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segunda-feira, 6 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21145: Da Suécia com saudade (75): Pedagogias várias para proveito do macho-ibérico: as representações sociais das... suecas, "muito dadas" (José Belo)



A propósito das 'muito dadas'...  Midsummer at Skansen, Stockholm. [ Solstício de verão em Skansen,  Estocolmo].  Source / Fonte: Routes North - Scandinavia Travel Guide / Rotas do Norte - Guia de Viagens da Escandinávia . Bilderna kan vara skyddade enligt upphovsrättslagen / As imagens podem estar  protegidas por leis de direitos de autor.] 

(Cortesia de Joseph Belo. Reproduzido com a devida vénia...)


 
1. Mensagem do nosso amigo e camarada José Belo que continua, "de pedra e cal", como régulo da Tabanca da Lapónia,  em pleno solstício do Verão, não se prevendo, no horizonte ( agora que é dia todo o dia), nenhum "golpe de Estado" que lhe derrube a estátua... 

Pelo sim, pelo não, montou guarda, com as suas renas e os seus cães, à entrada da sua morança,  adiando a sua viagem para o "bem-bom" de Key West, a terra no mundo há mais idosos milionários por metro quadrado:


Date: quinta, 2/07/2020 à(s) 16:21
Subject: Pedagogias várias

Os textos por mim enviados para o blogue sob o título “Da Suécia com saudade” são já numerosos e diversificados.
Um dos camaradas comentadores referiu-se a eles( com muito saudável ironia,  tendo em conta as nossas idades) como...”pedagógicos”.
Fez sorrir os lapöes,o que não é sempre fácil.
Vou enviar-te algumas considerações de macho-ibérico velhote quanto ao meu muito usado termo “Muito Dadas” quando me refiro a  pseudo realidades locais.

Segue em duas partes unicamente para não exagerar o E-mail.
Da Suécia com Amizade ....um grande abraço. (Francamente, Amizade,  muita!...Saudade,  só do nosso mar!)
Pedagogias várias >
Estas curtas semanas em que por aqui existe o Sol da Meia-noite são sempre "criativas ".



Provérbio luso-lapão: "Mas ainda melhor que as mulheres ,é o vodca, que faz esquecer as mulheres". (Luíz Pacheco,  escritor maldito, dixit, ou dizem que disse...)

Comentário de José Belo, criador de renas e pensador nas horas vagas do Círculo Polar Ártico: "Entre os rebanhos de renas, e os não menos numerosos ursos, a profunda e universal filosofia lapónica, há muito que têm vindo a eclipsar os muito menos reconhecidos pensadores das antiguidades clássicas grega e romana"

(Ciortesia de Joseph Belo)








Vinte e quatro horas de luz diária servem para muito! Não será por acaso que daqui a nove meses nasce o maior número de crianças suecas, ano após ano,  confirmado pelas estatísticas.

O tema "Suécia ", já demasiado repetitivo para este tipo de blogue, terá para muitos ..."o interesse que tem ". Para outros nada diz. Há ainda os que ,aparentemente , se sentem quase provocados.

Interessante verificar que as asserções tiradas por alguns são sempre mais radicais quanto menor é a altura do campanário da igrejinha. Natural.

Para uns a Escandinávia é um mítico paraíso social, enquanto que para outros mais não é que um pântano de promiscuidades várias.

A Suécia como um país que sempre procurou ajudar os que lutam pela liberdade e justiça social (utilizando os milhões mensalmente pagos ao  Estado pelos cidadãos com os seus impostos), ou a Suécia constituída por idealistas ingénuos,sempre facilmente enganados nos seus investimentos e negócios por esse mundo fora?

Pouco tem sido referido nestes "diálogos" a enorme indústria de guerra sueca e suas exportações que formam boa parte das receitas. Um pouco como quanto ao caso da Suíça.., muitos confundem a palavra "neutralidade " com a palavra "pacifismo".

