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quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18050: Manuscrito(s) (Luís Graça) (132): a nossa história trágico-marítima: mais um barco de pesca, de Ribamar, Lourinhã, que naufraga, roubando a vida a 4 pescadores... 13 barcos em meio século, 40 mortos.



1. Reproduzo aqui parte da mensagem comunitária, com data de 3 do corrente, que recebi do meu amigo Padre Joaquim Batalha, pároco de Ribamar, Lourinhã, e presidente da Fundação João XXI - Casa do Oeste, acompanhando o envio da do Farol - Folha Paroquuial,   ano XIII, nº 13, de 3 de dezembro de 2017:



Amigos

Paz e Bem com votos de uma boa semana também.

Na semana finda caiu mais uma vez o luto sobre Ribamar, esta nossa querida terra de pescadores. Mais um barco naufragou e tirou a vida a uma companha de quatro  marinheiros [, três deles de Ribamar, Lourinhã,  e um outro da vizinha Maceira, Torres Vedras].

Com este já são 13 barcos, nos últimos 50 anos. Neles morreram mais de 40 homens.

Já fizemos o funeral de três destes quatro  pescadores, mas ainda falta o corpo do mestre do barco “Veneza”. Hoje as notícias vinham a dizer que o navio hidrográfico já encontrou o “Veneza” a 80 metros de profundidade. Será que irão encontrar o Orlando,  preso na casa do leme?

Andamos todos ansiosos, sentidos e tristes com mais esta tragédia. Por isso na próxima 5ª feira vamos celebrar Missa de 7º dia por estes nossos irmãos: Orlando Fonseca, Leonel Candeias, José F. Henriques e o Paulo Jorge. Deus se compadeça deles e os acolham na Sua Misericórdia e às suas famílias tão doridas as conforte, confirme na Fé e na Esperança da Vida eterna.

(...) Solidários em poupar água…

Abraço-vos com amizade e gratidão. Paz e Bem e Feliz Advento também! Pe.Batalha

Joaquim Batalha
padrebatalha@gmail.com


2. Nota de Luís Graça, cuja bisavó materna era de Ribamar, Lourinhã, do "clã" Maçarico, Maria Augusta Maçarico (1864-1932):

Não resisto a comentar esta notícia, mesmo podendo ser acusado de  infringir uma das regras básicas do nosso blogue que nos "proibe" de  falar da "atualidade"... Mas onde, camaradas e amigos,  é que começa e acaba a guerra da Guiné que é o nosso "objeto de estudo e de escrita" ?

Já aqui em tempos escrevi que o concelho da Lourinhã, donde sou natural,  também tem a sua elevada quota-parte na história trágico-marítima deste país. Entre 1968 a 2000, por exemplo, estavam contabilizados seis naufrágios de barcos de pesca onde tinham morrido três dezenas de filhos da terra, com especial destaque para as gentes de Ribamar (fora outros acidentes de trabalho mortais, cujo número se desconhece).

Um desses naufrágios, ao largo do Cabo Carvoeiro, Peniche, foi o do barco Deus é Pai, em 26 de março de 1971,  tinha eu acabado de regressar da Guiné, Os restantes foram os do Certa (15 de maio de 1968), Altar de Deus (6 de novembro de 1982), Arca de Deus (17 de fevereiro de 1993), Amor de Filhos (25 de julho de 1994) e Orca II (antigo Porto Dinheiro) (19 de julho de 2000). [Fonte: Cipriano, Rui Marques (2001) – Vamos falar da Lourinhã. Lourinhã: Câmara Municipal da Lourinhã].

Entre estes homens há parentes meus, da grande família Maçarico, de Ribamar, Lourinhã.

Sobre o barco Deus é Pai, lembro-me de se dizer, na época, que fora cortado ao meio, à noite,  por um cargueiro russo, e que os náufragos teriam sido levados, vivos, para aquele país da "cortina de ferro", na altura a URSS... Estávamos em plena guerra fria e em África (Guiné, Angola, Moçambique) eram  armas russas e chineses que nos matavam e estropiavam... (Também nunca esqueço isso!).

Em vão esperaram por notícas deles, as "viúvas dos vivos", vestidas de preto... Os únicos destroços que deram à praia terão ao sido restos de redes e a tabuleta com os dizeres "Deus é Pai".

Depois de 2000, houve outros tantos naufrágios, a fazer fé na contabilidade do pastor das almas daquela terra que me diz muito, o padre Batalha. Ele fala em 13 naufrágios e mais de 4 dezenas de mortos... É um balanço trágico!

E vem a propósito evocar aqui  o filme do João Botelho, "Peregrinação", que se estreou recentemente, em 1 de novembro p.p., e que eu fui ver no cinema "Ideal", no Chiado... O filme inspira-se na obra do Fernão Mendes Pinto, "Peregrinação", o nosso primeiro "best-seller" de viagens... A música é do Fausto, ou grande parte dela, reconheci músicas e letras que tinha no ouvido... Ou melhor: a música de Luís Bragança Gil e Daniel Bernardes,   a partir do álbum “Por este rio acima”, de Fausto Bordalo Dias .

Os portugueses nunca leram a "Peregrinação"!... e alguns de nós, mais mesquinhos,  foram perpetuando o mito de que o Fernão Mendes Pinto era um desprezível impostor, denegrindo a "grandeza" da nossa "epopeia dos Descoberimentos... Brincávamos com o sue nome:
- Fernão,  mentes »
- Minto!

Ora a "Peregrinação é um livro maior da literatura portuguesa!... É produto nacional, muito mais do que o CR7 ou que a pera rocha do Oeste...

O filme, claro, é uma (impossível)  adaptação das aventuras e desventuras do "tuga" quinhentista!... Foi filmado na China, Japão, Índia, Malásia, Vietname e Portugal...

È um filme português que merece ser visto, . ... Som e imagem e direção de atores impecáveis... Quatro estrelas em cinco!...

O  "trailer" pode ser visto aqui. E a sinopse diz o seguinte: 

"...e assim partimos contra a razão,
sem nenhuma lembrança dos perigos do mar!"

“Em março de 1537, aos 26 ou 28 anos, Fernão Mendes Pinto, fugindo à miséria e estreiteza da sua vida, partiu para a Índia em busca de fama e fortuna”. Assim, no meio de uma terrível tempestade, começa este filme que relata os sucessos e as desventuras deste escritor aventureiro que, no decurso de 21 anos em que esteve no Oriente, foi “13 vezes cativo e 16 ou 17 vendido”. 

Mas, em vez da fortuna que pretendia, foram-lhe crescendo os trabalhos e os perigos. Aventureiro sim, mas também peregrino, penitente, embaixador, soldado, traficante e escravo, Fernão Mendes Pinto foi tudo e em toda a parte esteve. 

“Por extraordinária graça de Deus” regressou salvo para nos deixar um extraordinário livro de viagens, numa escrita hábil e fulgurante, carnal e violenta, terra-celeste. Esse livro de viagens editado três dezenas de anos após a sua morte transformou-se no primeiro best-seller da língua portuguesa, sendo traduzido e publicado em todos os reinos da Europa. 

