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terça-feira, 20 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9631: (In)citações (38): Para uma leitura não-etnocêntrica dos nossos usos e costumes: o caso do casamento tradicional entre os guineenses (Cherno Baldé)



Nota de 50 escudos, emitida pelo banco emissor da Guiné, em 1971, o Banco Nacional Ultramarino (BNU)


 Nota de 100 pesos, emitida em 1990 pelo Banco Central da Guiné-Bissau. Efígie de Domingos Ramos, guerrilheiro do PAIGC morto em Madina do Boé em 1966.






1. Comentário do nosso amigo Cherno Baldé ao poste P9623:


Caro António,


A descrição que fazes da tua estadia na Guiné é muito interessante e tocou-me particularmente porque, também, fui  jubi e  faxina de condutores de um aquartelamento de metropolitanos,  em Fajonquito (1969/74), região de Bafatá, como o foi o teu amigo Sherifo.

No entanto, tenho duas observações a fazer do actual Poste e que, com alguma frequência, tenho lido em vários escritos de ex-combatentes:

Primeiro, referindo-te à moeda local, falas de "Pesos". Na verdade, a moeda que circulava na época colonial, até 1974,  era o "Escudo" e nãoo  "Peso", que foi instituido em meados de 1975/76, depois da independência.

Em segundo lugar, falas de uma menina que alegadamente "estaria vendida",  provavelmente para casamento. Esta interpretação, muito frequente entre os metropolitanos, resulta de uma leitura muito errada dos nossos usos e costumes, enfim da prá
tica relacionada com os casamentos arranjados e muitas vezes celebrados sem consulta e acordo prévio dos principais interessados.

Este tema é do foro cultural e antropológico,  do qual poucos de nós temos a preparação necessária para sua correta compreensão e interpretação, pelo que devemos ter os cuidados necessários no seu tratamento para nao ofender aos outros de uma forma gratuita e desnecessária.

Um casamento, seja ele "civilizado" ou "primitivo",  deve ser visto, sempre, como um contrato social entre partes cujas cláusulas podem ser diferentes e porventura, mais ou menos (in)justas, mais ou menos liberais. Mas nunca é um negócio de compra e venda como, erradamente, se pode supor pelas primeiras aparências de superfície. Se isto fosse verdadeiro, então não haveria lugar para os divórcios que, também, são uma realidade palpável e cada vez mais frequente, ao contrário do casamento cristão e "civilizado" em que os homens não são chamados a intervir. 


[Foto acima: pintura do nosso camarada Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav no Pel Rec Daimler 2046, em Bambadinca, 1968/70].


Um abraço de encorajamento,

Cherno Baldé
________________

Nota do editor:

 

sábado, 1 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8845: O que se comprava em Bissau, com o patacão da guerra ? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (5) (Magalhães Ribeiro/José Colaço)


José Colaço
Amigos e Camaradas, dando continuidade a esta série, mostro-vos hoje mais seis artigos. 5 meus que comprados em Bissau antes do meu regresso em fins de 1974 e 1 do José Colaço adquirido em Bafatá.

Já vimos as peças de tapeçaria que comprei no Mercado Municipal, serviços de louça na Casa Gouveia (um deles de origem japonesa, e não chinesa, como bem corrigiu o nosso atento Camarada António Graça Abreu), e “Manga de Ronco” que nos era oferecida farta e insistentemente pelos muitos artesãos, nos Cafés Portugal e Ronda, e que eram os locais que eu mais frequentava naquela cidade, digerindo a minha sandezinha de fiambre em pão barrado com manteiga e bebendo um fresquinho e saboroso “shandy”.

Agora desses artigos, que ainda vou mantendo aqui por casa, envio fotos de uma faca do pescador e uma faca com cabo de pele, uma bolsinha em couro, 2 almofadas, 2 álbuns de fotos e 2 cassetes musicais na moda então da Janis Joplin e do duo Otis Redding e Aretha Franklin.

Também enviada pelo José Colaço, junto fotos de uma máquina fotográfica da marca” Franka Solida Record”, que ele comprou em Bafatá, MADE IN GERMANY US ZONE, na casa Gouveia, mais conhecida em 1965 pela loja das manas libanesas “as gémeas” e que ainda hoje funciona a 100% (a máquina claro). O Colaço diz que a guarda como relíquia devido ao sistema de fole, que lhe faz lembrar aqueles fotógrafos das feiras das fotos “à la minute”, em que o fotógrafo enfiavam a cabeça num saco de pano escuro e a máquina estendia um fole frontal, enquanto o fotógrafo dizia para os clientes uma célebre frase, ainda hoje usada pelos mais antigos: “Olha o passarinho”. Clique e já estava.
Caso vingue a ideia que um nosso Camarada César Dias lançou no segundo poste desta série, de se programar uma mostra destas peças num dos nosso encontros anuais, podem contar com estes meus.


Para todos um abraço,

José Colaço/Magalhães Ribeiro


Faca de pescador e faca com cabo de pele
Bolsinha de senhora


Almofadas decorativas

Álbuns de fotos de origem japonesa
Cassetes musicais


Máquina fotográfica ” Franka Solida Record” (propriedade do José Colaço)

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Notas de MR:


Vd. também anteriores postes sobre esta matéria em:



quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8780: O que se comprava em Bissau com o patacão da guerra ? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa ou eram "proibitivos" (4) (Joaquim Peixoto / Beja Santos)


 "Certificado de bagagem" (sic), passado em 14 de Setembro de 1973 pelo administrador do concelho de Bissau, José Júlio Costa de Araújo, licenciado em CSPU [, Ciências Sociais e Política Ultramarina, pelo ISCSPU - Instituto de Ciências Sociais e Política Ultramarina,]  a pedido do Fur Mil Joaquim Carlos da Rocha Peixoto, natural de Penafiel e residente em Bissau ... Possivelmente o documento foi pedido pelo nosso camarada, de regresso à Metrópole, para evitar que o gravador Akay 1720 fosse "taxado" na Alfândega em Lisboa...

Foto: © Joaquim Peixoto (2011). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do Joaquim Peixoto [, foto à direita, no T/T Niassa, em 1971,], com data  de 12 do corrente:

Assunto: O que se comprava em Bissau

Amigo Luís:

Ao ler os artigos que se compravam em Bissau, encontrei este documento em que provava que tinha adquirido um Gravador AKAY 1720, e que fazia parte do recheio da minha casa.

Não sei qual o motivo que me levou a requerer este documento. Servirá sempre como garantia.

Um abraço
Joaquim Peixoto


2. Comentário de Beja Santos  [, foto à esquerda, em Bambadinca, finais de 1969 ou princípios de 1970,] ao poste P8767 (*)

Meus caros confrades, convém também distinguir entre o proibitivo e proibido. Proibitivos eram igualmente os Christofle, os vidros de Murano, as louças Rosenthal, que se podiam adquirir na Taufik Saad.

Pinto da França foi embaixador na Guiné-Bissau, em 1977, e contou no seu livro "Tempo de Inocência", de que já aqui se fez recensão, que as lojas do Bissau Velho eram autênticas cavernas de Ali Babá, as posições pautais, durante a guerra, permitiram que estes produtos aparecessem mais facilmente nas "províncias ultramarinas" que na Europa.

Proibidos eram os livros que podíamos comprar no café Bento, pois que a censura não tinha preocupações com a Guiné: desde as actas do Congresso Democrático de Aveiro até aos livros de Roger Garaudy, tudo ali se podia comprar, mesmo ao lado da revista Flama.

E canção de protesto e intervenção? Havia de tudo, desde o Zeca Afonso até ao Adriano Correia de Oliveira. Mesmo em Bafatá, como escrevi nos meus livros, se comprava o último grito da música clássica: dois discos de vinilo com a ópera Carmen, última gravação operática da Callas, custaram-me 400 escudos.