Desde satélites com fins militares,a aviões de combate e reconhecimento dos mais sofisticados, corvetas, submarinos, mísseis, blindados ligeiros e pesados, artilharia,viaturas todo o terreno,todo o tipo de armamentos ligeiros,etc,....tudo fabricado no país e continuamente exportado.

Como explicar que tão ingénuos "nabos" tenham conseguido a riqueza e realidades sociais do país actual?

E por muito difícil que seja compreender aos nossos mais "estremados patrioteiros", os seus correspondentes suecos também, como eles, se embrulham frequentemente em bandeiras nacionalistas de conveniências várias.

Mas, e regressando aos profundos pensamentos pedagógicos da cultura clássica lapónica tão bem espelhada nestes textos.....não queria terminar esta série sem procurar desmistificar (!) as minhas continuas referências às míticas suecas como sendo,,, "Muito Dadas".

E é sempre muito limitativo isolar as suecas das restantes escandinavas. Um bom exemplo será a vizinha Noruega. Precisamente o mesmo grupo étnico, a mesma cultura, as mesmas tradições, a mesma língua (com a mesma variante de entoação como entre o português e o brasileiro), a somar-se a uma independência da Suécia de unicamente 150 anos, Wm claro, e....as mesmas lindas mulheres!

Mas na mitologia do Sul, e apesar da total inexistência de distinção, as suecas são sempre....as mais "dadas"!

Recordo que, quando já a viver na Suécia, ao tirar o meu curso nos States, verifiquei um dia que tudo o que de pornografia se tratava, fossem filmes, revistas, etc, para ter venda em quantidade,  tinha sempre que ter uma pequena bandeira sueca no canto superior direito.

Curiosamente todo este material era produzido,,, na Dinamarca!

Historicamente as sociedades escandinavas nunca consideraram a sexualidade com as fortes características e "lastros" pecaminosos das culturas católicas.

O forte puritanismo luterano não conseguiu sobrepor-se a toda uma histórica tradição de muitos séculos de igualdade de procedimentos  entre ambos os sexos. Igualdade de procedimento quanto a uma atitude activa por parte de ambos os sexos. A componente pecaminosa não faz parte desta 
tradição.

Nas culturas do Sul apoia-se e encoraja-se o activismo masculino quanto às buscas de relações sexuais, enquanto  na cultura nórdica este "activismo " é olhado como iqualitário.

O menino Zezinho será olhado, invejado e admirado pelos amigos da sua rua ao ter já "engatado" duas dúzias de raparigas. A menina Zezinha, tendo em conta duas dúzias de rapazes, mais não é que uma promíscua.

Na Escandinávia duas dúzias são duas dúzias. As da Zezinha não são maiores que as do Zezinho!

Este pequeno-grande detalhe cria a tal ideia quanto às..."Muito Dadas".

Desde que saí de Portugal,  há mais de quarenta anos, muita água terá corrido sobe as pontes. Mas ao comparar as escandinavas de hoje com as minhas amigas do Estoril, Cascais, Liceu Francês de Lisboa, dos finais dos anos sessenta, o conceito de "muito dadas" torna-se muito relativo.

Voltando às saudáveis ironias quanto a pedagogias várias,  seria muito recomendável que alguns dos nossos jovens machos-ibéricos ouvissem os comentários das jovens suecas quando regressam a casa depois de umas férias felizes no Sul da Europa. Na maioria dos casos a IRONIA em relação aos muitos "mal-entendidos ", e "importâncias" das situaçõesm é demolidora. Faz doer ao ego deste Lusitano.

Um abraço do J. Belo

2. Comentário do editor LG:

José, também é do "mar do Cerro" (onde se apanhm as "sardinhas de Peniche") que eu vou ter saudades quando morrer... Sim, isto das saudades, tem muito que se lhe diga... É o sentimento mais ambivalente que um "tuga" pode experimentar... Há sempre, na saudade, um relação de amor-ódio...que é o que sente um "emigra" em relação ao seu país que ficou para trás...a "pátria que te pariu"

Mas aceita, com bom humor e uma ponta de ironia, este título, "Da Suécia com saudade"... Tem ajudado a "vender o blogue" e a bater audiências... 12 milhões, é obra, mano!

