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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2587: Gandembel: Será que ainda estão vivos os jovens que eu evacuei, em Outubro de 1968 ? (Jorge Félix, ex Alf Mil Piloto Aviador)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Foto 320 > "E nestas acções, a aeronave trazia sempre algo. Desta vez, uns cunhetes de armamento que se descarregam, enquanto o ferido espera a oportunidade de ser levado até ao Hospital Militar"

Foto e legenda: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.



1. Mensagem de um ex-camarada da Força Aérea, Jorge Félix:

Senhor Luis Graça:

A Guerra tirou-nos o sono ... Tropecei no seu Blogue. Vi pouco, muito pouco, mas chegou para me inquietar.

No post de 3 de Janeiro de 2008, num jantar de 27 de Dezembro 2007 (1), ouvi falar de Gandembel e fui ver o mapa e a minha caderneta de voo. (Fui piloto de helicópteros Al III em 68/69/70 na Guiné-Bissau). Lá encontrei que no dia 19 de Outubro de 68 fiz um TGER (transporte geral) para Gandembel. No dia 20 do mesmo mês um TEVS (tranporte evacuação). No dia 29 voltei lá para fazer outra evacuação. Não sei se lá voltei, pois por vezes marcávamos ZOPS (zona operacional) em lugar do nome da localidade.

Esta semana deve ter sido mexida, já la vão uns anitos, mas recordo-me que não era fácil a vida de Gandembel (2).

Passados estes anos todos, não tenho palavras para lhe transmitir com me encontro... eufórico?, pensativo?, saúdoso?, lamechas? com vontade de ter 20 anitos ...Será que os individuos que evacuei estão vivos ?

A hora é tardia e os anos pesam. Não sendo despropositado, gostava de dar um abraço a todos aqueles jovens que não conheço mas com quem vivi momentos que nos acompanham passados que já foram tantos anos. Mantenham viva essas memórias, eu por cá, se puder darei uma ajuda.

Voltarei , é tarde, muito tarde.

Jorge Félix (ex Alferes Miliciano Piloto Aviador)


2. Comentário de L.G.:


Jorge, aqui somos velhos camaradas e tratamo-nos todos por tu, do coronel ao soldado. É uma alegria e uma honra acolher-te na nossa Tabanca Grande. Julgo que és o primeiro piloto aviador de heli a aparecer por estas bandas. Os Melec têm aparecido, mas os pilotos andam mais arredios... Why ? Vocês também eram muito poucos, pelo que a probabilidade de dar com o nosso blogue também é bem menor... Mas, olha, foi um feliz acaso... E ainda bem que apareceste, porque nos falta a perspectiva da guerra da Guiné... by air.

Deixa-me dizer-te que tenho um amigo, o Lino Reis, natural da Lourinhã, que também foi Alf Mil Piloto Aviador, na Guiné, andou nos helis, como tu, mas julgo que mais tarde (talvez, 1970/72 ou 1971/73)... Ele depois enveredou pela carreira de piloto comercial... Hoje é advogado, ou pelo menos tirou direito. Não sei se ele costuma visitar o nosso blogue... Encontrei-o há uns tempos num 10 de Junho, em Belém, e, de vez em quando, na nossa terra... Mas, curiosamente, não temos falado muito da Guiné... Por pudor ? Não sei...

Espero, entretanto, que o Idálio Reis, que é o nosso herói de Gandembel/Balana, ele e os seus homens-toupeira, leia este poste e traga mais algum elemento novo sobre a tua a ida, em serviço, a Gandembel no já longínquo Outubro de 1968... No próximo sábado, dia 1, espero estar a caminho de Guileje, passando por Gandembel... Lembrar-me também de ti e de todos os valorosos pilotos aviadores cuja a cuja competência e coragem muitos de nós, tropa-macaca, devem a vida...
Não há nenhum camarada operacional do tempo da guerra colonial que não se lembre, ainda hoje, ao ouvir um heli nos nossos pachorrentos céus azuis, quão securizante era o som o helicanhão a rondar por cima das nossas cabeças, como um anjo da guarda protector...
Obrigado, também, pelos termos novos que aprendi contigo: TGER, TEVS, ZOPS... Conto, seguramente, contigo para não deixarmos que sejam os outros a contar a nossa história por nós... LG

__________

Notas de L.G.:


(2) Vd. a série de 11 artigos do Idáio Reis sobre a CCAÇ 2317 (Gandembel, Abril de 1968/Janeiro de 1969):


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2552: Estórias de Guileje (8): Como feri, capturei e evacuei o comandante Malan Camará no Cantanhez (Manuel Rebocho, CCP 123 / BCP 12)

Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Cachambas Balantas, próximo de Jamberém > CCP 123 / BCP 12 (1972/74) >12 de Fevereiro de 1973 > "Os dois Pára-Quedistas que surgem na fotografia, ambos da minha Secção, são o Álvaro da Silva (o Biafra para os amigos e conhecidos, o homem das mil e uma estórias (...) e que é hoje um empresário de táxi em Loures) (...) e o Solinho" (MR).

O 1º Cabo pára-quedista Álvaro, o militar à esquerda na fotografia, pouco depois da captura, no Cantanhez, do famoso Comandante Malan Camará, ferido por um disparo de Sneb [rocket de 3,7 cm], "que eu próprio mandei disparar" (Manuel Rebocho) (1).

Foto: © Costa Ferreira (gentilmente cedida pelo Manuel Rebocho) (2007). Direitos reservados.


1. A propósito de Guileje e do Malan Camará, no mês de Janeiro último, troquei alguns emails com o Manuel Rebocho que, além de ter sido um grande operacional, como sargento pára-quedista da CCP 123 / BCP 12 (Guiné, 1972/74), é também meu confrade da(s) sociologia(s), sendo doutorado pela Universidade de Évora. Sobretudo a partir dos escritos do nosso camarada Victor Tavares, sabemos hoje melhor – pelo menos aqui no blogue - o papel decisivo que tiveram os homens do BCP 12, na contenção da ofensiva do PAIGC e na defesa das vidas de muitos camaradas nossos (tanto no sul, Guileje e Gadamael, como no norte, Guidaje) (2).

Na sequência dessa troca de correspondência, pedi-lhe para publicar autonomamente o relato da captura do Malan Camará, comandante de um bigrupo do PAIGC, o bigrupo de Simbeli. Além de ter comandado o Grupo de Combate que esteve na origem do aprisionamento desse guerrilheiro, o Rebocho possui cópia do relatório da operação:

Este relatório está classificado de 'secreto'. Não o roubei, nem o obtive pela 'porta do cavalo'. Tenho-o por despachos do Ex.mo General CEME e do Ex.mo Major-General Comandante das Tropas Aerotransportadas. Tenho este relatório e centos de outros, obtidos todos, de igual forma.

O Rebocho, que neste blogue tem cultivado um low profile, fez questão inclusive de me dar os números de telemóvel ou de telefone de todos os camaradas que ele menciona aqui, e que podem comprovar a sua estória/história. Naturalmente que não vamos divulgar no blogue esses contactos. Mas o gesto é revelador da honestidade intelectual do autor. De resto, já lho tinha dito:
Caro colega de academia e camarada de armas: Admiro a tua frontalidade e a paixão pelo rigor, filhos da carreira de armas, da guerra, da camaradagem e da... ciência.

