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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10676: Recortes de imprensa (61): Un SOS para o pobo vencido da Guiné-Bissau, un país irmao, na fala e nas aspiracións de liberdade (Galicia Hoxe, Xosé Lois García)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > O menino de Iemberém... que nos interpela, a todos, não só os pais-fundadores da República da Guiné-Bissau bem como os seus "homens grandes",  mas também todos nós, portugueses, europeus e cidadãos do mundo... "Que lugar há para mim neste mundo que devia ser meu e teu, o nosso mundo, o único lugar que temos para nascer, crescer, viver e morrer com saúde, em liberdade, com dignidade, em paz ?"

Foto: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados





Pagina do GaliciaHoxe.com


Recorte de imprensa, aqui reproduzido com a devida vénia (, obrigado ao autor e ao portal GaliciaHoxe.com), e por sugestão do nosso amigo (e camarada) do Facebook (Tabanca Grande) , Dálio  João Gil Carvalho, 

As preocupações com a grave situação na Guiné-Bissau, em matéria de respeito dos direitos humanos,  são comuns a toda a imprensa lusófona, incluindo a dos nossos irmãos galegos. Muitos dos amigos e camaradas da Guiné, aqui reunidos neste blogue, sentem que têm o dever moral de manifestar a sua solidariedade para com o povo da Guiné-Bissau, dentro do respeito da nossa regra nº 7 ( "não-intromissão, por parte dos portugueses, na vida política interna da atual República da Guiné-Bissau, que é um jovem país em construção, salvaguardando sempre o direito de opinião de cada um de nós, como seres livres e cidadãos (portugueses, europeus e do mundo"). É esse o sentido deste poste nº 61 da série 'Recortes de Imprensa'. (LG)

SOS á cidadanía de Guiné-Bissau > XOSÉ LOIS GARCÍA | 05.11.2012


O desamparo dos cidadáns da Guiné-Bissau o evidencia unha grave e drástica situación que os medios de comunicación de todo o mundo, así como institucións e asociacións sociais e culturais están informando sobre unha extensa caza de bruxas que os paranoicos militares están levando a cabo en diversos espazos e escenarios nun territorio e con unha poboación moito menor que a de Galiza.

A recente e turbulenta historia de Guiné-Bissau, complétase agora con un incremento de represións contra un pobo frecuentemente explorado e humillado. A situación actual non deixou de ser complexa para adquirir un grado de violencia extrema por parte dos comandos militares que non deixaron de ter un severo e atroz protagonismo no que confire as liberdades civís e ao principio democrático instaurado polo fundador da nación: Amílcar Cabral.

O que acontece na antiga colonia portuguesa non é de ficción, é dunha crueldade intolerábel, tal como manifestan os teletipos que chegan desde diversos escenarios e que codifican feitos intolerábeis para a comunidade internacional. O pasado 21 de outubro, chegan unha serie de informacións na que vemos a un país cercado e dilacerado, que excede ás convulsións que viña sufrindo desde hai décadas. Os militares golpistas estanse movendo nun ámbito de ilegalidade democrática e institucional. Por iso, a comunidade internacional ten o deber de paralos e devolver o poder civil ao pobo.

As tentativas de Golpe de Estado, desde o asasinato do presidente Nino Vieira, configuran un lastre moi nocivo contra unha cidadanía instrumentada e precaria polo subdesenvolvemento económico e pola falta de estructuras que veñen a acondicionar a un extracto de pobreza, moi peculiar e dentro do contexto dos países veciños.

Os gravísimos sucesos que están acontecendo na Guiné-Bissau están sensibilizando á comunidade internacional, fronte aos protagonistas que están a levar a este país africano ás maiores disidencias e a un desenlace brutal de represión e de matanzas indiscriminadas.

Guiné-Bissau é un país irmao, na fala e nas aspiracións de liberdade, que precisa de un SOS urxente por parte da cidadanía internacional, preocupándose por estes acontecementos a través das redes que nos falan deste inaudito conflicto e dun alto costo de vidas humanas. Un SOS para o pobo vencido da Guiné-Bissau.

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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10669: Recortes de imprensa (60): A ONG de Pombal, Afectos com Letras, "dá Natal feliz a crianças da Guiné-Bissau" (Notícias do Centro / Carlos Pinheiro)

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9426: (In)citações (38): Mutilação Genital Feminina: As Mães africanas não são malfeitoras! (Jorge Cabral)

 



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de batizado muçulmano (10h34)... Uma mãe (in)expressiva, uma mater dolorosa...


Foto: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


 
1. Mensagem do Jorge Cabral, que é jurista, especialista em direito criminal,[ na foto à esquerda, com a uma aluna, de origem guineense, na Universidade Lusófona, em Lisboa, ] e também foi Alf Mil Art, Cmdt Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71): Caro Luís,
  

Como não cabe como comentário ao texto "Mutilação Genital Feminina e Eurocentrismo",  do Chemo Baldé (*), ai vai a minha última conferência sobre o assunto.
Atenção, foi proferida antes das alteração do Código Penal da Guiné Bissau. 
Abraço Grande, JCabral.

2.  Conferência do Jorge Cabral, proferida no Barreiro, na Biblioteca Municipal, em 10 de Maio de 2011 > Mutilação Genital Feminina


Muito boa tarde a Todos!


Cumprimento, felicitando a Organização deste evento na pessoa do Dr. Vítor Munhão, bem como a simpática troika que me acompanha. Saúdo os presentes e convido-os a escutar esta tão humilde reflexão.

A chamada Mutilação Genital Feminina (MGF), prática, com milhares e milhares de anos, vem suscitando curiosidade, interesse e preocupação, um pouco por todos o lado, como se tratasse de algum costume novo, fruto de mães criminosas ou culturas inferiores.

Naturalmente vou deixar, para as companheiras Mafalda e Deolinda,  a tarefa de elencarem os tipos e as consequências desta Mutilação, optando por me debruçar sobre o Fenómeno, numa perspectiva global, a qual julgo mais idónea à sua compreensão.