Fico à espera do próximo "material"... Um abraço, aqui do Douro Litoral, da Tabanca de Candoz... Luís

PS - Sim, confirmo que,  "este artista quando jovem",   o primeiro filme pornográfico que viu, nos idos 60, em oito milímetros, era "dinamarquês", mas tinha a bandeirinha da Suécia para enganar... o macho-ibérico!... E mais: embora gostasse mais de "francesinhas", teria sido capaz de desertar (das fileiras da tropa) para a Suécia, só por causa da (afinal, falsa) propaganda de que as "suecas eram muito dadas"... Eu acho que esse mito foi construído só para desmoralizar o Salazar, o Cerejeira e os seus "muchachos"... E, claro, a nossa querida Cilinha!... Mais houve quem lá fosse "ver para crer",,,
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quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20468: Notas de leitura (1247): "A Medicina na Voz do Povo", 3ª edição, de Carlos Barreira da Costa, médico otorrino, do Porto

1. O nosso editor jubilado, Virgínio Briote, mandou-nos  esta "nota de leitura", de um livro,"A Medicina na Voz do Povo", e que vai já na 3ª edição,  podendo ser comprada "on line" no Sítio do Livro: o preço de capa é 22,00 €. (Na FNAC parece estar esgotado.)

O autor, Carlos Barreira da Costa, é médico otorrinolaringologista, vive e trabalha na cidade do Porto.
Neste livro,  "sugestivamente ilustrado" (por Fernando Vilhena de Mendonça), ele decidiu  compilar, "com o contributo de muitos colegas de profissão" (...) "trinta anos de histórias, crenças e dizeres ouvidos durante o exercício da sua prática da medicina".


A medicina na voz do povo : 30 anos a ouvir : histórias, crenças e dizeres contadas a um otorrino / Carlos Barreira da Costa ; il. Circulo Médico, Fernando Vilhena de Mendonça ; pref. Júlio Machado Vaz. - 1ª ed. - Queluz : Círculo Médico, 2007. - 142 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-95314-1-3

Mais sobre o autor, Carlos Barreira da Vosta: fez o curso de medicina em 1970; tirou a especialidade de otorrinolaringologia, em 1976, no Hospital de São João. Desde 1983,foi especialista do serviço de ORL do Instituto de Oncologia do Porto (IPOP), e diretor do respetivo serviço de 2003 a 2007. Já está reformado do SNS. Faz clínica privada.

"Resultado dos seus muitos anos já dedicados à medicina, o otorrinolaringologista  português Carlos Barreira da Costa reuniu neste livro as frases e comentários mais bizarros – desconcertantes, mesmo, em muitos casos – usadas pelos seus pacientes e pelos pacientes de outros colegas de profissão. Com esta recolha, ilustra-se o recurso a crenças, expressões e palavras da fala popular por quem, não dominando minimamente a terminologia técnica mais adequada, consegue assim dar conta das suas queixas e padecimentos." 

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/atualidades/montra/livros/a-medicina-na-voz-do-povo/144 [consultado em 18-12-2019]

2. Com a ajuda de várias páginas  da Net e nas redes sociais, compilámos, com a devida vénia, uma amostra destas expressões, ordenando-as apenas por ordem alfabética, e reformulando alguns dos títulos das categorias temáticas. 

Para quem está interessado em aprofundar este tema das representações leigas do corpo, da doença, da medicina e das práticas médicas, recomendo a leitura de um conjunto de artigos meus, datados de 2000, e alojados na minha pessoal na Net, "Luís  Graça: Saúde e Trabalho".

