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domingo, 2 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23661: Companhias e outras subunidades sem representantes na Tabanca Grande (5): CCS / BCAÇ 697 (Fá Mandinga, 1964/66)


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > Carta de Bambadinca (1955), escala 1/50 mil (1955) > Posição relativa de Fá Mandinga, a escassa meia dúzia de quilómetros de Bambadinca, na direção de Bafatá. Ficava ma margem esquerda do rio Geba Estreito. Durante anos foi sede batalhão. E, mais tarde, centro de instrução militar: no 1º semestre de 1970, foi lá que se formou a 1ª CCmds Africanos, comandada pelo cap graduado 'comando' João Bacar Jaló. Também foi sede do Pel Caç Nat 63, ao tempo do nosso "alfero Cabarl (19609/70), antes de ser transferiodo para Missirá.


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).

1. Temos escassas referências (meia dúzia) a este batalhão, o BCAÇ 697, e nenhum representante na Tabanca Grande. Foi esta unidade que ocupou a península da Ponta do Inglês, em 19 de janeiro de 1965, instalando ali uma companhia e depois um pelotão (*).

Era composta apenas por comando e CCS, sem subunidades orgânicas operacionais. Algumas companhias que atuaram sob as suas ordens ou estiveram integradas no seu dispositivo e manobra: CCAÇ 508, CCAÇ 526, CCAÇ 556, CCAÇ 818, CCAV 678, CCAÇ 1417, CCAV 1482, CCAÇ 1439... Não temos imagens do brasão e guião.


Batalhão de Caçadores n.º 697

Identificação: BCaç 697

Unidade Mob: RI 15 - Tomar

Cmdt: TCor Inf Mário Serra Dias da Costa Campos

2.° Cmdt: Maj Inf Abeilard Borges Teixeira Martins | Maj Inf João António Monteiro de Oliveira Leite

OInfOp/Adj: Cap Inf Fernando Luís Guimarães da Costa

Cmdt CCS: Cap SGE Diamantino Alves Gomes | Cap SGE Bento Marreiros

Divisa: 

Partida: Embarque em 15Ju164; desembarque em 2lJu164 | Regresso: Embarque em 27 Abr66

Síntese da Actividade Operacional


Era apenas composto de Comando e CCS. Não dispunha de subunidades operacionais orgânicas. (*)

Após breve permanência em Bissau com vista ao estudo e preparação da sua zona de acção, assumiu em 24Ago64 a responsabilidade do Sector H, então criado na zona Leste e retirado à área do BCaç 506, que a partir de 11Jan65, passou a ser designado por Sector LI, com a sede em Fá Mandinga e abrangendo os subsectores de Bambadinca e Xitole. 

Em 29Ag064, a sua zona de acção foi alargada do subsector de Enxalé, retirado à área do BArt 645. 

Em 16Abr65, foi ainda criado o subsector de Xime, com consequente remodelação dos subsectores.

Em 19Jan65, na sequência da operação Farol, procedeu à ocupação da região de Ponta do Inglês, onde foi instalada uma companhia a qual foi reduzida depois a um destacamento de nível pelotão, a partir de 16Abr65.(**)

Com as subunidades do sector e outras que lhe foram atribuídas de reforço, desenvolveu intensa actividade operacional, planeando, comandando e controlando diversas acções de patrulhamento, de reconhecimento e de recuperação das populações, instalando diversos destacamentos com forças das subunidades e das milícias.

Dentre o material capturado mais significativo, salienta-se: 2 metralhadoras ligeiras, 13 pistolas-metralhadora e 28 espingardas e munições de armas ligeiras.

Em 26Abr66, foi rendido no sector pelo BCaç 1888, recolhendo seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa nº  69 - 2ª Div/4ª  Sec., do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp.  61/62.
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Notaa do editor:

(*) Último poste da série > 23 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23641: Companhias e outras subunidades sem representantes na Tabanca Grande (4): CCAÇ 2637, mobilizada pelo BII 18, Ponta Delgada, Açores (Teixeira Pinto, 1969/71), e a que pertenceu o fur mil enf Fernando Almeida Serrano, natural de Penamacor e futuro novo membro da Tabanca Grande

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22906: Notas de leitura (1409): Diário da Companhia da Loira & Zorba, por Manuel Neves Fonseca; Projecto Foco, 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
É mesmo uma narrativa agropastoril, com o seu quê de fantasiosa, muitas considerações de índole política, começámos num mundo rural das décadas de 1950 a 1960, percorremos vários pontos do Leste da Guiné, pena é ter-se ficado tão pouco a saber sobre a vida em Madina de Boé naqueles 14 meses do João Bigodes e porquê o mistério de tratar a Ponta do Inglês como Mata do Inglês, foi provavelmente artifício literário de que se se socorreu o autor.

Um abraço do
Mário



Diário da Companhia da Loira & Zorba, por Manuel Neves Fonseca

Mário Beja Santos

Manuel Neves Fonseca, foi furriel da CCAÇ 1417 (1965/1967) e tece uma narrativa um tanto fantasiosa de um reencontro de dois antigos combatentes em ambiente agropastoril,  "Diário da Companhia da Loira & Zorba", Projecto Foco, 2020. Tudo começa na Aldeia da Ribeira, afetada pela desertificação, a poucos quilómetros de Espanha, ouve-se o pífaro do João Bigodes, o narrador, de nome Silvestre, mete conversa, o pastor Bigodes declara ter prestado serviço militar na Guiné entre 1965 e 1967, passou 14 meses em Madina de Boé. Reconhece a Companhia a que pertence Silvestre, este estava em Bajocunda. Fazem amizade, conversam muito, Silvestre leva João à Guarda, um médico deteta que ele sofre de stress pós-traumático, deverá tomar medicamentos, ao fim de dois meses sente-se retemperado. Os amigos conversam, Silvestre também fala de si, nasceu no sopé da Serra da Estrela, numa aldeia pobre chamada Monte do Bispo, a que na época tudo faltava, é um puro ambiente rural, a vida social comandada pelo toque do sino, em que o pároco contabilizava rigorosamente todas as presenças na missa dominical; assiste-se à fuga dos jovens e até de homens de meia idade para França. Silvestre descreve o trabalho de um serrador, e depois como se apaixonou pela jovem Clarisse, há entendimento mútuo, a jovem vive numa cidade, Silvestre deixa a aldeia, dizendo que quer ir trabalhar para Castelo Branco e aprender a ler e a escrever, escreve a Clarisse que vive em Lisboa, é chamado para a tropa, procura a morada de Clarisse, é recebido pelo irmão: “Então és o Silvestre, aquele que anda para aqui a escrever cartas doidas? Pois, escreve à vontade que ela não leu, nem nunca vai ler nenhuma, vai para o lixo estão lá todas, e agora desaparece”. E é dentro deste diálogo agropastoril que João fala do local onde nasceu e da família, história bem triste.

Estão agora a bordo do Niassa, descrição da viagem, chegada a Bissau, lembranças de uma cidade que para eles era uma pequena vila da província rural portuguesa. Sobem o Rio Geba numa lancha da Marinha. Em Bambadinca João e Silvestre separam-se, Silvestre segue para Fá Mandiga, João para a zona de Bafatá. Silvestre descreve Fá Mandiga, diz que aqui nasceu a luta armada, teria sido aqui que Amílcar Cabral congeminou o plano de revolta e foi buscar o apoio aos Balantas, destinou-se a esta companhia a intervenção da Mata do Inglês. E vai dar-nos pormenores sobre essa região da Mata do Inglês: extensa zona de arvoredo centenário, coqueiros, imbondeiros, diversos arbustos. A Mata do Inglês começava para lá do quartel de Bambadinca. E dá pormenores da primeira incursão militar da chamada Companhia da Loira, constituída sobretudo por madeirenses. “Foi-nos atribuída a missão de destruir um acampamento da guerrilha no interior da Mata do Inglês, a poucos quilómetros de um lugar chamado Xitole”. “Quando chegávamos a esses acampamentos da guerrilha, não encontrávamos mais do que palhotas limpíssimas, uns bancos de madeira, umas mesas improvisadas com um ou dois livros do ensino básico abertos numa dessas mesas dando-nos a indicação de que ali havia uma escola e que ali se ensinava português. O trabalho da tropa era incendiar as palhotas e deixar a escola intacta”. Descreve um cerco num desses acampamentos, tudo parecia de feição quanto ao fator surpresa, só que apareceu um guerrilheiro e deu o alarme, atacou-se em força, vomitaram-se as balas indiscriminadamente sobre tudo o que mexia. “A violência do ataque enfureceu a guerrilha e dias depois duas minas anticarro apanharam dois veículos de transporte de militares e civis que se deslocavam de Bambadinca ao Xime, três soldados mortos e uma dezena de civis, para além de feridos. Silvestre ficou chocado com o funeral dos soldados mortos, enrolados em lençóis brancos desceram à cova, a identificação foi escrita num papel branco, metido de uma garrafa de cerveja fechada com uma rolha de cortiça”.