A captura do Malan Camará (que por lapso chegou a ser imputada à CCP 121) não é apenas mais um episódio da guerra, dura e cruel, que se travou na Guiné, e em especial no sul, nos últimos anos (1972/74)...Tem também o seu lado de nobreza e de grandeza humanas, que eu quero aqui sublinhar, ao publicar mais esta Estória de Guileje (3). O teatro de operações não foi exactamente o da zona de acção de Guileje, mas foi nas suas proximidades, a sudoeste, na actual Região de Tombali, na mítica mata do Cantanhez, perto de Jemberém (Carta de Cacine).

E a propósito onde estava o Rebocho mais os seus homens em 22 de Maio de 1973 ? Escreveu ele:

"A minha Companhia [a CCP 123] estava, no dia 21 de Maio de 1973, com dois Pelotões em
Cadique e os outros dois em Jemberém, no Cantanhez. Durante a noite de 21 para 22 de Maio a Companhia recebeu ordens para reagrupar, como reagrupou. As ordens são para cumprir - na guerra ou nas guerras - se cada um faz o que quer, convencido de que possui toda a razão, o resultado acaba por ser sempre o mesmo - morrem todos. Durante a madrugada desse maldito dia 22 de Maio, a minha Companhia embarcou numa LDG, ancorada no rio Cumbijã, para seguir para Gadamael, e daqui, em marcha apeada, para atacar as bases do PAICG, que estavam a bombardear Guiledje".



Estórias de Guileje > A captura do Malan Camará
por Manuel Rebocho

Revisão e fixação de texto: L.G.

O Malan Camará foi capturado no dia 12 de Fevereiro de 1973, nas Cachambas Balantas, próximo de Jemberém, depois de ter sido ferido por um disparo de Sneb, que eu próprio mandei disparar. Era ele, ou eu e os meus homens: foi assim a guerra, que só a conheceu quem a fez.

Malan Camará, ou os homens sob o seu comando, mataram-me um soldado, o Azinheirinha, e feriram gravemente o Alferes, razão pela qual assumi o comando do pelotão.

O Malan Camará recebeu os primeiros socorros no terreno, antes de ser evacuado de helicóptero para o Hospital Militar de Bissau, onde foi bem tratado. E não foi evacuado por engano, eu pedi uma quarta aterragem de helicóptero, dizendo expressamente que era para evacuar um elemento IN ferido.

O General Spínola, que estivera no local falando connosco, ouviu as comunicações rádio e não se opôs, o que permite que eu afirme que este género de humanidade era assumido pela mais alta hierarquia. De facto, o General Spínola não teve só conhecimento, via rádio, de que eu pedira a avacuação de Malan Camará, como tendo acompanhado via rádio as nossas comunicaçãoes, foi lá, esteve no terreno connosco, falou connosco e inteirou-se do que se estava a passar.

Como eu esperava o helicóptero para evacuar o Malan, quando o helicóptero se aproximava mandei, como era natural, quatro soldados avançarem com o preso. Spínola desceu e viu claramente que o elemento a evacuar era um inimigo.

Hoje, os que fugiram da guerra, para o ar condicionado, dizem de Spínola cobras e lagartos, mas têm mais defeitos do que ele, enquanto o não assemelham nas virtudes.

A guerra em que eu participei, foi uma guerra violenta, mas humana, dentro do possível, claro. Não a do ar condicionado nem a da violência gratuita.

A vinda de Spínola acabou por nos trazer mais um embaraço: Malan Camará não seguiu naquele helicóptero e tivemos que esperar por outro. Mas, como um mal nunca vem só, os Pilotos consideraram, e bem, que aterrarem uma quarta vez no mesmo sítio era já muito perigoso, pelo que acertámos que a evacuação de Malan se faria, como se fez, numa outra bolanha, para onde partimos e a evacuação se processou.

É de referir que, naquele momento, eu não sabia quem era o guerrilheiro, pelo que no campo da estrita decisão militar, eu evacuei um guerrilheiro, sem nome nem função.

A operação era comandada pelo Tenente Sousa Bernardes. Porém, como o seu Comandante estava aprisionado, os guerrilheiros lutaram prolongada e desesperadamente, o que levou à exaustão dos meus homens e de mim próprio.

Então, Sousa Bernardes, que eu considero o melhor Oficial com quem trabalhei, decidiu perseguir os guerrilheiros, com o pelotão dele, arrastando os combates para o interior da mata e facilitando assim as evacuações. Por este motivo o comando das evacuações ficou a meu cargo, pois os nossos dois pelotões separaram-se, o que bloqueou a capacidade táctica da guerrilha.

Como, e muito bem, se tem acentuado no nosso blogue, os combatentes não lutam para matar, mas para sobreviver, e neste sentido e por esta razão, aqueles combates sucessivos foram dramáticos, porque os guerrilheiros queriam desesperadamente recuperar o seu comandante e nós queríamos sobreviver, o que estava a ser difícil.

Os dois Pára-Quedistas que surgem na fotografia, ambos da minha Secção, são o Álvaro da Silva (o Biafra para os amigos e conhecidos, o homem das mil e uma estórias, que por mais que estranhas são verdadeiras), que é hoje um empresário de táxi em Loures; o outro é o Solinho.

Os outros dois Cabos Pára-Quedistas, que comigo ficaram debaixo de fogo, pois tratou-se de uma emboscada montada pelo PAIGC, com abelhas e tudo, são o Gonçalves e o Ferreira (o Salvaterra para os amigos, por ser de Salvaterra de Magos, onde é hoje, um respeitável industrial da construção civil).

O Alferes que comandava o Pelotão e que foi ferido e evacuado, é hoje Coronel na reserva, chama-se Fernando Pires Saraiva.

O comandante da operação era o então Tenente Pára-Quedista Norberto Crisante de Sousa Bernardes, o melhor Oficial do Quadro que eu conheci, comandava a partir da frente, onde não ia naquele momento, por que seguia na frente um sargento chamado Rebocho e, como estávamos nas proximidades da base do PAIGC, todas as regras desaconselhavam que fossemos os dois perto um do outro. A operação foi conduzida a dois pelotões. Sousa Bernardes é hoje Major-General, na reserva, vive em Abrantes.

