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terça-feira, 1 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6515: Agenda Cultura (79): Desenho Humorístico e Caricatura no Centenário da República: A política, a guerra, as colónias... (Luís Graça)


Caricatura de Silva Mongteiro, Os Ridículos, 6 de Março de 1912 (Col Hemeroteca Municipal de Lisboa)





Caricatura de Silva Monteiro, Os Ridiculos, 22 de Janeiro de 1916 (Col Hemeroteca Municipal de Lisboa)
~


Autor e publicação: Não conseguimos identificar  (Col Hemeroteca Municipal de Lisboa).

Fotos da exposição (L.G.)


Exposição > O Jogo da Política Moderna! - Desenho Humorístico e Caricatura na I República
Local > Lisboa, Paços do Concelho, Galeria de Exposições
Data: 3 Mai a 23 Setembro de 2010
Horário: 2ª a 6ª feira: 10h00 / 20h00; Dom:  10h00/18h00
Endereço: Praça do Município
Telefone: 213 236 200

No âmbito do Centenário da República (1910-2010) está patente, em Lisboa nos Paços do Concelho, a mostra O Jogo da Política Moderna!: 

A colecção exibida (da Hemeroteca Municipal de Lisboa) "retrata um conjunto de obras, e tem como objecto uma viagem pelos últimos cem anos da caricatura e desenho humorístico nacional. Evidenciando autores e manifestações satíricas com traços mais rústicos ou mais vanguardistas, com conteúdos sociais e políticos mais ou menos explícitos, é notório o acervo documental municipal em destaque". 




Lisboa > Praça do Comércio > 30 de Maio de 2010 > Esquina do Terreiro do Paço com a Rua do Arsenal > Aqui morreram, em 1 de Fevereiro de 1908, o Rei D. Carlos e o seu herdeiro... Em 5 de Outubro de 1910, era proclamada a República, a escassas dezenas de metros, da varanda dos Paços do Concelho, na Praça do Município. 

Foto: © Luís Graça (2010). Direitos reservados.


Numa época em que ainda não havia a rádio, muito menos a televisão, a imprensa escrita, periódica,  era um poderoso meio de modelação da opinião pública, ainda muito circunscrita às camaradas urbanas alfabetizadas, populares e burguesas. Mais de dois terços dos portugueses eram analfabetos. 

O desenho humorístico e a caricatura foram, em grande parte, um produto do republicanismo na luta político-ideológica contra a Monarquia. Mas também foram, depois do 5 de Outubro de 1910,  uma arma poderosa nas mãos dos críticos dos erros e debilidades do xadrez político do republicanismo.  De tempos a tempos, os caricaturistas e os humoristas esqueciam as suas idiossincrasias, estéticas, ideológicas, políticas, e punham o seu talento ao serviço de causas comuns, como foi o esforço de Portugal na I Grande Guerra, ditada em grande parte pela imperiosa necessidade de defender as "colónias de África", objecto do "apetite imperial" de alemães, ingleses e franceses...

Uma exposição a ver com calma, de preferência num domingo, soalheiro,  de manhã, em que Lisboa resplandece, sem carros,  sem poluição, na Praça do Município e na nova Praça do Comércio... (Nova, de facto; em contrapartida, falta-lhe a vida das esplanadas, há muito prometidas, e a animação de rua)... LG 

domingo, 15 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2945: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (34): Presentes de casamento

"A Cristina em Bissau... A Cristina chegou a 15 de Abril [de 1970],vivemos em Bissau cerca de três semanas, incluindo a minha baixa à neuropsiquiatria, no HM241.Passeámos, fomos muito bem acolhidos, jantámos em todos os tasquinhos da Península. Bissau,confirmo por estas fotografias,tinha um cosmopolitismo de guerra,era um crescimento articial de bem-estar em torno da presença das tropas" (BS).