Enfim, contradições e errâncias que até nos deram muito jeito. Um abraço do Mário
____________

Nota do editor

(*) Vd. poste de 12 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8767: O que se comprava em Bissau com o patacão da guerra? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (3) (Augusto Silva Santos / Hélder Sousa / Juvenal Amado / Luís Borrega / Luís Dias / Rui Santos)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8767: O que se comprava em Bissau com o patacão da guerra? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (3) (Augusto Silva Santos / Hélder Sousa / Juvenal Amado / Luís Borrega / Luís Dias / Rui Santos)



Uma carta de condução "paga" com o patacão da guerra...

Foto: © Augusto Silva Santos (2011). Todos os direitos reservados



1. Mensagem, com data de ontem, do Agusto Silva Santos, relacionado com o último poste aqui publicado (*):


Olá Luís, boa tarde!


Ainda falando sobre o que se comprava na Guiné, nomeadamente em Bissau, com o patacão da guerra, lembrei-me que recentemente ao ter necessidade de renovar a minha carta de condução, fui descobrir no meio de muitas coisas que tenho arquivadas (algumas relíquias), um documento datado de 07-12-1973, relacionado precisamente com este tema.


Estando eu colocado em Brá, portanto muito perto de Bissau, e a muito pouco tempo de acabar a comissão e do desejado regresso à metrópole (o que efetivamente aconteceu em 22-12-1973), resolvi investir o patacão que me restava para tirar a carta de condução.
O documento,  em anexo, foi aquele que me permitiu, aqui chegado, fazer a troca para a carta como então a conhecíamos.


Ainda tentei encontrar o documento (fatura/recibo) sobre o que então paguei (seria interessante), mas já não sei onde ele pára. Passados quase 40 anos, sinceramente também já não me recordo da quantia, mas tenho noção que não foi muito se comparado com o que teria de pagar aqui.


O que eu posso dizer, é que naquela altura o patacão da guerra me deu imenso jeito.
Por certo esta situação foi também comum a muitos dos nossos camaradas, ou seja, aproveitar para tirar a a carta de condução na Guiné.  Era o aproveitar do tempo e do dinheiro para alguma coisa útil.


Se achares interessante,  p.f. edita.


Um Abraço
Augusto Silva Santos


2. Seleção de comentários  ao postes P8766 (*) e P8764 (**)


2.1. Hélder Valério Sousa [, foto à esquerda, ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72]
Realmente, dos polos ou camisetas já não me lembrava, mas é verdade que também comprei pelo menos uma Fred Perry. Quanto aos relógios havia quem gostasse mais dos Ómega e dos Tissot (comprei um destes na casa Salgado & Tomé, dum tio do então Cap Cav  Mário Tomé).

Das bebidas, o Zé Martins lembrou o Dimple de que depois vi fazerem-se muitos candeeiros com aplicação de abajur nas garrafas vazias.

Das estatuetas que o Magalhães Ribeiro mostra,  também tenho algumas em madeira preta. E trabalhos (roncos) com missangas. E pulseiras.

Quando regressei também lá vim com serviços de chá e de café do chamado "bago de arroz".

Uma outra coisa que carreguei e que já tinha trazido de Piche,  foram duas peles de cobra que foram destinadas a sapatos.

2.2.  Luís Borrega [, foto à direita, ex-Fur Mil Cav e MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72]

Eu, em Bissau, quando lá estive por ocasião de férias (2 vezes), a aguardar embarque para o CIM de Bolama para dar instrução de Minas e Armadilhas, e aguardar o regresso, passei pelo Taufik Saad, e comprei uma OLYMPUS Trip 35 , na 1ª vez, (onde tirei muitos slides e que continua a funcionar), um relógio YEMA Rally, um rádio relógio SHARP (só funciona a parte do rádio), além de imensos roncos chineses para oferecer. E lá se foi o último patacão...

PS – Lembro-me que foi comprado na Casa YEMA em Bissau.

2.3. Juvenal Amado [, foto à esquerda, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74]
Eu ganhava 960 pesos por ser 1º cabo e já com prémio de viatura. Se não estou em erro,  era obrigado a deixar parte na Metrópole, com o que paguei a minha viagem em Outubro de 1972. O resto mal dava para o tabaco e ir uma ou duas vezes a Bafatá.

Por isso roncos, máquinas fotográficas e aparelhagens de som... KÁ TEM.

2.4. Luís Dias [, foto à direita, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74]


Na verdade, na Guiné comprávamos muitos objetos que não tínhamos oportunidade de adquirir na metrópole, nomeadamente aos preços que lá se praticavam.

Tenho também estatuetas do tipo que o Eduardo apresenta  na foto (trouxe montes delas, para distribuir pela família), machadinhas (símbolo da fertilidade - uma macho e outra fêmea), espadas e punhais fulas, anéis e alfinetes de peito ou para colar trabalhados em prata (Bafatá) e colares e pulseiras em missangas.

Em matéria de bebidas,  tínhamos a Coca cola (Coke), que na metrópole não existia - só aquela que refere o José Marcelino Martins - e os Whisquies para todos os gostos e preços (Monks, President, Dimple, Logan, Martins, Balentines, Something Special, Antiquary, Old Parr, etc.).

Como o Helder Valério também trouxe uma pele de jiboia, já curtida mas, mesmo assim, acabou por se estragar ao fim de alguns meses.

Saudosos tempos para esse tipo de compras.


2.5. Rui Santos [, foto à direita, ex-Alf Mil da 4.ª CCAÇ, Bedanda, 1963/65]

Embora em 1963/64/65 não houvesse muitas ofertas dos produtos já mencionados, afora os whiskies, as máquinas fotográficas, binóculos, máquinas de filmar, em especial vendidas, se não me engano, na Casa Tauffik Saad perto da Amura.

Tenho um serviço de café,  irmão gémeo do que o Edurado nos mostra em suas excelentes fotos, duas máscaras e dois bustos em madeira negra, e aquelas peças de artesanato que adquiri em Bedanda,  feitos do material dos invólucros das balas, por sinal alguns muito mal executados, mas tinha dois muito bonitos que ofereci a amigos, quando cheguei à metrópole.

Há que não esquecer aqueles produtos que vinham da África do Sul, belos chocolates, leite creme e enlatados diversos, muito superiores aos nossos... à época.

Muito obrigado por me terem feito recordar...

[Revisão / fixação de texto, em conformidade com o Novo Acordo Ortográfico]: L.G.

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Notas do editor:

domingo, 11 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8766: O que se comprava em Bissau, com o patacão da guerra ? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (2) (Magalhães Ribeiro)

O que se comprava em Bissau, com o patacão da guerra?
  (por Eduardo Magalhães Ribeiro)


1. Em 1974, Bissau fervilhava de gente de várias cores e povos, e toda a espécie de trânsito motorizado, deslocando-se entre os diversos estabelecimentos da cidade, tratando das suas vidas e outros negociando os seus produtos das mais variadas espécies e origens. Se bem me lembro, além dos portugueses e da população local guineense, cuidavam das suas rotinas e negócios: libaneses, indianos e cabo-verdianos.

Entre os objectos e equipamentos na moda então e, por isso, mais procurados por nós, contavam-se, tal como já referiu o nosso Camarada Helder de Sousa os uísques Old Parr, Monks, White & MacKay, President, Martin's e outras de uísque velho e/ou de malte, bem como os novos Passaport, J. Walker de 'labels' de várias cores, etc. Outros artigos que despertavam a nossa cobiça, eram os rádios e gravadores das marcas Sony, Aiwa e Grundig, bem como as máquinas fotográficas Reflex, Pentax, Canon, Casio e outras marcas japonesas.

Também o nosso Camarada Augusto Silva Santos acrescentou, que no seu tempo, estavam na moda: as máquinas fotográficas Olympus, relógios Cauny, whisky Antiquary, polos da Lacoste e Fred Perry.

O Luís Graça, ainda se lembra da grande procura dos isqueiros Ronson, óculos de sol Ray Ban e o uísque Old Parr.