_________

Notas de L.G.:

(1) Sobre o Malan Camará, vd. postes de:

24 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2478: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (9): Inimigos de ontem, amigos de hoje

25 de Janeiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2481: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (11): Malan Camará... e a maldição dos 3 G + 1 J (Manuel Rebocho)

30 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2490: Em busca de... (18) : Malan Camará, comandante do PAIGC, capturado pela CCP 123, no Cantanhez, em 1973 (Manuel Rebocho / Pepito)


(2) Vd. postes do Victor Tavares:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os paraquedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gamparà (Victor Tavares, CCP 121)

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista

29 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1793: Operação Muralha Quimérica, com os paraquedistas do BCP 12: Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael, Abril de 1972 (Victor Tavares)

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1891: O Cantanhez (Cadique, Caboxanque, Cafine...) e os paraquedistas do BCP 12 (1972/74) (Victor Tavares, CCP 121)

9 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2038: Os pára-quedistas no mítico Cantanhez: Operação Tigre Poderoso (I parte) (Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12)

31 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2014: O Idálio Reis, a CCAÇ 2317, Gandembel e os pára-quedistas do BCP 12 (Victor Tavares)

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2051: Os pára-quedistas no mítico Cantanhez: Operação Tigre Poderoso (II parte) (Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12)


(3) Vd. último poste desta série > 11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2523: Estórias de Guileje (7): Um capitão, cacimbado, e um médico, periquito, aos tiros um ao outro... (Rui Ferreira)

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2037: Memória dos Lugares (2): de Elvas a Bissorã e de Lamego a Biambe, com a CART 730 (Parte II) (João Parreira)

1. Segunda e última parte do texto do João Parreira, evocativo do seu reencontro com os antigos camaradas da CART 730

Metrópole – Biambe- II Parte (1)

O tempo foi-se passando em Bissorã. O Capitão de Artilharia Aníbal Celestino Rocha, Oficial de Operações do Batalhão, deslocou-se a Bissorã por razões que desconheço, e falou-me dos Comandos, dizendo-me que um dos Grupos em Brá precisava de pessoal.

Várias diligêncis depois, ofereci-me. Por motivos que não vêm ao caso agora, perdi a coluna militar para Bissau,para prestar provas. O meu comandante aproveitou o facto de ainda ali estar para me dizer que eu iria participar na operação à base de Biambe e que o Gomes, o meu substituto, não ia.

Era costume estarmos presentes nos briefings que antecediam as operações, em que nos era permitido expôr as nossas opiniões sobre os pormenores das mesmas, e eu não me acanhava, alvitrava uma ou outra alternativa à que era exposta, por me parecer que seria mais viável e menos perigosa. Por hábito, ia sempre no quarto ou quinto lugar da frente, dependia se levámos prisioneiro ou não.
Nem sempre as minhas sugestões eram do agrado do comandante de Companhia (capitão de Artilharia, que não duvido seria óptimo naquela arma, mas não tanto a comandar pela 1ª vez no terreno uma companhia de Infantaria).

Neste curto briefing relativo ao golpe de mão àquela base, o Comandante da Companhia, indicou-nos que iam 4 africanos mas cujas funções não foram claramente mencionadas pelo que segui para a operação com a impressão de que eram 3 guias e 1 guia prisioneio, por ser o único que se encontrava amarrado. Só depois de ler o relatório é que fiquei a saber que afinal eram 2 guias e 2 guias prisioneiros.

Embora a minha seccção, a 1ª do 1º Pelotão, seguisse sempre à testa da Companhia (da 2ª era o Cruz e da 3ª o Bragança), naquele dia, devido à ausência do meu comandante de Pelotão, o Alferes Ferreira que, tal como eu, tinha sido ferido, na operação em Cancongo, encontrando-se ainda hospitalizado, parti do princípio que no final da reunião o Comandante da Companhia ia dar ordem para um oficial seguir à frente com o respectivo pelotão.

Estava enganado pois deu-me instruções para seguir à frente da coluna, levar um dos guia e o prisioneiro que estava amarrado, acrescentando que quando chegasse a altura devia tomar as decisões que fossem necessárias. Assim partimos para a operação às 23,15h.

Furriéis da CART 730 – Da esq para a dir: Venda, Vira, Alcides, Cruz (minas e armadilhas , à frente), Almeida, Passos (transmissões), Parreira (oe), Reis (manutenção auto) e Ribeiro (sapador).

Esta operação, embora o resultado esteja correcto não foi exactamente, nem podia ser, como consta no relatório. Na realidade apenas 5 homens incorporados na Companhia estiveram nas 12 casas de mato que faziam parte da referida base, conforme passo a descrever.



Seguíamos há várias horas pelo trilho em direcção ao que pensávamos ser o objectivo quando, num certo ponto, o guia, que ia à frente da coluna precedido pelo prisioneiro que ia amarrado com uma corda pela cintura e que estava ao cuidado do Leitão, colocou-se ao lado do prisioneiro, trocou umas breves palavras e depois disse-me que nos estávamos a aproximar de uma tabanca.

Dei ordem para prosseguir e quando a mesma estivesse visível que me avisasse. Passado algum tempo apontou-me a direcção de uma enorme tabanca que se podia avistar, não muito ao longe, e disse-me que devia estar abandonada.

Nesse momento parámos, pelo que não querendo assumir a responsabilidade que me tinha sido dada por não se tratar da Base de Biambe, disse ao soldado que seguia atrás de mim para informar o Capitão, que se estava a avistar uma tabanca que, pelo silêncio, devia estar abandonada, e assim ficava a aguardar instruções, no pressuposto que o Comandante me ia chamar para trocar impressões ou então mandar dizer para evitar a Tabanca e seguir por outro trilho na direcção do objectivo.

Fiquei algum tempo à espera das instruções quando para minha surpresa sou ultrapassado por soldados que se encontravam atrás, pensando possivelmente que aquele era o objectivo e por ordem não sei de quem avançaram na direcção da tabanca. Por outro lado, não compreendi a razão pela qual o Cruz e o Bragança também avançaram com as suas secções.

Continuei no mesmo sítio com a minha secção até que, juntamente com os camaradas que passavam por mim dirigindo-se à tabanca, apareceram os outros 2 guias que vinham algures na coluna (afinal, um era guia prisioneiro, muito embora se encontrasse com liberdade de movimentos) que não avançaram e ficaram também ali parados a meu lado.

Com os 4 africanos na minha presença, disse aos guias que perguntassem aos prisioneiros onde ficava a base. Falaram entre eles e um deles disse-me que um dos prisioneiros lhe garantira que a base de Biambe ficava a pouca distância dali, mas numa direcção diferente.

Na posse desta informação, e inconformado com a atitude do pessoal e pela pacifidade dos restantes graduados face à distorção da missão, disse à minha secção que aguardasse pois ia lá atrás falar com o Capitão Garcia.

Naquela altura já ele tinha começado a avançar e acompanhando-o disse-lhe que ali à frente não devia haver nada, conforme o tinha informado, e que o objectivo Inimigo, que era a razão da missão que ele nos tinha indicado no quartel, eram as casas de mato, a base de Biambe, que ficavam noutra direcção, segundo tinha acabado de me dizer o prisioneiro e não aquelas palhotas, e que por conseguinte poderia ser mais conveniente e proveitoso esquecer a tabanca e seguir.
Não ligou às minhas palavras, e, irritado, disse-me que ele é que era o Comandante da Cª. e que quem ordenava o que se devia fazer era ele.

A resposta seca, dura e autoritária na presença dos camaradas que estavam a seu lado, doeu-me tanto como se tivesse sido atingido por uma chicotada. Imediatamente, passou-me pela cabeça, que ia mesmo aventurar-me à procura do acampamento Inimigo,
apoiado por quem quizesse ir comigo.

Animado com a ideia que me tinha acabado de ocorrer, acompanhei-o até ele ter chegado ao lugar onde eu tinha deixado os africanos e a secção. O capitão e os militares que com ele seguiam continuaram em frente, e eu fiquei ali e disse aos africanos para me levarem à Base.