Mudamos de lugar, João e Silvestre falam de uma operação em 22 de outubro de 1966, é então que ficamos a saber porque é que a companhia se chama Zorba, havia um soldado que se metia numa canoa, passeava-se no Rio Corubal, ao som desta canção, tinha um pequeno leitor de cassetes, ouvia o Zorba aos berros. “A alcunha da Loira deriva do facto do comandante da Companhia ser visitado de quando em quando por uma bela jovem, alta, cabelos loiros, suficientemente provocadora, pertencia à hierarquia do Movimento Nacional Feminino em Bissau”. Voltando à operação, foram resgatar um grupo de mulheres e crianças que se encontravam junto da fronteira da Guiné-Conacri, e que pretendeu sair da zona de influência da guerrilha. Passam tormentos, mas a operação resultou, mesmo com emboscadas e muitos outros perigos, chovia torrencialmente. Mal chegados ao aquartelamento, verificam que faltavam dois homens, regressa-se ao local da luta, o reencontro com os dois militares perdidos compensou tanto penar.

E os dois amigos em ambiente agropastoril vão agora falar de Madina de Boé e Bajocunda, João recorda a caminhada para Madina, os ferros retorcidos de viaturas destruídas nas bermas, a segurança dada por outros pelotões, a chegada a Madina com uma receção de morteiradas que iriam marcar a vida quotidiana da companhia Zorba. Silvestre aproveita para descrever a instalação em Bajocunda, participaram na remodelação das instalações, desde os abrigos ao arame farpado, havia então uma intensa atividade comercial, elenca os comerciantes, e dentro do diálogo dá conta que o tratamento do stress pós-traumático renasceu o gosto por viver, apaixonou-se pela Maria Florinda, o Silvestre pagou a boda e de imediato voltamos a Madina de Boé, há para ali um comandante de Nova Lamego de quem o Silvestre não tem boa imagem, aquele tenente-coronel deu-se ao desplante de informar o Comando-Chefe em Bissau de que a zona de Madina estava pacificada não era necessário qualquer apoio aéreo, aquele tenente-coronel Falhardo ostentava bravatas e pesporrência, determinou que o abastecimento de Madina de Boé seria patrulhado por uma companhia de 100 militares, chegados há dois meses de Lisboa, enquadrados por 28 militares da Companhia da Loira. Tudo vai correr mal, cinco carros atingidos por roquetadas, os guerrilheiros sentiram-se à vontade para saquear mantimentos, foi então necessário ripostar com uma companhia de paraquedistas. E João explica que foi assim que começou a adoecer, que quando veio para Portugal ainda teve pequenos trabalhos, andou com um carro frigorífico, descobriu a Aldeia da Ribeira, foi aqui que se sentiu feliz na vida de pastor. Silvestre mostra-se muito politizado, entrepelado por João sobre o que andaram a fazer naquela guerra, explica que andámos a defender os interesses da CUF através da Casa Gouveia, fala sobre o comércio na mão dos libaneses e sírios, na administração do território exercida maioritariamente por cabo-verdianos, a instituição militar vivia bem com aquelas guerras, delas tirava partido. E Silvestre volta a falar da sua vida em Bajocunda, onde teve uma paixoneta por Mariana Falé, que se veio a descobrir a ser um quadro do PAIGC, como aliás um dos mais importantes comerciantes da terra. Muitos anos mais tarde, Mariana veio a Portugal estudar Direito do Trabalho e encontrou-se com Silvestre, restavam uma boa amizade. E o livro termina em ambiente agropastoril, João ainda não está em condições de contar tudo quanto viveu, ainda há muitos acontecimentos encravados na sua mente, aguarda a libertação dessa dor, diz ao amigo que as explicações que lhe deu ajudaram-no a sair da escuridão onde se encontrava, só que os seus sentimentos continuam obstruídos, qualquer dia voltarão a conversar. E ponto final.


Ponta do Inglês, era o que restava em 2010 da casa de Inglês Lopes, encontrei muitas árvores com marcas de balas, o que mais me empolgou foi a beleza extasiante da Foz do Corubal
Artilharia de Bajocunda. Com devida vénia ao autor da foto
Ruínas de uma antiga caserna de praças, Xime, imagem do nosso blog
A retirada de Madina do Boé. Imagem do nosso camarada Manuel Caldeira Coelho (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68), com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22896: Notas de leitura (1408): "Aldeia Nova de São Bento: Estórias, Memórias e Gentes", de José Saúde: nota sobre o autor, introdução e sinopse

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22784: O meu sapatinho de Natal (4): o que é feito de ti, camarada Dinis Giblot Dalot (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), o melhor condutor de GMC do mundo ? (Luís Graça)


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca)  > Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole > Ponte do Rio Jagarajá > CCAÇ 2590/ CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)> "Eu, o então Fur Mil Ap Armas Pesadas Inf Henriques, pau para toda a obra, pião de nicas, e o soldado condutor autorrodas Dalot, talvez o melhor condutor de GMC do mundo ou, pelo menos, o melhor que eu alguma vez conheci...  


Foto (e legenda): Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Esposende > Fão > 1994 > A primeira vez que a malta de Bambadinca (1968/71), camaradas da CCAÇ 12, e outras subunidades, como o Pel Caç Nat 52,  adidas ao comando do BCAÇ 2852, se encontrou depois do regresso a casa... Este primeiro encontro foi organizado pelo António Carlão (Mirandela, 1947- Esposende, 2018)  

Mostra-se aqui um pormenor da foto de grupo. Na primeira fila, da esquerda para a direita:

(i) fur mil MAR Joaquim Moreira Gomes, da CCAÇ 12  [, vivia no Porto, na altura ];

(ii) sold cond auto Dinis Giblot Dalot [, empresário, vivia em Aljubarrota, Prazeres].

Na segunda fila de pé, da esquerda para a direita:

(iii) Fernando [Carvalho Taco] Calado, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 [, vive em Lisboa];

(iv) ex-alf mil manutenção material,  Ismael Quitério Augusto, CCS/BCAÇ 2852 
 [, vive em Lisboa];

(v) ex-fur mil  at inf António Eugénio Silva Levezinho [, Tony para os amigos, reformado da Petrogal, vive  em Martingal, Sagres, Vila do Bispo];

(vi) ex-capitão inf Carlos Alberto Machado Brito, cmdt da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 [, cor inf ref, vivia em Braga, tendo passado pela GNR];

(vii) Pinto dos Santos, ex-furriel mil de Operações e Informações, CCS / BCAÇ 2852,
 [, vivia em Resende].


Foto (e legenda): © Fernando Calado (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Estou a rever-te, há 52 anos atrás, na Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole. Eu e tu, o Dalot, o Dinis G. Dalot, ou melhor, o Dinis Giglot Dalot. Sguramente tu foste o melhor condutor de GMC que eu alguma vez conheci (!). Berliet e GMC nas tuas mãos,  carregadas de sacos de arroz ("bianda"), não ficavam atoladas na famigerada estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, a menos que rebentassem debaixo de uma mina. E mesmo assim, era preciso que os cabos de aço ou os troncos das árvores não aguentassem... 
 