Contra um visão iatrocêntrica  e etnocêntrica, os sociólogos, antropólogos e historiadores da saúde gostam de lembrar que não há só uma "medicina" (, muito menos a "ocidental") nem só um "modelo explicativo" de saúde/doença... No fundo, aquilo que designamos por "acto médico", desde a Grécia Antiga até aos nossos dias, não é mais do que a situação em que um indivíduo, que se considera doente, procura ajuda, colocando-se na presença de outro a quem atribui poder(es) para curar: pode ser o médico de bata branca, pode ser o curandeiro da aldeia. O que importa é a "relação terapêutica", a interação entre ambos, a necessidade e a expetativa de quem se sente doente (, por ter ou sentir uma dor ou uma anomalia na aparência ou no funcionamento do corpo), de ser tratado... Diagnóstico, decisão terapêutica e tratamento, ou seja, o conjunto do ato médico, variam conforme o tempo e o espaço, a sociedade, a cultura, a própria religião, e, claro, a ciência e as técnicas e as práticas médicas...

É uma boa sugestão de leitura, para o Natal, sobretudo, para gente como nós, que tem não só  a língua "cheia de Áfricas", mas o corpo todo, dos pés à cabeça... LG


I. As perturbações da fala que impacientam o doente:

"Não tenho dores, a voz é que está muito fosforenta".
"Na voz sinto aquilo tudo embuzinado".
"O meu pai morreu de tísica na laringe".
"Tenho humidade gordurosa nas cordas vocais".


II. As dores da coluna e do aparelho mísculo-esquelético, 
que são difíceis de suportar:


"Além das itroses tenho classificação ossal".
"É uma dor insepulcrável".
"Estou desconfiado que tenho uma hérnia de escala".
"Já tenho os ossos desclassificados".
"Metade das minhas doenças é desfalsificação dos ossos e intendência para a tensão alta".
"O meu reumatismo é climático".
"O pouco cálcio que tenho acumula-se na fractura".

"Tenho artroses remodeladas e de densidade forte".


III. O aparelho digestivo, que  origina sempre muitas queixas:

"Ando com o fígado elevado. Já o tive a 40, mas agora está mais baixo".
"Eu era muito encharcado a essa coisa da azia".
"Fiz uma mamografia ao intestino".
"Fizeram-me um exame que era uma televisão a trabalhar 
e eu a comer papa".
"Fui operado ao panquecas".
"O meu filho foi operado ao pence (apêndice) mas não lhe puseram os trenos (drenos), 
encheu o pipo e teve que pôr o soma (sonda)".
"O meu marido está internado porque sangra pela via da frente 
e pinga pela via de trás".
"Senhor Doutor a minha mulher tem umas almorródias 
que, com a sua licença nem dá um peido".
"Tenho pedra na basílica".
"Tive três úlceras: uma macho, uma fêmea e uma de gastrina".



IV. O diálogo com o paciente com patologia da boca, olhos, ouvidos, nariz e garganta
 é sempre um desafio para o clínico e para a comunicação clínica :

"A garganta traqueia-me, dá-me aqueles estalinhos e depois fica melhor".
"Fui ao Ftalmologista, meteu-me uns parafusinhos nos olhos a ver se as lágrimas saíam".
"Gostava que as papilas gustativas se manifestassem a meu favor".
"Isto deu-me de ter metido a cabeça no frigorífico. Um mês depois fui ao Hospital 
e disseram-me que tinha bolhas de ar no ouvido".
"Não sei se isto que tenho no ouvido é cera ou caruncho".
"O dente arrecolhia pus e na altura em que arrecolhia às imidulas infeccionava-as".
"Ouço mal, vejo mal, tenho a mente descaída".
"Quando me assoo dou um traque pelo ouvido, e enquanto não puxar pelo corpo, suar, ou o car...., o nariz não se destapa".
"Tenho a língua cheia de Áfricas".
V.  Os aparelhos genital e urinário são objecto 
de queixas muito... "sui generis"