A PEREGRINAÇÃO que agora vos apresentamos narra pedaços dessa observação aguda, exacerbada, exagerada que, na sua fascinante pressa de contar, aquele aventureiro dos sete mares nos deixou. Desventuras sim (“cada acção tem uma paga, cada pecado um castigo”) mas também sucessos: o cometimento e a grandeza das descobertas ou “achamentos” de outras terras e de outras gentes,no século de oiro da História de Portugal. 

Um filme de aventuras!"...

Fico com  vontade de voltar a ouvir o álbum do Fausto (editado em CD, pela CBS, em 1984, "Por
este rio acima"...Recordo-me de o ter oferecido, mais tarde, ao meu filho, que nasceu justamente nesse ano).

(...) Vou no espantoso trono das águas,
vou no tremendo assopro dos ventos,
vou por cima dos meus pensamentos,
arrepia,
arrepia,
e arrepia ,sim senhor,
que vida boa era a de Lisboa (...)




Naufrágio do "Galeão Grande S. João", uma ilustração da Historia Trágico-Marítima de 1735. Cortesia de Wikipédia.

Por Este Rio Acima baseou-se justamente-se nas aventuras de Fernão Mendes Pinto, relatadas na livro Peregrinação (1614). O álbum seguinte, o sétimo do Fausto,  Crónicas da Terra Ardente (1994), seria por sua vez  inspirado pela História Trágico-Marítima,  de Bernardo Gomes de Brito,  "colecção de relações e notícias de naufrágios, e sucessos infelizes, acontecidos aos navegadores portugueses",  publicada em dois tomos no tempo de D. João XV (1735 e 1736). (Os especialistas estimam que,  nos séculos XVI e XVII,  terá naufragado  um navio em cada cinco dos que partiram de Lisboa com destino à Índia.)

Por Este Rio Acima é considerado, pela crítica especializada, como um dos grandes álbuns da música popular portuguesa do pós-25 de Abril. Eu não tenho dúvida. Mas quando é que nós, portugueses,  aprendemos a dar valor ao que é nosso e aos nós próprios ?

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segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17709: Notas de leitura (991): “Memórias SOMânticas”, de Abdulai Sila, Ku Si Mon Editora, 2016 (Mário Beja Santos)

“Memórias SOMânticas”, de Abdulai Sila, Ku Si Mon Editora, 2016


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Março de 2016:

Queridos amigos,
Há as memórias românticas e as somânticas. A heroína desta poderosa narrativa de Abdulai Sila interpela-nos à partida: "O que devo dizer que fiz na vida se ninguém entende que o meu hoje ainda promete ser diferente do meu ontem?". No fim da vida, e quando toda a gente lhe diz que ela nada tem, contesta por escrito, não está louca, no entanto reconhece, que a loucura profética nunca suplantará a magia da narração. A literatura da Guiné-Bissau tem percorrido os caminhos mais ínvios do desentendimento e do desalento e estas "Memórias SOMânticas" falam de um sonho que não morre e que de alguém que não se resigna.
Continuo a não entender por que Abdulai Sila não é editado em Portugal, para benefício da nossa língua comum.

Um abraço do
Mário


Memórias SOMânticas: a pujança da literatura guineense

Beja Santos

“Memórias SOMânticas”, é o mais recente título de Abdulai Sila, Ku Si Mon Editora, 2016. Até agora, dava como dificilmente ultrapassável a obra de Filinto Barros “Kikia Matcho”, a dolorosa narrativa de um combatente que tudo dera para ter uma pátria e que depois o ignorou. Aqui há uns anos, fui procurado por uma antropóloga alemã, Tina Kramer, que me veio pedir ajuda para a sua digressão na Guiné-Bissau, pretendia recolher depoimentos sobre a reconciliação nacional e o sentir dos combatentes do PAIGC passadas estas décadas. Procurei ser útil, e a Tina partiu levando como intérprete e motorista Abudu Soncó, meu irmão no Cuor. Passaram-se os meses, e eu ansioso por conhecer os detalhes desta pesquisa em ciências sociais. A Tina veio um tanto atarantada, o Abudu vinha em estado lamentoso com o que vira e ouvira. Tinham percorrido as profundezas do país, pedido para contactar gente que habitara em locais duríssimos, como Morés, a mata de Fiofioli, Kubukaré, em Sara – Sarauol. Houve gente que se recusou a falar ou pedia dinheiro, alegando miséria extrema; houve quem fez depoimentos a soluçar, perdera pais e irmãos, ficara com incapacidade, cedo o PAIGC os esquecera, a humilhação era tal que tinham que trabalhar para compatriotas que auferiam pensões vindas de Portugal… Não é preciso acrescentar mais nada.

Esta portentosa narrativa de Abdulai Sila abre com um texto em crioulo, em português reza o seguinte: Os revezes da vida são como fogo do lixo a arder por baixo/Quem me vê de longe julga-me palmeira/Mas quem se aproxima sabe/Que eu sou um poilão grande/Nem os boabás se igualam a mim. É narrativa confessional, na primeira pessoa, uma mulher combatente, agora está presa a uma velha e esfarrapada cadeiras de rodas, guarda intactas gostosas e amargas recordações de infância, dirige-se-nos com forte convicção: “Nas noites de indecisão procurei a luz redentora, nos vestígios da luta pela afirmação procurei amparo. Cantei, louvei, celebrei a vida. Mas a vida insistia em querer iludir-me a qualquer momento, a todo o custo, não me reconhecendo o direito a interregno nessa batalha que se anunciava eterna”.

Adorava a mãe, dela guarda mensagens e sentenças, um exemplo: “O fim de uma coisa é sempre o início de uma outra”. Um outro exemplo: “Na vida há coisas que podes mudar, outras não. Concentra-te naquilo que podes influenciar com a tua ação e coloca o resto no seu respetivo lugar. Assim podes vislumbrar o fim de uma situação e o início de outra. É este o segredo da vida”.

A mãe morreu, escolheu uma nova mãe. Crescia e com interpelações dolorosas, inquietantes: será que uma mulher tem sempre que pertencer a um homem? Alguém lhe disse que a mulher foi feita para sofrer não para mandar. Depois apaixonou-se, o jovem falava-lhe de igualdade, justiça e liberdade e visionava que um dia iriam ser africanos de verdade. E partiu para a guerrilha, lá longe. Ela decidiu também partir, encaminhou-se para Conacri, foi uma habituação difícil. Voltaram-se a ver, houve desentendimento, fez-se enfermeira, mas aquele seu companheiro não lhe saía do espírito. Ela começara por trabalhar no Lar do PAIGC, sonhara ser professora, não enfermeira. Tornou-se uma enfermeira exemplar. Deslocou-se para a Frente Sul, o seu homem podia ser encontrado em Kubukaré, aí ardeu a paixão, fizeram um filho. Foi habitar em Boké, dali um dia partiram o seu homem e o seu filho, vieram anunciar que tinham morrido. “Lembro-me de ter visto o teto branco da enfermaria a fugir de mim e a mudar constantemente de cor. Era um movimento vagaroso, que se repetia sem parar. Separando-se do resto da enfermaria, o teto daquele quarto deslocava-se para cima, em direção às nuvens no céu e a meio do caminho mudava de cor. Depois voltava para o seu lugar inicial, trazendo e enchendo o quarto do ruído ensurdecedor do motor de um camião a alta velocidade. Às vezes era só o motor do camião, outras vezes vinha misturado com gritos”. A guerra chegou ao fim, ela viu a sua Guiné esplêndida e gloriosa: “Eu sou dos inúmeros concidadãos que definitivamente vão voltar para casa magoados, com alguma amputação, temporária ou vitalícia. Eu levo todo um sonho amputado”.

