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terça-feira, 12 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20336: Blogoterapia (293): Neuro II - Quarto 7 - Cama 14, ou as camas por que passamos ao longo da nossa vida (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 5 de Novembro de 2019:


NEURO II - QUARTO 7 - CAMA 14

O passado visita-nos, toma-se consciência do que fizemos e do que não fizemos. De  algumas coisas nos arrependemos, de outras temos pena de não ter feito de outra forma ou de ir mais além. No presente vivemos como se não tivéssemos muito tempo. Correr já não é opção, assim caminhamos para o futuro incerto, desejando ter ainda acesso ao que de bom a vida nos dá.

E que de bom tem mesmo, quando o simples é vedado a muitos camaradas quando a saúde os abandonou? Quando necessitam do carinho da família e vigilância, quando são remetidos para instituições, tantas vezes cansadas de ver degradação física e psíquica, e reagem como um cilindro, que vai calcando, ignorando os apelos de quem precisa de ir à casa de banho, ou tão simplesmente limpar os óculos? Os zeladores também têm preocupações familiares, como o dinheiro, com as condições de trabalho, por vezes são vilipendiados pelos utentes, mas não seria de mais vestirem o fato branco, pôr o seu melhor sorriso e com palavras de conforto, animarem um bocadinho a vida dos que estão a seu cargo ainda que por breves horas no seu turno.

Esta introdução um bocado sombria, deve-se ao apelo desesperado e de raiva, de um nosso camarada que sofre (ELA[1]) de abandono ao ponto de pedir que Deus o leve. Como dizer a um camarada neste sofrimento, que espere os impossíveis dias melhores, uma vez que só pode piorar?

O físico Stephen William Hawking, talvez o mais famoso doente com "ELA", que apesar da sua enfermidade viveu até aos 76 anos.

O que me leva a escrever hoje é uma coisa tão comum e tão banal que é uma cama. Todos nascemos numa, dormimos em várias ao longo da vida e a grande maioria em tempo de paz, também morrerá numa. Quando era criança, a minha cama como normal para a época era cheia de camisas de milho, por vezes com restos de tarolos à mistura, um dia de festa quando a minha mãe abrindo portas e janelas remexia a palha, que triplicava de altura e como garoto era uma brincadeira ficar enterrado no monte, que hoje traria alergias e renites alérgicas à maioria de garotos, que nem os ares condicionados aguentam. No nosso tempo passaria por vulgar constipação, com ameaças de que andássemos à chuva levávamos o tratamento profiláctico à base de uns tabefes.
Mas o meu pai homem atento às coisas modernas e simplificadas, logo trocou a palha por sumaúma e assim acabaram-se as comichões. Mais tarde passamos ao máximo da modernidade ao alcance dos nossos bolsos com os de esponja e por aí ficámos por muitos anos.

Quando fui para o CICA4, voltei a privar com a sumaúma que continha várias gerações de percevejos, que milagrosamente não me atacaram, já o meu amigo Sapateiro, ali da Calvaria de Porto Mós, fez com eles um contrato de exclusividade a fim de o só chatearem a ele, que dormia mesmo encostado a mim. Após muitas queixas selectivas, porque eles não atacavam todos, veio um belo dia que, tudo foi desmanchado e substituído por beliches acabados de pintar de verde, com limpíssimos também verdes colchões, que iriam levar algum tempo a ganhar inquilinos incómodos e malcheirosos. No tempo em que lá estive, não deu para constatar nada disto, e no RI6 do Porto, foi mais do mesmo, por ter por ali passado a modernidade da época.

Quando cheguei a Abrantes - RI2, aconteceu-me o impensável. Não tinha cama e passei a dormir à vez, na cama dos camaradas que estavam de serviço. Quando ele chegava eu procurava outra e ali ficava com sorte até de manhã. Como o frio apertava mandaram-me para Santa Margarida e aí por mais roupa de cama que requisitasse, o frio era tal que me fardava e deitava-me vestido.

Entretanto fui mobilizado e assim travei conhecimento com os beliches do Angra do Heroísmo, com os do Cumeré, e por fim cheguei a Galomaro onde a sobrelotação do quartel me obrigou a dormir numa grande tenda de campanha com um pano de tenda por baixo e o saco a servir de cabeceira. Nada que não tenha acontecido a milhares de camaradas. Por fim encontrei alojamento permanente, num abrigo habitado por uma mescla de camaradas das mais variadas especialidades, entre um dos morteiros 81 mm e da MG 42.

Galomaro - Dentro do abrigo, a partir da esquerda: Aljustrel, Ermesinde, Juvenal e Caramba

Finalmente, regressado em Abril de 74, em 79 passei da minha cama de solteiro para a de casado onde tenho sido constante e feliz.

Por desacatos do destino, pois não penso ter pecados dignos de castigo, fui parar ao hospital com uma doença rara, auto-imune, chamada Miastenia Gravis (que veio para ficar como a Toyota), onde pela primeira vez travei conhecimento com uma cama articulada. Estive onze dias hospitalizado, entrei junto com uma senhora com AVC, onde estava já um individuo com 61 anos com AVC isquémico, que saiu primeiro que eu e deu lugar a um jovem com 36 anos também acometido do mesmo, juntando-se assim aos vários casos espalhados pelo piso. Contei a história deveras apaixonante e corajosa do José Saúde, falei-lhe da associação de doentes dessa maleita e constatei, com os números de um AVC por cada quatro indivíduos.

Os alarme e sinais dos três F's

FACE, FORÇA e FALA, bem como a máxima importância de pedir ajuda dentro das primeiras duas horas em que começaram os sintomas e anomalias.

Por ultimo a forma como fui tratado e vi tratar. A excelência dos cuidados prestados por médicos, enfermeiras, auxiliares, de um sistema hospitalar cheio de deficiências e carências tão propaladas por bem intencionados e por muitos mais pelos mal intencionados, onde os profissionais fazem milagres com o que têm. O seu sorriso, carinho e palavra amiga, são parte das melhores recordações que guardarei para sempre.

Lembrei-me das campanhas muitas vezes mesquinhas e ignorantes, que contra o Serviço Nacional de Saúde fazem e querem acabar com ele. Meus camaradas e amigos é preciso defendê-lo por nós e pelas nossas famílias. A saúde e a liberdade só lhe damos valor quando as perdemos.

Já estou na minha cama felizmente.