"A minha pardalona está a mudar de cor".
"Apareceu-me uma ferida, não sei se de infecção se de uma f... mal dada".
"Às vezes prega-se-me umas comichões nas barbatanas".
"Fazem aqui o Papa Micau ( Papanicolau )?"
"O Médico mandou-me lavar a montadeira logo de manhã".
"Quando estou de pau feito....,  a p... verga".
"Quantos filhos teve?" - pergunta o médico. "Para a retrete foram quatro, senhor doutor, 
e à pia baptismal levei três".
"Tenho de ser operado ao stick. Já fui operado aos estículos".
"Tenho esta comichão na perseguida porque o meu marido tem uma infecção 
na ponta da natureza".
"Venho aqui mostrar a parreca".

VI. Os medicamentos e os seus efeitos, que se prestam às maiores confusões:

"Agora estou melhor, tomo o Bate Certo"  (Betaserc)
"Andei a tomar umas injecções de Esferovite"  (Parenterovit)
"Ando a tomar o Castro Leão" (Castilium)
"Ando a tomar o EspermaCanulado" (Espasmo Canulase)
"Diz lá no papel que o medicamento podia dar muitas complicações e alienações".
"Era um antibiótico perlim pim pim mas não me fez nada"  (Piprilim)
"Estava a ficar com os abéticos no sangue".
"Na minha opinião sinto-me com melhores sintomas".
"Ó Sra. Enfermeira, ele tem o cu como um véu. O líquido entra e nem actua".
"Quando acordo mais descaída tomo comprimidos de alta potência e fico logo melhor".
"Receitou-me uns comprimidos que me põem um pouco tonha".
"Tenho cataratas na vista e ando a tomar o Simião"  (Sermion)
"Tomei Sexovir" (Isovir)
"Tomei uns comprimidos "jaunes", assim amarelados".
"Tomo o Sigerom e o Chico Bem" -(Stugeron e Gincoben)
"Tomo uma cábulas à noite".
"Tomo uns comprimidos a modos de umas aboborinhas".

"Ando a tomar o EspermaCanulado" (Espasmo Canulase)
"Tenho cataratas na vista e ando a tomar o Simião"  (Sermion)
"Andei a tomar umas injecções de Esferovite" (Parenterovit)
"Era um antibiótico perlim pim pim mas não me fez nada" (Piprilim)


VII. O português que bebe e fuma muito e que se desculpa com frequência:


"Eu abuso um pouco da água do Luso".
"Eu sou um fumador invertebrado".
"Fujo dos antibióticos por causa do estômago. Prefiro remédios caseiros, a aguardente queimada faz-me muito bem".
"Não era ébrio nato mas abusava um pouco do álcool"
"Tomo um vinho que não me assobe à cabeça".

VIII. O que os doentes, afinal,  pensam do(s) médico(s):

"Especialista, médico, mas entendido!".
"Gosto do Senhor Doutor! Diz logo o que tem a dizer, 
não anda a engasular ninguém".
"Não há melhor doente que eu! Faço tudo o que me mandam, 
com aquela coisa de não morrer".
"Não sou muito afluente de vir aos médicos".
"Quando eu estou mal, os senhores são Deus, mas se me vejo de saúde,
acho-vos uns estapores".
"Também desculpe, aquela médica não tinha modinhos nenhuns".


IX. Os "problemas da cabeça", que  são muito frequentes:

"A minha cabecinha começa assim a ferver e fico com ela húmida, 
assim aos tombos,
 a trabalhar".
"Andei num Neurologista que disse que parti o penedo, o rochedo ou lá o que é...".
"Fui a um desses médicos que não consultam a gente, só falam pra nós".
"Há dias fiz um exame ao capacete no Hospital de S. João".
"Ou caiu da burra ou foi um ataque cardeal".
"Vem-me muitos palpites ruins, assim de baixo para cima...".
__________

Nota de leitura:

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18301: Da Suécia com saudade (57): Algumas coisas que um tuga tem que saber quando vier à Tabanca da Lapónia (José Belo)


Suécia >Sápmi [Lapónia] > s/d > O José Belo com as seus "canitos" de estimação"... "a caminho da praia". (Chamei-lhes "renas", dou um "lapsus lingau


Suécia >Sápmi [Lapónia] > s/d > A "praia"... [Há dias estavam por lá 48º graus abaixo de zero...]