A realidade era outra, cedo descobriu que se tinha falado em reconciliação e agora se perseguia sistematicamente os inimigos de ontem, irmãos guineenses. Ela fora uma guerrilheira com credenciais, deslocou-se por todo o país à procura de desaparecidos, aparentemente ninguém sabia de nada. Apercebeu-se que tinha havido fuzilamentos. Trabalhou intensamente num internato, queria viver a paixão da sua causa, encontrou pela frente a burocracia, a indiferença, viu o desânimo no rosto da gente. E descobriu que o seu partido já não se interessava por internatos. “Perdido o internato, os meus filhos desapareceram um após outros, até não sobrar nenhum. Mas sinto que estão por aí, entregues à sua sorte, sem a bênção de quem devia revelar-lhes as virtudes regeneradoras da fé e as lições da vida tiradas da História”.

E agora ela está por ali agarrada à cadeira, à procura de respostas que tardam em chegar. Foi amputada de tudo, perdeu companheiro e filho, tiraram-lhe o internato e chegou aquela blasfémia de se insinuar que os guineenses não eram capazes de tomar conta da sua terra e de construir o sonho pelo qual tinham combatido. Não entende os jovens, com os gestos obscenos, descobriu que os pais são condescendentes porque os filhos não têm profissão. No entanto, ela continua a arder em esperança, espera nesse novo mundo em que a maldade e o sofrimento não podem existir. Tem orgulho na sua história, continua a pensar que nasceram, toda aquela gente nasceu, para uma missão, sabe que vai partir em breve deste mundo, e grita bem alto aquele seu sonho que nunca envelheceu:  
“Marginalizados? Nós é que domesticámos o invasor e abolimos o medo perante o desconhecido. Na calada da noite prenhe de incertezas reinventámos a vida e, bem alto no céu, fizemos soar a sinfonia da dignidade.
Deserdados? Construímos um mundo plural, onde todas as cores do arco-íris se fundem sem nunca se confundirem. Recuperámos a palavra, e abençoando-a, fizemos com que a magia da narração sustentasse os novos limites da razão. Muito além do verbo e da doutrina.
Não erguemos troféus, não exigimos medalhas, nem guardámos ressentimentos. Impusemos um novo paradigma da inteligência: sem ser mártir nem ambicionar ser herói, viver uma paixão até à exaustão e morrer sonhando”.

Uma narrativa que muito honra a literatura da Guiné-Bissau.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17688: Notas de leitura (990): “Cartas do Mato, Correspondência Pacífica de Guerra”, por Daniel Gouveia, Âncora Editora, 2015 (3) (Mário Beja Santos)

sábado, 24 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17507: Memória dos lugares (361): Mindelo em plena II Guerra Mundial, visto por Manuel Ferreira (1917-1992) (João Serra)


Manuel Ferreira (1917-1992), cap SGE reformado, escritor, professor universitário 
(Foto: cortesia de João  Serra / Página do Facebook Antifascistas da Resistência)


 


Capa da 1ª edição de Morabeza: contos de Cabo Verde, Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1958.





João Serra

1. M
ensagem de João Serra, com data de 20 do corrente:


Caro Luis Graça,


Preparei este texto sobre o Manuel Ferreira no Mindelo, em complemento da publicação e apelo que fizeste recentemente na tua Tabanca (termo aliás também referido pelo MF nesta selecção que te envio). (*)


Se achares que vale a pena publicá-lo, fica à tua disposição. (**)


Segue também duas fotos das capas de Morabeza.

Um forte abraço,
João Serra



2. Mindelo 1941-1946, visto por Manuel Ferreira

por João Serra



Capa da 2ª edição, refundada
e aumentada (Lisboa, Ulisseia, 1965)

Data de 1958, a 1ª edição de Morabeza, o livro de contos de Manuel Ferreira, escrito no ano anterior, nas Caldas da Rainha, onde chefiava a secretaria do Regimento de Infantaria 5.

A obra foi em 1957 distinguida com o prémio Fernão Mendes Pinto e editada pela Agência Geral do Ultramar. Uma segunda edição, “refundida e aumentada”, saiu em 1965, com prefácio de José Cardoso Pires. Desta edição não constam os textos iniciais da primeira, uma espécie de crónica da chegada e encontro do autor, furriel miliciano do exército expedicionário português, com São Vicente e o Mindelo. 

Recorde-se que Manuel Ferreira permaneceu em São Vicente entre 1941 e 1947, ali concluiu o antigo curso liceal (secção de letras), casou [,  com Orlanda Amarílis,] e teve o seu primeiro filho.

O texto que se segue é uma pequena antologia sobre a experiência cultural de Manuel Ferreira nesses longínquos anos 40 do século passado, organizada a partir dos textos da 1º edição de Morabeza (e que não constam da 2ª).


(i) A primeira impressão: 
terra de solidão


A primeira impressão que se colhe quando se fundeia no Porto Grande de São Vicente é a de estarmos diante de uma terra áspera, ardente, dominada pela solidão e pela tristeza, como se tivesse sido colocada em meio do oceano para penitência perpétua. [p. 11]

Por assim dizer, terra sem árvores, a ilha de São Vicente, por onde os cicerones de ocasião rebentam por todos os lados, na esperança de magras moedas, encaminhando, muitas vezes, o turista a locais de amor duvidoso - não possui nenhuma daquelas atracções que prendem logo de entrada o visitante. Há nela um ar tristonho, baço, em certos dias; carregado de luz crua, noutros. Pensões improvisadas, casas de café e chá sem espavento; desguarnecida de pontos tornados aprazíveis pela arborização cuidada ou jardinagem de esmero - forasteiro que a percorra mais do que uma escassa hora encontra-se saciado e convencido de que Mindelo está visto - e Cabo Verde é aquilo. Terra de calor. De montes secos e requeimados. Terra de solidão. [p. 13]


(ii) Impressão corrigida: 
amorabilidade


Não, poderei agora afirmar. Cabo Verde não era apenas a terra de solidão. A terra de calor. Terra de còladera e rochedos vulcânicos talhados a pique sobre o mar. Não, não era, amigos.

E além do que procurei dizer, dando uma tosca ideia de alguns aspectos e anotando, ao de leve, vários episódios, há ainda qualquer coisa mais que me escapa e não saberei definir, concretizar. [...].