Falei com os meus soldados que ainda ali continuavam no sentido de tentar persuadi-los para avançarmos para a base Inimiga mas não se mostraram entusiasmados, dizendo-me que preferiam seguir também para a tabanca o que me causou grande frustração. Reconheci, contudo, que estavam no seu direito de recusarem.

Para não perder mais tempo, já perto das 4 horas da manhã, disse ao João Maria Leitão, a quem tinha sido entregue o prisioneiro amarrado, se se sentia com coragem para aquela digressão e ele disse-me que sim.

Foto com dois camaradas que sairam da minha secção na CART 730 e depois do 2ºCurso ficaram na 1ª equipa do Grupo cmds. Vampiros: António Paixão Ramalho “Monte Trigo” e o João Maria Leitão ao lado do Alf Mil António Vilaça (ex-CCaç 726), o Djamanca e o Justo. O João Leitão nos Comandos foi agraciado com a Medalha de Mérito Militar.

JP,Saraiva,VB,Marques em Set 65,em Brá

Da minha secção, aproveito para referir que também saiu o Cândido Tavares, o “República”, que ficou no mesmo Grupo mas noutra equipa. Sairam ainda o Furriel Joaquim Prates (que acabou por não frequentar o Curso de Comandos e foi transferido para a CCaç 763 em Cufar), o 1º Cabo Faustino dos Santos Viegas que foi para o gr. Cmds “Centuriões”, ferido em Jolmete em 3Ago65 e evacuado para o HMP, e os soldados Jacinto da Conceição Venâncio que foi para os “Apaches” e o José de Oliveira Gonçalves.

Desconheço os motivos pelos quais quizeram sair da CART 730 para frequentarem o 2ºCurso de Comandos uma vez que todos nós os que o fizemos não tínhamos qualquer problema disciplinar, pelo contrário, o Comandante da Companhia exerceu até alguma pressão para nos desencorajar, pelo que não sendo para seguirem as minhas pisadas, deduzo que deva ter sido, como todos os que foram para os Comandos, pelo espírito de aventura.

No meu caso, não foi pelo facto de ter sido ferido numa operação anterior, juntamente com outros camaradas. O Alf. Ferreira, meu Cmdt. Pelotão, também instruendo no CIOE, onde foi um dos melhores, uma vez chegado à Guiné desinteressou-se totalmente do exército, de tomar qualquer decisão ou até de dar qualquer opinião sobre as operações.

Mas continuando, a caminho de Biambe.


Embrenhados num dos trilhos do mato a caminho do acampamento, no último dia do mês de Fevereiro de 1965, fiquei convencido que os africanos não me estavam a enganar e que o guia prisioneiro que melhor sabia a localização não ia fugir, e que por isso íamos encontrar a Base que segundo a minha perspectiva o inimigo devia ter abandonado ao tomar conhecimento que a tropa andava por ali perto, e não teria tempo de se organizar para nos montar uma emboscada.

Naquela altura, a adrenalina estava ao rubro. Pelo sim pelo não, dei instruções aos guias para que a principal preocupação fosse a de avançarmos com todos os sentidos alerta e concentrados em pequenos pormenores que nos dessem a conhecer com a devida antecedência se o Inimigo se encontrava mais à frente à nossa espera. Assim, iniciámos uma lenta e cuidadosa progressão.

Segundo me tinham dito a Base situava-se perto, o que me fez pensar que me dava tempo para ir e regressar à Companhia, antes de terminarem de vasculhar e, eventualmente, como era hábito, incendiarem a tabanca, o que ia demorar algum tempo, ou que pelo menos não os faria esperar muito.

Estava redondamente enganado, pois por experiência própria fiquei a saber, durante os cerca de 20 anos que andei por países africanos, que para eles africanos era tudo perto, independentemente das distâncias. Todavia há sempre um senão, e a operação não correu exactamento como tinha previsto, já que perto do alvorecer, mas ainda escuro, vi um vulto que em frente do único soldado que ia à minha frente saiu do trilho e correu para o mato.
Apercebi-me que o guia prisioneiro tinha conseguido libertar-se da corda que o atava à cintura pelo que estando totalmente fora de questão tentar abatê-lo a tiro, como levava no bolso uma navalha espanhola, abria-a o mais depressa que pude e atirei-a com toda a força na direcção onde ele tinha entrado no mato, mas claro que não lhe acertei.
Passado pouco tempo chegámos à base de Biambe que, segundo contámos, era composta por 12 casas de mato que tinham sido recentemente abandonadas, possivelmente quando o inimigo viu as labaredas das 26 palhotas da tabanca a subirem para o céu.

Perante este panorama mandava a prudência que saíssemos dali o mais rapidamente possível, tanto mais que um prisioneiro que conhecia aquela zona tão bem como as palmas da mão tinha fugido e, caso entrasse em contacto com os seus camaradas, iria denunciar a nossa presença.

Revistámos apenas algumas casas de mato e encontrámos: 1 GMO-RG34, 4 carregadores de PM, muniçoes de 9mm, 1 bolsa de pano, 1 sabre, 1 cinto de cabedal, 1 grade para GMO e vários documentos.Regressámos com as mesmas precauções, mas por um trilho diferente.

Tendo a Companhia acabado de incendiar a tabanca e preparando-se para retirar, vim a saber depois, o Capitão mandou procurar os guias e os prisioneiros e deu então pela minha falta, altura em que lhe disseram que tinha seguido com eles para a base
inimiga.
Dada a demora em regressarmos começaram a fazer conjecturas sobre o que nos teria acontecido, tendo então decidido dar ordem para 4 Secções irem à nossa procura.

Sem nos terem encontrado pelo facto de terem seguido por uma direcção diferente, as Secções regressaram ao seio da Companhia primeiro do que nós. Quando passadas várias horas chegámos à zona da tabanca, a arder, vimos a Companhia estacionada a aguardar o nosso eventual regresso.
Os soldados da minha secção vieram ao nosso encontro, e perguntei-lhes onde se encontrava o Comandante da Cª. Quando me dirigia para ele,reparei numa bajuda, provavelmente fugida da tabanca, rodeada por soldados.

Postal com bajuda “balanta”, Mansoa

Durante o curto trajecto, alguns soldados da minha secção acompanharam-me e aproveitaram para me informar que um dos assunto badalados durante a longa espera que tiveram que fazer era que o Fur Parreira tinha saido com os guias e ninguém sabia em que direcção. Um deles, bastante agitado, referiu que esteve perto do Capitão, e que o ouviu dizer aos outros oficiais que me ia levantar um processo discipinar. Perante este facto, e devido ao perigo em que estávamos envolvidos, nem sequer me tinha passado pela cabeça essa possibilidade pelo que me deu então para perguntar se na tabanca tinham apanhado algum material de guerra ou documentos e foi-me dito que não.