Suécia >Sápmi [Lapónia] > s/d > "Home sweet home" ou a "minha alegre casinha" (na versão dos "Xutos & Pontapés")...  A morança, que funciona como sede da Tabanca da Lapónia, de que o José Belo é régulo e, por enquanto,  o único membro vivo e registado.



Suécia > Sápmi [Lapónia] > s/d >  "Laponas", diz o régulo  [Samisk kvinna]...

Fotos do arquivo do José Belo / Tabanca da Lapónia  (2018). Cortesia do autor.[Edição e legendagem complementar : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Belo, português "assuecado", 
que vive na diáspora:

[Foto acima à direita: José Belo, ex-alf mil inf da CCAÇ 2381,Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70; cap inf ref, é jurista, vive na Suécia há 4 décadas, e onde formou família: reparte o seu tempo entre a Suécia, a Lapónia Sueca e os EUA, onde família tem negócios; tem  125 referências no nosso blogue]

Data: 6 de fevereiro de 2018 às 02:14
Assunto: Respostas às tuas perguntas quanto à Lapónia

Desde os finais de 1700 o termo "lapão" foi usado tanto na Suécia como na Noruega e Finlãndia, como um termo profundamente depreciativo para com os locais. Ao mesmo nível do que o termo "negro" é hoje encarado nos Estados Unidos.

Lapão em Sueco diz-se "Lapp", que também significa exatamente "remendo". Com conotações facilmente associadas a "pobres remendados",e também tendo em conta as roupas tradicionais fabricadas com tecidos de cores separadas que, a querer-se ir por aí, pode dizer-se aparentarem ser feitas por diferentes "remendos".

Facto é que o termo "Lapp" e "Lapónia" não é hoje usado pelos locais, nem pela maioria dos suecos mais jovens. Isto apesar de o termo continuar a ser usado a nível administrativo central (!) como referência geográfica à zona.

Lapónia para os lapões é... Sápmi.

Lapöes é... Samer

Um Lapão é... Same

Mulher da Lapónia é... Samisk kvinna.


Os lapöes estão divididos em vários grupos e subgrupos,  sendo 4 os principais, dispondo também de dialectos próprios.

Os que vivem nas zonas mais ao sul da Lapónia têm as suas renas guardadas em currais,enquanto os do centro norte mantêm os animais em liberdade total e integrados em vastas manadas, mas imediatament reconhecidos pelos donos por marcações efectuadas à faca nas orelhas que,e por muito que possa parecer incrível, todas são diferentes.

As tiras de cores diverssas existentes nas mangas e colarinhos dos vestuários tradicionais ( usados em festas familiares, festas locais,cerimónias oficias, festas religiosas, funerais, e em todos os trabalhos ligados à criação de renas) indicam todas as referências familiares, geográficas e de grupo ou subgrupo, tornando obviamente fácil a identificação imediata de toda a "história" do indivíduo.

Quanto à criação de renas em grandes números, a mesma só é permitida (por lei da administração central sueca) aos indivíduos de origem lapónica.
Actualmente só cerca de 14% dos Lapões vivem da criação de renas apesar de a carne ser vendida a preços muito elevados em toda a Escandinávia e na Alemanha que é o maior importador. (Felizmente que a minha dúzia de renas de trenó e "estimação", não é número a ser abrangido por lei!)

É erro tradicional, cometido por turistas ou mesmo visitantes de outras zonas da Escandinávia, o perguntarem ao criador de renas quantos são os animais que constituem a sua manada. A resposta sempre brusca e irónica é do tipo :"Olhe lá! Eu perguntei-lhe quanto dispõe na sua conta bancária?"