Nota: - [1] - ELA - http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/ela-esclerose-lateral-amiotrofica

Um abraço
Juvenal Amado
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Nota pessoal do editor CV:

Ao nosso camarada enfermo desejo a melhor qualidade de vida possível, dentro dos condicionalismos que esta terrível doença impõe.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20039: Blogoterapia (292): Os Impérios (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732)

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20204: A Guiné-Bissau, hoje: factos e números (1): população e morbimortalidade; etnias, idiomas e religiões; doenças sexualmente transmissíveis



1. Infelizmente, os problemas de saúde materno-infantil e de saúde sexual e reprodutiva, hoje, na Guiné-Bissau (, país que amamos e onde temos amigos, ) continuam a ser muito graves...  

Há progressos, mas estamos ainda longe de ter os indicadores de saúde que desejaríamos para o povo da Guiné-Bissau, e que os guineenses merecem ter. O seu perfil sociodemográfico deve ser melhor conhecido, até porque alguns de nós continuam a lá ir com alguma frequência e/ou estão ligados a organizações não-governamentais que cooperam com a Guiné-Bissau, em diversos domínios, da saúde à educação.

De resto, a Guiné-Bissau integra, desde 1996, a CPLP -Comunidade de Países de Língua Portuguesa. E o nosso blogue tem como missão também construir pontes entre Portugal e a Guiné-Bissau.

Recentemente estivemos a ler o relatório da CPLP abaixo citado. Tem dados interessantes sobre a Guiné-Bissau e os estados-membros da CPLP.  Está escrito em português do Brasil: por exemplo, "fulani" em vez de fula, "soropositivo" em vez de seropositivo, "testagem" em vez de rastreio ou despiste... É, em todo o caso, um diagnóstico que tem muito  mérito, embora eventualmente  se ressinta do escasso tempo em que foi realizado o trabalho de campo, confinado a Bissau, e feito em menos de 4 dias, de 24 e 27 de agosto de 2015.  A autora do relatório é a Profª. Dra. Helena Maria Medeiros Lima, Pós Doutorada em Educação - Psicologia da Educação,  Bióloga e Doutora em Saúde Pública,  Psicóloga e Mestre em Psicologia Social.

Vamos reproduzir, aqui, com a devida vénia,  alguns excertos, dando início a esta nova série, "Guiné-Bissau, hoje: factos e números".

O relatório sobre a Guiné-Bissau corresponde ao capítulo 4 (da pag. 272 à pag. 337) do relatório final.

 Fonte:  Helena M. M. Lima - Diagnóstico Situacional sobre a Implementação da Recomendação da Opção B+, da Transmissão Vertical do VIH e da Sífilis Congênita,  no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa- CPLP: Relatório final, volume único,  dezembro de 2016, revisto em abril de 2018. CPLP -  Comunidade de Países de Língua Portuguesa,  2018 [documento em formato pdf,  643 pp. Disponível em:  https://www.cplp.org/id-4879.aspx]


(i) População e morbimortalidade:

A população total da Guiné Bissau é estimada em 1.852.284 habitantes, sendo 895.836 (49,5%) de homens e 911 588 (50,4%) de mulheres. É uma população considerada jovem, com média de idade de 19,9 anos, sendo homens: 19.4 anos e mulheres: 20.4 anos.

É uma população constituída por 64% de pessoas com menos de 25 anos, sendo a expectativa de vida ao nascimento é de 50.23 anos, sendo 48,21 para os homens e 52,31 para as mulheres.

A baixa esperança média  de vida tem a ver com  a alta mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias diversas, decorrentes tanto da escassez de alimentação como falta de condições de saneamento básico.

Em relação às Infecções Sexualmente Transmissíveis e a SIDA [, no Brasill, Aids], os homens têm maior letalidade, uma vez que não procuram os serviços de saúde (mesmo que solicitados a realizar testes e exames), e quando chegam ao médico, já apresentam quadros graves e de difícil tratamento medicamentos.

 (...) Cerca de 49,3% da população total de Guiné Bissau é urbana, sendo que as mulheres representam mais da metade da população (cerca de 51%),  e a taxa de fecundidade é considerada relativamente alta (4,23 crianças por mulher).

A taxa de contraceção [, uso de meios contracetivos], de 14,2% , é considerada baixa. A fecundidade, especialmente feminina, é um valor cultural intrínseco, e não ter filhos ou ter poucos filhos não é bem valorizado pelas famílias. Há relatos e estudos que afirmam que muitas mulheres fazem uso de métodos anticoncepcionais escondidas dos respectivos parceiros.

A mortalidade infantil teve patamares de 200 crianças mortas por cada 1.000 habitantes em 2005, despertando fortes reações sociais. Atualmente está estimada em 89,21 mortes/1000 nascidos vivos, e mesmo assim é o 5º país do mundo em mortalidade infantil.

A taxa de mortalidade materna é bastante elevada, sendo a 7ª no mundo, com 749 mortes/ 100 mil partos.

(ii)  Etnias, idiomas e religiões:

São pelo menos dez grupos étnicos a compor a população guineense, estimadas as seguintes proporções: Fula 28.5%, Balanta 22.5%, Mandinga 14.7%, Papel 9.1%, Manjaco 8.3%, Beafada 3.5%, Mancanha 3.1%, Bijagó 2.1%, Felupe 1.7%, Mansoanca 1.4%, Balanta Mané 1%.

Essa marcada diversidade étnica tem reflexos na linguagem, especialmente nos idiomas, e na cultura, em relação aos diversos e arraigados hábitos das etnias.

Em relação aos idiomas, o mais prevalente é o Crioulo, falado por cerca de 90.4% da população. O segundo idioma mais falado, sendo também idioma oficial da Guiné Bissau, é o Português, falado por cerca de 27.1%, seguido pelo Francês 5.1%, Inglês 2.9%.

A religião predominante é a Muçulmana: 45.1% [44,7%] da população; depois vem o Cristianismo com 22.1% [25,4%], os Animistas 14.9% [23,9%], e os cristãos evangélicos, com 5,8%.

A poligamia é legalizada, e o homem pode ter até quatro esposas, desde que possa sustentá-las. Os valores muçulmanos de não-aceitação da homossexualidade, do não-uso de drogas, de submissão da mulher e da condição de dependência financeira que as esposas ficam dos respectivos maridos precisam ser trabalhados tanto no setor preventivo como no âmbito da assistência em saúde pública e direitos reprodutivos, pois são valores que estão presentes na população junto a outras tantas influências culturais e religiosas e que podem, ao proibir e punir, abrir espaços de vulnerabilidade específica que precisam ser compreendidos e trabalhados.


