuto, o blogue [, I Série,] era visto por poucas pessoas", pelo que, em sua opinião, "deveriam voltar a ser reeditados, não só estes como muitos outros".

Pois aqui vai a nossa resposta ao repto do Sousa de Castro, Recorde-se, entretanto,  que o A. Marques Lopes, coronel inf, DFA, na situção de reforma, foi alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967/1968)  e da CCAÇ 3 (Barro, 1968), era membro, em 2005,  da direção da delegação do norte da Associação 25 de Abril (A25A), e é em termos históricos, o nosso quarto grã-tabanqueiro mais antigo, depois de mim, do Sousa de Castro e do Humberto Reis.

Por outro lado, ele acaba de lançar o seu primeiro livro de memórias "Cabra-cega: do seminário à guerra colonial" (Lisboa, Chiado Editora, 2015),  (**) E as estórias/histórias de Sinchã Jobel não podiam deixar de lá entrar... (LG)



Guiné-Bissau > Bissau > Restaurante Colete Encarnado > 21 de Abril de 2006 > Dois homens que combateram, um contra o outro, em 1967/68: nosso camarada A. Marques Lopes e o comandante do PAIGC Lúcio Soares. (***)

Foto: © Xico Allen (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


II. Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte I)


1. Na primeira metade de 1967, o PAIGC montou uma base de guerrilha em Sinchã Jobel (*). Sem querer, fui eu que dei com ela. O responsável militar dessa base era o comandante Lúcio Soares, que foi, depois da independência, ministro da Defesa. O responsável político era Cabral de Almada, conhecido como comandante Gazela, que foi depois vice-presidente da Assembleia Nacional Popular.
Quando estive na Guiné-Bissau, em 1998, pouco antes do golpe de Ansumane Mané, tive uma conversa muito interessante com o comandante Gazela: lembrámos muita coisa sobre Sinchã Jobel, falámos dos problemas do povo guineense, concordámos que era melhor não termos andado aos tiros uns aos outros (pediu-me desculpa por me ter mandado para o hospital, “mas teve de ser assim”...)... e demos um abraço de despedida.

O objetivo do que mando hoje é lembrar tudo aquilo que nenhum de nós pode esquecer. Para mim também pode ser a, tão vilipendiada, por alguns, catarse de mágoas e fantasmas, não tenho problemas em ter consciência daquilo que fui e daquilo que sou.

2. Operação Jigajoga. 24 de Junho de 1967:

"Situação particular:

"O IN tem-se revelado em operações realizadas no regulado de Mansomine, ataques a tabancas, a aquartelamentos e outras flagelações. Deve existir algum acampamento que lhe sirva de base para a execução de ações sobre as NT e populações que nos são fieis.

"Missão:

"Assegura a ocupação do Setor, tendo em atenção os regulados da faixa oeste e as linhas de infiltração que conduzam ao interior. Deteta, vigia ou captura elementos ou grupos suspeitos de subversão que se hajam infiltrado ou constituído no setor, impedindo que a subversão alastre. Captura ou aniquila os rebeldes que se venham a revelar, destruindo as suas instalações ou meios de vida e restabelece a autoridade e a ordem nas regiões afetadas.

"Força executante:

- 1 Gr Comb da CART 1690 reforçada 1 PEL MIL/CMIL 3 [Dest A]
- 1 PEL do EREC 1578  [Dest B]

"Desenrolar da acção:

"O PEL REC/ EREC 1578 saiu de Bafatá pelas 05h00, tendo-se-lhe reunido em Sare Geba o Gr Comb da CART 1690 e em Sare Gana o PEL MIL. Entretanto o Dest da CMIL 3 em Sare Madina efetuava a picagem do itinerário Sare Madina-Ponte Rio Gambiel.

"Em Sucuta (Madina Fali) o Dest A iniciou a progressão apeada em direção a Sinhã Jobel e o Dest B o patrulhamento do itinerário Cheuel-Ponte Rio Gambiel. Depois de atravessar a bolanha de Sucuta, o Dest A detectou pegadas bastantes recentes, deduzindo que se tratasse de una sentinela IN. Junto a Sinchã Jobel as NT foram emboscadas por um grupo IN numeroso, com mort. 82, LGF, MP e Armas Aut., tendo sofrido um ferido grave e 5 feridos ligeiros. Da reação das NT o IN sofreu 3 mortos confirmados e 3 prováveis.

"Em consequência do pequeno efetivo das NT, da manobra efetuada com pequenos grupos, do grande potencial de fogo IN e da mata bastante densa desapareceu o cmdt do Dest A,  Alferes Lopes, que havia saído de um grupo de manobra para ir a outro trazer um LGF. 

"Como o grupo já não se encontrasse no local previsto pelo Cmdt do Dest A, este viu-se sozinho e a ser alvejado pelo fogo IN pelo que se internou na mata. Pelo que em cada grupo se pensava que o cmdt estava no outro, não foi dado grande importância ao facto. Só depois de reunidos todos os grupos se verificou a falta do cmdt. O furriel, agora cmdt do grupo de combate, resolveu - porque sendo o seu efetivo reduzido, para o potencial de fogo IN, porque tendo 6 feridos, um dos quais grave e tendo ainda o LGF avariado - regressar a Sucuta para pedir reforços. 