Mas aquilo que assinalei a esse encanto indefinível e lírico que anda esparso, ao cair de certas tardes macias, ao pôr do Sol, mesmo ao rés do mar, e ainda a simplicidade das gentes, formarão, de algum modo, aquele conjunto de elementos que me levaram a admirar a também a amar, de maneira estranha, a terra mestiça plantada a meio do oceano Atlântico. [p. 37]

Por isso se precavenha o passageiro apressado, o turista à procura de exotismo. Cabo Verde não será apenas aquilo que os seus olhos observam quando o navio fundeia no Porto Grande de São Vicente. Nem tão-pouco a pobreza que depois se depara na cidade. Mesmo que vá a Santo Antão e oiça a toada plangente do trapiche e dê uma saltada ao interior de Santiago para se surpreender com o batuque ou a tabanca, corra à Brava a admirar as belas mulheres de tez clara - está longe de saber o que é a terra mestiça.

Cabo Verde tem de grande, e isso deve ser motivo de orgulho, uma afectividade que nos amarra e seduz. É a "morabeza", sentimento intrínseco do povo crioulo. Amorabilidade, característica da raça e se traduz nos seus modos ternos, na sua dedicação, na afabilidade da sua gente simples:


Gente do Mindelo
Nô abri nô braço
Nô pô coraçon na mão
Pá nô dâ um abraço

Abraço de morabeza
De nôs de São Vicente
...

Xavier Cruz, Morna [p. 39-40]




(iii) Encontro e descoberta: identificação 

com a gente das ilhas


Mas certa vez, na pensão nha Camila confraternizava um grupo de rapazes, moços do liceu, que se reencontravam em São Vicente, regressados de férias nesse dia. Brindes, abraços, canções. E, pressentindo-nos desembarcados de recente data, quiseram que se lhes juntássemos e bebêssemos em comum. Violas, cavaquinhos, e violinos deliciaram-nos com sambas e mornas. Retribuir-lhes com fados, como propuseram, não foi possível. Nem com uma simples canção popular - o mais apropriado ao ambiente. [p. 19]

Muitos de vocês, nos seus verdes dezassete anos, viviam um período de curiosidade e alguns mesmo de autêntica inquietação.

Eram poetas esses rapazes que eu fui encontrar. Novos, todos alunos do liceu, estudantes de sonho, queiriam descortinar e interpretar o mundo que os rodeava, nesse tempo ensanguentado pelas invasões nazis. [p. 20]

Nada conhecia de Cabo Verde, e nesse tempo, muito longe andava se pensar que ali começava a germinar uma literatura característica, mas de feição universalista. [p. 22]

E, um belo dia, apareceram com três números de Claridade. Revelação que me deu fundo contentamento por verificar fenómeno de inteligência e sensibilidade tão eloquentemente documentado naquelas terras distantes. Pouco depois lia Arquipélago e Ambiente, do Jorge Barbosa, nesse tempo "na ilha tão desolada rodeado pelo Mar" [Ilha do Sal] a ver passar os barcos, ficando

"... por instantes
construindo
fantasiando
cidades
terras distantes
..."


T
udo isto me dava uma sensação íntima, o gozo de imprevista descoberta! [p. 24]

Em resumo: um mundo novo nascia para mim, ali no meio do mar nas ilhas solitárias:
...

que não são
San Sebastian, Carlton ou Palm-Beach
Tantas
quantos
os dedos compridos da mão
...
Atentas vigias do mar

Nuno Miranda, nº 1 da Certeza, [p. 26]


E
ntretanto lia Chiquinho em folhas dactilografadas, o bom romance de Baltasar Lopes da Silva. [p. 26]

Ouvia de António Aurélio Gonçalves novelas de sua autoria e recebia dele os primeiros e grandes conselhos sobre o fenómeno da criação literária, técnica de romance, factura do conto - a propósito de capítulos e pequenas histórias que lhe levava a casa, trémulo e feliz, nas tardes serenas e pacatas do Mindelo... [p. 26]

... Mindelo, cidade sem imprensa, sem tertúlias, sem rádio durante o dia - e, de noite, só quando a central Bonnoci se dignava. [p. 26]

Eis como descobrira a grande, a bela face de Cabo Verde: a sua espiritualidade. A sua vida criadora, a sua integração no mundo do progresso das ideias, a sua participação no domínio da Cultura. [28]

Durante a última guerra, com a presença da tropa, o ritmo da vida do arquipélago, em muitos aspectos foi alterado, e daí terem surgido várias mornas alusivas a factos que mais chocaram a população, principalmente a de São Vicente [Bèlèza, pseudónimo de Xavier Cruz, compôs uma morna intitulada “punhal de vingança” onde refere que as moças agora só se encantam com “furrié”]. [p. 30]

E houve um momento em que comecei a sentir a morna na própria carne, comunicando-me emoção profunda, virgem. Ouvia um fado - e ele pouco me dizia à minha saudade de emigrante. Ouvia uma morna e sentia a força emocional a dominar-me, a percorrer-me de alto a baixo, como se este canto trouxesse o mistério da minha raça. E então chegava à conclusão de que se assim acontecia era porque eu estava identificado com a gente das ilhas. É porque lhes sentia o sofrimento, os anseios, comungava das suas dores, vivia o seu drama e a sua luta. [p. 31]

Evidentemente que para esta identificação com o povo cabo-verdiano muito contribuiu também a sua hospitalidade, o convívio. [p. 33]

O cabo-verdiano faz questão de receber a gente do Continente. Sem subserviências, sem mesuras. De coração nas mãos. Ama as reuniões íntimas, com chá, com música, com historietas e conversas alegres, limpas de linguagem. É um povo comunicativo e expansivo. [p. 33]


_________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

21 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17499: Agenda cultural (568): Exposição comemorativa do 1º centenário do nascimento de Manuel Ferreira (1917-1992), a ser inaugurada em 18 de julho próximo, no Museu José Malhoa, Caldas da Rainha, e que deverá seguir depois, em setembro, para a terra natal do escritor e oficial do exército, Leiria (João B. Serra)

5 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17434: Efemérides (255): centenário do nascimento do escritor, investigador e professor de literatura africana de expressão portuguesa, o leiriense Manuel Ferreira (1917-1992), capitão SGE reformado, ex-furriel miliciano, expedicionário em Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, mobilizado em 1941 pelo RI 7 (Leiria)...Também fez comissões na Índia (1948-54) e em Angola (1965-67). "Creio que se pode perceber que estamos perante uma trajectória humana singular" (disse-nos o seu biógrafo, João B. Serra)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16953: Notas de leitura (919): "Noites de Insónia na Terra Adormecida", por Tony Tcheka (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se do primeiro livro individual de poesia de Tony Tcheka editado pelo INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, 1996. De seu nome próprio António Soares Lopes Júnior, exerceu funções em lugares prestigiados da comunicação e foi presidente da Associação de Jornalistas da Guiné-Bissau. É indubitavelmente um dos poetas mais completos da sua geração: lírico, denunciador e crítico de um país à deriva que nem respeitou os seus combatentes vitoriosos, contemplando, sofredor, a criança subnutrida e sem esperança, é um dos poetas mais surpreendentes da lusofonia, uma voz que afirma que a literatura guineense está viva. Pena é que nenhum editor português se abalance a publicar poesia de tão elevada qualidade.