(iii)  Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST)

As Doenças Sexualmente Transmissíveis, segundo gestores e profissionais de saúde entrevistados, estão prevalentes em Guiné Bissau, sem, contudo, uma estatística específica.

As doenças mais prevalentes seriam o corrimento [, gonorreia ou blenorragia,] entre as mulheres, em particular mulheres jovens.

Em 2015 foram identificados e tratados 500 casos de DST,  porém não há notificação oficial sobre rastreio e tratamento das DST.

O dado mais recente em relação à sífilis é a estimativa que, dentre 5.666 mulheres grávidas testadas em consulta  pré-natal, 123 tiveram serologia positiva, ou seja, uma taxa de 2,1% . Mas não há notificação obrigatória da sífilis, e não há dados noutras outras populações.

A rastreio da sífilis é realizada durante a consulta pré-natal, porém há rupturas de estoques de testes, poucos testes disponíveis e dificuldades diversas em se obter a penicilina para o tratamento preconizado.

  (Continua)

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20017: Manuscrito(s) (Luís Graça) (158): Afinal a guerra também era ototóxica...

Infeliz o cego, surdo e mudo,
porque dele não será o reino de Neptuno


Estou surdo e não poderei ouvir-te em agosto.
Nem ouvir o que mais gosto em agosto,

o mês da festa de todos os sentidos,
ouvir o mar, a décima sinfonia do mar,
tocada pelo vento,

pelos golfinhos e pelos surfistas.
Ou só poderei captar meio som, 

com o meio ouvido que me resta. 

Estou surdo e por mais absurdo
que isso te pareça,
só poderei entender as palavras sibilinas, 

e as semifusas, que me escreveste,
em papel pautado, no teu último mail.

Aqui estou eu, especado, na areia, emparedado entre o
 Beethoven a fazer o pino 
e o desejo e a ameaça de Sibila,
enquanto espero o otorrino, 

à porta do consultório, na casa de praia,
e o sol que tarda 
nesta tarde do mês de Agosto.

Infelizes os surdos e os curdos
(que não têm mar nem pátria nem otorrino,

e muito menos casa de praia) 
e os duros de ouvido, como eu,
porque deles não será o Reino de Neptuno!

Sinto-me infeliz, no pico do verão,
meio surdo, meio huno, meio curdo,
à espera do pôr do sol
e do seu espetáculo de strip-tease,

e o otorrino que tarda em almoçar.

Aqui especado, parado, enterrado na areia,
à espera de qualquer coisa,
da iminência de acontecer qualquer coisa,
à espera da queda dos últimos restos
do sacro império romano do ocidente,
à espera que me caia, na cabeça,
uma prancha de surf,
um tubarão assassino,
um ultraleve publicitário,
à espera que haja uma notícia, 

que não seja falsa,
que dê um belo título de caixa alta
para ler amanhã com o café do pequeno almoço,
qualquer coisa que não me agrave ainda mais 
a minha surdez, o meu autismo...

Por favor, nada de ataques de pânico,
falsos alarmes de tsunami,
e muito menos ainda 

o crash na Bolsa de Nova Iorque,
o suicídio coletivo dos povos da Amazónia,
ou um magnicídio. 

Ao menos que eu fique à espera 
que dê à costa na maré cheia 
um pedaço da arrábida fóssil da Lourinhã,
em vez da cabeça do rei 
ou do Santiago de Compostela,
de preferência um duro osso de roer 

de um pachorrento jurássico dinossauro,
ou até quiçá uma boa chuva de meteoritos
made in China, transgénicos…

Emfim, aqui estou eu à espera dos bárbaros, 
à espera dos hunos,
à espera do meu otorrino,
à espera de ti, meu amor.
à espera do sol que teima em tardar,
à espera do FMI ou do FIM do planeta,
sem pachorra para os curdos,
sem piedade para com os surdos, 
muitos menos os cegos e os mudos,
agora sem o fio de Ariane.

À espera, enfim, da recuperação 
dos meus cinco sentidos,
à espera do fim da minha crise existencial,
à espera do som e da fúria 

da próxima praia-mar,
em noite de lua cheia
prenha de augúrios, fantasmas e medos.

Só não conquistaram o sol, nem a lua, 

os sacanas dos romanos,
que nos escravizaram e deram o ser,
nem os oceanos,
o Atlântico, a autoestrada da globalização, 

o sol que tarda em Agosto,
ou que alguém pôs no prego
para pagar dívidas ao fisco,
nem havia nesse tempo direito a férias pagas,
subsídio de invalidez 

por surdez, profissional,
nem muito menos o prémio 

por nascimento, batizado, casório e funeral.

Estou surdo, cego e mudo,
ou, se não estou surdo, cego e mudo, 

foi por um triz,
que o míssil passou rente ao arame farpado,
estou surdo e a fazer o luto 

pela morte do Estado-Providência
que me pagava o otorrino 

e as gotas para o nariz.

Aqui é o meu futuro, diz o novo huno,
o imigra que agora vende bolas de Berlim
em praias rigorosamente concessionadas
e outrora vigiadas pela ASAE. 

Viva o fascismo sanitário, 
proclama o outdoor
da nova polícia das retretes e dos croquetes.

Estou surdo, sem dó nem piedade,
falta-me ficar cego e depois mudo,
para ser cego, surdo e mudo,
como a figura da deusa Justiça,

esculpida à porta do tribunal. 

Luís Graça,

[Lourinhã, Praia da Areia Branca, 13/8/2007. Revisto].


2. Comentário do autor:

Tenho 'ouvidos novos' que encontrei no lixo e reciclei. Tenho má consciência por toda uma vida em que fui predador do planeta. Agora, tarde e a mais horas, ando numa de reciclagem. Reciclo tudo o que posso, até pus ouvidos novos. Não sei que raio de planeta vou deixar para os meus netos e bisnetos, se os tiver.

Fui fazer um audiograma, mas primeiro fui ao otorrino limpar a merda dos ouvidos. Um deles tinha favos e favos de mel e cera. Mais cera do que mel. Ou era só cera ?...