Em 1974, o artesanato que mais me atraía era o que nos era oferecido em prata de Bafatá, mas continuava a grande procura de quase todos os artigos atrás mencionados, que tendendo para o fim do ano (com a rápida retirada do dispositivo militar português) se foram esgotando irreversivelmente.

Eu ainda consegui, antes de regressar, comprar vários artigos, tais como tapeçaria no Mercado Municipal, serviços de louça na Casa Gouveia e Manga de Ronco nos Cafés Portugal e Ronda. Desses artigos, que ainda por aqui andam hoje em casa, e dos quais anexo as seguintes fotos;


Máscara em madeira vermelha

Máscaras em madeira negra

Machadinhos em madeira e alumínio


Rolos de parede (Made in Japan)

Tapetes (creio que Senegaleses)

Tapete (creio que Senegalês também)

Serviço da café, com a foto da chinesinha no fundo das chávenas (Made em Japan)

Serviço de café (Made in Italy)


Artesanato diverso
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P8764: O que se comprava em Bissau, com o patacão da guerra ? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (1) (Helder Sousa / Augusto Silva Santos)

1.  Comentários ao poste P8762 (*), podemdo dar início a uma nova série para a qual se esperam muitos contributos...

(i) Luís Graça:

Isqueiros Ronson, óculos de sol Ray Ban, uísque Old Parr... Que outros produtos e outras marcas estavam então na moda, em Bissau, nas lojas onde a gente ia gastar o patacão... o Taufik Saad, a Gouveia. etc. ?

(ii) Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72),


Quanto a coisas que se compravam, que estavam na moda... bem, relativamente a uísque, para além do Old Parr, estavam na moda, no 'meu tempo', a Monks, White & MacKay, President, Martin's, e outras de uísque velho e/ou de malte e também havia os novos Passaport, J. Walker de 'labels' de várias cores, etc.

Haviam os rádios e gravadores: Sony, Aiwa, Grundig. As máquinas fotográficas 'reflex': Pentax como o expoente máximo, mas também as Canon, Casio e outras marcas japonesas.


De roupas não me lembro. Sei que comprei tecido e levei a fazer calças a profissionais no Cupilão.

 (iii)  Augusto Silva Santos ( E
x-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73)


 A propósito de marcas... Para além do que já foi citado pelos anteriores camaradas, no meu tempo de Guiné estava também muito em moda adquirir-se o seguinte:

Máquinas fotográficas Olympus
Relógios Cauny
Whisky Antiquary
Polos da Lacoste e Fred Perry
 
Quando o pessoal vinha de férias ou acabava a comissão . . . É que aqui naquele tempo, muitas das coisas ainda não existiam.
 ____________

 Nota do editor:
  

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6212: O 6º aniversário do nosso blogue (12): Cem pesos ? Manga de patacão, pessoal! ( Luís Graça / Humberto Reis / A. Marques Lopes / Afonso Sousa / Jorge Santos / Luís Carvalhido / Sousa de Castro)


Cópia de uma nota de cem escudos da Guiné (ou pesos), emitida pelo BNU (Banco Nacional Ultramarino), em circulação no nosso tempo.

Esta, por acaso, foi emitida em Lisboa em 17 de Dezembro de 1971, já a rapaziada da CCAÇ 12 (eu, o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o Fernandes, o Marques, o José Luís de Sousa, o Gabriel Gonçalves, o Dalot e todos os demais pais-fundadores...) tinha regressado a casa. A nota ostenta a efígie do Nuno Tristão, o primeiros dos nossos camaradas a morrer na Guiné, "país de azenegues e de negros", no já longínquo ano de 1446, "varado por azagaias envenenadas" (sic), como se pode ler algures no Portugal dos Pequenitos, em Coimbra (se nunca lá foram, aproveitem para ir com os netos um fim-de-semana destes).

Foto: © Santos (2005). Direitos reservados


1. A propósito do patacão que ganhavam uns e não ganhavam outros - por exemplo, um capitão, miliciano, 32 anos, engenheiro agrónomo, 4 filhos, responsável por uma companhia de 150 homens, ganhava, no CTIG, em Agosto de 1970, qualquer coisa como 11 contos, limpos (cerca de 55 €, hoje...) (*) - , e a pretexto do 6º aniversário do nosso blogue (**), fomos revisitar as nossas águas furtadas, onde está o nosso baú de memórias, e de lá sacámos uma engraçada conversa entre mim e o Humberto Reis (um dos nossos primeiros bloguistas) e outros camaradas... justamente a propósito do patacão. (***) Muitos camaradas, sobretudo os mais novos, os periquitos (chegados há menos tempos à nossa Tabanca Grande), não estão familiarizados com a I Série do Blogue, onde foram publicados os nossos primeiros 825 postes, de 23 de Abril de 2004 a 31 de Maio de 2006.


2. Cem pesos, manga de patacão, pessoal!
por Luís Graça (***)


Amigos e camaradas:

Há dias o Jorge Santos mandou-nos uma nota de cem escudos da Guiné (cem pesos). Ou melhor: uma nota digitalizada, uma imagem em formato jpg. Puxem pela memória e digam lá, para a gente poder explicar isso aos filhos e netos, bem como à cara metadade, o que se podia comprar/pagar com uma notinha destas, no vosso/nosso tempo…

Eu tenho ideia que era manga de patacão, pessoal ! Eu já não me recordo quanto pagava à lavadeira, em 1969/71, mas se fosse serviço extra, era capaz de lhe dar uma nota destas. A minha não fazia favores sexuais, mesmo em dias de festa: não era cristã nem animista, era uma fula [ou melhor, mandinga], recatada e virtuosa… Mas em Bissau ou em Bafatá, uma queca (como os nossos filhos e as nossas tias dizem agora, 'tás-a-ver...) podia custar uma nota (preta) destas... Já não me lembro das cotações no lupanário em tempo de ocupação e de guerra... As verdianas do Pilão, essas, podiam ser até mais caras…

Com uma nota destas, ó tuga, tu compravas duas garrafas de uísque novo (disso lembro-me bem…). O Old Parr (uísque velho, muito apreciado lá e cá) já custava mais: 130 ou até 150 pesos, se não me engano… Além do pré (600 pesos/mês), os meus soldados africanos (que eram praças de 2ª classe!) recebiam mais, creio eu, cerca de 25 pesos por dia pelo facto de serem desarranchados. Nunca joguei à lerpa, mas o Humberto pode dizer quanto ganhava ou quanto perdia numa noite de insónias e de rodadas de uísque…

Ainda em matéria de comes & bebes, um quilo de camarões tigres, do Rio Geba, comidos na tasca do tuga [Zé Maria] que era turra (ou, pelo menos, suspeito de vender e comprar vacas aos turras), em Bambadinca, com uma linda vista para o rio, custava cinquenta pesos… Um bife com batatas fritas e ovo a cavalo (supremo luxo de um operacional como eu ou o Humberto) na Transmontana,  em Bafatá,  já não me lembro quanto custava (talvez vinte a vinte e cinco? ).

Ainda me lembro, isso sim, de o vagomestre comprar uma vaca raquítica por 950 pesos, depois de bater não sei quantas tabancas da região de Bambadinca… Nas tabancas, fulas, por onde passei e onde fiquei, uma semana ou mais [de cada vez], era costume comprar, mesmo a custo, galinhas e frangos, mas já não me lembro quanto pediam pelos bichos de capoeira (sete pesos e meio?)… As ostras em Bissau custavam 20 pesos (uma travessa)… E por aí fora.

Amigos e camaradas: actualizem ou rectifiquem a lista. Não sei se depois de 1973, a inflação também chegou à Guiné… O Sousa de Castro [, 1972/74, ] é que nos pode dizer… De qualquer modo, o que comíamos e bebíamos era praticamente tudo importado...