"Abdul Injai é uma das figuras lendárias da pacificação do Oio, na 1ª campanha de Teixeira Pinto. Valente cabo de guerra de origem senegalesa, comandou fulas, futa-fulas e mandingas. Como prémio, foi nomeado régulo do Oio e do Cuor. Terá cometido excessos e confrontado a administração portuguesa. Em 1918 foi demitido de régulo do Cuor, terá pilhado armas da população, recusou-se a prestar contas a Bolama[, capital da colónia], segue-se uma campanha a partir de Farim, em 1919 que levou a sua prisão e partida para o exílio. O capitão-tenente João Quadros chamou-lhe «rebelde ardiloso que não merece quartel».




Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.

Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 5 e 10 de Março de 2008:


Luís, junto mais um episódio, se tudo correr bem ainda haverá mais quatro em Março. Seguirão ilustrações referentes a Abdul Indjai e o livro do Ellery Queen. Recordo-te que tens aí muitas imagens de Bissau, tais como a Catedral e a Praça do Império. Uma outra possibilidade era a imagem do reordenamento dos Nhabijões. Estou ansioso que voltes da Guiné e nos contes o que viveste. Um abraço do Mário.



Operação Macaréu à vista > Episódio XXXIV > TOCCATA E FUGA BWV 565, em ré menor, de Johann Sebastian Bach

por Beja Santos
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(i) Os presentes de Bambadinca

Num ápice, vou a Bafatá buscar os presentes destinados à Cristina: uma pulseira e um anel em filigrana de prata que encomendara ao ourives, passei pela casa Teixeira e trouxe La Traviata, cantada por Joan Sutherland, Miti Truccato Pace, Carlo Bergonzi e Robert Merrill, orquestra e coro do Maggio Musicale Fiorentino, conduzida por Sir John Pritchard, e o 5º Concerto de Beethoven, executado por Wilhelm Backhaus, Hans Schmidt-Isserstedt dirige a Filarmónica de Viena.

No regresso a Bambadinca, acompanho aos Nhabijões uma delegação que vem de Bissau com um jornalista que me é apresentado como o príncipe Xisto Bourbon-Parma. Príncipe ou não, é um jovem gentil, traja uma fatiota de caqui, de vez em quando estaca, surpreso, perante uma situação dispara umas fotografias, faz perguntas, toma notas. O visitante, ao que consta, pretende visitar a Guiné, conhecer todos os recantos possíveis e avaliar a fundo o projecto da Guiné Melhor. Terá sido ele quem escolheu o reordenamento dos Nhabijões, nessa altura em franco desenvolvimento, erguem-se dezenas e dezenas de moranças alinhadas substituindo a espontaneidade dos aldeamentos Cau, Bedinca, Imbume, Bulobate, Mancanha e Mandinga.

É um reordenamento ousado, e dispendioso, envolve o batalhão de engenharia com muitos meios, muita negociação com os homens grandes dos Nhabijões, os patrulhamentos ficam a cargo da CCaç 12, da CCS e do Pel Caç Nat 52. A experiência dirá que as gentes de Madina-Belel, bem como as do Baio-Buruntoni não foram dissuadidas, continuaram a vir abastecer-se e a obter informações junto da sede do batalhão. Aliás, quem vinha do mato não precisava de grandes exercícios de estilo: perto do reordenamento, tivessem cambado o Geba, vindo a pé por Samba Silate ou cambado o Udunduma, escondiam as armas, punham um pano a tapar o tronco, a partir daí deixava de haver qualquer interpelação militar, a denúncia civil estava praticamente interdita.

A 14 de Abril [de 1970], reuno pela última vez com o Pires (em breve vai trabalhar na CCS / BCAÇ 2852), com o Cascalheira e com o Ocante, as folhas dos pagamentos estão prontas, já se efectuou a troca do fardamento, para a semana chegarão botas novas, mosquiteiros, bem como cantis e cartucheiras, todo o equipamento estava por um fio.