Há já uns anos que ouvia mal, já não ouvia os alunos da terceira fila na sala de aulas. Muito menos o safado do locutor de serviço ao telejornal. Deixei de ouvir e ver televisão. Nem podia ir ao teatro, que os atores só falavam para eles e entre eles. E a primeira fila era só para os convidados e amigos bons de ouvido. E mesmo para ouvir a 9.ª sinfonia tinha que levar um funil.

O sacana do otorrino, há uns anos atrás, no hospital que devia ser um farol para os doentes, encolheu os ombros, e disse-me: "Mas o que é o senhor professor quer que eu lhe diga ?!... A idade não perdoa, a perda auditiva é irreversível"...

Merda para a idade, senhor doutor, e então os milagres da novas ciências médicas para cujo peditório também dei durante anos e anos ? Eu quero uns ouvidos novos, quero uma recauchutagem do esqueleto, como deve ser, da cabeça aos pés...

Nunca fui egoísta, agora estou a sê-lo... Andei cinquenta anos a descontar para a ADSE, nunca tomei um medicamento, nunca gastei um chavo ao provedor da santa casa da misericórdia... Fui amigos dos ministros da saúde. Tinha saúde para dar e vender. Nunca meti uma cunha a Deus e ao Hospital de Todos os Santos, também nunca me calhou o euromilhões ou a sorte grande, mas a verdade é que também não jogo, e quem não arrisca não petisca, diz o saloio do Zé Povinho....

Não joguei, não ganhei, não arrombei os cofres da santa casa. Agora ando a fazer as contas à vida: tanto para os ouvidos, tanto para a anca, tanto para os joelhos... E que Deus nos livre do raio do Alzhemeir!

"Otites líquidas, teve em pequeno?", pergunta-me a audiologista...

"Minha querida, quem as não teve, em pequenino, ou no Portugal pequenino em que nasci, vivi e cresci. E o meu médico era a ti'Adlina, minha vizinha da rua do clube, guardadora de segredos terapêuticos milenares... Médicos ?... Só havia dois na minha aldeia, e a gente só os chamava no estertor da morte ou nalgum parto de má hora"...

E acrescentei, por descargo de consciência:

"Depois disso, estive na Guiné, na guerra, ouviu falar ?... A menina é jovem, já nasceu depois do 25... E mesmo que fosse antes, nunca iria para a tropa. Só se fosse enfermeira paraquedista, conheci algumas na Guiné... Tiros, explosões, emboscadas, minas anticarro, acidentes com viaturas, quedas mais ou menos aparatosas, picadas, solavancos, cabeçadas, cones de fogo nas trombas, trambolhões, bezanas, esquentamentos, febres palúdicas... sabe como são estúpidas as brincadeiras da guerra, quando se tem vinte anos, sangue na guelra e as hormonas a rebentar a pele"...

"Ah!, já sei, quinino, ototoxicidade!

"O quê... ?"

"Há certos medicamentos que são otóxicos... Já passaram por aqui dezenas e dezenas de antigos combatentes da Guiné que se queixam do mesmo mal... O quinino, do Laboratório Militar, que vocês tomavam regularmente, às refeições... Por causa da malária ou paludismo... Lembra-se ?"


"Eureka!... Se me lembro !... Um pacotinho de sal e outro de quinino, ao almoço!!"...


"Parece haver evidência científica de que o quinino pode provocar danos ao sistemas coclear e/ou vestibular"...

"Não percebo nada da anatomia e da fisiologia do ouvido... Mas com essa do quinino, é que a menina me estar a lixar!... Não sabia, mas devia saber, porra, afinal andei anos e anos a falar de saúde e segurança do trabalho"...

"Não sou farmacêutica, mas há para aí mais do que uma centena de medicamentos ototóxicos. Acrescente-lhe a penicilina"...

"Porra, tomávamos aos milhões"...

"Agora, não há remédio, e não precisa de dizer palavrões... Ou melhor: felizmente há remédio. Deixe isso comigo. Vamos lá fazer o audiograma e, depois, pôr estes brinquinhos no ouvido, devidamente regulados"...

"Com essa é que me tira o sono, que a guerra era tóxica, eu já o sabia, mas que também podia ser ototóxica, não me passava pela cabeça!"...

"É bom para o Estado-patrão (e, para nós, multinacionais que vendemos aparelhos auditivos, um negócio de milhões, aqui para nós que ninguém nos ouve)... Enfim, é bom que os antigos combatentes não saibam certas coisas que faziam mal à saúde... Afinal, só os juízes é que são, coitados, cegos, surdos e mudos... E têm que ser bem pagos por isso"...

"Minha querida audiologista, estou encantaddo por ouvi-lo... Sabe, estou até a simpatizar consigo!".

... Ganhei uns 'ouvidos novos'. Posso agora ouvir todas as conversas, mesmo baixinhas... Até as conversas dos espiões!... Mais importante: posso ouvir o mar no mês de agosto, e o vento a dar nos búzios dos moinhos da minha infância...


Algumas conversas bem as dispensava... Mas não há mundos perfeitos... Mais vale andar neste mudo de muletas do que no outro em carretas... Obrigado ao 'morto' que me deixou uns 'ouvidos novos', comprados no OXL. A preço da uva mijona. É indecente que me peçam 4 mil euros por um aparelho auditivo XPTO... Prefiro um, em segunda mão, reciclado. A mim, que que lutei na guerra pela minha Pátria e que, se calhar, fui vítima da ototoxicidade provocada pelas drogas antimaláricas do Laboratório Militar...

______________
 

o·to·tó·xi·co |cs|
(oto- + tóxico)

adjectivo

[Medicina] Que tem efeito tóxico sobre o ouvido ou sobre órgãos ou nervos responsáveis pela audição e pelo equilíbrio.

"ototóxico", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/otot%C3%B3xico [consultado em 27-07-2019].

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19987: Manuscrito(s) (Luís Graça (157): Andamos à volta com os fantasmas de sempre, que, desde meninos, nos ensombram, uns, ou nos encantam, outros... Para o Jaime, ao km 73 dos passos em volta...

sábado, 27 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19721: Estórias avulsas (95): Evacuado com 'um tiro no cu'... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)



Guiné >  Região de Gabu > Nova Lamego > 15 de junho de 1970 > Foto tirada no nosso Quartel, com o 'ferido', convalescente, amarelinho e magricelas, que, não fora ser vista a vala e os abrigos dos cunhetes de munições, parecia uma estância de férias.