Há quarenta e dois anos assisti a um Fanado na Guiné-Bissau, cerimónia de iniciação, com dor, sangue e lágrimas, mas também solenidade e magia. Ritual importante, confere a identificação sexual, quer nos rapazes pelo corte do prepúcio (a parte feminina) quer nas meninas, pela ablação do clítoris (a parte masculina).

Desde sempre nas minhas aulas de Direito Penal, nos vários cursos, falo da excisão, a propósito da falta de consciência da ilicitude, pois ninguém pode ou deve ser punido, se não tiver interiorizado o ilícito do acto praticado. O problema discutido é sem dúvida importante numa sociedade multicultural. Será possível sobrepor o direito à diferença étnico-cultural ao preceito incriminador?

Creio que nenhum caso foi julgado no nosso País, mas em França ocorreram vários julgamentos e consequentes condenações, de mães originárias da África Ocidental, tendo Lefeuvre-Déotte, recolhido alguns depoimentos impressionantes como estes:

  •  “Fiz excisar a minha filha… não para a fazer sofrer, ou para a mutilar, ou para fazer tudo aquilo de que me acusam neste processo, mas porque é o meu costume, a minha tradição”;
  • “Não quis fazer mal algum, é a minha tradição que me obriga… Eu amo muito os meus filhos. Uma mãe africana não é uma malfeitora…”

Certamente que em Portugal teríamos declarações semelhantes.

A Mutilação Genital Feminina é conhecida em Portugal há séculos. E sempre foi criminalizada. Ofensa Corporal no Código Penal de 1886 que expressamente previa – “se da ofensa resultar cortamento, privação, aleijão ou inabilitação de algum membro ou órgão do corpo…” - a pena será de “prisão maior de 2 a 8 anos". Ou ofensa à integridade física grave nos Códigos seguintes… “Privá-lo de importante órgão ou membro… ou tirar-lhe os, afectar-lhe de maneira grave as capacidades intelectuais ou de procriação ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos”…. Cominando uma pena de prisão de 2 a 10 anos.

Parece óbvio que a conduta em causa sempre esteve enquadrada nas disposições citadas. Não é necessária, nenhuma referência específica ao clítoris, grandes ou pequenos lábios… Também não há referência aos olhos ou ao nariz… A não ser que os genitais não façam parte do corpo da Mulher. A questão não é essa. Nós e os outros. A Europa e a África. Cultura, culturas e relação inter-cultural.

Quando é que em Portugal se começou a falar do problema? Creio que só neste século, designadamente a partir dos importantíssimos artigos da Jornalista Sofia Branco, no Jornal – O Público, em 2002.

E no entanto toda a gente sabe que,  na Guiné-Bissau, se praticou e se pratica a utilação Genital Feminina e que,  até a independência, era o Código Penal Português que lá vigorava. Nós e os outros, isto é, uma espécie de apartheid cultural.

Durante a Guerra Colonial, milhares de Portugueses conviveram com essa realidade. Médicos, enfermeiros, padres, agentes da chamada Acção Psico-Social… Respeito pela cultura, pelos costumes, pelas tradições? Ou indiferença? É lá com eles…

Falo de Portugal, mas podia referir outros países europeus. O problema só assume real importância, quando face ao fluxo migratório, a excisão passa a ter lugar também na Europa, entre imigrantes. Quando falo deste tema logo me perguntam:
– E em Portugal, também se pratica?

Longe da vista, longe do coração, traduz esta postura, egocêntrica e europocêntrica, a qual encerra uma visão distorcida e amputada dos Direitos Humanos, que - frise-se - são universais e tão válidos para a menina do Barreiro, como para a menina da Somália. Ou não serão ambas portadoras de igual Direito à Dignidade ? 

Independentemente das diversas e falsas razões que procuram fundamentar o acto, uma certeza se retira – o seu objectivo fundamental é controlar, melhor,  anular a sexualidade feminina.

A mulher como objecto e não como sujeito do prazer sexual. No fundo, no fundo, trata-se de uma visão que acompanhou desde sempre a Humanidade, e que, quer queiramos ou não, ainda resiste, mesmo em sociedades ditas avançadas. Infelizmente, constato que, no plano sexual, não chegámos à igualdade entre Homem e Mulher. Ainda há quem pense que sexo é uma coisa que os homens fazem às mulheres e se calhar as lições que o meu avô me deu – “A mulher para o dever, a puta para o prazer” ou “Quando uma mulher diz não, quer dizer sim”, pelo menos entre alguns, permanecem actuais.

É pois nos Direitos da Mulher que o problema deve ser enquadrado, Direito ao Corpo, Direito à Sexualidade, Direito à Dignidade, Direito à Liberdade, enfim é o estatuto da Mulher na sua integralidade que está em causa. A mulher coisa, a mulher comprada e vendida, a mulher propriedade, a mulher sob o domínio do homem.

Por essa razão de nada valerá tecer armas contra a mutilação, sem lutar contra todas as situações que inferiorizam a Mulher, designadamente a sua compra ou o casamento forçado.

Direito das Mulheres, mas também Direito das Crianças, pois este tipo de prática é efectuado, em crianças menores de idade, na primeira infância (2 – 4 anos) ou na pré-puberdade (9 – 11 anos).

É a Comunidade, é a Família, são os Pais que determinam. Também aqui convém relembrar que os Pais não são donos dos filhos e que toda a sua acção deve ser orientada para a educação e desenvolvimento da Criança, obedecendo sempre ao Interesse Superior da mesma, como a Convenção sobre os Direitos da Criança determina no seu Art.º 18º.

E a mesma Convenção acentua expressamente, no seu Art.º 24º, N.º3 – Os Estados-partes tomam todas as medidas eficazes e adequadas com vista a abolir as práticas tradicionais prejudiciais à saúde das Crianças.

Convenções, Leis, Códigos não nos faltam.