Reguila, setubalense, franzino, seco de carnes, condutor de pesados na vida civil, com boas manápulas para segurar um daqueles volantes de GMC ou Berliet, apanhaste logo no princípio da comissão, em julho de 1969, cinco dias de detenção. Quem foi o s.... que te deu cinco dias de detenção ?....Certo, por seres reguila, setubalense, condutor de pesados, descendente de franceses, e se calhar por seres o melhor condutor de GMC que eu alguma vez vi na vida... 

Gostava de te rever, Dalot. Sinceramente, gostava de te rever. Tenho um numero de telemovel, teu, mas se calhar antigo
 Ligo, vai para o "voice mail". Tu fazes parte da mítica galeria dos meus heróis, tu e todos os bravos soldados condutores autorrodas que passaram pela Guiné, a começar pela nossa CCAÇ 2590/CCAÇ 12.

Eu dizia-te que era preciso ser maluco para conduzir uma GMC. Tu ofendias-te: eras o mais profissional dos nossos condutores auto. Não sei porque não chegaste a 1º cabo: eras  profissional de pesados já na vida civil. E continuaste  depois, na peluda, com uma empresa tua, se não erro. Mas eu sentia que a  porrada te magoara muito, mexera como teu brio, a tua autoestima. 

Reencontei-te em 1994, em Fão, Esposende, quando a malta de Bambadinca (CCS/BCAÇ 2852, 1968/70) e CCAÇ 12 (1969/71) se juntou pela primeira vez. Inicialmnete, vivias em Porto Alto, Samora Correia, Benavente. Depois mudaste a empresa para Aljubarrota, Batalha. Bate certo ? Perguntei ao Adélio Monteiro, mas também não sabe do teu atual paradeiro.

Mas voltando aos dias 17 e 18 de setembro de 1969... Há dias de sorte, escrevi eu: na vida, na guerra, no jogo, no amor… Recordo-me bem desta operação logística, Op Belo Dias II, em que perdemos uma heróica GMC do tempo da guerra da Coreia (daquelas que gastavam 100 aos 100, lembras-te ?).

Não sei se era lenda. As GMC andavam a gasolina, E tinham um depósito de 150 litros, com alcance operacional de c. 480 km e velocidade máxina de 72 km/hora. Em teoria, gastava pouco mais de 30 aos 100.  Mas picadas da Guiné, com carga e com guincho, é possível que gastasse o dobro ou até o triplo....O modelo era GMC 6x6 , caixa aberta, de 2 1/2 t, m/1952, do tempo da guerra da Coreia e herdeiro do célebre camião GMC CCKW , também conhecido como "Jimmy", o camião de transporte de carga do Exército Norte Americano  de que se produziram, entre 1941 e 1945,  572,5 mil unidades.

A CCAÇ  2590 / CCAÇ 12 tinha duas, foram vitimas de minas A/C. Tu, Dalot,  adoravas conduzi-las. Ninguém melhor do que tu para livrar uma GMC de cair na cratera de uma mina coberta de água da chuva ou de atolar-se na berma da estrada… Berma ? Estrada ? Qual berma, qual estrada!... Picadas cheias de minas e armadilhas!...

Ninguém melhor do que tu para conduzir este mamute de ferro, de 4 t, mais duas toneladas e meia, senão três,  de sacos de arroz… Ninguém melhor do que tu, enfim, para desatascar outras viaturas, civis ou militares,  à força de guincho. 

Só não tinhas faro era para as minas, que isso era tarefa dos picadores. Aliás, na galeria dos heróis desta guerra (há sempre heróis em todas as guerras), eu poria também as GMC, os condutores das GMC e os picadores…

O que aconteceu exactamente nesse já longíquo dia 18 de Setembro de 1969 ? Tínhamos saído, na véspera, de Bambadinca, de manhã muito cedo, como de costume, para fugir ao inferno do calor e da humidade do dia. E da poeira, embora se  estivesse em plena época das chuvas. Era um enorme coluna de viaturas militares carregadas de abastecimentos  para três companhias, unidades de quadrícula, em Mansambo (CART 2339), Xitole (CART 2413) e Saltinho (CAÇ 2406).

Ao todo viviam nestas unidades e seus destacamentos mais de  meio milhar de homens, fora a população local e as milícias que dependiam  inteiramente (caso de Mansambo, aquartelamento que fora construído de raíz e não tinha tabanca nem campos de cultivo...) dos abastecimentos feitos pela tropa. 

Nós levávamos-lhes praticamente tudo, até o correio.... Ou seja: o gasóleo (para as viaturas e o gerador eléctrico), o petróleo (para os frigoríficos), o arroz, a massa, o feijão, a carne, o bacalhau, o azeite, o vinho, as latas de conserva, as bolachas, as batatas, as bebidas em garrafa e em lata, os artigos de cantiga, e os demais mantimentos para um mês ou um mês e meio. Além dos cunhetes de munições, as granadas de morteiro, bazuca e obus, os materiais de construção, os sacos de cimento, etc.

Um dia seria interessante publicar a lista completa dos artigos e as respectivas quantidades que faziam parte dos nossos comboios de reabastecimento. Na galeria dos heróis desta guerra também estão os que alimentavam o nosso ventre insaciável , os homens da manutenção militar e os que faziam chegar os mantimentos, desde Bissau em LDG até ao Xime (no caso da Zona Leste) e depois daí em colunas até às sedes de sector ou comando operacional (Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego…). Ou através dos "barcos turras" que chegavam a Bambadinca. 

Era um comboio com várias dezenas de viaturas, incluimdo viaturas civis, de comerciantes de Bambadinca, Bafatá, Galomaro, Xitole, o Rendeiro, o Regala, o Jamil, as casas comerciais de Bafatá. como a Gouveia. As Berliet e as GMC (e, mais tarde,  as camionetas civis, já no decurso da Op Belo Dia III, em novembro de 1969) transportavam a carga, mas o condutor levava sempre escolta (menos de uma secção).

Para se chegar a qualquer uma das unidades acima referidas não havia mais nenhuma alternativa (terrestre). A estrada de Galomaro-Saltinho estava interdita, pelo que as NT ali colocadas dependiam do abastecimento feito a partir de Bambadinca. No entanto, a própria estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole estivera interdita entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969 (*). 

O Op Belo Dia, a 4 de Agosto, já aqui sumariamente descrita (*),  destinou-se justamente a reabrir esse troço fundamental para as ligações do comando do sector L1 com as suas subunidades de quadrícula a sul. Um mês e tal depois fez-se uma segunda operação para novo reabastecimento, patrulhamento ofensivo e reconhecimento, a Op Belo Dia II.

2. São as peripécias dessa operação (Op Belo Dia II) que se relatam aqui. Mas ainda a propósito de meios de transporte, convirá referir que só Bambadinca possuía uma pista, com cerca de 150 metros, permitindo a aterragem de aeronaves como a Dornier, a DO-27.

No meu tempo o sargento piloto Honório, cabo-verdiano, era uma figura muito popular entre as NT, porque nos trazia o correio e alguns frescos. A sua fama era lendária, pela sua coragem e destreza, para não dizer "maluqueira" (, tolerada, mas não apreciada pelos outros pilotos da BA 12, em Bissalanca)... Era capaz de aterrar numa nesga de terra, dizia-se.  Em Mansambo só havia heliporto. No Xitole, também havia pista para avionetas.

De qualquer modo, o helicóptero, o AL III, só era usado para fins estritamente militares: apoio de helicanhão, transporte de tropas especiais e heliassaltos, evacuações Y para o hospital militar de Bissau. Argumentava-se que o helicóptero era um luxo, custando 15 contos por hora (mais do o ordenado mensal de dois alferes)…

Em contrapartida, as colunas de abastecimento da guerrilha e das suas populações eram feitas por carregadores, a pé, descalços, em bicha de pirilau, incluindo mulheres e até crianças e muitas vezes sem escolta militar, correndo o risco de serem interceptados pelas NT, como acontecia com alguma frequência na região de Missirá, a norte do Rio Geba (como em Chicri, a 12 de Setembro de 1969: muitas vezes as NT não faziam a distinção entre combatentes, armados, e elementos civis da população controlada pelo PAIGC que servia de carregadores; neste caso, levavam artigos comprados nas nossas barbas, em Bambadinca, onde só havia duas lojas, nas mãos de tugas, a loja do Rendeiro e a loja do Zé Maria)…

Porquê falar em sorte ? É que eu ia justamente à frente da viatura que accionou a mina, a tua vitura,a tua GMC,  Dalot. E ia justamente do lado do pendura, com uma perna de fora… À turista, como quem vai num alegre e matinal safari algures num parque no Quénia… Em suma, ia no "lugar do morto"... 