Um abraço do
Mário


Noites de insónia na terra adormecida, por Tony Tcheka

Beja Santos

Em “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro”, Fronteira do Caos, 2014, houve a preocupação de dar uma sinopse da literatura da Guiné-Bissau e intitulámo-la “Uma literatura de alentos e desalentos, uma tumultuosa viagem à procura da identidade”. Na génese, Amílcar Cabral e Vasco Cabral revelaram uma poesia de inconfundível matriz portuguesa. No pós-independência impuseram-se outros nomes: Hélder Proença, Agnelo Regalla, António Soares Lopes Júnior ou Tony Tcheka, José Carlos Schwartz, entre outros, exaltadores da luta e dos sonhos, portadores da ingenuidade dos amanhãs que cantam, dececionados com a multiplicidade dos desastres. O leitor tem à sua mercê uma sinopse da tese de doutoramento de Moema Parente Augel com a epígrafe “O desafio do escombro”, aí encontrará de forma caleidoscópica as grandes manifestações desta poesia tantas vezes eivada de crioulidade:
https://books.google.pt/books?id=TkP6NAsbQskC&pg=PA15&lpg=PA15&dq=moema+parente+augel+desafio+do+escombro&source=bl&ots=d5SZnGl7iR&sig=_j73LPrVp34Vh98t8BksextcXKk&hl=pt-PT&sa=X&ved=0CB4Q6AEwAGoVChMIqs7zyJL3yAIVy4kaCh0-LwEj#v=onepage&q=moema%20parente%20augel%20desafio%20do%20escombro&f=false

A mesma Moema Parente Augel apresenta este livro de Tony Tcheka, adiantando o seguinte:
é um escritor com maturidade literária onde transparece, pela forma e pela linguagem, uma grande criatividade e inesperada ousadia na expressão poética; são versos de amor em que o poeta lança mão do crioulo mais próximo dos sentimentos do coração, dirigindo-se ao seu amor na linguagem, universal dos namorados; os temas sociais são igualmente preponderantes, nomeiam-se os males sociais e podemos apercebermo-nos quanto aos motivos da inquietação poética, ele vai anotando os diferentes indícios de dificuldades económicas do povo guineense; e trata-se igualmente de uma grande natividade poética onde se fala guinéu: lalas e bolanhas, tabanca e morança, arrozais, palmeiras, mangueiros e poilões, tambores, o korá e os djidius. E a estudiosa conclui: “Um Tony Tcheka multifacetado, emocionado pela sorte das crianças e dos sofredores, denunciando as injustiças sociais e a hipocrisia. É uma poesia brava, a lírica de Tony Tcheka”.

Vejamos as suas lembranças familiares em “Carta ao pai amigo”:
Que saudades pai/Que nostalgia e dor/lembrar-te/Como o tempo não passa/sem ti/Que saudade trago/do calor do teu olhar/amigo/penetrando em mim/envolvendo/acariciando/as minhas traquinices/Que saudade do som melódico/do teu violão… /Fecho os olhos/e vejo os teus dedos/calcando as cordas do velho banjo/que estremecia/no “monte cara”/dos teus braços/São acordes/que ainda hoje, sublimam o meu canto/Ainda trago comigo a melodia/das tuas palavras de Homem das Ilhas/vertical e frondoso/como o poilão/desta Guiné/que tanto amaste/e fizeste tua… /Ah! Mas como o tempo não passa sem ti/E como senti tua partida/lá longe… /para além do sonho/onde o sono se eterniza.

Tony Tcheka não é alheio aos amanhãs que cantam, e em 1973 a sua melodia fala pelas trombetas do futuro, no poema “Guiné”:
De longe/entre as sete colinas/vejo-te/mulher grande/sofredora/e meiga/Imagino-te/suave/como quem diz amor/balbuciando temor/Sinto-te sombra minha/protegendo as minhas ibéricas noites/Esta ausência demorada/faz-me ver o Geba/subindo sobre o Tejo/Imagino-te/mulher-mãe/gente adulta/renascendo como companheira do mundo novo.

Em 1993, a lírica revela amargura no seu poema “Povo adormecido”:
Há chuvas/que o meu povo não canta/há chuvas/que o meu povo não ri/Perdeu a alma/na parede alta do macaréu/Fala calado/e canta magoado/Vinga-se no tambor/na palma e no caju/mas o ritmo não sai/Dobra-se sob o sikó/como o guerreiro vergado/cala o sofrimento no peito/O meu povo/chora no canto/canta no choro/e fala na garganta do bombolon/Grei silêncio/quebrado/nas gargalhadas de Kussilintra/em quedas de água/moldando pedras/esfriando corpos/esculpidos/no corpo do bissilão.

Não poucas vezes Tony Tcheka enuncia com exaltação os guerreiros que acabaram sentindo-se traídos, deram a vida pela independência e a independência não lhes trouxe nada de novo. Como no poema “Batucada na noite”, refere a cidade que não dorme, com corpos inflamados que se saracoteiam, indiferentes à triste condição em que se encontra o país. É uma poesia, tal como refere Moema Parente Augel, carregada de lágrimas, de desilusão, tanta amargura que se estende, aliás, a toda a África sofredora. O poeta também reage, e convida a sua companheira a cantarem a nova madrugada, em que as crianças deixarão de ter a barriga grande de fome, e embriaga-se nos grandes sonhos dos dias da luta armada, assim tecendo o futuro:
vem, Companheira/vamos a Komo rebuscar a força/para não desfalecermos depois da/caminhada/vamos a Komo beber na fonte/onde bebeu a última gota/o primeiro guerrilheiro sem-nome que/caiu… 

A última coletânea de poemas do livro dá pelo nome de “Canto menino”, canta-se a vida que se estampa no sorriso aberto das crianças que têm o pranto a fome, são filhos da miséria, e aí o poeta socorre-se da universalidade no poema “Chamo-me menino”:
Sou a criança pobre/de uma rua sem nome/de um bairro escuro/de covas fundas/em garganta/fatalmente magra/carente de pão/e sem muita ambição/Sou filho da miséria/escancarada/enteado da vida/entreaberta/Sofro de raquitismo/por comer com os olhos/enquanto na garganta/destilam bolas de saliva.

E, mais adiante, dá-nos num magnífico poema intitulado “Mininu di kriason” a imagem do abandono e da deriva da criança e do país:
Nunca teve berço/já sobreviveu um terço/da vida que não tem/Ei-lo nos becos da cidade/esquivando-se ao cassetete/ou livrando-se lesto ao tabefe/factura de mil traquinices/Ziguezagueia pelos cantos/enquanto aguardo/uma tigela de cuntango/que se não aparece/é na cabaça da Tia Mandjendja/o banquete que apetece/E depois a corrida/mais uma esquivadela/Djondjon – mininu di kriason/não tem criação.