Quando, acompanhado pelo Leitão, pelos três africanos e também por soldados da secção me abeirei do Capitão que, juntamente com os outros oficiais, ainda se encontrava encostado à àrvore, pude constatar que a sua expressão não era nada agradável.
Sem o deixar falar perguntei-lhe de chofre se tinham apanhado algum material nas palhotas da tabanca e ele que não devia estar à espera que lhe perguntasse fosse o que fosse, muito pelo contrário, respondeu-me laconicamente que não. Não lhe dando oportunidade para falar, e sem lhe dar pormenores do que tinha acabado de fazer, disse-lhe calma e respeitosamente:
- Meu Capitão, afinal esta operação não foi de todo infrutifera, pois trazemos-lhe este material.
Foi com tristeza que de seguida lhe tive que comunicar que o prisioneiro tinha fugido, porém ignorou tal facto e não fez qualquer comentário.O material foi o mencionado no relatório, mas foi a tabanca que foi incendiada pela Companhia e não as casas de mato, que eram 12 e não 8 conforme mencionou.
Foi reconfortante verificar que sendo um oficial amável no trato era todavia um militar exigente, mas também compreensivo,já que não me criticou, limitando-se a dar de imediato ordem para a Companhia se pôr em movimento.

Seguidamente a este episódio fizemos uma batida à área de Chumbume onde localizámos um grupo com cerca de 25 elementos inimigos fardados de caqui amarelo novo, cambando a bolanha e armados de ESP Aut, PM e 1 LGF. etc.

Ataque IN a Bissorã

No dia seguinte das 00h05 as 03h00 o nosso aquartelamento e a vila de Bissorã sofreram ataques do IN. Atacaram de todas as direcções excepto do lado de Binar (tabanca “da outra banda”)e fizeram uso de quase todos os tipos de armamento: P, PM, GM, Esp.aut. e repet,, ML, LGF, Mort 60 e 82. Caíram na área do aquartelamento várias granadas de morteiro e de LGF, felizmente sem consequências.
A forte reacção e posterior perseguição levaram o combate para longe das nossas posições,principalmente do lado da granja e bolanha entre as estradas de Bissorã-Mansoa e Bissorã-Binar.
De madrugada consegui, a muito custo, convencer alguns soldados do pelotão para irmos fazer uma busca ao exterior do arame farpado, e apanhámos uma granada e um frasco de tintura.
De manhã saíu um pelotão que apanhou mais material e à tarde fomos nas Mercedes buscar palmeiras para os abrigos.

Dois dias depois deslocou-se a Bissorã, o Tenente-Coronel Braancamp Sobral(conhecido como o “Cavalo Branco”) que comandava o aquartelamento de Mansoa.
Contava que, mais dia menos dia, houvesse coluna militar para Bissau e assim não ia fazer mais operações com a Companhia. Mas isso não aconteceu. Apesar de já ter um substituto, ainda fiz mais duas operações, uma em Passe e outra em Binar.


Encontro em 5 Mai 07 com o Cmdt. CArt 730 presente


JP, Alf Orlando Valdez (Cmdt.2º.Pelotão), Capitão Garcia e outros camaradas.


Camaradas da m/secção da CART 730, no 4º. Almoço-convívio realizado a 5 de Maio de 2007, no Portal do Infante, na Marina de Lagos (de boina o República, do Grupo Vampiros)

A minha secção era composta pelos seguintes militares: 1º Cabo Francisco Dias, Soldádos José Maria de Oliveira, António Paixão Ramalho, João Maria Leitão, Francisco José Pires, Armindo Jerónimo Barrelas, Cândido P. Tavares, Jacinto Manuel Guerreiro e Custódio António Dias.

A alegria dos soldados!

Durante o período que dei instrução, ainda em Lisboa, passou-se um episódio que nunca poderei esquecer.

Aquele dia estava destinado a um dos treinos de rastejar e decidi que o mesmo fosse efectuado em cima de vários objectos nada aconselháveis, quando o tive que interromper, devido a uma dor súbita, aguda que senti na virilha direita. Chamaram um jipe para me levar de urgência para o Hospital Militar.

Perante o inesperado, eu a torcer-me com dores, e os instruendos a baterem palmas de contentamento por a instrução ter terminado. Fui submetido a uma intervençao cirúrgica e transferido a seguir para o Anexo. Quase a ter alta, fui "provocado" por outro dos internados. Saltei da cama e envolvemo-nos numa vigorosa “guerra” de almofadas. Resultado, os pontos rebentaram e voltei à estaca zero.

Durante o tempo em que estive internado, apresentaram-se do RAL 1 (unidade mobilizadora), o Alferes Ferreira, que iria ser o meu comandante de pelotão e, mais tarde, o Capitão Garcia que iria ser Comandante da Companhia 730.


2. Comentário do co-editor vb:

Completa-se assim o episódio da Metrópole ao Biambe (uma das mais faladas bases do PAIGC no Norte) do nosso Camarada João Parreira.

Estas memórias, tanto quanto me foi dado perceber, ressuscitaram quando se reformou. O Parreira, nos seus tempos de Guiné, fazia um diário, onde anotava desde acontecimentos bélicos a brincadeiras de bom e de mau gosto.

O JP é lisboeta genuíno, nasceu em Alcântara. Antes ainda de ir para a tropa, em Dezembro de 1966, ingressou no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Prestou o serviço militar entre 9 Agosto 1963 e 19 Agosto 1966. Fez a comissão na Guiné de 8 Outubro a 14 Agosto 1966, primeiro na CART 730/BART 733. Foi ferido em 9 Janeiro 1965 numa operação à base de Bafantandem, na zona de Cancongo. Depois, foi para os Comandos Fantasmas do Cap Saraiva. Foi outra vez ferido em 20 Abril 1965 na operação Açor, nas tabancas de Portugal, na zona do Incassol. E como não há duas sem três, voltou a sê-lo em 6 Maio 1965 na operação Ciao em Catungo, Cacine, mesmo ao lado do Morais, que morreu logo ali, com o JP a olhar para ele, sem nada poder fazer.

Regressou ao MNE em Setembro de 1966. Com saudades de África, foi para o Consulado Geral de Portugal em Salisbúria, para a Rodésia em 23 de Dezembro. Geriu o Consulado Geral de 1 Janeiro 1978 a Fevereiro 1980. Passou pelo Malawi entre Abril e Maio de 79 e regressou a Salisbúria. Ia de vez em quando, melhor dizendo, todos os meses a Blantyre, Malawi, fazer a gestão dos consulado. E por lá andou até Março de 80. Depois colocaram-no na Embaixada em Lusaka, Zâmbia, para ajudar a preparar uma visita presidencial e dar apoio consular à comunidade portuguesa. De novo em Lisboa, no MNE em 23 Dezembro 1981. Londres, em 30 Setembro 1982. Depois, Harare, Zimbabwe em Janeiro de 1989. Em Agosto de 1994, outra vez em Lisboa, no MNE.

E medalhas, João?

Da Guiné, as que tenho trago-as comigo, estão aqui, no corpo. Pelo meu trabalho no MNE, o Presidente da República espetou-me no peito a Ordem do Infante D. Henrique, que está guardada num estojo, em minha casa.