Fomos ainda ao paiol ver o estado as munições, o Pel Caç Nat 52, foi-me garantido pelo major de operações, durante as duas próximas semanas ficará no posto avançado de Udunduma, fará patrulhamentos no Cossé e Badora, apoiará uma coluna ao Xitole, e haverá outras actividades congéneres, mas operações de grande porte não. O sargento Cascalheira dá-me a sua palavra que não haverá desmandos nem se envolverá em desacatos. Despeço-me de todos, há uma enorme risada para aquele alferes que vai comprar a bajuda a Bissau... Benjamim Lopes da Costa, Domingos Silva, Barbosa e Teixeira irão representar o pelotão no meu casamento. Pedi ao Queirós, com a maior discrição, que ficasse, o diabo tece-as, um apontador de morteiro 81, um de 60 e dos bazuqueiros são especialistas indispensáveis. Cherno marcou férias, vai para Bissau, pois claro, mas Seco e Tunca garantirão o apoio aos morteiros 60.

É quando me vou fardar e acabar de arrumar as minhas coisas que a professora Violete me acena à porta de casa. Convida-me a entrar na sala e na presença de D. Ema, silenciosa mas com um sorriso beatifico, entrega-me um embrulho: ´
- É um presente insignificante. É uma peça de biscuit, apercebi-me que o Sr. alferes gosta destes objectos. Não tenho herdeiros directos, é uma arte europeia que não é aqui muito apreciada. A nossa casa, nos bons tempos, estava aberta aos convidados do administrador Aires. Agora somos duas mulheres sós, ninguém olha para estes objectos. Com sinceridade, faço votos para que tenha uma longa e feliz vida matrimonial.

E entregou-me, pedindo todas as cautelas, um embrulho em papel lustroso com um lindo laçarote, sem deixar de me anunciar:
- Quando vier, vamos continuar com as nossas leituras. Se tiver tempo, não se esqueça de passar pelo Centro de Estudos da Guiné e trazer aqueles boletins de que lhe falei.

Subo para o Unimog, os camaradas do batalhão acenam, é um contentamento sincero que me comove. Mas a emoção maior é o Pel Caç Nat 52 me rodear em circulo fechado, pela primeira vez toda a gente me vem abraçar, a minha mão direita é segura com firmeza por uma outra mão direita, vai apoiar-se no corações de todos os meus soldados. É a maior prova de consideração que um guineense presta a um amigo. Parto contrito, esmagado pela grandeza da hospitalidade destes fulas e mandingas.


(ii) Em Bissau, recebo ordens dos meus padrinhos

De Bissalanca a Brá é um pulo, quem me dá boleia larga-me no interior do BENG 447, atravesso as barracas mague, vejo por toda a parte longos corredores de cimento ensacado, nunca se construiu tanto como agora, entro numa estrutura metálica com tecto de lusalite e vou cumprimentar o meu padrinho. O Emílio Rosa está investido da sua responsabilidade de monitor espiritual e mestre de cerimónias, dá-me as informações mais frescas: hoje durmo lá em casa, amanhã também, a noiva fica amanhã em casa dos Payne, o melhor é aproveitar a tarde de hoje e ir tratar das coisas da alma, o padre Afonso pretende falar comigo, se possível amanhã com os nubentes. Alargo o meu sorriso face à seriedade da declaração e ao anúncio das medidas protocolares.

Entretanto, chega o Rui Gamito, não vem por acaso, quer saber qual o tipo de prenda que nos faz falta, eu não tinha resposta a dar, muito superficialmente a Cristina e eu tínhamos abordado o aluguer da casa a partir do seu regresso, em Maio, estando os electrodomésticos, postos de parte, por razões de transporte, e sendo eu um noivo sui generis, que oferecia à noiva discos como prenda de casamento, era impossível dar uma resposta sobre as nossas necessidades quanto ao recheio da casa. Deixei a minha mala e sacos entregues ao Emílio Rosa e parti de jeep para o centro de Bissau. Apanhei o padre Afonso, ele ia dar catequese, acordámos que conversaria comigo depois da missa das 18h30.