O grande ventre de Bissau era alimentado por uma economia de guerra que deu dinheiro a ganhar a muita gente... Manga de patacão, pessoal! ... Desde as rachas de cibe [, a sete e quinhentos cada uma, no reordenamento de Nhabijões, se a memópria me não atraiçoa] ao cimento (a construção de aldeias estratégicas, como a de Nhabijões, com cerca de 350 casas, deve ter ajudado a dourar a reforma de muita gentinha mais patriótica do que eu) até aos transportes (civis) em comboios militares, sem esquecer os efeitos (mais nefastos do que benéficos) que a guerra teve na pobre economia natural dos guinéus.

Um deles foi a sua própria militarização. Nos últimos anos da guerra, tudo girava à volta (e vivia) da guerra. A guerra tornou-se, ao mesmo tempo, o ópio e a grande sanguessuga dos guinéus (e dos próprios tugas). E a prova disso, quase quatro décadas depois, é a bidonvilização, a lumpenproletarização da população que engrossou Bissau.

Luís Graça

PS - Perguntas ao Humberto:

Como tens uma boa memória, pode ser que te lembres disso... Eu já nem me lembro sequer de quanto ganhávamos... Cerca de cinco notas de conto, não ? Os alferes, sete; os capitães, não faço ideia... E os nossos soldados africanos, que eram praças de 2ª ? Tenho ideia que ganhavam seiscentos pesos, mais outro tanto (25 pesos / dia) por serem desarranchados... Como eram islamizados, não podiam comer a comida do tuga, pelo que foram mais tarde autorizados a receber o subsídio de alimentação... Mandaram-me isso à cara, no Xime, quando morreu o Cunha e o restante pessoal da CART 2715... Os sacanas tiveram um momento de hesitação, antes de aceitarem ir comigo resgatar os corpos dos nossos camaradas mortos, à cabeça da coluna (vd post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970):- Pessoal africano só ganha seiscentos pesos! - Que é como quem diz: vai lá tu, que os mortos são do vosso sangue, são do vosso chão, são da vossa terra, são tugas... Foi o único momento, em toda a minha comissão, em que vi os nossos soldados terem medo...

E uma passagem de avião, para virmos a casa, de férias ? E o famigerado Hotel da Cona Rachada [sic, em linguagem de caserna], onde a gente ficava, de passagem, em Bissau ? Eu pelo menos fiquei uma vez ou duas, se não me engano... (Ou era outra pensão ainda mais reles ? Recordo-me que um dia rebentaram-me a mala e fanaram-me o uísque, no Chez Toi)... Tu tinhas os teus conhecimentos em Bissau [, em Bissalanca, na BA 12]...

De qualquer modo, o que eram 600 escudos guineenses (pesos) naquela época ? Apenas o suficiente para comprar, na loja do libanês ou do tuga, um saco de arroz importado, e para alimentar (mal) uma família extensa, reunida na sua morança (muitos deles, tinham pelo menos duas mulheres que trouxeram das suas terras para Bambadinca).




Guiné > Moeda de 5 e 10 escudos (pesos). Frente e verso
Foto: © Afonso Sousa (2005). Direitos reservados.


3. Resposta rápida, artilhada, telegráfica, à ranger, do Humberto Reis (***):

Das chamadas Meninas & Vinho Verde [já] não me lembro, mas dos produtos que eu mais consumia, entre 69 e 71, não me esqueci:

- Um maço de SG Filtro: 2,5 pesos (sempre que saía para o mato levava 3 a 4 maços para 2 dias);
- Uma garrafa de whisky novo (J. Walker Juanito Camiñante de 5 anos, rótulo vermelho, JB): 48,50 pesos;
- Idem, de 12 anos, J. Walker rótulo preto, Dimple, Antiquary: 98,50
- Idem, de 15 anos, Monkhs, Old Parr: 103,50;
- Um whisky, no bar da messe, eram 2,50 pesos sem água de sifão e com água eram 3,00 pesos;
- Quanto à lerpa, ou ramim, uma noite boa, ou má, poderia dar (valor médio) 200 a 300 pesos para a lerpa e 50 a 100 para o ramim.

Já não me lembro da maioria dos preços mas tenho uma ideia de que uma viagem na TAP em Março de 1970, Bissau-Lisboa-Bissau, me custou à volta de 6 contos [ 30 euros, em moeda actual] e nós ganhávamos cerca de 5.

O pré dos soldados era de 600 pesos, os de 2ª [classe, os africanos], 900 pesos os de cá e os cabos 1200 pesos. Eu sei dessa diferença, pois tinha no meu Gr Comb o Arménio (o Vermelhinha) que foi como soldado, visto que levou cá uma porrada (foi apanhado numa rusga pela PM no Porto quando já estávamos no IAO em Santa Margarida) que lhe lixou a promoção.

Em Bissau, como normalmente ficava instalado na BA 12 [Base Aérea nº 12] nos alojamentos dos pilotos, pois tinha lá malta minha conhecida de cá, não sei qual o preço das pensões, e do bifinho na Transmontana de Bafatá também já não me lembro.

Sei bem, isso não me esqueceu, que o visque era mais barato que a cervejola : 2,50 [pesos] simples contra 3,00 ou 3,50, além de que dava direito, o whisky, a gelo. As cervejas nunca estavam suficientemente geladas pois os frigoríficos da messe, a petróleo, não tinham poder de resposta para a quantidade de pedidos.

Não se riam, meus amigos, com a expressão dos frigoríficos a petróleo, pois era assim mesmo que funcionavam, visto que o gerador eléctrico [de Bambadinca] só trabalhava à hora de almoço e depois durante a noite. Disto, da produção de frio/ar condicionado falo de cátedra pois é a minha vida profissional (eu costumo dizer que vivo do ar condicionado).

Aquele sistema de produção do frio a partir de uma fonte quente ainda hoje é utilizado, chama-se de absorção, e utiliza como refrigerante a água, ao contrário dos sistemas mais vulgarizados que utilizam alguns gases, mais ou menos poluentes da camada de ozono. Posso dar-vos como exemplo alguns dos sistemas de produção do frio para o ar condicionado, que conheço pois acompanhei de perto: Estalagem da Srª das Neves, no nordeste transmontano, do Hospital de Matosinhos, dos edifícios do BCP-Millennium no Tagus Park em Oeiras, do Hospital de Mirandela, etc., utilizam sistemas destes.

Um abraço, Humberto Reis

4. Comentário "do sábio e sensato, do nosso mui experiente operacional e grande conhecedor da Guiné, do antes e do depois, A. Marques Lopes" (**):

Interessante também esta reflexão (fez parte da nossa vida). No entanto, eu, pessoalmente, muito pouco posso dizer. Lembro-me que pagava 5 pesos quer à minha lavadeira de Geba quer à de Barro; além da lavagem também trabalhavam com as mãos (eram fulas, pois).

Quanto a tainadas e saber o preço delas, é um bocado difícil pois nunca tive tempo para muitas... Só sei que, quando em Bissau à espera de embarque, paguei 5 pesos aos miúdos que andavam perto do Bento (a 5ª Rep...) a vender sacos de camarão.

Quando em Geba fui uma vez a Bafatá e, talvez, à Transmontana, não sei bem (só sei que o dono, já entradote, tinha uma mulher loura mais nova e também comestível). Um dia, eu e o capitão [da CART 1691] (o tal que morreu na estrada para Banjara) decidimos ir os dois até Nova Lamego de jeep (maluqueiras!) onde comemos qualquer coisa não sei aonde e não me lembro o que paguei.

Quando em Bissau, no Pilão, frequentei várias vezes a Fátima, que não era caboverdiana mas sim fula, e dava-lhe 50 pesos de cada vez. Uma rapariga esperta: uma noite, a Fátima propôs-me que eu trouxesse uma grade de cervejas do QG para ela vender aos visitantes (era giro ouvi-la gritar da cama: está ocupado!, quando os páras ou os fuzos batiam à porta dela), dava-me metade da venda (não entrei nisso, claro). Também frequentei a casa que um branco tinha perto do campo do UDIB, e onde tinha as filhas à disposição, mas aí só paguei as cervejas.