A pouco e pouco, o periquito ia ganhando confiança… Com três meses e meio de Guiné, e baptismo de fogo ainda muito recente (na Op Pato Real, a 7 de Setembro, na região do Xime, Ponta do Inglês)  considerava-me já quase um "veterano"…

Recordo-me da viatura em que eu ía: um Unimog 404… Apesar da relativa tranquilidade que nos davam a experiente equipa de 12 picadores que iam à nossa frente com dois grupos de combate apeados, a proteger os flancos, eu tinha recomendado ao condutor do Unimog (, já não me lembro o nome: o Adélio Monteiro não  era, vinha mais atrás ) que seguisse milimetricamente o rodado da viatura da frente… Um desvio de um milímetro podia ser fatal para o artista… Tu, Dalot, que  atrás de mim,  levavas um bicho que tinha dez rodas, dois rodados duplos atrás, e sete toneladas de ferro e arroz...

Daquela vez vez foste tu, Dalot,  e a tua GMC que voaram… Eu fiquei para a próxima, já lá mais para o fim da comissão, em 13 de janeiro de 1971, em Nhabijões... Também numa GMC!... Era a minha sina!...

A estrada (se é que se podia chamar estrada aquilo!), invadida pela floresta (, apesar da  desmatação recente, em abril/maio de 1969, Op Cabeça Rapada), as bolanhas, os curso de água, os charcos, etc. era mais estreita que as viaturas em certos pontos… Uma delícia para os sapadores do PAIGC, um quebra-cabeça para os nossos picadores, um stresse desgraçado para aqueles de nós que faziam guarda de flancos ou que iam em cima das viatura, ou os que conduiam as viaturas…

Em suma, gastávamos uma boa parte da nossa energia mensal a abastecer-nos uns aos outros em vez de fazer a guerra ao IN…

Estamos a falar da segunda quinzena de setembro de 1969, em que realizámos  mais outra operação a nível de batalhão afim de escoltar uma coluna logística do BCAÇ 2852 para as companhias de Xitole e Saltinho (Op Belo Dia II). Uma operação com 2 destacamentos (A e B) (*)

Dois Gr Comb [Grupos de Combate] da CCAÇ 12 (2º e 3º), um da CART 2339 [Mansambo] e o Pel Caç Nat 53 (que seguiria depois com o Dest B para o Saltinho) formavam o Dest [Destacamento] A,  cuja missão, além da picagem do itinerário, era escoltar a coluna até ao limite da ZA-Zona de Acção da CART 2339 [Mansambo] onde se efectuaria o transbordo da carga para outra coluna da CART 2413 [Xitole].

A coluna que chegou a Mansambo às 17.30 do dia 17 de Setembro, proveniente de Bambadinca, donde saira de manhã (longas horas inteiro para se fazer 18 km), prosseguiria no dia seguinte, tendo-se processado sem incidentes de maior até à ponte do Rio Jago, a cerca de 3 km do aquartelamento de Mansambo, altura em que se fez um alto para recompor a carga da viatura que seguia em 3º lugar. Passámos a noite nos "bunckers" de Mansambo.

Ao retomar-se a marcha, o rodado intermédio direito da GMC do Dalot (MG-17-21) que vinha imediatamente a seguir àquela, e que pertencia à CCAÇ 12, accionou uma mina A/C (anticarro) reforçada, tendo-se voltado espectacularmente. A viatura ficou muito danificada, tendo-se inutilizado parte da sua carga de 3 mil kg de arroz. Em virtude de ter sido projectado, ficou gravemente ferido um 1º cabo do Pel Caç Nat 53. O condutor da GMC, o soldado Dalot, saiu ileso.

A mina não fora detectada pela equipa de 12 picadores, seguida de 2 Gr Comb que progrediam na frente.

Alguns quilómetros à frente, junto à ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas mais 3 minas (A/P) que deveriam fazer parte do campo de minas implantado pelo IN posteriormente à Op Belo Dia I, e das quais 7 já sido levantadas até então.

Pelas 13h do dia 18 de Setembro deu-se finalmente o encontro dos 2 Dest, tendo-se procedido ao transbordo da carga.

No regresso a coluna foi sobrevoada várias vezes por uma parelha de Fiat G-91 cujo apoio estava previsto na ordem de operações. Mansambo foi atingido pelas 17 h do dia 18, depois de se ter armadilhado a viatura cuja remoção se verificou ser impossível com os meios disponíveis na ocasião.

Inconsolável, tu, Dalot, lá deixaste  a tua querida GMC, de matrícula MG-17-21... A Guiné era um  cemitério de sucata, como viaturas (militares e civis) abandonadas pelas NT, destruídas por minas e roquetadas... Não tenho a certeza se esta viatura foi posteriormente desarmadilhada e rebocada para Bambadinca... Os custos de uma tal operação eram sempre elevados.

Onde quer que estejas, camarada Dalot (e eu espero bem que estejas vivo e de boa saúde), desejo-te as maiores felicidades possíveis e, já  agora um Natal quentinho, livre da Covid-19. Telefona-me para o 931 415 277. Teu camarada, Henriques.  (**)

As minhas felicitações natalícias são extensivas aos demais condutores autorrodas, todas eles gente brava,  da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 que viajaram comigo no T/T Niassa, de 24 a 29 de maio de 1969, de Lisboa com destino a Bissau. Alguns infelizmente já não estão vivos. A lista é antiga (e tem de ser revista). Acrescento também os mecânicos auto:

1º Cabo Cond Auto Luís Jorge M.S. Monteiro [, vivia em Vila do Conde ou Porto ?];

Sold Condutor Auto António S. Fernandes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Manuel J. P. Bastos [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Manuel da Costa Soares [, morto em, mina A/C,em Nhabijões, em 13/1/1971];

Sold Cond Auto Alcino Carvalho Braga [, vive em Lisboa];

Sold Cond Auto Adélio Gonçalves Monteiro [, comerciante, Castro Daire; é membro da nossa Tabanca Grande];

Sold Cond Auto João Dias Vieira [ vive em Vila de Souto, Viseu];

Sold Cond Auto Tibério Gomes da Rocha [, vivia em Viseu, faleceu em 6/12/2007;

Sold Cond Auto António S. Fernandes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Francisco A. M. Patronilho [, vive em Brejos de Azeitão];

Sold Cond Auto Manuel S. Almeida [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto António C. Gomes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Fernando S. Curto [, vive em Vagos];

Sold Cond Auto Aniceto Rodrigues da Silva [,falecido em 3/1/2021;  membro a título póstumo da nossa Tabanca Grande];

Sold Cond Auto Manuel G. Reis [, morada actual desconhecida];

Fur Mil MAR Joaquim Moreira Gomes [, vive em Esposende ou Maia ?];

1º Cabo Mec Auto Renato B. Semedeiros  [, vivia na Reboleira, Amadora];

1º Cabo Mec Auto António Alves Mexia [, morada actual desconhecida];

Sold Mec Auto Gaudêncio Machado Pinto [, morada actual desconhecida].




Guiné > Região de Bafatá  > Algures > 1973 > Uma Daimler, avariada, é levada em cima de uma GMC... Sítio ? Talvez Bambadinca, talvez Bafatá, junto ao Rio Geba... quando o João Carvalho veio de férias à metrópole, vindo de Canjadude, Gabu, onde estava aquartelaad a sua CCAÇ 5.  (Em 1971, no CTIG havia pouco mais de duas centenas e meia de GMC, das quais praticamente metade estavam inoperacionais... E das 108 Daimlers existentes, 75% estavam inoperacionais.