"Capa do romance policial Dez Dias de Mistério, de Ellery Queen. Nº 73 da Colecção Vampiro,tradução de Elisa Lopes Ribeiro, capa de Cândido da Costa Pinto. Indiscutivelmente uma obra-prima do romance policial dos anos 40,inscreve-se no ciclo de Wrightsville,uma imaginária povoação não muito longe de Nova Iorque que será o palco de outros romances imaginosos de Queen. Desta feita, uma mente cruel urde uma vingança que leva à destruição um jovem casal amoroso. Queen trabalha com anagramas e os 10 Mandamentos para chegar à verdade. O desfecho clarificador, no final, é esmagador, os Van Horn desaparecem, depois de 10 dias de mistério" (BS)...


Entrei na 5ª Rep, um dos cafés mais buliçosos de Bissau, àquela hora todos bramavam aos gritos sobre histórias havidas com minas e emboscadas, a um cantinho andei a vasculhar por livros e tirei dois, um policial de Ellery Queen e chamou-me a atenção um livro de Doris Lessing, com um título assombroso, A Erva Canta. O primeiro, intitulado Dez dias de mistério, li-o sofregamente nas minhas duas últimas noites de solteiro. Ellery Queen volta a Wrightsville, desta vez para ajudar Howard Van Horn, que conheceu há dez anos em Paris. Howard é escultor, parece que sofre de amnésia, está num grande sofrimento, Ellery aceita acompanhá-lo até Wrightsville. Começa aqui um policial gigantesco, cheio de anagramas num enredo onde a tragédia grega se insinua. Existe Diedrich Van Horn, o pai de Howard, e Sally, a jovem madrasta de Howard, bem como Wolfert, o tio de Howard e irmão de Diedrich. É à volta deste quarteto que se desenvolve uma tragédia genialmente urdida por uma mente vingativa, em dez dias desenvolve-se um projecto de ódio que gira à volta dos Dez Mandamentos. Ellery Queen em poucos momentos terá alcançado no romance policial uma construção tão poderosa com um desfecho que se vai descodificando como uma espiral de angústia, de modo a que o criminoso vai deixando cair as suas guardas, ficando nu perante a ruína e destruição que provocara de premeio, num projecto diabólico que conduzira dois jovens apaixonados à morte.

Nunca resisto ao fascínio do cais do Pidjiguiti, as fainas do embarque e do desembarque, a estiva, a gritaria dos pescadores, o ilhéu do Rei como pano de fundo. Olho à direita, para o edifício do Comando Naval, sou assaltado pela saudade do comandante Teixeira da Mota.

Regresso à catedral, e depois da missa procuro o padre Afonso. Imprevistamente, sem nenhuma preparação aparente, ajoelho-me e confesso-me. Levanto-me depois da absolvição, chegou a minha vez de reclamar o que venho pedir à Igreja para a minha festa. Existe órgão mas não sei se existe organista. O padre Afonso diz que sim, posso contar com música de órgão. Pergunto se é possível casar ao som da Toccata e Fuga BWV 565, de Johann Sebastian Bach. É uma peça magnificente, é um céu que se rasga, na minha imaginação Deus Todo Poderoso tem os braços abertos para receber os seus filhos, é um triunfo do Juízo Final. Isto na Toccata, e na minha imaginação. A fuga é um passeio por este mundo, um calcorrear até chegar a Deus, obter a Sua misericórdia, ao som das trombetas. Claro, tudo na minha imaginação, depois do piano e do violino nada me sacia mais na música que o órgão, ali encontro sempre imagens, ali alcanço alguma serenidade. Está prometido, casarei ao som da Toccata e Fuga BWV 565.

Prevê-se que a Cristina chegue ao princípio da tarde de amanhã, há algumas compras a fazer, prometo que voltaremos a seguir à missa das 18h30. E vou para casa dos meus padrinhos. Ao jantar, volto a receber directivas: o Emílio e o David acompanhar-me-ão a Bissalanca; a noiva desloca-se para casa dos Payne, a Isabel sairá connosco, nesse dia jantaremos no Solmar, iremos a seguir ao Quartel General tomar uma bebida, depois deitar cedo e cedo erguer, os padrinhos trabalham, os nubentes que passeiem, desfiando as suas promessas e juras de amor.