Um grande poeta que devia ter as portas abertas em toda a lusofonia.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16935: Notas de leitura (918): O tráfico de escravos nos rios de Guiné e ilhas de Cabo Verde (1810-1850), por António Carreira (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15401: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (4): No regresso a Lisboa, em março de 1969, no N/M Uíge: 1246 passageiros, distribuídos pela 1ª (n=57), 2ª (n=133) e 3ª classes (n=1056)



Foto nº 1 > T/T Ana Mafalda... na viagem de Lisboa-Bissau, em 1967: o alf mil Alfredo Reis é o primeiro da direita. E em segundo plano, à sua direita, se não erro, o Alberto Branquinho, que foi seu colega de liceu em Santarém.  O Branquinho era alferes da CART 1689 / BART 1913 (, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69).


Foto nº 2 > O T/T Uíge, o paquete da Companhia Colonial de Navegação, onde o alf mil Alfredo Reis regressou a casa... tal como muitos de nós.





Foto nº 3 > T/T Uíge > Março de 1969 > Distribuição do contingente militar e familiares, pelas três classes do navio... Entre os alferes milicianos, havia 4 futuros grã-tabanqueiros, ou sejam, membros da nossa Tabanca Grande: o Alberto Branquinho (CART 1689), o António Moreira, o A, Marques Lopes e o Alfredo Reis  (CART 1690)(*)...  O nº de passageiros era de 1246, a grande maioria (as praças) viajando em "terceira classe"... Lembrei-me logo do título do livro do José Rodrigues Miguéis, "Gente da Terceira Classe" (**)

Foto nº 4 > T/T Uíge > Março de 1969 >Cumprimentos de despedida do comandante de bandeira, do Comandante e Oficiais do navio


Foto nº 5 >  T/T Uíge > Março de 1969 > Nome do capitão de bandeira, do comandante, do imediato, do chefe de máquinas, do comissário, do médico e do 1º radiotelegrafista


Foto nº 6 > Menu do jantar de despedida, em 7 de março de 1969

Foto nº 8 > Programa do concerto

Fotos (com exceção da nº 1) do regresso, no T/T Uíge, em março de 1969



Guiné > Zona leste > Geba > CART 1690 (1967/69) >  Continuação da publicação do álbum fotográfico do alf mil Alfredo Reis, que nos foi disponibilizado pelo seu amigo e camarada A. Marques Reis.


Fotos: © Alfredo Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]




Informação do nosso leitor (e, presume-se, camarada) Gabriel Tavares sobre a figura do Capitão de Bandeira:

Capitâo de Bandeira é o oficial da armada (marinha de guerra) nomeado para representar as autoridades navais a bordo de navio mercante fretado pelo Estado para transporte de guerra (pessoal e material). Tem autoridade sobre toda atripulação. Para as tropas havia o comandante das tropas embarcadas, oficial mais antigo de todos os oficias das forças embarcadas.

Se o Oficial da Armada que tinha de ser da classe de Marinha fosse mais graduado ou antigo que o comandante militar de bordo (comandante das forças embarcadas) acumulava as duas funções.

Esta legislação entretanto foi revogada em 2009.
G.Tavares, 24/11/2015

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 20 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15388: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (3): O que é um homem precisava no mato, num miserável destacamento como o de Banjara, em 1967 ?
(**) Gente da terceira classe é o título da crónica que narra a primeira viagem de José Rodrigues Miguéis  [Lisboa, 1901-Nova Iorque,1980] para os Estados Unidos da América. Ao ler este registo autobiográfico, o leitor poderá captar as primeiras impressões de uma realidade social que será desenvolvida nos contos e novelas.

Jornal de bordo - 1935

«(...) É preciso ter viajado num destes transatlânticos para se fazer uma ideia das fronteiras que separam os homens e as classes, mesmo dentro duma casca de noz. E somos poucos, aqui, não mais de cinquenta: que faria se fôssemos os duzentos ou quatrocentos da lotação, só Deus sabe, amontoados na imunda gafaria que é a terceira dos emigrantes. (...)

Ao partir, levavam consigo ao menos uma esperança: agora nem isso lhes resta. Muitos deles, com o sonho, seu único luxo, perderam por lá a saúde e a força de trabalho, que era toda a sua riqueza.
Com estes, os de torna-viagem, embarcaram na Madeira e agora comigo, em Lisboa, alguns portugueses que vão, como eu, à Inglaterra tomar o paquete para os Estados Unidos. Assim se juntam aqui, embora com destinos e em estados de alma opostos, duas correntes da mesma miséria: uma delas, ainda quente do sol da ilusão, parte para a zonas mais temperadas e prósperas do Leste americano; a outra regressa lá do equador e do trópico, fria de desapontamento, amolambada e escrofulosa, para se dispersar por todos os cantos deste nosso mundo cristão e ocidental. Correntes humanas, num inquieto e perpétuo corropio em torno destoutro mar de Sargaços, a vida.(...)»

in «Gente da Terceira Classe», 3.ª ed, Editorial Estampa, 1983 pp. 11 e 12

(Crónica publicada na revista «Seara Nova» nos anos 40 e depois integrada no volume intitulado «Gente da Terceira Classe». A primeira edição data de 1962).

Fonte: © Instituto Camões, 2001 (com a devida vénia...)

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Guiné 63/74 -P15155: Agenda cultural (426): "Desesperança no chão de medo e dor": novo llivro com meia centena de poemas recentes do escritor e jornalista guineense Tony Tcheka (n. Bissau, 1951)... Sessão de lançamento, hoje, 6ª feira, às 17h00, na Mala Posta, Odivelas (metro Sr. Roubado)... Apoio da RDP - África






Nota biográfica:



Tony Tcheka (António Soares Lopes Júnior):

(i) natural de Bissau, onde nasceu a 21 de Dezembro de 1951;

(ii)  foi um dos fundadores da União Nacional de Artistas e Escritores, da Guiné-Bissau;

(iii)  e é hoje considerado um nome de referência da literatura guineense;

(iv) tem  trabalhos em várias antologias, publicadas na Guiné-Bissau, Portugal, França, Brasil e Alemanha;

(v) também jornalista, António Soares Lopes Júnior foi redator e mais tarde diretor da RDN-Rádio Nacional da Guiné-Bissau;

(vi) foi chefe da redação e diretor do Jornal Nô Pintcha; nessa qualidade criou Bantabá, um suplemento cultural e literário;

(vii) como correspondente e analista, trabalhou com a BBC, Voz da América, Voz da Alemanha, Tanjug e, em Portugal, com o Público, a antiga agência noticiosa ANOP, RTP-África e TSF


Fonte (texto e foto): Cortesia de estudo-K > 3/10/09 > Tony Tcheka 

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14510: (De)caras (20): Tenho dois filhos na casa dos 30 e tal anos e nenhum me perguntou se tive medo... Nem mesmo depois da oferta do livro da Catarina Gomes... Parei na página 12 a leitura do livro... Talvez mude de opinião, se um chegar a ler o livro... (João Silva, ex- furriel atirador mil inf, CCaç 12, Bambadinca e Xime, 1973)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Fevereiro de 1970 > Região do Xime > 1º Grupo de Combate, comandado pelo alf mil inf op esp Francisco Moreira, no decurso da Op Boga Destemida, uma operação sangrenta...