________

Nota de v.b:

(1) Vd. post anterior > 1 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2020: Memórias dos Lugares (1): de Elvas a Bissorã, e de Lamego a Biambe, com CART 730 (Parte I) (João Parreira)

terça-feira, 10 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1941: Estórias (nem sempre) vistas do ar (Nuno Almeida, ex-1º Cabo Mecânico de Heli, FAP)


1. Mensagem do nosso camarada Nuno Almeida, ex-1.º Cabo Especialista MMA, com data de 2 de Julho

Camaradas Luís Graça e Carlos Vinhal:

Um forte abraço e um sincero obrigado pelo excelente blogue do qual só recentemente tomei conhecimento.

Embarquei para a Guiné (BA12 - Bissalanca) em 27-01-1972 e fui ferido na mata de Choquemone - Bula , ao proceder a uma evacuação de dois feridos, debaixo de intenso fogo de metralhadoras e morteiros, em 25-11-1972.

Fui evacuado para o Hospital Militar de Bissau, onde fui sujeito a 5 intervenções cirúrgicas, no espaço de 25 dias, e evacuado para Lisboa em 27-01-1973 (para vir morrer ao pé da família!!!).

Li algumas estórias de camaradas que viveram a guerra no terreno (no sentido lato da palavra) e pensei que, como elemento dos helicópteros (Alouette III) e tendo realizado inúmeras missões, no ano de 1972, de resgate de tropas aquando de ataques do IN, ou no transporte para locais de iminente conflito bélico, poderia dar algum contributo para a História, relatando alguns episódios passados nessas operações e vistas nessa perspectiva aérea.

Mais tarde, quando fui ferido e estive internado no Hospital de Bissau, melhor me apercebi das privações e sobressaltos que, a todo o momento, uma geração de jovens, na casa dos 20 anos, foi obrigada a suportar, adquirindo mazelas físicas e, principalmente, psicológicas, que ainda hoje perduram, e que muitos teimam em não aceitar que existem e estão latentes no nosso dia-a-dia.

Junto uma foto de parte da grande equipa que mantinha os helis a voar, para dar apoio aos que no chão, por vezes, necessitavam da nossa presença.

Guine > Bissalanca > 10 de Junho de 1972 > Pessoal da linha da frente da Esquadra 122 > Os Canibais

Um até breve com mais uns relatos lá de cima
Nuno Almeida (O Poeta)


2. Mensagem do co-editor Carlos Vinhal, enviada em 7 de Julho, para o Camarada Nuno Almeida

Caro Nuno Almeida:

Acho que és o elo que faltava no nosso Blogue. A nossa Caserna (também Tabanca Grande) já é composta por elementos do Exército, Força Aérea e Marinha. Mas faltava alguém que, andando normalmente no ar, tivesse da nossa guerra uma visão mais abrangente.

Assim teríamos muito gosto em que fizesses parte da nossa Caserna Virtual, se para tal quisesses manifestar a tua vontade. Basta que nos envies uma foto tua dos teus gloriosos tempos das Máquinas Voadoras e uma actual.

Diz-nos onde moras, o que fazes e o que achares conveniente para que te possamos ficar a conhecer melhor.

Já cá temos uma estória tua, publicada no Post P1912 (1), que esperamos seja a primeira de muitas que tenhas para nos contar.

Por agora recebe um abraço meu e do Luís Graça

O camarada
Carlos Vinhal
___________

Nota do C.V.:

(1) Vd. post de 2 de Julho de 2007> Guiné 63/74 - P1912: Um buraco chamado Mato Cão (Nuno Almeida, ex-mecânico de heli/Joaquim Mexia Alves, ex-Alf.Mil. Pel Caç Nat 52)

Guiné 63/74 - P1940: O dia de S. Martinho que jamais esquecerei... (Júlio César, CCAÇ 2659, 1970/71)


1. Mensagem do nosso camarada Júlio César, ex-1.º Cabo da CCAÇ 2659/BCAÇ 2905, Cacheu, 1970/71, de 4 de Julho, ao editor do blogue:

Escrevi este artigo, relatando uma situação vivida na Guiné, no dia 11 de Novembro de 1970 e que foi publicada em tempos (não sei a data) no Notícias Magazine e que postei no meu blog http://www.cacheu.blogspot.com/

Não sei se serve para alguma coisa.
Deixo isso ao critério meu amigo e permita-me que lhe enderece os meus parabéns pelo excelente trabalho que está a fazer ao escrever a história da Guerra Colonial, na Guiné.

Os meus dados:

Júlio César da Cunha Ferreira
Rua João Pereira Magalhães, 1077
4815-400 Vizela

Ex-1º Cabo 112175/69
Cacheu - Guiné

CCAÇ 2659 - BCAÇ 2905

2. Comentário do co-editor Carlos Vinhal:

No Blogue do nosso camarada Júlio César pode-se tomar conhecimento da história do BCAÇ 2905 com as suas Companhias CCAÇ 2658, 2659, 2660 e CCS.

A CCAÇ 2658 passou por Teixeira Pinto, Bachile, Binar, Paiama, Paúnca e Pirada;
A CCAÇ 2659 por sua vez esteve colocada no Cacheu;
A CCAÇ 2660, assim como a CCS, estiveram sediadas em Teixeira Pinto.

No Blogue há ainda a notícia da deslocação de um grupo de ex-militares deste Batalhão à Guiné-Bissau em Maio de 1996.
Podemos ainda encontrar notícias sobre os convívios das Companhias e dos aniversários de companheiros de luta que o tempo não separou.

Como diz o Júlio, alguns já partiram e outros não dão notícias. Quem se encontra periodicamente, fá-lo com alegria.



Guiné-Bissau > Caheu > Maio de 1996 - Regresso ao passado: Todos juntinhos para a fotografia (Em 1996, um grupo de ex-combatentes do BCAÇ 2905, visitaram a Guiné: Júlio, Costa e Silva e Magalhães, da CCAÇ 2659; Virgílio, Mourão e Barbosa, da CCAÇ 2660; Aristoteles, Albuquerque e Acácio, da CCS).


Convívio do pesoal do BCAÇ 2905 > Corte do tradicional e indispensável bolo comemorativo de um dos encontros

De entre as publicações que se podem encontrar no Blogue do nosso camarada, salientamos uma que tem o título No dia de S.Martinho que o nosso Blogue dá a conhecer à Tabanca Grande, com a devida vénia ao seu autor.
CV


3. No dia de S. Martinho, por Júlio César

A Operação

Saíram já depois da meia-noite. Na tentativa de ludibriar o IN que, sabíamos, espiava os nossos movimentos, o Primeiro e Terceiro Grupos de Combate da Companhia de Caçadores 2659, que estava sediada em Cacheu (Guiné) - pertencente ao BCAÇ 2905, este com a sua sede em Teixeira Pinto, hoje Canchungo - saíram em direcção a Mata e Bianga, duas tabancas normalmente inofensivas e amigas, inflectindo, já no meio da bolanha, para Pjangali, principal objectivo da Operação.

Conhecia perfeitamente a zona para onde iam e sabia também o perigo que corriam. Já tinha passado por lá muitas vezes e... sabia que ali havia sempre porrada. A marcha tinha de ser lenta e silenciosa pelo meio do capim a ficar seco, cobrindo as nossas cabeças, com as formigas enormes como baratas a entrarem pelo tronco, pescoço e pernas, por todo o lado por onde pudessem penetrar, dando ferroadas de morte, de modo que, muitas vezes, quando sacudidas de forma enérgica, puxando por elas, ficava a cabeça cravada nos nossos braços e pernas.