(iii) Recordações do último passeio de um oficial só


Tenho a manhã do dia 15 por minha conta, a leitura do Ellery Queen está a encher-me as medidas, sinto necessidade de me passear no meio da sublime arte africana e vasculhar papéis. Despeço-me da Elzira e do Emílio, estou de regresso antes da uma da tarde, para seguirmos para Bissalanca. Desço o bairro, em minutos estou na Praça do Império, olho sempre intrigado para aquele monumento que comemora a pacificação da Guiné, em 1936, uma viga colossal de pedra que parece vigiar o Geba ao fundo; e entro no Centro de Estudos, uma casa onde já me sinto bem. Compro os boletins que D. Violete me pediu e começo a cirandar, ocioso, à volta das estantes. Por puro acaso, encontro uma fotografia de Abdul Indjai, em pose de estado, magnífico, quase luxurioso.
A obra intitula-se Memória da Província da Guiné destinada à Exposição Inter-Alliada, de Paris, por Armando Augusto Gonçalves de Moraes e Castro, Bolama, Imprensa Nacional,1925.Encontrei aqui um parágrafo assombroso:«A Guiné é, de facto, a mais rica das nossas Províncias africanas nas possibilidades de produção agrícola.Quem for activo e inteligente,quem tiver na vida o grande sonho de vir a ser rico pelo esforço próprio-aqui encontrará o El-Dorado das suas legítimas ambições.»Esta fotografia mostra-nos o Bissau Velho, confirmo o que anotei nos meus cadernos e escrevi nos aerogramos: é a arquitectura que se encontrava em Mortágua, Mangualde ou Penalva do Castelo. Tenho saudades de me passear no Bissau Velho,onde comprei livros, música e alguma roupa (BS).


Depois sento-me a ler um relatório de 1890, escrito pelo então governador interino Joaquim da Graça Correia e Lança. Passo para o meu caderninho viajante o seguinte: “Ainda recentemente em Geba terminou uma luta que nos convence que não podemos contar com a afeição dos fulas pretos. Mussá Muló praticou tais violências que Ambucu, régulo de Ganadu, os expulsou dos seus territórios. Corrae, irmão de Ambucu, que via em Mussá Muló o verdadeiro senhor do território fula de Geba, sonhava com a independência deste presídio, sob a autoridade daquele régulo. Corrae pretendia declarar guerra ao presídio de Geba e o pretexto que encontrou foi a protecção dada pelo Governo aos mandingas e beafadas, que recentemente tinham fundado duas tabancas em São Belchior e Sambel Nhantá. Na sequência, o chefe de Geba convocou os régulos aliados a pegar em armas contra o rebelde Corrae. Este foi derrotado e deportado para Moçambique”.

Arrumo este relatório e logo me desperta a atenção dois artigos, um sobre a Guiné em 1893 e outro referente ao período 1907-1908, ambos publicados na Revista Militar, em 1946. O tenente-coronel José Augusto Velez. Falando de 1893 escreve que a guarnição militar era constituída por três companhias de polícia, sediadas em Bolama, Bissau e Geba e que havia três postos militares, um no chão dos mandingas, nas margens do Geba, Sambel Nhantá; outro no chão dos beafadas, em Sambel Chior; e mais um outro no chão dos fulas, o de Bula.

É bem curioso o artigo do brigadeiro Nunes da Ponte sobre a Guiné de 1907-1908. Escreve ele, e eu registo metodicamente: “A ilha de Bissau, com 35 km de comprido e 10 de largura não era suficientemente conhecida porque nunca tinha sido explorada. Nem mesmo se sabia ao certo qual a sua população, então avaliada em oito mil homens, distribuídos por grande número de tabancas, das quais as principais eram Intim, Bandim, Safim, Contume e Antula, todas impenetráveis ao branco”. E, mais adiante: “Não havia uma carta regular da ilha. A Praça de São José de Bissau era insignificante como povoação. Era triste, lúgubre, soturno o aspecto daquele pequeno aglomerado populacional. A vista esbarrava-se contra a muralha escura, de traçado rectangular, com um baluarte em cada ângulo, que cercava a Praça em toda a extensão, contornada por fosso largo e profundo”. Olho para o relógio, está na hora de regressar.