Quanto às bebidas da tropa, não me lembro rigorosamente nada dos preços. Mas bebi de tudo, garanto-vos, e em grande quantidade (latas de rum com coca-cola, de cerveja com coca-cola, whisky, gin, cerveja, 1920...). Só procurei beber muito pouca água, e nunca apanhei nenhuma doença, por isso, com certeza. Quando chegava das operações, eu e os furriéis esticavamo-nos ao comprido e o soldado faxina já sabia que tinha de trazer uma grade de cervejas para nos saciar...

Como vêem, quanto a este custo de vida sei muito pouco.

Marques Lopes

PS - Não me lembrei dessa dos maços de tabaco porque nunca fumei no mato. Nem ninguém dos que saíam comigo podia fumar. Regra de segurança para as muitas noites passadas fora. E creio que foi muito útil.


5. Achegas do Luís Carvalhido (***):

Bom dia, companheiros!

Que lembranças! Aquilo que se comprava com meia dúzia de pesos!... Onde eu investia muito era iske e na coca-cola. Nas outras coisas, não precisava muito, porque sempre fui um rapaz com muita sorte. Não fiquem com inveja; já pelo contrário, nunca me saiu nada ao jogo.

Luís, dei esta morada a um companheiro de armas que está nos States e que tem histórias e fotos do Saltinho. Dentro em breve teremos aqui outros olhares.

Quanto a mim dentro de dias vou para o nordeste brasileiro. Depois conto como é que foi, porque aqueles que lá vão ficam amarrados. Eu só vou olhar porque comigo vai a comandante da guarnição e ela não é de brincadeiras.

Um abraço, Luís Carvalhido




Guiné > Nota de 50 escudos (pesos), frente e verso
Foto: © Sousa de Castro (2005). Direitos reservados.


6. Apontamento do Sousa de Castro (***):

Olá,  amigos!

Quero dizer-vos que no meu tempo (1972/74) não era muito diferente: os preços que se praticavam eram mais ou menos os mesmos....

Puxando um pouco pela memória, eu como 1º cabo radiotelegrafista ganhava 1.500$00, sendo 1.200$00 por ser 1º cabo e mais 300$00, de prémio de especialidade.

A dita queca, se a memória não me trai, creio que era assim: para os soldados cinquenta pesos; para os cabos sessenta pesos; a partir daqui não me lembro quanto pagavam os mais graduados... Quanto às cabo-verdianas, a coisa era de facto mais cara, em final de comissão paguei cento e cinquenta ou duzentos pesos, isto em Fevereiro de 1974.

Recordo que, com um peso, comprava quatro ou cinco bananas. Os uísques novos como o Johnnie Walker (cavalo branco) e outros custavam, em 1972/74, cinquenta pesos; o Dimple 100 pesos; o Old Parr 150 pesos; e havia o Monks, a 250 pesos.

Julgo serem estes os preços daquela altura, alguém que me corrija. Por lavar a roupa, como cabo pagava 60 pesos.

Anexei uma nota de cinquenta pesos, frente e verso para recordação.

Sousa de Castro

____________


Notas de L.G.:

(**) vd. poste de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6198: O 6º aniversário do nosso blogue (11): Selecção dos melhores dos primeiros cem postes publicados na I Série do nosso blogue (Os editores)

(***) Vd. postes da I Série:


1 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXII: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (2)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5889: Estórias cabralianas (58): O Dia do Patacão e a Dívida do Alfero (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral, membro sénior, senador ou Homem Grande da nossa Tabanca Grande (isto quer dizer que já vem da I Série do blogue, pelo menos desde 2005...):

Caros Amigos,

Um País endividado? ... É porque não conheceram o 'meu' Missirá.

Aí vai 'estória'. Até breve

Abraços Grandes

Jorge Cabral



2. Estórias cabralianas (59) > O Dia do Patacão e a Dívida do Alfero
por Jorge Cabral


Tenho a certeza que os primeiros cabelos brancos do Alfero lhe nasceram nos dias do Patacão.

No final de cada mês, deslocava-se a Bambadinca (**) a fim de levantar o dinheiro para pagar os ordenados aos Militares do Pelotão e aos Milícias. Era o dia do Patacão, ansiado por todos e ainda mais pela multidão de credores, que desde manhã acorria ao Quartel. Usurários, Pré-Sogros e Sogros, Batoteiros Profissionais, Dgilas, Alcoviteiros, Fanatecas, Músicos… havia sempre alguém à espera que o Alfero liquidasse as dívidas dos seus homens. Todos devedores, incluindo o Alfero, que prometera pagar,  em prestações suaves, a conta do Fontória (***), onde em férias, numa noite, oferecera de beber a todos e terminara na Esquadra da Praça da Alegria.

Chegado a Missirá, já o seu braço direito Branquinho, montara a mesa, na qual amontoara papéis e mais papéis, que titulavam débitos da cantina, do arroz, de adiantamentos, de empréstimos…

E logo começava a cerimónia que obedecia a uma ordem hierárquica ascendente. Em primeiro lugar, recebiam os Milícias, depois os Soldados, em seguida os Cabos, por fim os Furriéis e em último sempre o Alfero.

As discussões por parte dos credores externos eram acaloradas e às vezes chegavam mesmo a vias de facto. No meio da algazarra, e com muitas reclamações, lá se ia pagando o que restava a cada um.

Porém e quase sempre, quando finalmente cabia a vez do Alfero receber, já se tinha acabado o Patacão. Paciência, pensava ele. Que se lixe o Fontória.

... O narrador confessa que se tinha esquecido desta dívida e que foi o Blogue a recordá-lo. Há um mês, de novo Alfero, porque isto de ser Alfero é vitalício, resolveu liquidá-la, apresentando-se no Cabaret. Dirigiu-se ao Porteiro. Informou tratar-se de uma dívida de Janeiro de 1971. Ele chamou um Segurança. Repetiu o seu propósito. Veio o Gerente. Insistiu. Trataram-no como um tonto. Exaltou-se. Disparatou. Juntaram-se pessoas. Chegou a PSP

Velho e honesto Alfero. Como há 40 anos, lá foi parar à Esquadra da Praça da Alegria.

Jorge Cabral

3. Comentário de L.G.:

Tenho um (in)confidência a fazer: o livro de estórias do nosso alfero vai tem editor e patrocínios, o que quer dizer que vamos ter ronco, festa de lançamento, (re)encontros felizes, salgadinhos, sumos e Portos de honra... No Fontória, no Maxime, num cabaré de Lisboa!!! Para já, o alfero já me pediu para escrever o prefácio, coisa que vou fazer com todo o gosto, gozo  e esmero... O autor está a dar os retoques finais da sua selecção das 50 melhores estórias cabralianas...

Isto não quer dizer que o alfero arrumou as botas, tirou os mezinhos do corpo, e lançou ao Geba a chave do baú das memórias trágico-burlescas da sua passagem por Fá Mandinga, Missirá, Bambadinca e outras terras exóticas da Guiné, e muito menos a caneta de ouro com que ele escreve as estórias cabralianas...

Isto quer apenas dizer que o nosso alfero não quis decepcionar os/as seus/suas muitos/as admiradores/as que de há muito lhe vinham pedindo o livrinho, autografado, do Humor Negro & Branco em Tempo de Guerra... Que isto de e-books ainda não é a mesma coisa...

Parabéns, Jorge! Ah, e no dia 28 de Maio próximo, lá estarei na tua Universidade Lusófona, no teu mestrado de criminologia (****), às 18h, para a charla sobre... a violência da  guerra que nos acompanha no pós-guerra até à hora da nossa morte, amen!...  A ti, não poderia dizer que não, mesmo enterrado até ao pescoço no tarrafo da vidinha do dia-a-dia que está bera...