A bolanha, ainda não muito seca, era outro obstáculo a ultrapassar. A cada passo as pernas enterravam-se no lodo negro e malcheiroso, com a arma e munições numa rodilha à cabeça, preservando a sua funcionalidade. A ração de combate, único alimento para aquele dia, já tinha ficado nos primeiros metros da bolanha, perdida no lodo por entre milhares de minúsculos caranguejos e outros pequenos bichinhos, repugnantes e viscosos, que subiam por todo o corpo.

A manhã despontava, naquele dia 11 de Novembro de 1970, dia de S. Martinho. Era hora de descansar um pouco, retemperar forças antes de seguir para o objectivo.

Pouco passaria do meio-dia, quando chegaram à clareira que defendia as tabancas de Pjangali.
Rastejando como cobras por entre pequenos tufos de erva, os rapazes do Primeiro e Terceiro Grupos de Combate aproximaram-se lentamente das tabancas. De uma delas, bem no centro da aldeia, saía fumo e umas quantas galinhas debicavam aqui e ali, certeza que ali se encontrava alguém. As ordens tinham sido muito claras e cada um sabia o que tinha a fazer.
Completaram o envolvimento e entraram na aldeia sem que se ouvisse um único tiro. Cautelosamente, abrigados, com um grupo de homens protegendo a rectaguarda, avançaram até à primeira tabanca e entraram de rompante. Lá dentro, com um ar um tanto surpreendido, um homem grande olhava-os com o medo estampado no olhar.

Vendo que não havia perigo, os homens da Companhia avançaram. A princípio, cautelosamente, para logo depois descomprimirem. O alvoroço de galinhas e porcos obrigou a aparecer crianças, homens e mulheres, estes já velhos, sinal inequívoco que os mais jovens andariam em sortidas com os guerrilheiros.
Apareciam de todos os lados, garantia que, apesar de todas as cautelas tomadas, tinham sido previamente detectados. Foram interrogados pelo Comandante da Operação e, valendo-se de um dos guias, numa mistura de crioulo, manjaco e balanta, foram sabendo que já há vários dias que ali não aparecia ninguém e que eram só aqueles os habitantes da tabanca. Abivacaram mesmo ali e as rações de combate que alguns deles, felizmente, ainda traziam, foram repartidas pelos nativos, enquanto o cabo enfermeiro curava algumas feridas e distribuía mezinha entre eles.

O regresso

Eram horas de regressar e após contacto com a base receberam instruções para seguirem por Mata e Bianga.

Seriam cerca das seis horas da tarde quando os camaradas que ficaram no aquartelamento, os viram a atravessar a pista de aterragem. Pouco depois entravam pela porta que dava para o cemitério da povoação nativa por entre gritos de júbilo e de boas vindas dos que ficaram e que queriam saber como decorrera a Operação. Vinham todos... cansados, mas sorridentes. E, não era para menos. Não era a primeira vez que se ia para aquela zona e todos sabiam que ali era costume embrulhar. Além disso, era dia de S. Martinho e tudo estava preparado para uma grande festa, como era da praxe, em dias marcantes do nosso calendário!

A tragédia

Fiquei por ali um pouco, trocando impressões com o comandante da operação, sabendo como decorrera, quando uma forte explosão nos atirou por terra.
Pensámos que era um ataque ao aquartelamento que, afinal era costume, ao final da tarde, quando gritos lancinantes e uma núvem de poeira e estilhaços varreram toda a parada. Apercebi-me logo que algo de muito grave tinha acontecido e corri para o abrigo do Primeiro Grupo de Combate.
Por entre a poeira, correrias em pânico e muitos gritos (que ainda oiço muitas vezes) vi muitos dos nossos camaradas contorcendo-se por entre gritos de dor, tentando estancar o sangue que lhes saía de várias feridas espalhadas pelo corpo. Num rápido olhar avaliei a situação e vi um deles – o cabo Malheiro – que era o que estava mais perto da entrada, muito ferido. Peguei nele e vi, horrorizado, que as duas pernas, do joelho para baixo, tinham desaparecido. O sangue saía aos borbotões daqueles cotos, com a pele em fiapos, com músculos, veias e artérias como se tivessem sido cortados com uma serra velha. Sangue e mais sangue!!!

Tentei manter a serenidade e, com outros camaradas, corremos, gritando para afugentar o pânico, transportando-o, em cadeirinha até à enfermaria, onde os enfermeiros se afadigavam, tentando por todos os meios estancar o sangue que se esvaía das feridas abertas. As compressas e ligaduras depressa ficaram ensopadas em sangue, até que se esgotaram.

Peguei nele e vi, horrorizado, que as duas pernas, do joelho para baixo, tinham desaparecido
Pouco depois descobrimos outro ferido grave. Estava num local mais afastado do abrigo. Segurava a barriga com um esgar de medo e dor. Um buraco enorme, onde cabiam dois punhos cerrados, deixava ver parte das suas entranhas. Era horrível!

Entretanto caía a noite no Cacheu (na Guiné, depois das 18 horas é já noite). Os homens do Posto de Rádio afadigavam-se pedindo por socorro e o Capitão gritava para Bissau chamando a evacuação de dois feridos graves.
Às desculpas de que, de noite, não podia levantar qualquer avião ou helicóptero, por falta de visibilidade, o nosso Capitão respondia que iluminava a pista com todas as viaturas do quartel e, assim se fez, mesmo sem se ter a certeza da chegada de socorros.

Naquela guerra era proibido morrer ou ser ferido durante a noite... Cerca das oito horas da noite, o Primeiro-Cabo Malheiro morria, esvaído em sangue por falta de assistência (porque os aviões de socorro não podem voar de noite...) não obstante todos os esforços para o manter vivo.
Uma onda de raiva e impotência varreu toda a CCAÇ 2659. Chorava-se pelos cantos e vociferava-se contra os senhores de Bissau que, no conforto do ar condicionado, se estavam marimbando para os camaradas que morriam no mato. O Capitão, no Posto de Rádio, desalentado, horrorizado pela falta de socorro, gritava com Bissau, dizendo para trazerem, não um, mas vários caixões.

Eram 10 horas da noite quando as viaturas que estavam na pista, com todos os faróis acesos, pondo a pista como se fosse dia, receberam ordens para regressar.

Tinha falecido o outro ferido grave – o soldado Marques – que, por malvadez do destino, se encontrava no local errado. Ele que, embora pertencesse ao Primeiro Grupo de Combate, tinha sido dispensado daquela operação. Ele que deveria regressar à Metrópole dentro de dias. A doença que lhe fora detectada, tinha-o dispensado do serviço. Ele, que já tinha escrito à família, dizendo que se ia embora... Ele, que até já tinha feito o espólio e trajava já à civil!!!
Ninguém dormiu nessa noite. A dor e a raiva eram demasiadas.

Naquela guerra era proibido morrer ou ser ferido durante a noite...