Foto (e legenda): © João Carvalho (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné> Região de Bafyá > Sector L1 (Bambadinca) > Carta do Xime (1961) > Escala: 1/50 mil > Troço da Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho> Assinalada, com um círculo a azul, a ponte do Rio Jago onde a GMC MG-17-21, conduzida pelo Dalpot,  com 3 toneladas de arroz, accionou uma mina anticarro, no dia 18 de Setembro de 1969. O quartel de Mansambo vem sinalizado com um retângulo.

A distância de Bambadinca, a Mansambo, Ponte dos Fulas, Xitole e Saltinho era, respectivamente, 18, 33, 35 e 55 quilómetros. As colunas logísticas, de reabastecimento, podiam levar um dia ou até mais (na época das chuvas) a fazer este percurso perigoso, npomeadamete o troço Mansambo-Xitole   (interdito entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969 ). A CCAÇ 12 participou em diversas colunas logísticas a Mansambo, Xitole e Saltinho (junto ao Corubal) e mesmo Gondomar. (*)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)

____________________

Notas do editor: L.G.

Vd. também poste de 20 de maio de  2005 > Guiné 63/74 - P22: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho (Luís Graça)

(...) Desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole (CART 2413). A coluna prosseguiu com apoio aéreo.

Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A. (...)

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20173: In Memoriam (350): António Manuel Carlão (1947-2018): Testemunho de Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
Não é impunemente que se viveu meses a fio ombro a ombro com aquele, acabamos de saber, já partiu e nós não sabíamos do passamento. A consternação é sincera, a CCAÇ 12 e o meu pelotão éramos pau para toda a colher, e não havia refilanços, era aguentar e cara alegre. Transformo esta mágoa do seu desaparecimento na recordação de um episódio um tanto brejeiro que vivi com o Carlão e daqui me curvo respeitosamente diante da sua família.

 Um abraço do
Mário


In Memoriam de António Carlão: Eu e a CCAÇ 12

Beja Santos

Foi com profundo constrangimento que recebi a notícia da perda do António Carlão, meu camarada em Bambadinca, por larguíssimos meses. Tanto quanto me recordo, a CCAÇ 12, comandada pelo Capitão Brito, chegou a Bambadinca, vinda de Contuboel, na segunda metade de 1969, ficou adstrita ao BCAÇ 2852. Os seus pelotões andaram em aperfeiçoamento operacional pelas redondezas, recebi em Missirá dois desses pelotões, andarilhámos por Mato de Cão, fomos até ao rio Gambiel e a Salá, eram os confins possíveis para patrulhamentos com caráter instrutivo, correu tudo muito bem, o que me impressionava é que aqueles soldados eram quase crianças, felizmente barulhentas e sadias.

Em novembro, o Comando de Bambadinca manda-nos para a intervenção, outro Pelotão de Caçadores Nativos, o 54, seguiu para o regulado do Cuor. Intervenção no Setor L1 significava um pequeno universo de atividades: levar munições para as milícias e populações em autodefesa, tanto podia ser em Madina Xaquili, no Cossé, como em Moricanhe, uma população sacrificada que ficava no termo de uma picada que partia de Amedalai, passava por Demba Taco e Taibatá; trazer ou levar doentes; pernoitar na ponte do rio Unduduma; passear à volta da pista de aviação, entre o anoitecer e o madrugar, uma atividade escabrosa, por ali se andava debaixo dos focos da pista, melhor posição para o tiro ao alvo não havia na região; e levar ou trazer correio, incluindo o expediente para o Comando do Agrupamento; dar assistência e continuidade nos Nhabijões, a CCAÇ 12 e o meu pelotão alinhavam de acordo com a escala; pernoitar na missão do sono no Bambadincazinho; fazer colunas ao Xitole, era uma digressão impressionante de dezenas de viaturas de civis onde se intercalavam as nossas tropas, com a GMC à frente, tudo bem planificado, picava-se daqui para ali, até Mansambo, os de Mansambo picavam até à ponte cujo nome não me ocorre, daí quem picava era a malta do Xitole, era uma viagem desabrida, nuvens de laterite evolavam-se para os céus em toda a época seca, chegava-se ao Xitole era despejar e recarregar, paragem relâmpago e regressava-se à velocidade máxima que a picada consentia; e havia outros afazeres miudinhos atinentes à escala do quartel; e deixo para o fim do cardápio a participação em operações e, coube-me no final da comissão, todo o mês de julho de 1970, a segurança ao alcatroamento da estrada entre o Xime e Amedalai.

A vida da CCAÇ 12 e do Pel Caç Nat 52 fazia-se em números de trapézio, revezávamos nesta vida de andarilhos, éramos uma CCS em permanente movimento, de armas na mão, um serviço de urgência 24 horas ao dia.

 Alf Mil Beja, CMDT do Pel Caç Nat 52

Cheguei em novembro, e continuo a olhar para esta fotografia sem perceber como um mês antes saíra vivo de uma mina anticarro, vivera meses esgotantes correspondentes a viagens praticamente diárias a Mato de Cão, estava-se na finalização das obras do porto do Xime, ninguém nos informara mas a região Leste recebia cada vez mais tropa com os inerentes reabastecimentos, eram comboios de embarcações civis com uma unidade da Armada a intimidar quem, eventualmente, do lado de Ponta Varela, quisesse bazucar. A fotografia dá-me outra dimensão: o corredor dos quartos dos oficiais, ao fundo, junto daquela barreira de bidões pintados de verde, era a nossa messe. Eu dormia num quarto com dois alferes da CCAÇ 12, camaradas de mão cheia: o Magalhães Moreira e o Abel Rodrigues, havia uma quarta cama para um qualquer oficial em trânsito. A porta que se vê no início do corredor dava frontal ao quarto do tenente da secretaria, seguia-se o quarto do médico e do capelão, que discutiam furiosamente a existência de Deus naquela guerra apoplética, depois os oficiais de transmissões e do parque automóvel, mais gente da CCAÇ 12, no fim os oficiais do Comando.

Com todos estes números de trapézio, de sair com duas secções, de patrulhar com dois pelotões, de fazer operações, era impensável não comunicar com o Carlão, exuberante, caminhando ereto para que não parecesse de estatura quase mediana. Tivemos um pequeno desaguisado, relatei-o no meu diário, e já aqui apareceu no blogue. Numa noite, já em pleno madrugar, vim da malfadada pista de aviação, e de manhã cedo estava escalado para patrulhar Samba Silate, outrora a mais populosa tabanca da Guiné, que se desfez nos finais de 1963, havia sempre fortes indícios da presença de populações que vinham seja do Buruntoni ou cambavam vindos de Madina, sonhava-se em apanhar esses civis com a boca na botija ou descobrir as canoas e rebentá-las, queria mesmo ir dormir e eis que ouvi da messe de oficiais uma voz maviosa que cantava “Bésame, bésame mucho, como si fuera esta noche la ultima vez”. Aturdido com o fenómeno, pensando que estava a sonhar, entrei na messe, e uma rapariga rechonchuda, com as maçãs do rosto avermelhadas, um cabelo loiro corrido, era a cantadeira e o José Luís Vacas de Carvalho dedilhava, com uma pose de Raul Nery. O Carlão, cheio de garbo, veio-me apresentar a mulher, vinha para estadear. Dias mais tarde, Jovelino Sá Moniz Pamplona de Corte-Real, o Comandante, à hora do almoço, avisa-me que temos reunião aí pelas três da tarde, ele nunca recusava a sesta. E deu-me ordens, amanhã comanda a catrafilada de viaturas até ao Xitole, não se preocupe, há muita gente a picar a estrada, vai na mecha e regressa na mecha, as viaturas estão a ser revistas, para evitar pneus rebentados ou avarias estúpidas. Organize o comboio como quiser. Como é óbvio, foi anulado o meu programa da tarde, andei a conversar com meio mundo, tudo pela calada, aquelas colunas deviam ser feitas com a máxima discrição.

Ao amanhecer, com o suporte de muita gente, começou a organizar-se o enfileiramento das viaturas, muitas delas metiam dó, iam ajoujadas, eram carcaças velhas, sobreviviam milagrosamente. E é neste afã que me aparece o Carlão com a Helena, esta de camuflado, e o Carlão anuncia-me que ela vai até ao Xitole e volta comigo. De atónito com tal proposta, a voz empastelou-se-me, era inacreditável, recompus-me e disse perentoriamente que não. Deu sarrafusca, felizmente que o bom senso imperou, a Helena ficou em casa, para sossego de todos.