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mais uma pequena  história, bem humorada,  do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 /CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70], que nos chegou ontem com a lacónica mensagem: "Já há tempos tive para contar este 'ferimento em combate', lembrei-me agora."




Estórias avulsas > Evacuado com ‘um tiro no cu’ 

por Valdemar Queiroz
Desde criança que sofro com problemas de frúnculos [ou furúnculos, frunchos, fruncos...]. 

Começaram por aparecer em sítios complicados: na dobra das pernas, nas axilas dos braços e na barriga. Os mais complicados, por terem sido dolorosos, foram os na dobra das pernas, que me dificultavam o andar e terem aparecido na idade 8-9 anos. Não me recordo como estes foram tratados, mas tenho grandes cicatrizes por detrás dos joelhos que sinalizam o sofrimento.

Com o tempo, houve um período sem grande ‘erupção cutâneo’, aparecendo apenas o vulgar pelo encravado da barba no pescoço, mas, no meu caso, sempre com necessidade de uma intervenção muito para além da pinça-saca-pelos: cheguei a sacar pelos encravados com mais de três cms.

Na Guiné, também, apareceu um frúnculo, e que frúnculo. Apareceu numa nádega, localizado na parte interior perto do recto. Tentei rebentá-lo espremendo, mas ou por isso ou por outra razão criou uma grande inflamação. Não foi possível tratá-lo com pomadas ou injeções contra inflamações e o oficial médico de Nova Lamego foi de opinião da evacuação para intervenção cirúrgica em Bissau. 

O fur mil enf Edmond,   da minha CART 11,  tratou de toda a papelada e lá fui evacuado em DO 27 para o Hospital Militar de Bissau [HM 241,], com um grande hematoma e 40 graus de febre.

Não me lembro de mais pormenores, só me lembro de, depois da intervenção cirúrgica, acordar na Enfermaria Geral,  rodeado de vários doentes carentes de saber o meu nome, em que sítio foi o ataque e como tinha sido ferido. 

Depois, apareceu um Sargento Enfermeiro a perguntar quem era o Queiroz. "É este aqui que foi evacuado com um tiro no cu", disseram uns que já tinham ‘arranjado’ uma história, daquelas idealizadas à ‘5ª. Rep’[, o Café Bento].

Tive que mudar para o piso superior do Hospital, para uma das Enfermarias de Oficiais e Sargentosk  ficando num quarto com mais quatro doentes, que eram todos Oficiais, um deles tinha a cara toda ferida de estilhaços e outro muito magricelas e já tinham recebido a habitual visita do Spínola.

Uma semana depois, lá regressei a Nova Lamego, com o ‘assunto’ tratado, mas com o aviso do médico cirurgião de que, mais mês menos mês, voltaria a infetar/rebentar outra vez.

E assim aconteceu, o ‘tiro no cu’ deu-me grandes chatices depois de sair da tropa, com infeções, hematomas, rebentamentos, melhoras/pioras durante mais de dois anos, só ficando totalmente curado em Maio de 1973 com uma operação na Clínica St. António, na Amadora.

Ainda agora, quando calha em conversa sobre mortos e feridos na guerra na Guiné, eu comento que, pessoalmente, a não ser ter sido evacuado com um problema dum frúnculo numa nádega, não tive problemas, há sempre alguém que diz: pois, tabém, desculpas de quem foi evacuado com um tiro no cu.

Anexo uma foto tirada no nosso Quartel, em Nova Lamego, com o 'ferido', convalescente, amarelinho e magricelas, que, não fora ser vista a vala e os abrigos dos cunhetes de munições, parecia uma estância de férias.

Valdemar Queiroz
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domingo, 19 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18935: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - III (e última) Parte: Por doença (n=14) (Jorge Araújo)


Guiné > Bissau > O Hospital Militar 241, o terminal da morte para muitos camaradas nossos  (*)


Foto: © António Paiva (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do nosso blogue

OS 221 FURRIÉIS QUE TOMBARAM NO CTIG [1963-1974] (POR ACIDENTE, COMBATE E DOENÇA) - III (e última) Parte: Por doença (n=14)

Sinopse:


Na sequência da actualização da lista dos camaradas «Alferes» que tombaram no CTIG (1963-1974), publicada no P18860, anexo agora a referente aos camaradas «Furriéis», apresentando-a ao Fórum organizada segundo a mesma metodologia anterior, ou seja, por quadros de categorias (acidente, combate e doença) e por ordem cronológica.

Para que não fiquem na "vala comum do esquecimento", como é timbre do nosso blogue, eis os quadros estatísticos dos 221 (duzentos e vinte e um) furriéis, nossos camaradas, que tombaram durante as suas Comissões de Serviço na Guerra no CTIG, por diferentes causas: combate (n=139), acidente (n=68) ou doença (n=14). (**)


2. QUADROS POR CATEGORIAS E ORDEM CRONOLÓGICA (Fim)











Fontes consultadas [com cruzamento]:

http://www.apvg.pt/

http://ultramar.terraweb.biz/index_MortosGuerraUltramar.htm (com a devida vénia)
Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

30JUL2018.
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de março de 2009 > Guiné 63/74 - P4058: Memória dos lugares (20): Hospital Militar 241 de Bissau (António Paiva)

(**) Vd. postes anteriores da série:

15 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18924: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - Parte I: Por acidente (n=68) (Jorge Araújo)

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18565: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 43 ("A minha úlcera") e 44 ("Biafadas ou balantas ?")









Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > 1973 > Mães biafadas, esbeltas, de olhar desafiador...

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*)

(i) nasceu em Penafiel, em 1950, "de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje), tendo sido criado pela avó materna;

(ii) trabalahou e viveu em Amarante, residindo hoje na Lixa, Felgueiras, onde é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;

(iii) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado; completou o 12.º ano de escolaridade;  foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);

(iv) tem página no Facebook; é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante;

(ix) é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.