De manhã cedo, a DO começou a sobrevoar o aquartelamento e o Valente, de Vilar de Mouros, com os olhos ainda cheios de lágrimas de raiva, correu para a Breda e disparou vários tiros de desespero contra a avioneta. Eram balas de dor, de raiva, de impotência, de desespero. Chamado à razão, corremos para a pista e, quando a DO aterrou, foi difícil conter a ira de muitos de nós e o piloto foi cuspido, insultado e pontapeado. Felizmente, alguns mais serenos, conseguiram ouvir a voz do nosso Capitão, chamando-os à razão. O piloto de nada sabia. Tinha entrado de serviço naquela manhã.

Mais tarde, já durante o dia, enquanto deambulávamos por ali, soubemos o que se tinha passado.
O Cabo Malheiro – o primeiro a morrer – que era portador da Bazooka, ao entrar no abrigo, colocou-a de encontro à parede com a saída para baixo. A mola que, normalmente, segura a granada estava avariada (como quase tudo naquela guerra...) e a granada caiu no chão, explodindo de seguida. Dos outros feridos graves, só o Mendes, de Riba d’ Ave, é que teve de ser evacuado.

Encontramo-nos uma ou duas vezes por ano. Não tem problemas de maior, depois de andar vários anos à espera que os estilhaços (não sei se já lhe saíram???) lhe saíssem todos. Nunca falamos do que aconteceu. É duro demais para relembrar...

PS - Alterei os nomes dos dois camaradas mortos. O respeito pelo sofrimento das famílias assim o impõe.

(Publicado no Notícias Magazine n.º 331 de 27 de Setembro de 1998> "Experiências de Guerra”)

Júlio César
Observ - Subtítulos da responsabilidade do co-editor CV.

quarta-feira, 10 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P741: Em busca de: Ajudem-me a encontrar o tenente evacuado em 1973 do Corredor da Morte (Victor Barata)

Texto do Victor Barata, o mais recente membro da nossa tertúlia:

Pois bem, Luís Graça, tomei o gosto, não vos largo.

Chamo-me Victor Barata, fui Especialista da Força Aérea Portuguesa, MELEC (1) de Aviões e Instrumentos de Bordo.

Cumpri o meu serviço militar de 1969 a 1974, sendo o período de 1971/1973 cumprido na Província da Guiné, mais concretamente na linha da frente das DO27, fazendo todo o tipo de serviço desde a tão desejada entrega de correio, géneros alimentícios, etc., às tristes evacuações, algumas sabe Deus em que circunstâncias.

Percorri todos os locais onde este tipo de aeronave tinha poucas condições para se entregar a uns metros de terra avermelhada. Tive um acidente dentro de uma desta aeronaves, já em terra. Mas...existiu uma situação, há 35 anos, que me faz perder a fala de cada vez que a recordo... Vou tentar!

Julgo, se a memória não me atraiçoa, que em Fevereiro/Março de 1973, fui destacado para uma operação no Corredor da Morte (ainda não li nada com este nome no site!...). A carta cartográfica da Guiné designa por Guileje, onde participaram também os Fiats, os T6, os Helis.

Aterrá mos e, obviamente, que a expectativa era grande,não só por ser a primeira vez que ali estava como também pela alcunha com que o local foi baptizado [Corredor da Morte].

Estacionou-se o avião, abriu-se a porta e vejo a uma certa distância uma pessoa que de repente desapareceu. Não manifestando a minha desconfiança pelo facto, eis que nos aparece um Capitão do Exército, que se apresenta como o comandante da unidade, para nos dar as boas vindas e nos fazer uma visita guiada ao local.

Não perdendo o rumo ao local onde a tal figura desapareceu, lá fomos olhando para isto e para aquilo e eis que me é identificada a minha referência que não era mais nem menos que os abrigos subterrâneos onde dormia o pessoal!

Beliche, chão de terra batida e o tecto uma placa que, dizia o Capitão, era à prova de 120! Acredito solenemente nos traumas da Guerra, 24 meses, às vezes lerpava-se com mais uns meses, naquelas condições, debaixo de guerra constante?!...

Bom, chegou a hora de me ser destinado o aposento. Nada mais, nada menos, o quarto do Capitão Caldas, paraquedista, que estava no mato, não era subterrâneo mas sim em superfície, talvez 1,50 x 1,50, MUITO BOM!

O dia correu normalmente, até que fui jantar à messe de oficiais e depois jogar umas cartas até se fazer noite, pois a transição do dia para a noite, segundo diziam, era a hora do IN bater à porta.

Encontrei um Tenente do Exército cujo nome, infelizmente para mim, já não recordo, e que me aturou jogando comigo o que eu sabia e ensinando o que eu não sabia, somente para passar aquele mau período do dia.

Chegado às 23h00, como a noite já ia longa,resolvi pedir-lhe a sua anuência para me ausentar e fui-me deitar. Ainda não me tinha descalçado e já a festa estava a começar, pois os foguetes já estalavam no ar... Forte morteirada!

Nesta minha estada conheci figuras hoje públicas, recordo o actual Presidente da Guiné, Nino Vieira, desertor do nosso Exército, como prisioneiro (2).

Terminada a minha missão, regressei a Bissalanca.

Passados uns 2 meses, 6 horas da manhã, a sala de operações chama o alerta e sai o Dakota, avião bimotor, com trem de cauda, que traria sempre umas 20 macas, enquanto a DO 27 só podia trazer uma. A coisa era muito má, viemos a saber antes do regresso do Dakota... A expectativa para mim era total, porque tinha lá estado, até que se começa a ouvir o barulho dos motores, cada vez mais perto, a instabilidade, embora o tempo já nos tivesse reservado péssimas situações, não sabíamos o que ali vinha.

Eis o avião na placa (estacionamento), a porta é aberta, subo os poucos degraus da escada de acesso ao seu interior e coloco-me ao fundo, a meio,vendo cerca de 10 macas de cada lado com corpos envoltos em lençóis brancos! Clima de verdadeiro massacre,o silêncio era a voz que perdurava, os corpos começaram a ser retirados e eu arrisquei subir o corredor até à cabine.

Eis que num preciso momento ouço uma voz de grande sofrimento emitir o meu nome, não conseguia localizar a sua origem, volto a ouvir e ai, sim, era o tal Tenente que tanto me ajudou na minha estada no Corredor da Morte... E eu incapaz de lhe poder valer!

Acreditem, companheiros, que estou a redigir estas letras com muita emoção,e porque não dizê-lo, com algumas lágrimas à mistura! Hoje, a minha grande esperança reside no facto de que eu não o pude ajudar, mas Deus encarregou-se disso por mim...

Não consigo escrever mais, desculpem!

AJUDEM-ME A ENCONTRÁ-LO!!!

Victor Barata
_________

Notas de L.G.

(1) Melec: termo usado pelo pessoal da Força Aérea para designar a especialidade de manutenção electrónica...Vd. post de hoje > Guiné 63/74 - DCCXXXIX: Victor Barata, MELEC da FAP (1971/73)

(2) Deve haver aqui um mal-entendido por parte do nosso camarada: o 'Nino' Vieira, comandamte da frente sul, nunca foi nosso prisioneiro, pese embora as muitas operações de busca e caça e emboscadas que lhe foram montadas pela nossa tropa de elite, a começar pelo temível e mítico Marcelino da Mata.