"Em Sucuta, onde já se encontrava o Dest B ao corrente do sucedido por via rádio, foi resolvido pedir reforços ao comando do BCAÇ 1877.

"Comunicado ao comando do BCAÇ 1877, saiu imediatamente um Gr Comb / CCS constituído pelo PEL REC Inf e pelo PEL Sap. que juntamente com forças da CART 1690 efetuou uma batida na área de Sinchã Jobel até cerca das 21h30, sem resultado e sem contacto com o IN. 

As forças empenhadas na batida e o PEL EREC 1578, que estava a fazer a segurança às viaturas e o patrulhamento do itinerário Cheuel-Ponte Rio Gambiel regressaram a Geba e Bafatá cerca das 23h30.

"Pelas 09h30 do dia 25 de junho de 1967  saiu o Gr Comb CCS/BCAÇ 1877 que, juntamente com as forças da CART 1690, iriam novamente bater a zona de Sinchã Jobel. Ao chegar a Sare Geba foi-lhes comunicado que o alferes Lopes já tinha aparecido, tendo o Gr Comb CCS regressado a Bafatá.

"Resultados obtidos:

-A deteção de um grupo IN numeroso e bem armado na região;
-A morte confirmada de 3 elementos IN mortos e alguns feridos prováveis.»

3. Foi o meu dia de S. João,  em 1967. O alferes Lopes referido era eu. Fui o principal interveniente, mas não fui eu que fiz o relatório (foi feito antes de eu aparecer e enviado para Bissau logo que apareci, e eu fui dado como desaparecido em combate antes de aparecer).

O que sucedeu é que eu tive uma certa sensação de perigo (o subconsciente a funcionar?...) e deixei duas secções na clareira de Sinchã Jobel (onde havia essa aldeia, mas que estava destruída já) e avancei eu e um furriel com outra para atravessar a clareira. 

Talvez um dia, quando eu acabar de escrever a minha estória, se saiba tudo o que aconteceu. Não vale a pena referir todas as inverdades nele contidas - há gente ainda viva e culpas no cartório. Só uma: eu que estive lá e que passei lá toda a noite (e sobre isso escrevi o tecto "Na bolanha dá para pensar"...). Eu sei muito bem que não morreram nem ficaram feridos quaisquer elementos do IN!

E uma outra coisa: como podem ver pelo início do relatório ("Situação particular"), os burocratas já suspeitavam que podia haver ali uma base de guerrilha. MAS NÃO ME DISSERAM NADA! Eu e trinta mecos fomos carne para canhão!! Por alguma razão deram à operação o nome de Jigajoga: em qualquer dicionário de português, quer dizer jogo da cabra-cega, ou, em sentido figurado, ludíbrio, engano, coisa pouco firme... Foi assim que nos trataram.

Vou contando, depois, mais estórias de Sinchã Jobel.

_________________

Notas do editor:

(*) Vd, poste de 30 de maio de 2005 > Guiné 63/74 - P35: Uma estória de Sinchã Jobel ou a noite em que o Alferes Lopes dormiu na bolanha (1967)

(**) Vd. poste de 26 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14662: Agenda cultural (403): Lançamento do livro de memórias "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", Biblioteca Florbela Espanca, Matosinhos, 3 de junho, 15h30: convite do nosso camarada A. Marques Lopes, cor inf DFA, reformado

(***) Vd. poste de 16 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - P761: Do Porto a Bissau (16): Encontro com o IN (A. Marques Lopes)

(..) Desta vez, este encontro não meteu tiros, como sucedeu naquele dia 24 de Junho de 1967, durante a operação Jigajoga (...). Ao invés, tivemos que nos haver, em conjunto, com os belos pratos do restaurante Colete Encarnado, em Bissau, e isto sucedeu na noite do dia 21 de Abril de 2006, já eu e o Allen estávamos sozinhos (os restantes tinham regressado a Portugal no avião da tarde).

Através do nosso grande amigo Pepito, consegui o telefone do comandante Lúcio Soares, convidei-o para jantar e ele acedeu prontamente a estar comigo e com o Allen. Não tenham dúvidas que foi um encontro emocionante para mim, estar com o chefe guerrilheiro que montou a emboscada que me fez ficar uma noite na bolanha de Sinchã Jobel (...) e que, mais tarde, me mandou nove meses para o hospital (...).

Falámos sobre isso, e mostrou ser um homem calmo e comedido. Ele tem agora 64 anos e chegámos, pois, à conclusão que andámos aos tiros um ao outro, eu com 23 anos e ele com 25, eu mandado para lá sem quaisquer objectivos pessoais, a não ser sobreviver durante a missão que me foi imposta, e ele, como me disse, com o objectivo muito assumido de lutar pela independência da sua terra.

Concordámos que foi pena as coisas se terem passado como passaram, que era melhor ter encontrado outra forma menos dolorosa de resolver o conflito imposto.(...)