Não conheço nenhum Código Penal que de uma forma ou de outra não penalize este acto, embora o Código Penal da Guiné-Bissau possua um artigo intrigante e de difícil interpretação. É o Art.º 117, que sob a epígrafe “Ofensas Privilegiadas” reza que: “Quem habilitado para o efeito e devidamente autorizado, efectuar a circuncisão ou excisão sem proceder com cuidados adequados para evitar os efeitos do Art.º 115º ou a morte da vítima… (o Art.º 115º elenca de uma forma semelhante ao nosso, as circunstâncias que qualifiquem a ofensa corporal como grave).

Quererá a primeira parte do artigo dizer que a excisão pode ser autorizada, desde que efectuada por quem estiver habilitado?

Indiciará uma medicalização da prática, vendo o problema como uma mera questão de saúde pública? Claro que dadas as condições em que na maioria dos casos é efectuada é também um problema de saúde pública, mas encará-lo apenas dessa forma, é transformar uma complexa cerimónia de iniciação numa intervenção cirúrgica, sem outro objectivo ou razão, senão cumprir o costume. Semelhante actuação é aliás incentivadora, quando não legitimadora da mutilação,  e segundo penso contrária à própria deontologia médica.

Não nos esqueçamos que durante o século XIX e até aos anos 30 do século XX, tanto nos Estados Unidos como na Europa, a ablação do clítoris constituiu tratamento da histeria, da ninfomania e do lesbianismo…

Não existem culturas superiores nem culturas inferiores e o direito à sua própria cultura, à sua identidade cultural, constitui um direito fundamental, inscrito quer no Art.º 27º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, quer na própria Convenção dos Direitos das Crianças, no Art.º 30º.

E assim deve continuar a ser. Não queremos um Mundo de clones, todos iguais, lendo os mesmos livros, escutando as mesmas músicas e comendo os mesmos hambúrgueres, filhos da Globalização Económica e netos da Internet.

Devemos preservar os costumes e as tradições, para sabermos quem somos e donde vimos. Por isso devemos respeitar todas as outras culturas, respeitá-las e compreendê-las, num constante diálogo inter-cultural. Mas cada cultura encerra em si valores e desvalores. Não devemos deixar morrer os valores, mas procurar extinguir os desvalores.

A Mutilação Genital Feminina será um valor cultural a ser respeitado ? É um problema dos outros? Obviamente que não podemos cair em tal relativismo cultural. A ser assim, toleraríamos que as viúvas na Índia fossem enterradas vivas com os falecidos maridos, que os chineses partissem os pés às meninas e até que certas formas de canibalismo continuassem.

Claro que a Mutilação Sexual Feminina é um crime. Não basta porém afirmá-lo. É necessário que aqui e em todo o Mundo, as Pessoas compreendam porque é um crime. Porque causa dor, porque provoca sofrimento, porque inferioriza a Mulher, e a anula, enquanto Ser Humano, na sua Dignidade.

Combatê-la é um imperativo! Mas não através do Direito Penal, cuja eficácia é reduzida e muitas vezes contraproducente.

A repressão penal,  só por si, levará a um maior secretismo, aumentará os riscos da sua prática e determinará um sentimento de discriminação cultural.

Em qualquer lugar a MGF, é igualmente grave, enquanto violação dos Direitos Humanos, cuja universalidade nos impõe, que a sintamos como violação dos nossos Direitos. A lapidação de uma Mulher no Irão, a condenação à morte de um Homossexual na Arábia, ou a mutilação de uma menina no Sudão, constituem ofensas à minha condição de Homem Livre, até porque a minha Liberdade só pode ser assumida em plenitude, num Mundo de Homens e Mulheres Livres.

A universalização dos Direitos Humanos não pode ser olhada como uma espécie de imperialismo cultural. Os valores fundamentais inerentes à condição humana não têm cor, nem latitude, nem religião. Todas as culturas interagem e se completam, se e quando forem objecto de um igualitário e correcto diálogo intercultural, que deve visar a construção de uma cidadania multicultural.

A Mutilação combate-se não através de slogans, mas pelo trabalho em prole da igualdade de género, respeito pela criança, assumpção da liberdade e dignidade humana, numa atitude que não inferiorize o outro, no seu inalienável direito à cultura.

Pratica-se a Excisão em Portugal?

Não sei! Mas sei que aqui vivem centenas de mulheres que sofreram a Mutilação. Elas sim, deviam ser mais do que Testemunhas, Agentes, Intervenientes da Luta, contra a indignidade.

O Fanado é uma cerimónia importante. Deve ser preservado, mas transformado. É possível; substituir a Dor e o Sangue, pela Festa e a Alegria, num Ritual, que troque a realidade do corte, pelo simbólico do gesto ou da dança. Um fanado alternativo que já foi ensaiado, que não marginalize as «Fanatecas» na sua tradicional autoridade,  antes as aproveite como organizadoras. Todos os costumes e tradições podem ser lembrados a nível simbólico.

Não casam as noivas de branco?

Parece que já falei de mais. O meu amor ao povo da Guiné-Bissau, o meu respeito pela sua cultura, a minha admiração pela sua bondade, impõe-me a obrigação de afirmar sentidamente, fazendo coro com a tal Mulher julgada em França:_
-  As Mães africanas não são malfeitoras!

Tratá-las desse modo será frustrar qualquer combate.

Lutar,  sim, mas com inteligência e respeito, porque habitamos o mesmo Mundo e pertencemos à mesma raça – a Raça Humana, lutar sim porque é nossa obrigação contribuir para um Futuro mais Livre, Fraterno e Solidário.