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 22 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5522: Estórias cabralianas (57): As duas comissões do Alfero... ou a sua dolce vita em Bissau, segundo a Avó Maria e a Menina Júlia (Jorge Cabral)

(**) Sede do BART 2917 (1970/72), a que estava adido o Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71), de que o Alf il Art Jorge Cabral foi comandante.

(***) Famoso cabaré da Praça da Alegria, Lisboa...

Vd. poste de 5 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3025: Os nossos regressos (7): Perdido, com um sentimento de orfandade, pelos Ritz Club, Fontória, Maxime, Nina... (Jorge Cabral)

(...) Queria voltar de barco, ciente que precisava de pôr a cabeça em ordem. Mas não, vim de avião. Numa anterior colaboração, relatei a chegada – o ralhete do Pai, e a tristeza da Mãe.



Em Lisboa procurei os antigos Amigos. Uns haviam fugido, outros faziam perigosas “comissões” no Museu Militar, no Ministério do Exército, no Quartel General… Queriam eles lá saber da Guiné ou da Guerra…

Por mim sentia-me perdido, invadido por um sentimento de orfandade… Então desanuviei… estagiando entre copos e carinhosas damas, que até compreendiam a angústia do combatente.


Ritz-Clube, Fontória, Maxime, Nina, Cantinho dos Artistas… Cá, como lá, em Roma, fui sempre Romano.


Estágio concluído com distinção, acabei por assentar. (...)

(****)  É amorosa, competente e oportuníssima a tua secretária, veja-se o mail que me mandou e que eu tive em conta na edição deste poste. Reparo, por outro lado, que contrariamente a muito boa gente da nossa Ágora (leia-se: Praça Pública) ainda não estás, meu caro Jorge, com o temível Alzheimer, doença que não havia na Guiné do nosso tempo (pelo menos, na zona leste por andámos)... Posso garantir que ainda conheces o RDM e és capaz de contar todos os postos da hierarquia militar de soldado básico a general de quatro estrelas, e do cabo à ré... Pormenor de não somenos importància: um Cabo é um Cabo e escreve-se sempre em caixa alta...

Exmos. Professor,

Pede-me o Professor Jorge Cabral que envie este e-mail para que proceda a uma pequena alteração. Onde se lê cabos com letra minúscula, deverá ler-se Caboos.

Sem mais de momento
Melhores Cumprimentos

Instituto de Criminologia
Sec Pedagógico
Petrouska Ribeiro

instituto.criminologia@ulusofona.pt
Grupo Lusófona
Tel.: 217 515 500 Ext.: 2383 / Móvel.: 962 534 503

Petrouska:  Para a próxima deixa lá,no caixote do lixo do computador, a palavra Excelência... Faz-me imaginar, não sem um arrepio pela espinha acima, os discursos dos gatos pingados que terei de gramar no dia do meu funeral...

segunda-feira, 1 de agosto de 2005

Guiné 63/74 - P132: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (2)

Moeda de 1 escudos da Guiné. Comemorativa dos 500 anos de descoberta da Guiné, em 1446, por Nuno Tristão

© Transmontana, em Bafatá ? E uma passagem de avião, para virmos a casa, de férias ? E o famigerado Hotel da Cona Rachada onde a gente ficava, de passagem, em Bissau ? Eu pelo menos fiquei uma vez ou duas, se não me engano... (Ou era outra pensão ainda mais reles ? Recordo-me que um dia rebentaram-me a mala e fanaram-me o uísque)... Tu tinhas os teus conhecimentos em Bissau...

Moeda de 10 escudos da Guiné. © Afonso Sousa (2005).


Como tens uma boa memória, pode ser que te lembres disso... Eu já nem me lembro sequer de quanto ganhávamos... Cerca de cinco notas de conto, não ? Os alferes, sete; os capitães, não faço ideia... E os nossos soldados africanos, que eram praças de 2ª ? Tenho ideia que ganhavam seiscentos pesos, mais outro tanto (25 pesos / dia) por serem desarranchados... Como eram islamizados, não podiam comer a comida do tuga, pelo que foram mais tarde autorizados a receber o subsídio de alimentação... Mandaram-me isso à cara, no Xime, quando morreu o Cunha e o restante pessoal da CART 2715... Os sacanas tiveram um momento de hesitação, antes de aceitarem ir comigo resgatar os corpos dos nossos camaradas mortos, à cabeça da coluna (vd post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970):

- Pessoal africano só ganha seiscentos pesos! - Que é como quem diz: vai lá tu, que os mortos são do vosso sangue, são do vosso chão, são da vossa terra, são tugas... Foi o único momento, em toda a minha comissão, em que vi os nossos soldados terem medo...

Moeda de 5 escudos da Guiné. © Afonso Sousa (2005).


De qualquer modo, o que eram 600 escudos guineenses (pesos) naquela época ? Apenas o suficiente para comprar, na loja do libanês ou do tuga, um saco de arroz importado, e para alimentar (mal) uma família extensa, reunida na sua morança (muitos deles, tinham pelo menos duas mulheres que trouxeram das suas terras para Bambadinca).


2. Resposta do (senhor engenheiro) Humberto Reis:

Já não me lembro da maioria dos preços mas tenho uma ideia de que uma viagem na TAP em Março de 1970, Bissau-Lisboa-Bissau, me custou à volta de 6 contos e nós ganhávamos cerca de 5.

O pré dos soldados era de 600 pesos os de 2ª, 900 pesos os de cá e os cabos 1200 pesos. Eu sei dessa diferença pois tinha no meu Gr Comb o Arménio (o vermelhinha) que foi como soldado, visto que levou cá uma porrada (foi apanhado numa rusga pela PM no Porto quando já estávamos no IAO em Santa Margarida) que lhe lixou a promoção.

Em Bissau, como normalmente ficava instalado na BA12 [Base Aérea nº 12] nos alojamentos dos pilotos, pois tinha lá malta minha conhecida de cá, não sei qual o preço das pensões, e do bifinho na Transmontana de Bafatá também já não me lembro.

Sei bem, isso não me esqueceu, que o visque era mais barato que a cervejola : 2,50 simples contra 3,00 ou 3,50, além de que dava direito, o whisky, a gelo. As cervejas nunca estavam suficientemente geladas pois os frigoríficos da messe, a petróleo, não tinham poder de resposta para a quantidade de pedidos.

Não se riam, meus amigos, com a expressão dos frigoríficos "a petróleo" pois era assim mesmo que funcionavam, visto que o gerador eléctrico [de Bambadinca] só trabalhava à hora de almoço e depois durante a noite. Disto, da produção de frio/ar condicionado falo de cátedra pois é a minha vida profissional (eu costumo dizer que vivo do ar condicionado).

Aquele sistema de produção do frio a partir de uma fonte quente ainda hoje é utilizado, chama-se de absorção, e utiliza como refrigerante a água, ao contrário dos sistemas mais vulgarizados que utilizam alguns gases, mais ou menos poluentes da camada de ozono. Posso dar-vos como exemplo alguns dos sistemas de produção do frio para o ar condicionado, que conheço pois acompanhei de perto: Estalagem da Srª das Neves, no nordeste transmontano, do Hospital de Matosinhos, dos edifícios do BCP-Millennium no Tagus Park em Oeiras, do Hospital de Mirandela, etc., utilizam sistemas destes.

Um abraço. Humberto Reis

3. Obrigado, Humberto, por me refrescares a memória. Já agora fica com este apontamento: trata-se de um interessante "Rol das despesas mensais de um soldado" que nos permite reconstituir, de certo modo, o quotidiano e o padrão de consumo de um soldado-tipo. Não tenho a certeza se a stituação se reportava à Guiné, Angola ou Moçambique. Para o caso, também não interessa muito. De qualquer modo diz respeito a 1973.