Foi um prazer enorme revê-lo em Fão, em 1994, foi uma reunião destes trapezistas da guerra, conseguiu-se levar um antigo 2.º Comandante que gravemente se acidentou na rampa de Bambadinca, o então Major Ângelo da Cunha Ribeiro. Passara-se um quarto de século, o Carlão surpreendeu-me com o cabelo pintado, com a franqueza do costume explicou-me que não se pode estar ao balcão com um ar de velhadas, e reconstituí com a Helena, um pouco mais rechonchuda, aquelas peripécias da coluna ao Xitole.

Quando nos desaparece mais um camarada, daqueles com quem se vivera momentos improváveis, dores de outras perdas, dá-me para reconstituir alguns desses momentos de brejeirice que se nos atravessou pelo caminho, saber que ele está na paz do Senhor, assim o constrangimento da perda é minorado e o meu abraço à Helena e aos filhos é tão familiar como as agruras e desavenças que vivemos fraternamente, no périplo de Bambadinca, entre 1969 e 1970.
Repousa em paz, António Carlão.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20169: In Memoriam (349): António Manuel Carlão (1947-2018): testemunhos e comentários (Abel Rodrigues, Fernando Calado, Arsénio Puim, Jorge Cabral, Luís Graça)

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17851: In Memoriam (305): José Martinho da Silva (1944-2013), ex-soldado corneteiro, CCAÇ 818, Xitole e Fá Mandinga, 1965/67... Natural de Ereira, vivia em Caixeira, Montemor-o-Velho, morreu em 25/12/2013... Faria hoje anos: homenagem da sua neta, Tânia Pereira


Foto nº 1 > O José Martinho da Silva, sold cornt, CCAÇ 818 (Xitole, 1965/67),  no Saltinho.. Ao fundo, um trecho da ponte sobre o Rio Corubal.



Foto nº 2 >  Xitole (?)... A hora rancho (c. 1965/67)


Foto nº 3 > Xitole (?)... Sentado, em tronco nu, a fumar (c. 1965/67)


Foto nº 4 >  No navio de transporte de tropas com mais camaradas (c. maio de 1965)


Foto nº 5 > Possivelmente no Xitole (c. 1965/67)




Foto nº 6 > Possivelmente, verso da foto anterior:  distinguem-se bem dois tipos de letra: à direita, possivelmente a de um graduado ("Um bajuda é sempre notícia entre os soldados. Até o 28, o Gerês, tocou harmónica"... À esquerda, a do José Martinho da Silva: "Idália, aqui mais uma vez me encontro com uma bajuda preta. Ofereço esta foto à minha futura noiva como prova de amor"... José Martinho da Silva assentou praça em 1964 (nº mecanográfico 1822/64)... O SPM da CCAÇ 818 era o 2778. 



Foto nº 7 > Possivelmente no Xitole, com as bajudas e a criançada (c.  1965/67) 


Foto nº 8 > Postal de Boas Festas, para a namorada e futura esposa Idália... Saltinho, 17/12/1966




Foto nº 9 > Dedicatória. no verso de uma foto,  à namorada e futura esposa. Maria Idália de Sousa Custódio... Xitole 16/9/1965.



Foto nº 10 > Xitole (?) ... Com uma bajuda, na rua principal da povoação... (c. 1965/67)



Foto nº 11 > Xitole (?) (c. 1965/67)




Foto nº 12 > Xitole (?)... Nicho com a imagem de N. Sra. Fátima, construído e inaugurado pela CCAÇ 510,  em 13 de maio de 1965. A CCAÇ 818 terá ido render a CCAÇ 510, justamente em maio de 1965.


Foto nº 13 > Xitole (?)... (c. 1965/67)


Foto nº 14 >  Louvor do comandante militar do CTIG, briagadeiro Reymão Nogueira, com data de 5 de fevereiro de 1967, dado ao sold nº 1822/64, José M. Silva.


Fotos: © Tânia Pereira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Da nossa leitora Tânia Paredes, recebemos hoje, às 1h19,  a seguinte mensagem:

Exmo. Sr.

Envio este e-mail, com vista a poder homenagear o meu avó, que faria anos hoje, dia 11 de Outubro, através do Vosso Blog 'Luís Graça & Camaradas da Guiné'. Também ele esteve presente na guerra colonial na Guiné, e gostava. por isso, que fossem publicadas algumas das suas fotografias neste dia, se for possível.

Desde já um muito obrigada pela atenção.

O meu avô deixou-nos a 25 de Dezembro de 2013, e tem por nome José Martinho da Silva, nascido na Ereira, vivia na localidade da Caixeira, pertencente ao concelho de Montemor-o-Velho, Coimbra.

Seguem em anexo, algumas das suas fotografias e registos [, em número de 17,], deixando ao seu critério a escolha e colocação das mesmas.


2.  Resposta do nosso editor:

Tânia, teremos muito gosto em realizar o seu desejo, publicando  hoje mesmo este  poste de homenagem ao seu avô... Vamos aproveitar algumas fotos, a maioria está em mau estado, temos que as recuperar... Mas têm interesse documental, além de sentimental...

Não tem a caderneta militar dele? Ele era soldado corneteiro... A companhia anterior era a Companhia de Caçadores 510, a CCAÇ 510 [, foto nº 12], que esteve em Bissau, Xitole, Saltinho e Bissau, comandada pelo capitão de infantaria João Fernandes da Ressurreição. Data da partida: 14/7/1963, regresso a casa: 7/8/1965...

Ora o seu avó estava  em 16/9/1965 no Xitole e no destacamento do Saltinho (que pertencia ao subsetor do Xitole) em 17/12/1966 [, foto nº 8]... Deve ter regressado a casa em fevereiro de 1967 [, foto nº 14]...

Estes são os elementos que conseguimos recuperar das fotos... Confirme também o ano de nascimento do seu avô [, provavelmente 1944; ele fez a recruta em 1964, com 20 anos]...

Segundo o que apurámos mais, ele deve ter pertencido à CCAÇ 818, mobilizado pelo BCAÇ 10 (Chaves). Esta companhia, independente,  partiu para a Guiné em 21/5/1965  [, foto nº 4] e regressou em 8/2/1967. Esteve no Xitole (e Saltinho) e Fá Mandinga, no leste da Guiné, região de Bafatá... Teve 2 comandantes: cap inf José Manuel Pires Ramalho e cap inf Humberto Amaro Vieira Nascimento.

Veja se confirma estes elementos, ainda esta manhã, a subunidade a que pertenceu o seu avô... Em qualquer altura podemos corrigir o poste que publicamos agora mesmo. Vou pedir também aos nossos colaboradores que confirmem estes dados. Tínhamos, até agora, apenas uma referência a esta companhia no nosso blogue e nenhum representante na Tabanca Grande.

Ficamos sensibilizados pelo seu gesto. Onde quem quer o seu avô esteja, sentir-se-á orgulhoso da sua neta. Com esta publicação, o seu avô não ficará seguramente inumado na "vala comum do esquecimento"... Esta é também a missão do nosso blogue: ajudar a salvar as nossas memórias e as memórias das nossas famílias...

Um beijinho dos editores.
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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17727: In Memoriam (304): Faleceu o Comandante Pombo, José Luís Pombo Rodrigues, uma figura lendária dos céus da Guiné. As cerimónias fúnebres terão lugar segunda e terça-feira, no Carregado e Póvoa de Santa Iria (Manuel Resende / Maria João Alves Pombo Rodrigues)

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17808: Memória dos lugares (366): em 1947, Canchungo ainda não se chamava Teixeira Pinto, nem a vila de Gabu era Nova Lamego... Xime e Xitole escreviam-se com "ch" e o Quebo (futura Aldeia Formosa) nem aparecia no mapa....