 Muito obrigado

Jorge Cabral

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 30 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9423: (In)citações (37): Mutilação Genital Feminina e Eurocentrismo (Cherno Baldé)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8361: Notícias do nossos amigos da AD - Bissau (18): No Dia Mundial da Criança, pensando na Alicinha do Cantanhez e em todas as crianças do mundo (Alice de Lisboa)







1. Mensagem que chegou à Maria Alice Carneiro, com data de 16 de Maio último, através do correio do nosso amigo Pepito, e que achamos não ficar mal publicar em Dia Mundial da Criança [celebrada em Portugal no dia 1 de Junho; para a ONU,  oficialmente é a 20 de Novembro, data em foi proclamada, em 1959,  a Declaração dos Direitos da Criança).

Fotos: © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2011). Todos os direitos reservados.




Madrinha Alice;


Aqui estou eu a mandar mais umas fotografias que tenho a certeza vais gostar.

Cresci muito e já ando por tudo quanto é sítio, sempre a roncar as roupas que me enviaste.

A Mãe Cadi  tem estado em Cafine onde abriu um bar e onde vende refeições, para ganhar uns dinheiros e ajudar a família.

beijinhos da Alicinha [,de Farim do Cantanhez]



2. Resposta da madrinha Alice de Lisboa:

Querida afilhada, Alicinha, querida Cadi:

Como é bom saber que a minha flor de Farim do Cantanhez está a crescer, como uma bela e saudável criança. Nela depositamos todas as esperanças (a mãe, Cadi, o pai, António Baldé, os avós, o amigo Pepito, os fulas e os nalus, e todos os demais povos da Guiné-Bissau, mais o seu governo)...


[ Faz votos, Cadi, para que a nossa menina goze de todos os direitos que são universalmente reconhecidos a todas as crianças do mundo, desde 1959, sem distinção ou discriminação por motivo de etnia, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer natureza, nacionauidade, classe social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou da sua família. Princípio 1º da Declaração dos Direitos da Criança.]


Rezo, minha querida Alicinha, ao mesmo Deus da tua mãe e do teu pai, para que os homens que governam o teu país e o mundo, tenham inteligência emocional, sabedoria humana e recursos suficientes para te poder garantir, a ti e a todos os meninos da Guiné, o direito ao futuro e à esperança, respeitando a tua dignidade e liberdade como pessoa.


[A criança gozará de protecção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidade e facilidades, por lei e por outros meios, de modo a assegurar o seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal, em condições de liberdade e dignidade. Princípio 2º.]

Felizmente, tens um pai, fula (embora longe, a viver e a trabalhar em Portugal), e uma mãe, nalu, e um nome e uma pátria. Como é bom saber que tens uma família que te protege e que te ama. E que o teu avô é um bom guineense, e um grande patriota, um combatente que lutou pela liberdade do povo a que pertences e de quem deves ter sempre orgulho.

[Desde o nascimento, toda criança terá direito a um nome e a uma nacionalidade. Princípio 3º.]


Pelas fotos tiradas pelo nosso comum amigo Pepito, e que me deixaram tão feliz (obrigado, Pepito!),  vejo que tens tido os cuidados de saúde mínimos, mas tão necessários,  para poderes escapar à terrível maldição da morbimortalidade infantil que se abate sobre as crianças do teu país e do teu continente.

[A criança gozará os benefícios da segurança social. Terá direito a crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto à criança como à mãe, serão proporcionados cuidados e protecção especial, incluindo os  adequados cuidados pré e pós-natais. A criança terá direito a alimentação, recreação e assistência médica adequadas. Princípio 4º.]

Pelo que vejo e pelo que me contam,  és uma criança linda e perfeita. E que em breve poderás ter água potável, na tua aldeia, devendo ali ser construído um poço e montada uma bomba que será movida a energia solar... Graças aos esforços da AD, do Pepito e do meu querido amigo Zé Teixeira e demais amigos portugueses, muitos deles ex-combatentes da guerra colonial. E isso alegra o meu coração, porque a Cadi já não precisará de ir à bolanha buscar água, salobra e impura; e tu serás livre para  ires brincar com os teus amiguinhos; e já não apanharás doenças associadas à ingestão de água inquinada.

[À criança com incapacidade física, mental ou social  serão proporcionados o tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos pela sua condição peculiar. Princípio 5º. ]


Que ternura ver a mãe Cadi seguir-te com o olhar, pegar-te ao colo, velar por ti, vestir-me com as roupinhas que te mando, posar orgulhosa como uma raínha nalu, contigo,  para a fotografia, trabalhar para ti, dar-te tudo do pouco que ela tem... [Seguiu hoje mesmo, mais um encomendinha postal com roupas e brinquedos, para ti; espero que cheguem bem, e em breve; só não te mando  lápis e marcadores para desenhares e pintares, porque ainda não tens três aninhos e não seria seguro deixar-te sozinha com estes materiais].

[Para o desenvolvimento completo e harmonioso da sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, ao cuidado e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afecto e de segurança moral e material;  salvo circunstâncias excepcionais, a criança da tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas. Princípio 6º].

Quero saber se vais ter escola, e professor, e cadernos e lápis e livros, na tua tabanca, quando fores maiorzinha... Tenho medo que possas não aprender o português, língua oficial do teu país e janela para o mundo (que é muito maior que a tua aldeia em Farim do Cantanhez)... Como a tua mãe, que não fala português, comunicando comigo, ao telemóvel, apenas por monossílabos, por frases curtas, por um rudimentar crioulo...

[A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e obrigatória pelo menos a nível do ensino básico. Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la para, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver as suas aptidões, a sua capacidade de decidir e de julgar,  e o seu sentido  de responsabilidade moral e social, bem como tornar-se um membro útil da sociedade. O superior interesse da criança deverá impor-se sempre aos responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais. A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito. Princípio 7º.]

Quero ter a certeza que estarás sempre em segurança neste nosso mundo, na tua África,  no teu país, na tua região de Tombali, no teu Cantanhez, na tua tabanca...