Sinopse:


(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da dos percursos de "turismo sexual"... da Via Norte à Rua Escura;

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau, e fica lá mais uns tempos para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vi) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos' (ou vê-cê-cês), os 'Capicuas", da CART 2772;

(vii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(viii) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(ix) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(x) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xi) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda; e ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xii) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xiii) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xiv) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);

(xv) começa a colaborar no jornal da unidade (dirirido pelo alf mil Jor Pinto, nosso grã-tabanqueiro), e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras dúvidas sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, as pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo;

(xvi) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. capº 34º, já publicado noutro poste); como responsável pelos reabastecimentos, a sua preocupação é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;

(xvii) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não no Senegal); passa a haver cinema em Fulacunda: manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada;

(xviii) em 24 de fevereiro de 1973, dois dias antes do Festival da Canção da RTP, a companhia faz uma operação de 16 horas, capturando três homens e duas Kalashnikov, na tabanca de Farnan.

(xix) é-lhe diagnosticada uma úlcera no estômago que, só muito mais tarde, será devidamente tratada; e escreve sobre a população local, tendo dificuldade em distinguir os balantas dos biafadas.


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 43 e 44



[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'... Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


43º Capítulo  > A ÚLCERA

“Não é úlcera que tenho no estômago. Segundo o médico é uma gastrite e diz ele que não é tão perigoso, basta beber leite e tomar um medicamento que me deu. Fiquei confuso porque no livro que me deram, O Médico em Casa, indica que os sintomas são de uma úlcera. Tenho de fazer dieta. Já tinha deixado há dias de beber bebidas alcoólicas e como a dieta aqui é difícil de fazer o que me safa é que bebo muito leite condensado.

O médico que costuma vir de 15 em 15 dias e ir para outro lado, vai estar aqui exactamente 15 dias, acho que desta vez trouxe xarope e comprimidos, de maneira que tanto eu como os meus colegas que estamos doentes talvez melhoremos um pouco.

Uma coisa que aqui faz falta é vitaminas pois é difícil comer vegetais dado que não há hortaliça, no entanto também temos agora um xarope de vitaminas, é muito possível que em breve comecemos a andar todos porreiros”.


Este pequeno parágrafo que reli fez-me vir à memória que apenas em 1995 deixei de sofrer do estômago e tudo graças a um excelente gastrenterologista que, ao ver-me tomar um antiácido durante uma reparação que efectuei no seu carro, fez questão que eu realizasse vários exames, onde me foi diagnosticado o H. Pilori. Após algum tempo de tratamento, melhorei consideravelmente, até hoje.

Quero dizer-lhes que só no meu regresso definitivo é que dei baixa ao hospital militar. Já depois do 25 de Abril de 1974, e durante três semanas sem que lá estive, continuaram apenas a dar-me antiácidos. Fugi de lá, dando-me apto para todo o serviço militar. Nem repararam que já o tinha cumprido. Foi nessa altura que me perderam. Descansem. O Abreu encontrou-me em 1975

Foram mais de vinte anos que, por negligência e estupidez da classe médica, tanto militar como depois da civil, eu e muitos outros que viemos da Guiné com algumas doenças passámos um mau bocado. O laboratório que fabrica o Phosphalugel deve estar bem contente comigo. Gastei centenas de caixas dessa porcaria.


44º Capítulo  > BIAFADAS OU BALANTAS?

E de repente…

“Meu bem quero escrever uma série de coisas sobre este povo da Guiné, mas só o conseguirei fazer se alguém gostar do que escrevo de maneira que pergunto-te se gostarás de saber os usos e costumes dos negros que aqui vivem? A minha intenção é a de mais tarde quando eu quiser, por aquilo que escrevo, posso explicar aos amigos como é esta gente e como vivem. Manda-me dizer se não te aborrecerá ler alguma coisa disso. Eu podia escrever e guardar aqui os manuscritos mas tentei e não tenho o mesmo entusiasmo, por isso depois de escrever o 1º artigo se me encorajares a fazer mais talvez faça um diário da minha vida na Guiné para mostrar aos nossos filhos o que foi a minha comissão. Diz-me então o que pensas.

Em algumas conversas ouvi comentar que no local onde estou, Fulacunda, a Maioria da população são Biafadas mas também dizem que são Balantas. Vou informar-me melhor.

Amanhã há mais uma operação no mato pelos meus camaradas. Agora estamos sempre em sobressalto”.


Será que fiz mesmo isso? Se o fiz, e por aquilo que escrevi e que reli até agora, onde demonstro poucos conhecimentos, de certeza que meti os pés pelas mãos.

________________

Nota do editor:

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18312: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 26 (O primeiro castigo no mato) e 27 (O paludismo)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > O 1º cabo cond autor José Claudino da Silva, ostentando um bigode que não era "regulamentar"...

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda]

Nasceu em Penafiel, em 1950, foi criado pela avó materna, reside hoje na Lixa, Felgueiras. Tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado. Tem o 12.º ano de escolaridade. 

Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook: é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante.  É membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.

Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;
(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(xi) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xii) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda;

(xiii) ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xiv) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xv) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 26 e 27


[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


26º Capítulo  > O PRIMEIRO CASTIGO NO MATO 

[O capº 25 -  As Mensagens Natalícias - já aqui foi reproduzido em poste de 22 de dezembro último (**)]

No dia 25 de Abril de 2017, para comemorar o dia da liberdade, fui convidado a discursar, perante uma plateia onde até deputados do parlamento europeu marcaram presença, além de outras ilustres figuras da política, da arte e da cultura de Portugal. As minhas primeiras palavras foram: - Olho para vós e tenho a sensação de que estou ao mesmo nível de todos. É isso que nos permite a democracia. Sermos todos iguais.

No dia 25 de Outubro de 1972, o 1º cabo condutor, (éramos dois) encarregado da cantina, soube qual o castigo que apanhou: 10 (DEZ) dias de detenção.

As funções dele eram a de servir os camaradas com os produtos existentes na cantina e também a população civil. Não me perguntem porquê, mas regras ditavam que na cantina não se podia estar com a cabeça tapada. Em contrapartida, fora da cantina não podíamos andar de cabeça destapada.

Querem saber qual foi o crime? O 1º cabo exigiu a um dos senhores Alferes que tirasse a boina da cabeça. Fez isso sem estar em sentido e sem pedir por favor. O senhor Alferes participou o sucedido ao comandante que, muito ao jeito dos militares, ajuizou e condenou o pobre 1º cabo.

Parece-lhes ridículo? Eu já tivera um castigo na Metrópole, embora muito mais leve, por assobiar. Enchera 20 flexões.

O meu colega estava-se nas tintas para os 10 dias de detenção; tínhamos sido todos condenados a um exílio, num presídio penitenciário, por dois anos, só que o castigo impedir-nos-ia, no caso de o pretendermos, passar o mês de férias a que tínhamos direito, ao fim de um ano de comissão, na Metrópole.