A CCAÇ 12 foi uma subunidade de intervenção, duramente usada e abusada pelo comando dos BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72), os senhores da guerra do setor L1 (Zona leste)... Só os graduados e especialistas eram metropolitanos. Todo o restante pessoal era do recrutamento local, de etnia fula e futa fula. Havia 2 mandingas e mais tarde 1 mancanhe de Bissau. Alguns soldados não tinham mais do que 16 anos... A companhia foi extinta em agosto de 1974... Ao longo de cinco de anos de guerra, muitos dos seus elementos foram gravemente feridos em combate. Depois da guerra, alguns foram fuzilados pelos novos senhores da guerra, como o Abibo Jau, o nosso gigante... O pessoal metropolitano da primeira geração (cerca de meia centena, a CCAÇ 2590) não fez exatamente dois anos no TO da Guiné, Fez  "apenas" 22 meses (de finais de maio de 1969 a meados de 1971). Para alguns de nós, esses 22 meses ficaram marcados a ferro a fogo, no corpo e na alma... Também os meus filhos nunca me perguntaram: "Pais, tiveste medo ?"... Ou por amor ou por pudor... Se mo tivessem perguntado, ter-lhes-ia respondido: "Só os idiotas e os deuses não têm medo"... (LG).

Foto: © Arlindo T. Roda. Todos os direitos reservados [Edição: LG]

1. Comentário do nosso leitor de longa data (e camarada, ainda não registado na Tabanca Grande, ) João Silva (ex- fur mil  at inf, CCaç 12, Bambadinca e Xime,  1973) (*) (e de quem não temos nenhuma foto):

A minha filha, e não sei porquê, ofereceu-me o livro em questão há cerca de uns 3 meses. Mas, ao iniciar a leitura, reconheço que o fiz sem grande entusiamo, parei logo, quase ao início, quando a autora na pág. 12 escreveu: "A maioria dos combatentes esteve apenas 2 anos na guerra mas penso que  terá havido poucos mais momentos transformadores nas suas vidas".

Aquele "apenas" retirou-me a vontade de o ler. Quem considera que 2 anos na guerra é pouco tempo na vida de um jovem na casa dos 20 anos,  não tem a mais pequena perceção da realidade.
São 2 anos em que quase conseguimos recordar cada dia, cada hora e, nalguns casos, passado quase meio século, e garanto que foram extremamente longos.

Tenho dois filhos na casa dos 30 e tal anos e nenhum me perguntou se tive medo. Nem mesmo depois da oferta do livro. Há muitos livros sobre a guerra colonial e nenhum até agora me cativou. O mesmo acontece com a produção cinematográfica/documental.

Talvez porque coloque a fasquia muito alta. Talvez porque a nossa guerra não teve o impacto nem a dimensão de outras. Talvez porque não temos experiência acumulada como os americanos. Talvez porque não temos massa critica. Não sei. Alguns povos têm conseguido, especialmente os americanos, utilizar a tela dos cinemas para exorcizar e muitas vezes de forma crítica a sua participação na guerra.

Destaco a guerra do Vietname, a que mais se aproxima, por excesso, da que conheci na Guiné. Nem todas foram boas obras, como exemplo, Os Boinas Vermelhas. Mas noutros casos foram excelentes como no caso do Caçador, para mim o melhor. 

Não sei se este sentimento é partilhado por outros companheiros de armas, porque cada um de nós teve a sua experiência e também a sua missão. Uns foram atiradores, um nome que hoje dito em inglês - sniper - causa logo alguma efervescência, outros, amanuenses, cozinheiros, telegrafistas, mecânicos, etc. Mas quem foi atirador e esteve numa companhia africana teve uma experiência diferente. Não foram muitos deste milhão a que a autora do livro diz terem passado pelo teatro de operações, que o viveram. 

É apenas um comentário pessoal e nada mais do que isso. Se chegar a ler o livro,  talvez mude a opinião com que fiquei das primeiras páginas.

João Silva,  ex- furriel atirador inf, CCaç 12 (Bambadinca e Xime,  1973) (**)

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Notas do editor:

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13703: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (5): dois poemas do caboverdiano Mário Lima, "Retrato de Maria Caela" e "Menina Santomense"....Quem teria sido essa mulher fatal, caboverdiana, Maria Caela, que um dia saltou no cais do Pidjiguiti ?






(...) "A história do Banco Nacional Ultramarino, fundado em 1864, está também indiscutivelmente ligada ao último século da presença portuguesa nos antigos territórios ultramarinos portugueses. E foi assim que também na Guiné, o BNU marcou a sua presença.

"De harmonia com o contrato de 30 de Novembro de 1901, celebrado entre o Estado e o Banco Nacional Ultramarino, este ficava obrigado, entre outras ações, a estabelecer no prazo máximo de seis meses agências na Ilha do Príncipe, Bolama, Cabinda, Inhambane, Quelimane e Macau.

"O Banco teria ainda de exercer gratuitamente as funções de Tesoureiro do Estado no Ultramar, nas localidades onde tivesse instalado filiais ou agências.

"Foi assim, como consequência deste contrato que o Banco abriu a primeira Agência em Bolama, em 1902, com apenas dois empregados e o gerente – o Sr. João Baltazar Moreira Júnior." (...)

Texto e fotos: Cortesia de Gabinete do Património Histórico da CGD, Miguel Costa, Junho de 2013  

PS - Recorde-se aqui que, dos nossos camaradas que combateram na Guiné e que fazem parte da Tabanca Grande, há pelo menos um que, depois do regresso à vida civil, foi funcionário do BNU na filial de Bissau, até  1974. Referimo-nos ao caboverdiano António Medina, hoje a viver nos Estados Unidos da América.




Elementos gráficos da capa do documento policopiado do Caderno de Poesias "Poilão", editada em dezembro de 1973 pelo Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino (O GDC dos Empregados do BNU foi criado em 1924). Com o 25 de abril de 1974, esta coleção não teve continuidade: estava prevista publicação de um 2º caderno («Batuque», com poemas do Albano de Matos) e de um 3º, dedicado ao Pascoal D'Artagnan, que é o maior parte desta antologia da poesia guineense, a primeira que se publicou, em língua portuguesa (segundo o nosso camarada Albano de Matos).


O nosso camarada Albano de Matos.
 Foto atual
1. Do poeta, hoje divulgado, Mário Lima, caboverdiano, bancário, não temos mais referrências. Sabemos que foi o Aguinaldo de Almeida  quem contactou e selecionou os poetas "civis". Ao Albano de Matos coube a tarefa de incluir os poetas "militares". Talvez o António Medina nos possa dizer algum mais sobre o seu ex-.colega de trabalho e patrício Mário Lima.