Viagem ministerial e Obras do V Centenário do Descobrimento da Guiné.
Composição e desenho de A. T. Mota [1947]

Excertos da carta da Guiné,  elaborada por 2º tenente Teixeira da Mota, com o itinerário percorrido (linha a cheio com setas) pelo subsecretário de Estado das Colónias, em fevereiro de 1947, com indicação das obras construídas no âmbito do V Centenário do Descobrimento da Guiné (*)

Fonte: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, vol II - Número Especial, [Comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné], 1947, 454-455 pp. [O nº completo está disponível "on line" aqui]

Infogravura: Adapt. pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)

1. Como se pode ver, em 1947, Canchungo ainda não se chamava Teixeira Pinto, nem a vila de Gabu era Nova Lamego... Ambas já eram sede de circunscrição administrativa

Xime e Xitole escreviam-se com "ch" e o Quebo (futura Aldeia Formosa) nem aparecia no mapa.... Tudo indica que o aportuguesamento de alguns destes topónimos seja posterior, embora provavelmente ainda sejam no tempo do governador-geral  Sarmento Rodrigues, futuro ministro das colónias (e,depois, do Ultramar).

O jornalista Norberto Lopes, do "Diário de Lisboa", fez este mesmo percurso nesta data, e esteve em Canchungo e em Gabu. Vindo de Bolama, São João, Fulacunda e Buba, a caminho de Bambadinca e Bafatá. passou pelo Chitole... (e, antes de cambar o rio Corubal, passou pela tabanca Portugal, na margem esquerda). (**)

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17795: Memória dos lugares (364): Quem se lembra (ou ouviu falar) da tabanca de Portugal, a seguir aos rápidos de Cusselinta e à Ponte Carmona (em ruínas) (carta do Xitole, 1955)? Seria distinta de "Gã Portugal" que terá existido, também na margem esquerda do Rio Corubal, mas na península de Gampará... (Luís Graça / Cherno Baldé / Alcídio Marinho / Luís Branquinho Crespo / Luís Marcelino / Mário Pinto / António Murta)


Guiné > Mapa geral da Província (1961) > Escala 1/ 500 mil > Localização da tabanca de Portugal, que ficava antes do Xitole, na estrada secundária (com troço de picada, a tracejado) Buba - Nhala - Xitole...

Foi por aqui que passou, de automóvel, o jornalista do "Diário de Lisboa", Norberto Lopes, em janeiro/fevereiro de 1947, vindo de Bolama, pela estrada principal  São João - Fulacunda - Buba, a caminho de Bafatá (via Xitole - Bambadinca). Com a queda da Ponte Carmona, logo em 1937, quem vinha do sul tinha que passar pela tabanca de Portugal para ir cambar o rio Corubal para o "porto do Xitole" (sic) e seguir viagem, de carro,  para o norte ou para o leste (*)...


Guiné Portuguesa > Região de Quínara > Mapa do Xitole (1955) > Escala 1/25 mil > Posição relativa da tabanca de Portugal, na margem esquerda do Rio Corubal, a sudoeste do Xitole. Era uma tabanca seguramente abandonada no tempo da guerra, mas referida na reportagem de Norberto Lopes, no "Diário de Lisboa", em 25/2/1947.

Não confundir com a tabanca de Lisboa, a escassos 3 km de Buba, visitada e citada pelo nosso camarada José Ferreira, e cujo chefe era um antigo soldado paraquedista, o Sadjo Camará. A tabanca de Portugal, no regulado de Incassol, já existia em 1947... E consta da carta do Xitole, que é de 1955..

Recorde-se que esta e outras cartas da Guiné resultam do levantamento efectuado em 1955 pela missão geo-hidrográfica da Guiné – Comandante e oficiais do N. H. Mandovi. A fotografia aérea é da aviação naval (Março de 1953). Restituição dos Serviços Cartográficos do Exército. Fotolitografia e impressão: Arnaldo F. Silva. A edição é da Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, do antigo Ministério do Ultramar, s/d. Digitalização efectuada pela Rank Xerox (2005). Oferta do nosso camarada Humberto Reis.

Infogravuras: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017).


1. Perguntei a três dezenas de camaradas se chegaram a conhecer (ou ouvir falar de) uma tabanca chamada Portugal... Ficava a escassos quilómetros do Xitole, do outro lado do rio Corubal... Quem vinha de Buba para o leste  tinha que passar por lá, contornando a Ponte Carmona, em ruínas (desde 1937, ano em que foi inaugurada) (*)... 

Em 1947 por lá passou, nessa tal tabanca de Portugal, o jornalista do "Diário de Lisboa", Norberto Lopes... Ninguém sabe como aparece este nome... Será que tem alguma relação com a construção da ponte Carmona em meados dos anos 30?

E quem seria este obscuro régulo Bacar Dikel que lá morava e "reinava" (mal)? Dikel será apelido fula ou biafada?

Alguns dirão que andamos há anos a discutir o sexo dos anjos neste blogue... Que importância tem, de facto, para a história, e sobretudo para o futuro, dos nossos dois povos, o raio desta tabanca, que deve ter sido destruída ou abandonada no tempo da guerra colonial?... A verdade é que há 70 anos existia e houve um "tuga" que a referiu, num jornal de Lisboa... Eu estava a nascer, em janeiro de 1947, quando o Norberto Lopes por lá passou... E os cartógrafos também a assinalam: no mapa geral da província, de 1961, era ainda uma terra relativamente importante...


Guiné > Mapa de Fulacunda  (1955) > Escala 1/25 mil > O Rio Corubal, margem esquerda (região de Quínara) e direita (região de Bafatá), antes de desaguar no Rio Geba... Localização de Gã João (ou Ponta João da Silva) e Gã Garnes (ou Ponta do Inglês)... Não conseguimos localizar, neste mapa, a povoação de Gã Portugal, referida por Alcídio Marinho.

Toda o triângulo Bambadinca - Xime - Xitole, e em especial a margem direita do Rio Corubal, foi batida, no início do "consulado" de Spínola, no âmbito da grande Op Lança Afiada (de 8 a 19 de março de 1969  (**)

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017).


2. Eis algumas respostas que recebemos, dos nossos colaboradores (*): 

(i) Cherno Baldé (Bissau):

Não conheço o local [, antiga tabanca de Portugal] nem nunca ouvi falar, mas tal como tenho dito num dos postes das minhas memórias sobre o nome dado à nossa aldeia (Luanda) do início da guerra colonial, era normal e muito comum que régulos, antigos cipaios ou militares que fundavam novas aldeias,  quisessem honrar ou mostrar suas simpatias para com Portugal e aos Portugueses. (***)

O meu tio paterno, patriarca da nossa família, foi colaborador e polícia da administração colonial em Bolama durante muitos anos. Há bem pouco tempo descobri que existia em Bolama um bairro com esse nome [, Luanda,] e pensei que, talvez, houvesse alguma ligação. É assim.

Por outro lado, a  zona de Xitole assim como toda a região de Forreá eram domínio fula, conquistado aos biafadas no séc. XIX. Assim, todos os régulos ou são fulas ou de ascendência fula e o Bacar Dikel não será excepção.

O nome que aparece como Sadiu Camará, chefe em 2005 da tabanca de Lisboa [, a escassos quilómetros a leste de Buba], dever se Sadjo Camará. (*)

(ii) Luís Branquinho  Crespo [que esteve na Op Lança Afiada]

Bem gostaria de ajudar, mas estive na margem direita do Corubal (1968/1970) e fui apenas duas vezes,  que me lembre,  junto da ponte Carmona e desconheço onde fica ou sequer tenha ouvido falar da tabanca Portugal a não ser agora.

(iii) Luis Marcelino

Não conheci a referida tabanca.

Embora tenha estado no sul, mais concretamente em Mampatá, cerca de dois anos, não tive oportunidade de conhecer muito, para além do espaço à responsabilidade da companhia.

(iv) Mário Gualter Rodrigues Pinto

Gostaria muito de poder contribuir para o solicitado, mas apesar de ter estado na parte sul do Corubal, mais propriamente em Mampatá e uma vasta área do zona junto ao Corubal ser ZA [, zona de ação,]  da minha companhia, nunca ouvi nem dei pela existência dessa tabanca.