Não será necessário afirmar que a disciplina, mesmo naqueles confins do mundo, era duma exigência tal que torturava. Admito que com o decorrer do tempo foi aliviando um pouco mas, nos primeiros meses, até formatura diária era obrigatória, com o uniforme completo e a barba feita. Arrotava-se de náusea.

Como já frisei, tinha deixado crescer bigode, porém, como na foto da caderneta militar tal não constava, fui obrigado a cortá-lo ou teria de fazer um requerimento superior.

Aproveito para lhes contar um caso divertido, precisamente com a caderneta. Não podendo usar bigode, interroguei o capitão se podia ter a altura que tenho, ou se deveria usar a que a caderneta mencionava. É que eu meço um metro e setenta e seis e na caderneta consta que meço um metro e meio. Não me proibiu de usar a minha altura real.

Juro que nos encontros anuais de ex-combatentes, já me apeteceu enfiar um barrete na cabeça do ex-alferes mas ele iria dizer-me que eram outros tempos e só cumpriu ordens. Era assim, por muito estúpidas que as ordens fossem.


27º Capítulo  > O PALUDISMO


Não acreditei minimamente no que tinha escrito quando, após estes anos, li que tinha passado de 63 para 58 quilos em quatro dias e acreditei menos quando também li que tinha atingido 41 graus de febre.

Está ali escarrapachado na carta:

“Apanhei o paludismo, nem tenho forças para escrever! – Não digas à minha avó” - dizia eu.

Dois dias depois, já pesava apenas 56 quilos. Isto estava a ficar complicado.

Acreditem que já vários colegas que tinham estado com essa doença, alguns dos quais, como também já vos disse, por serem analfabetos era eu que escrevia por eles, me proibiam que dissesse aos familiares, principalmente pais, algo que fosse grave e que os pudesse afligir.

Tínhamos consciência de que eles nada poderiam fazer para nos ajudar,  por isso, para quê atormentá-los com os nossos problemas?

Era, pois, natural que até nesse aspecto tenhamos aprendido a contar com a lealdade de uns para com os outros, e, mais uma vez, tive sorte.

O Leal e o Moreira cuidaram de mim, alimentando-me o melhor que puderam. Também o Lopes, enfermeiro, dos poucos alentejanos da companhia, que desviava vitaminas para mim e me obrigava a tomar MILO. No batalhão, tínhamos um excelente médico que vinha de 15 em 15 dias, e enfermeiros que faziam da sua profissão uma missão de coragem, de abnegação e sacrifício, em nome de todos nós. Enfermeiros que participavam nas operações no terreno, que além das armas e munições, para sua defesa, tinham de carregar a pesada mochila de medicamentos e que, em caso de ataque, pura e simplesmente não se podiam abrigar, pois tinham de socorrer os feridos. Eram esses os nossos anjos brancos, embora nos tratassem com o camuflado vestido. 

O paludismo não me venceu nem a nenhum dos soldados da companhia. Recordo que até esta data dois colegas já tinham sido evacuados por contraírem hepatite. Dizia-se que tinham feito de propósito para adoecerem. Não acredito

Agradeço aos meus amigos e à magnífica equipa de saúde da minha companhia que, por vezes, e em circunstâncias extremas, socorreram e trataram, com uma sensibilidade fora do comum, todos, e creio que fomos mesmo todos, que em algum momento daqueles dois anos precisaram dos seus serviços. Ficámos a dever-vos ser mesmo muito amigos.

[Continua]
_______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 3 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18280: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 23 e 24: A partir de outubro de 1972, aumentei a requisição (quinzenal) de cervejas: de 5 ml para 6 mil... Por outro lado, fiquei chocado quando pela primeira vez ouvi dizer que éramos colonialistas...

(**) Vd. poste de 22 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18122: O meu Natal no mato (43): as mensagens natalícias de 1972, gravadas pela RTP a 23 de outubro... E se a gente morresse, entretanto ?...Como não tinha pai nem vivia com a minha mãe ou com os meus irmãos, tive de dizer “querida avó” e mais umas balelas obrigatórias... (José Claudino da Silva, ex-1º cabo cond auto, 3ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)



quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17738: Agenda cultural (581): "AVC - Recuperação do Guerreiro da Liberdade", de José Saúde (Chiado Editora, 2017, 184 pp.): sessão de lançamento no dia 10, domingo, às 17h30, com apresentação do nosso editor, prof Luís Graça; e hoje, dia 7, o autor vai estar no programa de Fátima Lopes, na TVI, " A Tarde é Sua", às 16h30, para falar do seu livro e da sua história clínica extraordinária

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 

AVC - Recuperação do Guerreiro da Liberdade 


O mundo é um imenso planeta onde se cruzam imagens de seres humanos que a certa altura das suas vidas se deparam com crueldades que a mãe Natureza, infelizmente, a espaços determina. Porém, ninguém se julgue imune a presumíveis doenças que porventura nos tocam e logo inesperadamente. Mas acontece, nada a opor. Há que aceitar.


Camaradas, sou mais um dos inúmeros portadores de um Acidente Vascular Cerebral, vulgo AVC. Fui apanhado numa feroz e traiçoeira emboscada montada pelo IN (AVC) que me atirou para uma resma de incertezas, chegando mesmo a duvidar do dia de amanhã, aliás, do momento seguinte, para ser mais preciso.

Entre uma limitadíssima linha que separa o ser humano entre a vida e a morte, lá fui conduzido para um universo de incapacitados cujo futuro era marcado por uma constante incerteza. Todavia, num ténue lobrigar ao meu estado físico, conclui que o fim, a meu ver, ainda parecia distante.

A afazia, observada no seu início, limitava toda a minha inquietação face à situação emocional. Mas, lá surgiram os primeiros sinais de alerta e eis-me a caminhar seguramente no trilho do reativar competências que entretanto pareciam perdidas.

A minha hemiparesia direita trouxe-me irreversíveis marcas que o tempo jamais ousará remediar. O braço direito ficou esquecido, sendo que o membro inferior deu-me sinais de vitalidade que me proporciona um caminhar pausado, mas seguro.