Encontrei esta informação numa nota de despesa, fotografada, que consta de um livro de que é primeiro autor o meu amigo e nosso contemporâneo de Contuboel, o Renato Monteiro, da CART 11, o homem da piroga no Geba:

Despesa do 3/1973:

Cerveja > 54 x 6$00 = 324$00
Cerveja > 24 x 4$00 = 92$00
Floid (sic) = 55$00
Pasta p/ dentes = 18$00
1 frasco de cola = 30$00
1 bloco de escrever = 15$00
1 lata de fruta = 11$00
1 garrafa de Porto = 55$00
Sabão = 7$00
Selos = 30$00
Envelopes = 8$00
Fotos = 44$00
Carne patoscada (sic) = 77$00
Vagaço (sic) = 14$00
1 lata de leite = 8$00
FIO = 750$00
Despesa total = 1538$00

1/4/1973
Assinatura ilegível

(1) Monteiro, R.; Farinha, L. - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: Círculo de Leitores / D. Quixote. 1990. 223.

4. Estes valores acima referidos são já reveladores da crise que, no 1º trimestre de 1973, afectava já a economia portuguesa bem como das pressões inflacionistas. Repare-se, em todo o caso, que numa despesa mensal de 788$00, pouco restava do pré do soldado do Ultramar, uma parte do qual era de resto depositado na Metrópole. Do total do consumo mensal (788$00), 52.8% ia para a cerveja! Havia dois tipos de garrafa: a de 0,6 litros (a chamada bazuca, na Guiné) e a de 0,33 l.

A moeda da República da Guiné Bissau. 5 pesos (1977) (Frente). © Afonso Sousa (2005).

Admitindo que esta era a despesa média da generalidade das nossas praças em África, o consumo de cerveja diária, per capita, seria então superior a um litro, ou seja, mais de 40 litros por mês: (24 x 0,33) + (54 x 0,6)=7,92 + 32,4= 40,32 litros. Ao fim de um ano, seria o equivalente a 460 litros...

Há ainda a acrescentar o consumo de outras bebidas alcoólicas (8.8%), como o Porto, o bagaço e o uísque (este último consumido, diaramente, sobretudo pelos oficiais e sargentos). As duas rubricas, somadas, perfazem um total de 60%, que seria quanto muitos soldados gastavam com a droga do quotidiano da guerra da Guiné, que era o álcool. A última coisa que podia faltar num aquartelamento era a cerveja, o vinho e outras bebibas alcoólicas. Também havia os vicidados da coca-cola...

Para os fumadores, haveria ainda que considerar uma despesa mensal de 50$00 a 100$00 (sabendo-se que um maço de tabaco, de tipo SG Filtro, custava 2$50, segundo a preciosa informação do Humberto Reis). Sem contar com despesas extras (uma escapadela a Bissau ou a Bafatá), deveria ainda considerar-se o patacão destinado à lavadeira, embora muitos soldados poupassem neste item, lavando a sua própria roupa.

A moeda da República da Guiné Bissau. 5 pesos (1977) (Verso). © Afonso Sousa (2005).

De notar, por outro lado, o peso que o correio tinha nas despesas mensais do soldado: neste caso, cerca de 16% considerando itens de despesa com o correio o frasco de cola, o bloco de escrever, os selos, os envelopes e as fotos (total: 127$00). Cerca de 10% da despesa tem a ver com a higiene pessoal (80$00) e o restante (cerca de 12.2%) com a alimentação (96$00). O petisco era também uma forma de reforçar a solidariedade entre camaradas e ajudar a passar os dias da comissão que nunca mais chegava ao fim...

O pré do soldado (que em 1973 não deveria muito diferente de 1969/71: 900$00, mais o prémio de especialidade que não deveria ultrapassar os 225$00) não chegaria, nalguns meses, para cobrir as despesas essenciais. Daí ele ter que recorrer ao fiado, ou seja, à boa vontade do sargento da companhia que explorava o bar e cantina (neste caso o fiado é o equivalente à despesa de um mês: 750$00!). Em último caso, mandava uma aerograma para a família lhe enviar, no correio mais próximo, mais uma ou duas notas de cem.

quinta-feira, 28 de julho de 2005

Guiné 63/74 - P129: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (1)

© Jorge Santos Cópia de uma nota de cem escudos da Guiné (ou pesos), emitida pelo BNU (Banco Nacional Ultramarino), em circulação no nosso tempo.

Esta, por acaso, foi emitida em Lisboa em 17 de Dezembro de 1971, já a rapaziada da CCAÇ 12 (eu, o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o Fernandes...) tinha regressado a casa. A nota ostenta a efígie do Nuno Tristão, o primeiros dos nossos camaradas a morrer na Guiné, "país de azenegues e de negros", no já longínquo ano de 1446, "varado por azagaias envenenadas" (sic), como se pode ler algures no Portugal dos Pequenitos, em Coimbra (se nunca lá foram, aproveitem para ir com os netos um fim-de-semana destes).

Hoje, dia 28 de Julho de 2005, à hora do almoço, lembrei-me, à laia de aperitivo para o gozo da licença de férias (como diria o nosso primeiro), de lançar um pequeno, ingénuo e, espero, divertido desafio à nossa tertúlia . Por favor, não o vejam como uma provocação. No fundo, é uma simples proposta para em conjunto fazermos uns exercícios de memória, antes que venha aí o Alzheimer ou nos dê uma macacoa bem pior.

Quem quiser pode dar uns pesos para este bate-papo (que está em aberto até ao final da próxima semana, antes de eu ir de férias…). Eu, o Marques e o Reis já demos para o peditório. Agora que apareça malta mais desavergonhada que estes três cotas... Refiro-me aos periquitos e aos djubis...


1. Amigos e camaradas:

Há dias o Jorge Santos mandou-nos uma nota de cem escudos da Guiné (cem pesos). Ou melhor: uma nota digitalizada, uma imagem em formato jpeg. Puxem pela memória e digam lá, para a gente poder explicar isso aos filhos e netos, bem como à cara metadade, o que se podia comprar/pagar com uma notinha destas, no vosso/nosso tempo…

Eu tenho ideia que era manga de patacão, pessoal ! Eu já não me recordo quanto pagava à lavadeira, em 1969/71, mas se fosse serviço extra, era capaz de lhe dar uma nota destas. A minha não fazia favores sexuais, mesmo em dias de festa: não era cristã nem animista, era uma fula, recatada e virtuosa… Mas em Bissau ou em Bafatá, uma queca (como os nossos filhos e as nossas tias dizem agora, 'tás-a-ver...) podia custar uma nota (preta) destas... Já não me lembro das cotações no lupanário em tempo de ocupação e de guerra... As verdianas do Pilão, essas, podiam ser até mais caras…

Com uma nota destas, ó tuga, tu compravas duas garrafas de uísque novo (disso lembro-me bem…). O Old Parr (uísque velho, muito apreciado lá e cá) já custava mais: 130 ou até 150 pesos, se não me engano… Além do pré (6oo pesos/mês), os meus soldados africanos (que eram praças de 2ª classe!) recebiam mais, creio eu, cerca de 25 pesos por dia pelo facto de serem desarranchados. Nunca joguei à lerpa, mas o Humberto pode dizer quanto ganhava ou quanto perdia numa noite de insónias e de rodadas de uísque…

Ainda em matéria de comes & bebes, um quilo de camarões tigres, do Rio Geba, comidos na tasca do tuga que era turra (ou, pelo menos, suspeito de vender e comprar vacas aos turras), em Bambadinca, com uma linda vista para o rio, custava cinquenta pesos… Um bife com batatas fritas e ovo a cavalo (supremo luxo de um operacional como eu ou o Humberto) na Transmontana em Bafatá já não me lembro quanto custava (talvez vinte a vinte e cinco? ).

Ainda me lembro, isso sim, de o vagomestre comprar uma vaca raquítica por 950 pesos, depois de bater não sei quantas tabancas da região de Bambadinca… Nas tabancas, fulas, por onde passei e onde fiquei, uma semana ou mais, era costume comprar, mesmo a custo, galinhas e frangos, mas já não me lembro quanto pediam pelos bichos de capoeira (sete pesos e meio?)… As ostras em Bissau custavam 20 pesos (uma travessa)… E por aí fora.