[A criança figurará, em quaisquer circunstâncias, entre os primeiros a receber protecção e socorro. Princípio 8º]


Angustia-me pensar que um dia, quando te começarem a ver como um mulherzinha, possas vir a ser vítima do cruel fanado,  da Mutilação Genital Feminina, de acordo com os usos e costumes dos fulas e de outros povos da Guiné... Espero que o teu pai (um homem grande que já conheceu mundo) e a tua mãe saibam  que o melhor para ti, e para as meninas da Guiné, passa por romper com as práticas cruéis das fanatecas, práticas essas com que os homens, no passado, tinham a veleidade de se apoderar do corpo e da alma das mulheres.

[A criança gozará protecção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração Não será jamais objecto de tráfico, sob qualquer forma. Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira no seu desenvolvimento físico, mental ou moral. Princípio 9º]

Farei o meu melhor para, eu própria, tua madrinha, te proteger contra os diabos da intolerância e do ódio entre grupos e entre povos, em Portugal, na Guiné-Bissau e no resto do mundo. Gostaria de poder acompanhar o teu crescimento com orgulho e com muito amor, como se fosses minha filha. E gostaria de um dia destes te conhecer, e conhecer os teus avós. A tua mãe, Cadi. já a conheço desde 2008. Com o  teu pai, António Baldé, falo regularmente ao telefone. Falta tu conheceres a tua madrinha portuguesa.  Mil beijinhos, para ti e para a tua mãe. Boa sorte para o negócio da Cadi, mulher de coragem. A Alice de Lisboa.

[A criança gozará de protecção contra actos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza. Criar-se-á num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal. Princípio 10º].
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Nota do editor:

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8060: Agenda cultural (115): Reportagem de Conceição Queiroz, na TVI, no passado dia 28 de Março, sobre a Mutilação Genital Feminina (Hugo Moura Ferreira)

1. Mensagem do nosso camarada Hugo Moura Ferreira:

Data: 3 de Abril de 2011 19:23
Assunto: MGF

Caros editores:

No passado dia 28 de Março, a TVI apresentou o REPÓRTER TVI, ["Cicatriz", ]  que versou sobre a Mutilação Genital Feminina, com declarações bem interessantes, apresentado por uma jornalista [, Conceição Queiroz, ] que profissionalmente considero bastante.

Como sei que há alguns dos camaradas que se interessam por este tema, aqui deixo o link da TVI para a referida Reportagem, a fim de que possa ser circulado por vós, se assim entenderem:

http://www.tvi24.iol.pt/videos/video/13406717/1 [Vídeo: 37' 32'']

Abraço amigo.

Hugo Moura Ferreira

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2114: Bibliografia de uma guerra (17): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte I)

Cópia da capa do livro de Aristides Pereira, Guiné-Bissau e Cabo Verde, Uma luta, um partido, dois países. Lisboa: Editorial Notícias. Novembro de 2002.
Para quem se interessa por aquelas terras, Guiné-Bissau e Cabo Verde, Uma luta, um partido, dois países é uma obra a não perder. São páginas que nos ajudam a reflectir sobre a época de tempestades de que fomos protagonistas.
Os apontamentos abaixo descritos são transcrições e notas soltas (da responsabilidade do co-editor VB) respigadas da obra. Com a devida vénia, a Aristides Pereira e à Editorial Notícias.
V. Briote, co-editor
__________

"As páginas que se seguem constituem uma visão retrospectiva da História que reflecte anos de tempestade e de ciclones; anos quentes nos quais os debates das armas da razão precediam os combates da razão das armas. Assistimos, nesta retrospectiva, ao desfile de actores verdadeiros ou falsos, tendo como cenário o crepúsculo dos tempos de exclusão colonial e de marcha irreprimível dos povos." (Prólogo, texto do Professor Joseph Ki-Zerbo, Ouagadougou, Burkina-Fasso)

Aristides Pereira recusa o título de Memórias, que muitos achavam dever ser o título da obra.

Iva Cabral, filha mais velha de Amílcar Cabral, escreveu-lhe após as eleições de 1991:

"Agora que tens mais tempo e sossego, espero que comeces a escrever as tuas memórias, já que é um dever que tens não só perante a História mas também perante mim e todos os outros jovens que vocês criaram e que por isso estão ligados ao nosso passado. A história de amanhã será escrita, terá que ter o vosso testemunho. Senão corre-se o risco de ela vir a ser contada por gente que tem como objectivo diminuir, denegrir a vossa luta, que representa no teu caso a maior parte da tua vida."


Aristides Pereira chegou a Bissau em Outubro de 1948, para prestar provas de concurso para operador dos CTT, tendo sido colocado na estação dos Correios de Bafatá.

Naquele tempo, Bissau era a Amura e a parte conhecida por Bissau Velho, onde moravam os civilizados, um conjunto pequeno de casas onde viviam comerciantes portugueses, libaneses e sírios, que se estendia até ao barracão da Casa Gouveia e que era a única parte electrificada da cidade.
A catedral e o Palácio do Governador estavam ainda em construção, a avenida principal já estava delineada, com uma placa central e numerosas mangueiras a ladeá-la.
Depois havia os bairros indígenas, chão de papel, Pilum. Era uma cidade com muito pó no tempo seco e muita lama na época das chuvas, porque as ruas não estavam ainda alcatroadas.

Tendo sido colocado em Bafatá, fez a viagem à boleia na carroçaria de um camião de mercadorias de um comerciante libanês do Gabu. Tempos depois ficou seriamente doente, tendo sido evacuado de urgência para o Hospital Central de Bissau. Após um período de convalescença em Cabo Verde, voltou a Bissau em Novembro de 1949, onde se manteve até 1951.