A luta titânica que travamos quotidianamente no mundo

Capa do 1º livro, editado em 2009
dos silêncios, levou-me a escrever um segundo livro sobre o AVC (*). Entendi, como oportuno, incentivar todos os companheiros apanhados nesta “armadilha”, assim como os potencias portadores de uma doença contextualizada no universo de informações existentes.

E é neste contexto de realidades adquiridas, que me fixei na construção de uma outra obra que nos permite mergulhar no saber sobre as circunstâncias em como lidar com o “mal” que por vezes parece um fim, mas que afinal nem sempre a meta é a derradeira solução.

A obra, 184 páginas, tem a chancela da Chiado Editora e será, inicialmente, lançada em Portugal e no Brasil e, posteriormente, traduzida em inglês para os Estados Unidos da América, Inglaterra, Irlanda do Norte, assim como em castelhano para Espanha, após a venda dos primeiros 3.000 exemplares. (**)

Para trás ficaram momentos áureos em que a nossa irreverente juventude proporcionou instantes de felicidade e apreensão. Reconheço que o meu passado como antigo futebolista, sustentado num serviço militar obrigatório onde a especialidade de Operações Especiais/Ranger, a que acresce uma comissão no Guiné, me trouxe um novo alento e deu incontestáveis forças no debelar deste sinistro “mal”.

Espelhando, humildemente, o que me vai na alma, convido todos os camaradas que residem na grande Lisboa que no próximo dia 10 de setembro, domingo, 17h30, na Chiado Café Concerto, Avenida da Liberdade, nº 180, marquem presença no evento. De resto fica o respetivo Cartaz e, naturalmente, o Convite. 

Estou a contar com a presença do nosso editor, Luís Graça, que é professor de saúde pública, jubilado, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa.

Abraço,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________

Notas de M.R.:

(*) Vd. poste de 11 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12574: Blogoterapia (246): Uma história de vida contada na primeira pessoa (José Saúde)

Vd. também postes de:

12 de outubro de 2011 Guiné 63/74 - P8898: História de uma vida (José Saúde Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 - Nova Lamego e Gabú -, 1973/74)

1 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12664: História de vida (37): O AVC é uma doença subtil que chega sem avisar (José Saúde)

(**) Vd. último poste desta série em: 

1 DE SETEMBRO DE 2017 > Guiné 61/74 - P17721: Agenda cultural (580): Lourinhã, Ribamar, sábado, dia 2, às 17h00, inauguração da exposição do nosso amigo e camarada Estêvão Alexandre Henriques, "Navegar no passado"... O nosso próximo grã-tabanqueiro foi fur mil radiomontador, CCS/BCAÇ 1858 (Catió, 1965/67)Lourinhã, Ribamar, sábado, dia 2, às 17h00, inauguração da exposição do nosso amigo e camarada Estêvão Alexandre Henriques, "Navegar no passado"... O nosso próximo grã-tabanqueiro foi fur mil radiomontador, CCS/BCAÇ 1858 (Catió, 1965/67)

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15970: Memória dos lugares (338): Cancolim, subsetor de Galomaro (Rui Baptista, ex-fur mil, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, 1972/74) - Parte III: adeus, Guiné!


Foto 19 > O último dia em Bissau antes do regresso à Metrópole... A avenida da República que ia dar à praça do Império e ao palácio do governador (ao fundo)...


Foto 18 > Eu,  junto ao rio Geba, no Xime,  à espera da LDG para Bissau


Foto 17 > O último dia em Cancolim... Na parte de cima da foto, no tecto, pode ver-se alguns restos  (empenas ?) dos RPG que caíram na parada de Cancolim durante a flagelação ao aquartelamento em 20 de janeiro de 1974 (a única vez que fomos atacados logo de manhã).


Foto 16 > Abrigo da população na orla da mata para espantar os macacos,  por altura da colheita da mancarra


Foto 20 > O fur mil Gaspar, o alf mil Andrade e eu na escala que o Niassa fez no Funchal no regresso a Lisboa


Foto nº 22 > Análises que fiz antes de regressar à metrópole... Regressei a Portugal no navio Niassa que partiu de Bissau em 28 de Março e chegou a Lisboa a 4 de abril de 1974. Já não me recordo do que era o EDDT...


Foto 23 > A primeira vez que fui parar ao Hospital Militar de Bissau foi devido a uma febre que ninguém conseguiu identificar... Cheguei lá a 6 de Junho de 1972 e saí quase um mês e meio depois. A segunda vez foi mais grave: foi gravemente ferido na sequência de mina A/C na coluna  no dia 14 de Agosto de 1972...

Foto acima: a "pirimetamina" era um medicamento que tomávamos , 1 comprimido aos domingos durante oitro semans.. Fazia parte da profilaxia (prevenção) da malária ou paludismo... O "mintezol" acha que era um fungicida...


Fotos (e legendas): © Rui Baptista (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Terceira (e última) parte do álbum fotográfico do Rui Batista (ex-fur mil, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, Cancolim, 1972/74) qu emora em Póvoa de Santo Adrião, Loures. Com 65 anos de idade, está reformado, é lisboeta, sendo os pais oriundos de Arganil. e é nosso grã-tabanqueiro desde 9/12/2009.
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Nota do editor

Último poste da série > 1 de abril de  2016 > Guiné 63/74 - P15925: Memória dos lugares (337): Cancolim, subsetor de Galomaro (Rui Baptista, ex-fur mil, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, 1972/74) - Parte II: "Passei lá alguns maus bocados, com duas idas ao hospital, mas também lá tive alguns bons bocadinhos"...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15794: Inquérito 'on line' (34): Sim, "também já passei por uma ou mais situações de doença grave", dizem 47% de um total de 88 respondentes

1. INQUÉRITO DE OPINIÃO: 

"TAMBÉM JÁ PASSEI POR UMA OU MAIS SITUAÇÕES DE DOENÇA GRAVE"



1. Sim, já passei por uma > 20 
(22,7%)

2. Sim, já passei por duas > 14 
(15,9%)

3. Sim, já passei por três ou mais > 
(8,0%)

4. Não, felizmente ainda não passei por nenhuma > 45 
(51,1%)

5. Não sei / não me lembro > 2
 (2,3%)

Votos apurados >  88
(100,0%)
Sondagem fechada 24/2/2016, 9h02

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15773: Inquérito 'on line' (34): Sim, "também já passei por uma ou mais situações de doença grave", dizem 48% dos 50 respondentes, até à data. Prazo de resposta: 4ª feira,dia 24, 9h00