Despedi-me da Cristina no cais da Rocha do Conde de Óbidos em 24 de Julho de 1968. Espero vê-la dentro de uma hora. Neste momento nem me ocorre pensar que a lua de mel vai desaguar no internamento da neuropsiquiatria. O importante é que tudo vai mudar, espero em Agosto regressar a Lisboa e aos estudos. Caminho pensativo com a sorte que está reservada aos meus soldados, de quem me irei separar e muito provavelmente perder-lhes o rasto. Vou pensativo, é injusto viver-se, partilhar-se tanto sofrimento em conjunto e depois afastarmo-nos.

E lá vamos os três a conversar em voz alta, a caminho de Bissalanca. O padrinho Emílio não deixa de observar:
- Sê gentil, já não estás na guerra. Que a Cristina não se aperceba da guerra durante este tempo.
___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 30 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2902: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (33): A correspondência epistolar na véspera do meu casamento

Por razões de viagem ao estrangeiro do editor L.G., que tem esta série a seu cargo, não se publicou, na semana passada, o episódio nº 34. As nossas desculpas ao Mário e aos seus fãs.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2427: O Nosso Livro de Visitas (2): Pedro Mesquita, 29 anos, ex-fuzileiro naval, leitor do nosso Blogue

1. Mensagem do Pedro Mesquita, com data de 9 de Janeiro de 2008

Permitam-me que me apresente, sou um jovem de 29 anos, chamo-me Pedro e sou um frequentador assíduo do vosso blog.

Como é óbvio não vivi de perto o conflito do Ultramar, pois nessa altura ainda não era nascido, o meu pai, esse, sim, tal como vocês, foi militar português, mas na ex-província portuguesa de Moçambique.

Segundo posso constatar pelas vossas histórias, acabou por ter mais sorte, uma vez que era Primeiro Cabo Escriturário e nunca passou do Quartel General das Forças Armadas na cidade de Nampula, onde cumpriu a sua comissão.

Eu sou um interessado por esta parte da nossa história, também fui militar português já lá vão 10 anos, cumpri o meu serviço militar obrigatório, primeiro na Escola de Fuzileiros em Vale Zebro, onde fiz a recruta/especialidade (Curso Formação Básica Praças) e depois passei uns meses na Base Naval do Alfeite.

Nunca vivi obviamente o que vocês viveram, mas em alguns aspectos compartilhei dos mesmos sentimentos que vos uniam, como a camaradagem, as grandes amizades que fiz, o espírito de grupo e ainda hoje guardo enormes saudades desses tempos.

Como já disse anteriormente, sou um interessado por esta parte da nossa história, que tanto marcou as gerações passadas e que na minha opinião nunca deverá cair no esquecimento das gerações vindouras, uma vez que faz parte da nossa história nacional.

Bom... mas esta conversa toda, só para vos dar os parabéns pelo excelente blogue que organizaram, por tornarem possível a quem não viveu de perto o conflito, ter uma noção do que passaram, do que sentiram e do que viveram naqueles tempos difícies.

Com os melhores cumprimentos

PEDRO

2. Comentário do co-editor CV:

É com algum orgulho que sabemos que somos lidos por alguém da sua geração.

O nosso orgulho não está naquilo que fizemos e descrevemos, porque, vivendo em ditadura, não tínhamos alternativa, mas sim, por conseguirmos fazer chegar aos mais novos o eco do esforço de uma geração que ao longo de 13 anos participou numa guerra que, como todas, nunca deveria ter começado.