Havia muito entusiasmo pelo futebol. A UDIB (União Desportiva Internacional de Bissau) juntava os brancos de Bissau, o Benfica os colonos benfiquistas, embora fosse considerado o clube dos cabo-verdianos por ter muitos jogadores oriundos do arquipélago e o Sporting dos irmãos Peralta (proprietários de uma fábrica de telhas e tijolos), que se esforçavam por recrutar nativos.
É nesta altura que Aristides Pereira conhece a Dr.ª Sofia Pomba Guerra (1) e é também nesta mesma época que se iniciaram os contactos com Abílio Duarte, Fernando Fortes e muitos outros.
Destacado para Bolama, cedo constata que as pessoas tinham medo de falar de tudo o que cheirasse a política. Priva com José Lacerda, funcionário da Capitania dos Portos, Carlos Gomes, empregado da casa comercial Nososco e já na altura nacionalista convicto, James Pinto Bull que exercia as funções de administrador e de cujo círculo de relações fazia parte o médico, o comandante militar e alguns oficiais do exército.

Depois de ter estado em Portugal de férias, onde aproveitou para fazer exames médicos, regressou a Bissau, decidido mais que nunca a envolver-se em algo que modificasse a dominação e a exploração a que via submetidos os povos da Guiné e de Cabo Verde.
É então que conhece Amílcar Cabral, acontecimento que, diz Aristides Pereira, modificaria definitivamente o rumo da sua vida.

A acção do Partido Democrático de Guinée (PDG, Conacri), nos finais dos anos 50, contou com um numeroso grupo de militantes que, no território da então Guiné Portuguesa, trocava ideias sobre a unidade africana na luta pela independência.

Esta consciencialização fez-se sentir no sul da província, sobretudo em Cacine, vindo mais tarde a aparecer em Dacar o RDAG, que reclamava ser uma secção da RDA (2) que tinha por objectivo lutar pela independência da Guiné-Bissau.
Incidentes em 1942, no tempo do governador Vaz Monteiro, em que, diz-se, ocorreram mortandades, agudizaram a consciência da luta pela emancipação.
Elisée Turpin assegura que houve na Guiné, logo a seguir à 2ª Grande Guerra, uma organização liderada por José Ferreira de Lacerda, funcionário público em Bolama, que tinha alguma influência no governo colonial e que esteve quase a ganhar uma eleição para esse órgão, organização essa que acabou por ser reprimida pelas autoridades.
Nessa época, ainda segundo Elisée Turpin, embora não tenha havido um movimento estruturado, houve um que procurava, dentro do quadro das instituições então em vigor, introduzir alterações. Nessa eleição, em 1956, fizeram parte da oposição, Benjamim Correia, Armando António Pereira, João da Silva Rosa e Gastão Seguy Júnior.



Rafael Barbosa (1926/2007) fotografado por Leopoldo Amado (3) em 1989


Rafael Barbosa, refere numa entrevista (3), que em 1948 tinha sido fundado o Partido Socialista, fundado por José Lacerda, César Fernandes, Hipólito Fernandes, Ladislau Justado e por ele próprio. Esse Partido Socialista desapareceu porque, diz Barbosa, “o Hipólito e o César não estavam a gostar muito do trabalho do Lacerda, que queria influenciar as coisas segundo o modelo brasileiro”.

Foram, portanto, muitas as correntes que se opuseram ao regime colonial, nessa época mais na perspectiva de exigência de direitos dos povos guineenses do que propriamente na independência.

Após a 2ª Grande Guerra, alguns estudantes, organizados na Casa dos Estudantes do Império, falhada a tentativa de politização da Casa, criaram em 1951 o Centro de Estudos Africanos, com o objectivo de “reafricanizar os espíritos”, em que Amílcar Cabral desempenhou um papel histórico.
Hugo Azancot de Menezes, são-tomense, fora enviado pelos nacionalistas à República da Guiné (Conacri) com o objectivo de reagrupar os interessados em lutar contra o colonialismo português, de que resultou o Movimento de Libertação dos Territórios sob Dominação Portuguesa.

Com a protecção de numerosas organizações anti-colonialistas, a direcção do então fundado MPLA (com a ajuda de Amílcar Cabral) instalou-se em Conacri, nos finais dos anos 50, a que se seguiu o PAIGC em 1960.

Cópia da brochura do Recenseamento Agrícola da Guiné, Estimativa em 1953, de Amílcar Lopes Cabral

Amílcar Cabral regressou à Guiné em 1952, tendo sido encarregado pelo então governador do território para proceder ao recenseamento agrícola da Guiné, trabalho que executou ajudado pela então mulher, Eng.ª Maria Helena Rodrigues.

Esta tarefa permitiu-lhe contactar com gente de todo o território e conhecer de perto as populações e os seus problemas.

“Em cada tabanca deixava uma palavra como só ele sabia dizer, embora o povo só viesse a interpretá-la devidamente quando lá chegasse a palavra de ordem do Partido para a luta”, escreve Aristides Pereira.

Em 1954, Amílcar, para disfarçar as actividades políticas que vinha desenvolvendo, tentou criar um clube recreativo e desportivo, juntamente com Carlos Silva Júnior, João Vaz, Ricardo Teixeira, Pedro Mendes Pereira, Inácio Alvarenga, Paulo Martins, Julião Correia, Martinho Ramos, Vítor Fernandes e Bernardo Máximo Vieira.

Luís Cabral (4) diz “(…)o projecto de associação começava a tomar corpo e a ter aceitação, enquanto o Amílcar provava não estar disposto a recuar diante das dificuldades. E a denúncia surgiu (…)”.

Vítor Robalo, em entrevista a Leopoldo Amado: “(…) aquilo morreu, mas o Amílcar não parou. Depois, veio a ideia da criação de uma cooperativa (…). Era uma cooperativa de sociedade por quotas de 500 escudos na altura. Cada cooperativista entrava com o que tivesse até completar aquilo, que era para ver se as coisas marchavam”.

Este processo culminou com a fundação do PAIGC em 1956, tendo o encontro, segundo Luís Cabral, “reunido à volta do Amílcar os cinco elementos que estavam em Bissau (...).
Foi no fim da tarde de 19 de Setembro, no número 9-C da Rua Guerra Junqueiro, na casa onde moravam Aristides Pereira e o Fernando Fortes”.