Amigos e camaradas: actualizem ou rectifiquem a lista. Não sei se depois de 1973, a inflação também chegou à Guiné… O Sousa de Castro é que nos pode dizer… De qualquer modo, o que comíamos e bebíamos era praticamente tudo importado...

O grande ventre de Bissau era alimentado por uma economia de guerra que deu dinheiro a ganhar a muita gente... Manga de patacão, pessoal! ... Desde as rachas de cibe e o cimento para os reordenamentos (a construção de aldeias estratégicas, como a de Nhabijões, deve ter ajudado a dourar a reforma de muita gentinha mais patriótica do que eu) até aos transportes (civis) em comboios militares, sem esquecer os efeitos (mais nefastos do que benéficos) que a guerra teve na pobre economia natural dos guinéus.

Um deles foi a sua própria militarização. Nos últimos anos da guerra, tudo girava à volta (e vivia) da guerra. A guerra tornou-se, ao mesmo tempo, o ópio e a grande sanguessuga dos guinéus (e dos próprios tugas). E a prova disso, trinta e tal anos depois, é a bidonvilização, a lumpenproletarização da população que engrossou Bissau.

Luís Graça

2. Resposta rápida, artilhada, telegráfica, à ranger , do Humberto Reis:

Das chamadas meninas & vinho verde não me lembro, mas dos produtos que eu mais consumia, entre 69 e 71, não me esqueci:

- Um maço de SG Filtro: 2,5 pesos (sempre que saía para o mato levava 3 a 4 maços para 2 dias);
- Uma garrafa de whisky novo (J. Walker Juanito Camiñante de 5 anos, rótulo vermelho, JB): 48,50 pesos;
- Idem, de 12 anos, J. Walker rótulo preto, Dimple, Antiquary: 98,50
- Idem, de 15 anos, Monkhs, Old Parr: 103,50;

- Um whisky, no bar da messe, eram 2,50 pesos sem água de sifão e com água eram 3,00 pesos;
- Quanto à lerpa, ou ramim, uma noite boa, ou má, poderia dar (valor médio) 200 a 300 pesos para a lerpa e 50 a 100 para o ramim.
3. Comentário, sábio e sensato, do nosso mui experiente operacional e grande conhecedor da Guiné, do antes e do depois, A. Marques Lopes:
Interessante também esta reflexão (fez parte da nossa vida). No entanto, eu, pessoalmente, muito pouco posso dizer. Lembro-me que pagava 5 pesos quer à minha lavadeira de Geba quer à de Barro; além da lavagem também trabalhavam com as mãos (eram fulas, pois).

Quanto a tainadas e saber o preço delas, é um bocado difícil pois nunca tive tempo para muitas... Só sei que, quando em Bissau à espera de embarque, paguei 5 pesos aos miúdos que andavam perto do Bento (a 5ª Rep...) a vender sacos de camarão.

Quando em Geba fui uma vez a Bafatá e, talvez, à Transmontana, não sei bem (só sei que o dono, já entradote, tinha uma mulher loura mais nova e também comestível). Um dia, eu e o capitão (o tal que morreu na estrada para Banjara) decidimos ir os dois até Nova Lamego de jeep (maluqueiras!) onde comemos qualquer coisa não sei aonde e não me lembro o que paguei.

Quando em Bissau, no Pilão, frequentei várias vezes a Fátima, que não era caboverdiana mas sim fula, e dava-lhe 50 pesos de cada vez. Uma rapariga esperta: uma noite, a Fátima propôs-me que eu trouxesse uma grade de cervejas do QG para ela vender aos visitantes (era giro ouvi-la gritar da cama está ocupado!, quando os páras ou os fusos batiam à porta dela), dava-me metade da venda (não entrei nisso, claro). Também frequentei a casa que um branco tinha perto do campo do UDIB, e onde tinha as filhas à disposição, mas aí só paguei as cervejas.

Quanto às bebidas da tropa não me lembro rigorosamente nada dos preços. Mas bebi de tudo, garanto-vos, e em grande quantidade (latas de rum com coca-cola, de cerveja com coca-cola, whisky, gin, cerveja, 1920...). Só procurei beber muito pouca água, e nunca apanhei nenhuma doença, por isso, com certeza. Quando chegava das operações, eu e os furriéis esticavamo-nos ao comprido e o soldado faxina já sabia que tinha de trazer uma grade de cervejas para nos saciar...

Como vêem, quanto a este custo de vida sei muito pouco.

Marques Lopes
PS - Não me lembrei dessa dos maços de tabaco porque nunca fumei no mato. Nem ninguém dos que saíam comigo podia fumar. Regra de segurança para as muitas noites passadas fora. E creio que foi muito útil.

4. Aqui uns trocos do Luís Carvalhido (acabam de chegar, às 9.45, do dia 29 de Julho de 2005). Aproveito para lhe desejar boas férias no nordeste brasileiro. E que os bons ventos (e a chuvinha que tanta falta nos faz) o tragam de volta, de boa saúde, a ele e ao resto do pelotão...


Bom dia, companheiros!

Que lembranças! Aquilo que se comprava com meia dúzia de pesos!... Onde eu investia muito era iske e na coca cola. Nas outras coisas, não precisava muito, porque sempre fui um rapaz com muita sorte. Não fiquem com inveja; já pelo contrário, nunca me saiu nada ao jogo.

Luís, dei esta morada a um companheiro de armas que está nos States e que tem histórias e fotos do Saltinho. Dentro em breve teremos aqui outros olhares.

Quanto a mim dentro de dias vou para o nordeste brasileiro. Depois conto como é que foi, porque aqueles que lá vão ficam amarrados. Eu só vou olhar porque comigo vai a comandante da guarnição e ela não é de brincadeiras.
Um abraço para todos.

Luis Carvalhido


5. O Sousa de Castro, português do Alto Minho, aumentou a parada, e deixa-nos aqui, não uns trocos mas uma nota de cinquenta (das verdinhas). Bravo!


Olá amigos!

Quero dizer-vos que no meu tempo (1972/74) não era muito diferente: os preços que se praticavam eram mais ou menos os mesmos....


Cópia de nota de 5o escudos (pesos) da Guiné. Frente. Imagem gentilmente enviada à nossa tertúliua pelo Castro.

© Sousa de Castro (2005)



Puxando um pouco pela memória, eu como 1º cabo radiotelegrafista ganhava 1.500$00, sendo 1.200$00 por ser 1º cabo e mais 300$00, de prémio de especialidade.

A dita queca, se a memória não me trai, creio que era assim: para os soldados cinquenta pesos; para os cabos sessenta pesos; a partir daqui não me lembro quanto pagavam os mais graduados... Quanto às cabo-verdianas, a coisa era de facto mais cara, em final de comissão paguei cento e cinquenta ou duzentos pesos, isto em Fevereiro de 1974.

Recordo que, com um peso, comprava quatro ou cinco bananas. Os uísques novos como o Johnnie Walker (cavalo branco) e outros custavam, em 1972/74, cinquenta pesos; o Dimple 100 pesos; o Old Parr 150 pesos; e havia o Monks, a 250 pesos.


Cópia de nota de 5o escudos (pesos) da Guiné. Verso. Imagem gentilmente oferecida à nossa tertúlia de ex-combatentes da guerra colonial (com destaque para a Guiné) pelo nosso amigo Castro.

© Sousa de Castro (2005)



Julgo serem estes os preços daquela altura, alguém que me corrija. Por lavar a roupa, como cabo pagava 60 pesos e recordo que paguei 1 peso para me consolar a apalpar as mamas a uma mulher grande (isto é, casada) (Ainda hoje recordo aquelas mamas firmes e volumosas! ...).

Anexei uma nota de cinquenta pesos, frente e verso para recordação.

Sousa de Castro