A alternativa que nos restava era deixar tudo (estudos, emprego e família) e fugir.

Saberá como militar que foi, que a guerra é o último recurso, quando se esgotam as possibilidades de negociação ou diálogo. No caso português, praticamente nem diálogo houve.

Para si será incompreensível, como o regime de então, não se tinha apercebido de que a solução para o fim da guerra seria a descolonização. Inevitável, quanto mais não fosse, por analogia ao acontecido com outros países europeus em relação às suas ex-Colónias de África.

Quando finalmente se fez o 25 de Abril, as gerações seguintes livraram-se deste pesadelo.

Caro Pedro, muito obrigado pelo seu contacto, que muito nos honrou.

domingo, 28 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2227: Questões politicamente (in)correctas (34): RTP: Guerra Colonial, do Ultramar, de Libertação ou de África ? (Paulo Raposo)

1. Mensagem do Paulo Raposo (1), com data de 19 de Outubro:

Olá, Luís.

Há muito que tenho estado afastado destas lides. Depois de ver o programa [da RTP1, Prós e Contras,] (2), estou a enviar os meus comentários ao que lá foi dito.

Guerra Colonial, do Ultramar ou de Libertação: Foram as opções que nos deram, mas o nome tem de ser consensual e nacional. Uma coisas são os regimes, outra é a Pátria.

Realmente a nossa Guerra em África teve o seu começo na II Guerra Mundial. Se esta foi um grande terramoto, a nossa foi a sua réplica.

Assim, comecemos. A Alemanha teve sempre na mira duas coisas, as suas grandes aspirações:

1 - A Gross Deutschland, ou seja, crescer a Alemanha para leste: para isso lançaram colonatos pela Rússia dentro e ao longo do rio Volga.

2 - Ter um porto de mar de águas quentes que estivesse fora do alcance dos ingleses. O único porto, antes dos Pirinéus, com essas características, é o porto de Bordéus.

Hitler foi tão popular, porque prometeu ao povo alemão estes dois objectivos e conseguiu.

Agora vejamos a vaga de fundo que isto causou. Para o exército alemão entrar na Rússia, o Estado Maior forjou umas cartas trocados com o Estado Maior do exército vermelho, dando a impressão que este facilitaria a entrada dos alemães por território russo com última intenção de derrubar o comunismo.

Arranjaram maneira de que estas cartas chegassem às mãos de Estaline por mero descuido. Estaline acreditou e em consequência decapitou os seus oficias superiores, ou seja, decapitou o seu exército.

A entrada dos alemães pela Rússia foi pão com manteiga até... O General Von Paulus chegou a S. Petersburgo e cercou a cidade a sul, e a norte foi cercada pelos finlandeses. Esperavam que a cidade se rendesse pela fome.

Acontece que os russos conseguiram, apenas por um fio, continuar a alimentar a cidade que resistiu comandada por Kruschef às ordens de Estaline. Neste premeio os alemães convidaram Costa Gomes e Spínola a visitar esta frente e possivelmente entraram em contacto com Van Paulus.

E aqui, em S. Petersburgo, levantou-se uma vaga de fundo que arrastou os alemães até ao Rio Elba. Parou aqui porque estavam as tropas inglesas e americanas, senão só teriam parado em Bordéus.

Foi no levantar nesta vaga de fundo que apareceu pela primeira vez a palavra Descolonização. Pois à medida que os russos avançavam iam descolonizando ou limpando os colonatos alemães a leste.

Diz-se também que, quando Von Paulus se rendeu, ele e o seu Estado Maior começaram a trabalhar para os russos ocupando o lugar dos oficias superiores russos executados.

Portanto a palavra colonato ou descolonização está carregada de ódio entre russos e alemães.

Não nos diz respeito, aqueles são potências continentais e nós estivemos sempre ligados às potências marítimas. É outro campeonato.

Portanto, recuso Guerra Colonial. Pode ser Guerra do Ultramar, está mais correcta mas não é consensual. Guerra da Libertação, muito menos. O nosso inimigo da altura chamava-lhe luta da libertação, não guerra.