Ainda, fazendo fé em Luís Cabral, "primeiro chegaram o Amílcar e o Luís, depois o Júlio Almeida, tendo Elisée Turpin sido o último. E assim foi fundado o PAI"

Em Fevereiro de 1956 houve uma greve dos trabalhadores do porto de Bissau.
Amílcar, proibido de permanecer na Guiné, foi trabalhar para Angola, tendo ainda passado pela Guiné em Setembro de 1959, afim de se reunir com os seus camaradas.

Em Fevereiro desse mesmo ano, tinha ocorrido o que ficou conhecido como o “massacre do Pindjiguiti”.

Em 1958, Rafael Barbosa, José Francisco Gomes “Maneta”, Ladislau Justado, Epifânio Souto Amado, Tomás Cabral de Almada e Paulo Fernandes fundaram em Bissau, o Movimento de Libertação da Guiné (MLG), criando ainda mais dificuldades ao projecto de unidade que Amílcar perseguia, a par do incremento das perseguições policiais.

O MLG, segundo Aristides Pereira “cedo hostilizou Amílcar, a quem alcunhou pejorativamente de cabo-verdiano”, acusava os cabo-verdianos de serem os homens de mão das autoridades colonialistas, e que pretendiam substituir os portugueses quando estes se fossem embora.
__________

Notas de vb, co-editor:

(1) Activista, com ligações ao PCP. Deportada para Moçambique, acabou por ir parar à Guiné, onde, segundo Aristides, "desenvolveu uma acção importantíssima na mobilização e consciencialização dos jovens que mais tarde vieram a adeir à luta de libertação nacional. "

(2) Ressemblement Democratique Africain

(3) Leopoldo Amado, historiador bem nosso conhecido, e membro da nossa tertúlia, é amplamente citado por Aristides Pereira

(4) Luís Cabral, meio-irmão de Amílcar, 1º Presidente da Guiné-Bissau (1974/80), foi deposto em 14 de Novembro de 1980 por um golpe militar liderado por Nino Vieira. Luís Cabral e outros membros do PAIGC foram acusados por alguns militantes de dominarem o partido. Esteve preso 13 meses, tendo sido exilado para Cuba, que se tinha oferecido para o receber, até vir para Portugal, onde ainda reside, depois do governo português lhe proporcionar condições para viver com a família. Regressou para uma visita à Guiné-Bissau, em 1999, quando Nino foi desalojado, também por um golpe militar.

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)


Guiné > Voz da Guiné > Folha de rosto da Separata do nº 203, de 30 de Junho de 1973, dedicada ao Dia dos Comandos. Na primeira página vêem-se duas fotos: à direita, do major João de Almeida Bruno, que cessava funções como comandante do Batalhão de Comandos da Guiné; e à esquerda, o novo comandante, o major Raul Miguel Socorro Folques.

Foto: Eduardo Ribeiro (2006). Direitos reservados.


1. Texto enviado, em 13 de Janeiro corrente, pelo Amilcar Mendes (ex-1º cabo, 38ª Companhia de Comandos, Guiné, Brá, 1972/74; hoje, taxista da praça de Lisboa):

A Guerra da Guiné e os Direitos Humanos
por A. Mendes

Vitor Junqueira, Luís Graça e demais membros da nossa tertúlia:

De há uns tempos a esta parte tenho sido mais leitor que interveniente, porque algumas coisas que vou lendo no Blogue, sobre o tempo da guerra da Guiné, me obrigam a estar calado. De facto, os comentários que vou lendo confundem-me ao ponto de não saber se falamos da mesma guerra e da mesma Guiné.

Primeiro que tudo estou no Blogue porque sou um ex-combatente da Guiné e é essa a razão deste Blogue. Trocarmos impressões sobre o que passámos é saudável. A razão por que é que passámos, isso é já história política. Para isso existem os letrados e iluminados que escrevem sobre as causas e consequências.

Vem isto a propósito dos comentários que aqui li sobre a Convenção de Genebra, Operação Mar Verde, Massacres, Direitos dos Combatentes e dos coitadinhos dos guerrilheiros do PAIGC! (1)

Por favor, não insultemos a memória dos que morreram em combate. Alguém que lá esteve pode achar que os turras eram meninos de coro? Será que o Vitor Junqueira e eu estivemos na mesma guerra ?

No ano de 1973, na estrada de Mansoa -Mansabá, numa emboscada a uma coluna junto ao chamado Carreiro da Morte, os senhores guerrilheiros do PAIGC apanharam à mão três agressores militares portugueses e, cagando para direitos ou convenções de guerra, cortaram-lhe o sexo e enfiaram-lho na boca depois de os matarem a sangue frio!

Se tal, como nós, cumpriam o direito defendendo a Pátria (não sei se a minha ou a deles), expliquem-me por favor quem é que era santo?

Fui combatente, como vocês, matei para não ser morto. A forma como, não tem a ver. Ou será que o Vitor ia para a mata com a Bíblia numa mão e a arma noutra ?

Enfim, relembremos Guidaje, Guileje, Canquelifá, Boruntuma, Gandamael, etc. porque o PAIGC não se limitou a defender a sua (deles) Pátria.

O Vitor fala em stresse de guerra, mas já tentou saber se tem a ver com a forma ou o conteúdo? Quem sabe o que se passou em Wiriamu ? Vamos condenar à pena de morte quem lá esteve? Para expiarmos todas nossas culpas, como combatentes, vamos ter que julgar toda a humanidade? Eu posso apresentar ex-comandos que lá estiveram, para o Vitor, o Luís e os demais tertulianos ouvirem a outra parte da história...

Já agora, e a propósito de direitos, olhemos para o que está a acontecer na Guiné e com a herança do PAIGC.

Vitor, Luís e restantes tertulianos, um abraço.