Como já o dissémos,  esta antologia, deve muito à carolice, ao entusiasmo, à dedicação e à sensibilidade sococultural de dois homens: (i) o Aguinaldo de Almeida, funcionário do BNU; e (ii) o nosso camarada Albano Mendes de Matos [, hoje ten cor art ref, esteve no GA 7 e QG/CTIG, Bissau, 1972/74, e foi o "último soldado do império"; é natural de Castelo Branco, vive no Fundão; é poeta, romancista e antropólogo] [Foto atual, acima]].

Temos uma cópia, em pdf, do Caderno de Poesias "Poilão", que ele nos mandou,.

Temos também a sua autorização para reproduzir aqui, para conhecimento de um público lusófono mais vasto, este livrinho de poesia, de que se fizeram, policopiados, a stencil,  apenas 700 exemplares, distribuídos em fevereiro de 1974, em Bissau. O editor literário é o Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino (BNU), cuja origem remonta a 1924.







16


Dois poemas de Mário Lima, funcionário do BN, natural de Cabo Verdem pp. 15/17. Quem teria sido essa mulher fatal, caboverdiana, Maria Caela, que um dia saltou no cais do Pidjiguiti ?


terça-feira, 23 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13641: Caderno de Poesias "Poilão" (Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino, Bissau, Dezembro de 1973) (Albano de Matos) (1): Pássaro tecelão, de Albano de Matos, p. 5


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bambadinca (?) > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  Ninhos do "pássaro tecelão" (?)...

Foto © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Edição  e legendagem: L.G.)







Capa do documento policopiado do Caderno de Poesias Poilão", editada em dezembro de 1973 pelo Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino (O  GDC dos Empregados do BNU  foi criado em 1924).










"Pássaro tecelão", o poema de Albano de Matos (p. 5), que abre o  perqueno livro, de 35 pp., O Albano de Matos, editor literário, juntou nesta primeira antologia da poesia guineense,  24 poemas,  de 11 poetas lusófonos (4 da Guiné, 3 de Cabo Verde e 4 de Portugal).




1. O nosso camarada Albano Mendes de Matos [, ten cor art ref, que esteve no GA 7 e QG/CTIG, Bissau, 1972/74, e foi o "último soldado do império",], mandou-nos uma cópia, em pdf, do Caderno de Poesias "Poilão"...

Essa aventura (cultural) já aqui foi contada (*). Ele foi um dos obreiros deste livrinho, quer como editor literário quer como autor.

Ficou-nos a curiosidade em saber mais sobre o  conteúdo desta brochuira que representou uma lufada de ar fresco no ambiente, já cético e depressivo, de Bissau, no final da guerra. O lançamento da obra foi feita em fevereiro de 1974, a escassos dois meses do 25 de abril. 700 exemplares do texto, policopiado, esgotarm-se num ápice.

Com o devido apoio e a competente autorização do nosso camarada Albano de Matos (, hoje a viver no Fundão, ) vamos (re)publicar este caderno de poesia, dando-o a conhecer a um público mais vasto de leitores lusófonos, em Portuigal, na Guiné-Bissau, em Cabo Verde e demais lugares do espaço lusófono.

Obrigado, Albano, com o nosso apreço e gratidão. E também ao Aguinaldo de Almeida, que fez parte da equipa deste projeto cultural. LG


[Foto acima;  Bissau > 1974 > Albano de Matos, a preparar o Caderno de Poesias «Poilão», no Clube Militar de Oficiais; foto à direita: o Albano de Matos, hoje]

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Nota do editor:

(*) Vd.poste de 13 de abril de 2014 >  Guiné 63/74 - P12975: Memórias dos últimos soldados do império (2): A aventura do "Caderno de Poesia Poilão", de que se fizeram 700 exemplares, a stencil, em fevereiro de 1974, em edição do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do BNU (Albano Mendes de Matos)


(...) Posso dizer que fui o último militar português a vaguear pelas ruas de Bissau, de onde saí, na noite de 13 de Outubro, para o aeroporto de Bissalanca, para regressar a Portugal, no último avião da Guiné, na madrugada do dia 14 de Outubro de 1974.

 (...) Colocado em Bissau, sujeito a horários, não tive condições, nem disponibilidade para contactos com os povos negros. Em Bissau, passei a frequentar a UDIB - União Desportiva Internacional de Bissau, da qual fui sócio (...), o Grupo Desportivo e Cultural do Banco Nacional Ultramarino e a Associação Comercial. Na UDIB e no Grupo Desportivo e Cultural do BNU, colaborei na organização eventos culturais, como, concursos literários e sessões de teatro.



Nos inícios do mês de Dezembro de 1973, ao ler o jornal «Voz da Guiné», deparei com um escrito de Agostinho de Azevedo, alferes miliciano, creio que chefe de redacção do jornal, insinuando que não havia poesia na Guiné. Respondi com um escrito, «O Despertar da Guiné», dizendo que havia poesia na Guiné e que, em breve, iríamos ter um Caderno de Poesias, com o título de «Poilão», a designação de uma árvore sagrada na Guiné. Depois da publicação do primeiro número, seriam publicados cadernos de poesia de um só autor.

No Grupo Desportivo de Cultural do BNU, conheci guineenses e cabo-verdianos que faziam poesias e pedi originais para colaboração em «Poilão», que ainda guardo no meu arquivo. Juntei 24 poemas de 4 poetas da Guiné, 3 de Cabo Verde e 4 de Portugal.

De modo artesanal, fiz 300 exemplares do caderno. Dactilografei os poemas, imprimi-os em duplicador, dobrei as folhas e agrafei-as em capa de cartolina, esta impressa em tipografia, com desenho do poilão da autoria de um alferes miliciano, do Batalhão de Transmissões.

Os 300 exemplares do Caderno de Poesias «Poilão», editado pelo Grupo Desportivo e Cultural do Banco Nacional Ultramarino, esgotaram-se na noite do lançamento. Sem preço de capa, cada pessoa dava a importância que queria. O preço por unidade foi de 20$00 a 100$00.

Por minha proposta, o dinheiro angariado foi doado à Leprosaria da Cumura, nas proximidades de Bissau. Preparei, então, mais 400 exemplares que se esgotaram num dia. Havia apetência para a Poesia na Guiné. Eu apercebi-me desse facto.


 (...) Com um mês de licença, em Portugal, e com as antevisões do 25 de Abril, não foram publicados mais cadernos.

O Caderno de Poesias «Poilão» está referenciado, praticamente, em todas as Bibliografias, Dicionários, Histórias e Estudos da Literatura Africana de Expressão Portuguesa, sendo considerado como a primeira Antologia de Poesia na Guiné-Bissau. Tem sido referido em tertúlias, seminários e encontros culturais.

Em «Poilão», colaborou Pascoal D’Artagnam Aurigema, falecido em 1991, que foi um dos principais poetas da Guiné-Bissau [. Nasceu, em Farim, em 1938]  (..:).