Pois guerra implica duas forças beligerantes.De um lado estávamos nós e do outro?
Também não lhe chamaram Guerra Civil, porquê?Portanto acho para ser mais consensual será Guerra de África , ou do Ultramar, se quisermos incluir a invasão de Goa.
Vou tentar escrever sobre cada um dos assuntos que foram tratados no debate.


É a minha opinião que é tão válida como outra qualquer.

Luís, já que tens tido a paciência de nos aturar e a perseverança de manter esta chama, venho pedir um favor: Não podes lançar em CD os documentário e filmes que se produziram durante o nosso tempo de luta?

Um abraço amigo do

Paulo

Paulo Lage Raposo
Alf Mil Inf
BCAÇ 2852 / CCAÇ 2405
Guiné 68/70
Tel 266898240
Herdade da Ameira
7050 Montemor O Novo

2. Comentário de L.G.:

Paulo:

É bom saber de ti e de voltar a partilhar o teu gosto pela análise geoestratégica. Aqui fica a tua posição sobre a questão (que não é meramente semântica) do nome a dar à nossa guerra: Colonial ? Civil ? Do Ultramar ? De Libertação ? De África ? Como eu tenho aqui defendido, na nossa caserna virtual, a terminologia fica ao gosto do freguês, ou seja, de cada um... Eu não tenho qualquer direito de te impor o meu ponto de vista, e vice-versa.... Não é preciso repetir, até à exaustão, que somos uma tertúlia plural e tolerante... O que nos une não é a ideologia, mas a camaradagem...

Tenho no entanto a obrigação (editorial) de chamar a atenção por o facto (histórico) de que houve, por parte do Estado Novo, uma clara mudança de terminologia em 1951, face à percepção dos novos ventos da história: (i) recorde-se que o Acto Colonial (sic) é o primeiro documento constitucional do Estado Novo, promulgado a 8 de Julho de 1930, pelo Decreto n.º 18 570, numa altura em que Oliveira Salazar assume as funções de Ministro Interino das Colónias; (ii) o termo colónias sempre foi usado tanto pela Monarquia como pela I República; (iii) a II Guerra Mundial e as primeiras independências de antigas colónias britânicas (por exemplo, a Indía, em 1947) vão obrigar o Estado Novo a revogar o Acto Colonial, na revisão da Constituição de 1933 feita em 1951 (3).

Quanto ao teu pedido, não sei se estarei em condições de satisfazê-lo... O material audiovisual sobre a nossa guerra está disperso, o mais importante estando nas mãos da RTP e do exército... Eu acho que a nossa geração, que combateu na Guiné, em Angola e em Moçambique, tem direito a visionar esses documentários e filmes... Vamos estar atentos à série A Guerra, que começou a ser apresentada pela RTP... Quanto a nós, vamos estar atentos aos documentários que nos chegarem às mãos ou ao nosso conhecimento... Ainda há umas semanas atrás, o Carlos Marques dos Santos me mandou alguns pequenos filmes do ex-Alf Mil Cardoso, da CART 2339 (Mansambo, 1968/69)...Houve malta nossa que fez, na Guiné, pequenos filmes em 8 mm... Esse material pode ser hoje recuperado... Aqui fica, pois, o teu e o meu apelo.

Daqui vai , de Lisboa até à tua querida Ameira, aquele quebra-ossos... Para o Almansor de Montemor, com a amizade e a camaradagem do Luís.
_____________

Notas de L.G.:

(1) Paulo Raposo: ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).

Vd. post de 10 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1060: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (19): regresso a Lisboa e à vida civil (fim)

(2) Vd. post de 17 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2184: A Guerra do Ultramar no programa Prós e Contras (RTP1, 15 de Outubro de 2007): o debate dos generais (Inácio Silva)

(3) Acto colonial 1930. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2007. [Consult. 2007-10-28].Disponível em http://www.infopedia.pt/$acto-colonial-1930.