A. Mendes

2. Comentário do editor do blogue:

Meu caro Amílcar:

A gente ainda não se conhece pessoalmente mas já temos falado várias vezes ao telefone, e até lá temos apalavrada uma ida à sede dos Associação dos Deficientes das Forças Armadas, aqui mesmo ao lado da minha chafarrica, para dar um abraço a um amigo comum, o Patuleia...

Há muitas feridas de guerra, no corpo e na alma, que não saram e que vão morrer connosco. É o caso do Patuleia, que é uma figura conhecida, que dá a cara (e que cara!) pela ADFA, e por todos nós. É uma problemática dolorosa, essa, a do deve-e-haver da nossa guerra em África (sem esquecer a Índia, Timor, etc., como muito bem nos chamava ontem à atenção o António Rosinha) (2).

Como qualquer membro da nossa tertúlia, tu tens direito à palavra. Não preciso de te dizer que o teu testemunho, como homem e como operacional, me sensibilizou, e tem enriquecido o nosso esforço colectivo para reconstruir e divulgar a nossa memória da guerra na Guiné.

Como sabes, aqui - naquilo a que eu chamo a nossa caserma virtual - tratamo-nos por tu, o que não quer dizer menos respeito uns pelos outros, respeito pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (assumindo o que fomos ontem e o que somos hoje, sem culpa, sem complexos, sem acusações). Mas também sendo capazes de manifestar, de maneira franca e serena, os nossos pontos de vista, e sobretudo as discordâncias... Saudavelmente, como amigos, como camaradas... Na prática, como sabes, estas regras não fáceis de aplicar... Mas esforçamo-nos por consegui-lo...

Nunca escondemos uns dos outros que não pensamos todos pela mesma cabeça, nem sentimos todos pelo mesmo coração... A nossa riqueza está justamente no nosso pluralismo e na capacidade de gerir as nossas diferenças... É certo que nem sempre lemos o que outro escreve... Tu, por exemplo, se calhar não entendeste bem o que o Vitor quis dizer, ou então foi o Vitor que não comunicou bem... Compete a ele esclarecer-te, se for caso disso. Mas eu insisto: temos que aprender a ouvir os outros...

Para trás ficaram, entretanto, as velhas rivalidades entre infantaria, cavalaria e artilharia, entre a terra, o mar e o ar, entre a tropa-macaca e a elite da tropa, entre tropas africanas e metropolitanas, entre pessoal do quadro, do contigente geral e milicianos, entre operacionais e pessoal de apoio...

Aqui também não há bons nem maus, heróis ou cobardes, gente politicamente correcta ou incorrecta, letrados e iletrados... Somos camaradas, ponto final. A mim, compete-me dar igualdade de oportunidades a todos os que me escrevem, o que nem sempre seguramente consigo.

Não me compete tomar posição a favor de A ou B. Não sou juiz nem fiel da balança. Mas, confesso, que não gostaria que o nosso blogue fosse uma arena de combate. Não cultivo nem gosto de cultivar a polémica. Acho que podemos (e devemos) dizer olhos nos olhos (neste caso, no ecrã do computador) o que nos divide, o que nos separa... De preferência, com elegância, sem insultos, e com factos a fundamentar o que escrevemos... Esta pedagogia tem funcionado. E eu acho que podemos orgulhar-nos do nosso blogue, da nossa convivivência, e até da gente da nossa geração.

Não temos de estar acordo sobre questões dolorosas, dolorosíssimas (e ainda polémicas), do nosso passado recente (para não falar da nossa vasta e riquíssima história enquanto povo, estado e nação): os massacres de 1961 (em que morreram milhares de portugueses e angolanos, inocentes), os excessos (e crimes) que se cometem em todas as guerras, de um lado e de outro, Nambuangongo, Mar Verde, Wiriamu, Nó Górdio... Não estaremos de acordo seguramente sobre as razões por que fomos parar à Guiné, a Angola ou a Moçambique. Ou sobre a descolonização. Como a guerra foi conduzida pelos nossos chefes, políticos e militares.

Não podemos evitar falar de tudo isso, dessas e doutras questões ditas fracturantes. Podemos fazê-lo, mas de preferência evocando a nossa condição de protagonistas, testemunhas ou historiógrafos... Por exemplo, eu não estive em Wiriamu, nem estou suficientemente documentado para ter opinar sobre o que lá se passou... Eu nunca passei no Carreiro da Morte, na estrada de Mansoa-Mansabá e já não estava na Guiné, em 1973, mas gostava de saber quem (do lado do PAIGC e das NT) esteve envolvido nessa macabra cena que tu relatas...

Eu também não estive no chão manjaco mas quem lá esteve (o Afonso M.F.Sousa, o João Tunes) pode dar o seu testemunho (ou opinar) sobre o massacre do PAIGC que vitimou três dos nossos três melhores oficiais superiores do tempo do Spínola... Um historiador, como o Leopoldo Amado, também tem autoridade para falar sobre esse assunto, porque fez investigação de arquivo ou entrevistou dirigentes do PAIGC... Eu, confesso, que não tenho autoridade para o fazer, é uma questão de honestidade intelectual... (E a propósio, vamos abrir em breve um dossiê sobre este melindroso e doloroso tópico da guerra da Guiné, sob a direcção do Afonso M.F. Sousa)...

Por fim, queria só lembrar que também é nosso apanágio respeitar (ou tentar respeitar) o nosso inimigo de ontem... Eles, de facto, não eram meninos de coro. Mas não nós também não éramos turistas. Dito isto, concordo com o Pedro Lauret e o Vitor Junqueira: a guerra, todas as guerras, têm regras. E quanto ao Amílcar, queria só acrescentar: Todos matámos para não morrer... Afinal, todos fomos para a Guiné com "licença para matar e morrer"...

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

13 de Janeiro de 2006 < Guiné 63/74 - P1425: Questões politicamente (in)correctas (16): na guerra, de facto, não vale tudo, também há regras (Vitor Junqueira)

12 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)

(2) Vd. post de 15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1432: Pensamento do dia (10): Honrar os que morreram no Ultramar (António Rosinha)