Creio mesmo que os mapas ou croquis que nos davam para a Zona fizessem alguma referência à Tabanca [de Portugal] 

(v) António Murta:

Sobre essa enigmática tabanca, devo dizer que nunca fui tão longe, mas, se fosse, confesso que tropeçaria nela de surpresa porque ignorava a sua existência. O mais longe que fui, fica-se pela "Ponte interrompida" sobre o Corubal, e apenas estive sobre o tabuleiro uma vez, conforme descrevo num dos postes enviados ao Blogue há tempos. Era um lugar paradisíaco, fora do tempo, mas que causava uma impressão muito intensa. E de Nhala lá eram muitas horas por mata fechada quase sempre. Ora, essa tabanca, pelos vistos, ainda era mais afastada.

(vi) Alcídio Marinho

A tabanca "Portugal" chamava-se "Gã Portugal" ficava na margem esquerda do rio Corubal,
mesmo em frente à tabanca da Ponte do Inglês.

Da Ponte do Inglês fazia-se a cambança para a Gã Portugal. Ficava no caminho do rio Corubal para Fulacunda

Em Maio de 1963, pelos dias, 20 e poucos, fiz uma emboscada nesse local, onde prendemos dois turras que transportavam numa piroga um rodado de metralhadora pesada.

Era na zona de Gã Portugal que os aviões faziam a descarga das bombas sobrantes das operações, pois dizia-se que não podiam regressar a Bissau com os aviões com as bombas.


Guiné-Bissau > Saltinho > Ponte General Craveiro Lopes > Novembro de 2000 > Lápide, em bronze, evocativa da "visita, durante a construção" do então Chefe do Estado Português, general Francisco Higino Craveiro Lopes, acompanhado do Ministro do Ultramar, Capitão de Mar e Guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955.
Era então Governador Geral da Província Portuguesa da Guiné (tinha deixado de ser colónia em 1951, tal como os outros territórios ultramarinos...) o Capitão de Fragata Diogo de Melo e Alvim... Craveiro Lopes nasceu em 1894 e morreu 1964. Foi presidente da República entre 1951 e 1958 (substituído então pelo Almirante Américo Tomás). 

Praticamente só 20 anos depois, em 1956,  é que há uma ponte, moderna e segura, a ligar o sul e o norte da Guiné, no Saltinho, substituindo a famigerada Ponte Marechal Carmona, mais acima, que colapsou logo no ano da sua inauguração (1937).

Foto do "turista" Albano Costa, nosso camarada, que lá passou em novembro de 2000.

Foto: © Albano M. Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


3. Comentário de LG:

Obrigado, a todos pelo vosso esforço de memória e sentido de colaboração... e também pelas pistas que deixam.

Ao António Murta quero dizer que, afinal, esteve relativamente perto da tabanca de Portugal, em 1973/74... em linha reta, mas longe, se ele caminhasse ao longo da margem direita do Rio Corubal... Dez quilómetros pelo mato, em floresta galeria, equipada, a nossa tropa  podia levar 5, 6  ou mais horas, tendo a sorte de não encontrar nem bichos nem homens pelo caminho... Mesmo assim, o Murta veio bem de longe, de Nhala, a seguir a Buba, até à Ponte Carmona...

Esta ponte nunca a  conheci nem me recordo de ter ouvido falar dela, no meu tempo (1969/71) e eu fiz operações no subsetor do Xitole... e colunas logísticas de Bambadinca ao Saltinho... Em contrapartida, estive por mais de uma vez na Ponte Craveiro Lopes, no Saltinho (que veio substituir a Ponte Carmona, em 1956), mas nunca passei para o lado de lá. Só o fiz em 2008, quando fui de Bissau a Iemberém, no sul, passando por Bambadinca, Xitole, Mampatá, Quebo, Gandembel, Guileje e indo mesmo até Cacine...

No tempo da CCAÇ 12 (Bambadinca, julho de 1969 / março de 1971), só fiz operações na margem direita do Rio Corubal, nunca na margem esquerda (nessa época, praticamente interdita, nem lá iam os fuzileiros; e, a propósito, temos falado muito pouco aqui dos nossos camaradas fuzileiros).

Quanto ao Alcídio, o mais "veterano" de todos nós, foi com ele que a guerra começou... Receio que não estejamos a falar da mesma tabanca...

Esta tabanca de Portugal vem assinalada no mapa do Xitole, e fica em frente ao Xitole, do outro lado (esquerdo) do rio Corubal, conforme se pode confirmar  aqui no mapa ou a carta  do Xitole (de 1955)... Mas também no mapa geral (1961) (vd. acima).

Devemos estar a falar de tabancas diferentes, em regiões diferentes, se bem que próximas... Diz o Alcídio:

(...) "A tabanca 'Portugal' chamava-se 'Gã Portugal'  ficava na margem esquerda do rio Corubal, mesmo em frente à tabanca da Ponte do Inglês. Da Ponte do Inglês fazia-se a cambança para a Gã Portugal. Ficava no caminho do rio Corubal para Fulacunda". (...)

Essa "Gã Portugal" devia constar do mapa ou carta de Fulacunda, também de 1955, mas eu não a encontro... significa em crioulo família, no sentido alargado do termo, clã: por exemplo, os Gã Martins, de Empada, a que pertencia o avô materno, Victor Vaz Martins, do nosso amigo e historiador guineense Leopoldo Amado... Veio do mandinga para o crioulo e também quer dizer "casa grande", quinta, exploração agrícola, "ponta" (vocábulo crioulo)...

Nas margens (esquerda e direita) do Rio Corubal havia várias povoações que começam por Gã, provavelmente relacionadas com colonos ou famílias lá estabelecidas:

Gã Garnes (ou Ponta do Inglês)

Gã João (ou ponta João da Silva)


Gã Júlio  (na zona de Mina), etc.

devia ser um casa (rural) isolada, com exploração agrícola, mais próxima do português "monte" (no Alentejo) ou "casal" do que de "aldeia" (aglomerado populacional reunindo diversas famílias)... É possível que houvesse no princípio da guerra uma tabanca chamada "Portugal" (mapa do Xitole) e uma povoação mais pequena ("ponta") chamada "Gã Portugal" (mapa de Fulacunda).

Quero, mais uma vez, agradecer a todos  e dizer o seguinte: descobrimos, ao fim de alguns meses de insistência e persistência, o mistério do acrónimo "ASCO" que existia (e existe) na parede de um dos edifícios de Gadamael que as NT ocupavam... Pois haveremos de descobrir, com tempo e pachorra,  e a colaboração de todos, o mistério da tabanca de Portugal... e já, agora, da Gã Portugal.

Tal como noutros territórios (Angola, Moçambique...), as autoridades coloniais criaram novas povoações ou rebatizaram outras: no caso da Guiné, temos, por exemplo, Nova Sintra, Nova Lamego, Teixeira Pinto... Mas também podia nascer novas aldeias, com nomes não gentílicos, de iniciativa local: por exemplo, o caso de Luanda, referido por Cherno Baldé... Resta saber quem está na origem da fundação da tabanca de Portugal (e já agora, da Gã Portugal, a ter existido e ser diferente).
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Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série > 22 de setembro de  2017 > Guiné 61/74 - P17787: Memória dos lugares (363): tabanca de Portugal, onde vivia em 1947 o régulo Bacar Dikel, e que ficava a sudoeste do Xitole, na margem esquerda do Rio Corubal. É referida pelo repórter do "Diário de Lisboa", na sua crónica de 25/2/1947.

(**) Vd. poste de  16 de maio de 2013 >  Guiné 63/74 - P11575: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): I Parte: Cerca de 1300 efetivos: 36 oficiais, 71 sargentos, 699 praças, 106 milícias e 379 carregadores


(...) Foi devido a esta situação, no mínimo embaraçosa, e a chacota que dela resultaram, segundo explicou a minha mãe, é que justificou a fundação, entre 1959 a 1960 de uma nova aldeia no lado norte da bolanha, a menos de 2 km de Sare Coba, na confluência de Berekolóm (antigo feudo mandinga do Séc. XIX), que recebeu o nome do chefe da família, Sinchã Samagaia, que literalmente quer dizer a aldeia de Samba Gaia. Para agradar aos seus amigos da administração de Bolama, Sambagaia deu-lhe o nome de Luanda (porquê Luanda e não Lisboa?...). (...)