O criador paga imposto ao Estado por cada uma das renas da manada; daí não estar interessado num número "exacto"....impossível de ser verificado por as renas viverem em estado totalmente livre todo o ano, por montes,vales, estepes e florestas. Só há possibilidade de as contar (sempre mais ou menos!) quando as mesmas são anualmente reunidas para abate ou venda.

Há sempre um número considerável de renas ,tanto adultas como jovens, que são mortas pelos númerosos lobos, ursos e outros predadores locais, assim como ao atravessarem linhas dos caminhos de ferro que dia e noite transportam o minério local.
As estradas e autoestradas são também uma armadilha mortal por serem diariamente preparadas com sal e areia para facilitarem o tráfego no gelo. O sal é irresistível para estes animais e, nos nevões e neblinas locais, pode-se dispor nos SUV dos faróis mais modernos e potentes...os resultados....


A  Lapónia (a vermelho).
Infografia: José Belo (2018)
De qualquer modo, o Estado paga ao criador o custo dos animais perdidos. Como em toda a parte,as tentativas de fraudes e as histórias à volta delas são infindáveis.
As estatísticas quanto a estas perdas estão registadas desde há cerca de noventa anos,tornando-se fácil para os responsáveis administrativos pagarem somas...mais ou menos certas...para números de animais também...mais ou menos certos. (No fundo, o Estado Sueco tem uma boa economia que permite algumas destas "brincadeiras").

Existem cerca de 80.000 lapões na "Sameland" que engloba os extremos norte da Noruega, Suécia, Finläândia e Rússia Europeia.

Na Suécia-20.000
Na Noruega-58.000
Na Finländia-6.000
Na Rússia o número é indeterminado ao nível administrativo local.

Um abraço.
_________________

Nota do editor:

Último poste da série > 7 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18297: Da Suécia com saudade (56): por não ter existido anteriormente um único "luso-lapão", sobrevivendo quatro décadas no Círculo Polar Ártico, e duvidando fortemente que outro venha a surgir, sinto-me obrigado a responder às vossas dúvidas sobre a Lapónia, os lapões... e o colonialismo sueco (José Belo)

Vd. também poste de 7 de fevereiro de  2015 > Guiné 63/74 - P14228: Da Suécia com saudade (48): (Sobre)Viver na Lapónia (José Belo / Miguel Pessoa)

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17782: Historiografia da presença portuguesa em África (91): 1ª Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934: parte do seu sucesso foi devido à Rosinha Balanta, 'exposta ao vivo', e ao seu fotógrafo, o portuense Domingos Alvão (1872-1946)


Capa da "Civilização: grande magazine mensal", Porto, 1934. 
Coleção de Mário Beja Santos (2017) . 
[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Texto baseado em alguns comentários ao poste P17775 (*), da autoria do nosso editor Luís Graça e do nosso amigo Cherno Baldé (que vive em Bissau):

1. O nosso amigo, camarada e colaborador permanente do blogue, Mário Beja Santos, refere-se ao 'escândalo' da balanta Rosinha, de peito generoso à mostra na capa das revistas da época por ocasião da 1.ª Exposição Colonial Portugal, no Porto, em 1934... 

Estamos a falar de há mais de 70 anos, num época cheia de contradições e ameaças à paz mundial, com o triunfo do nazifascismo na Europa e da ideologia da superioridade da "raça ariana"... mas também do triunfo político e ideológico, entre nós, do Estado Novo que vai encetar um processo de 'recolonização' tardia dos nossos territórios de "além-mar" em África e na Ásia...

Curioso que há leitores nossos, na Guiné-Bissau, que ainda hoje se indignam de verem, no nosso blogue, as "suas mães" de peito ao léu... E não são leitores quaisquer, alguns são filhos de "pai tuga" e mãe guineense, vulgo "filhos do vento"... Já nos chegaram ecos, ao nosso blogue, dessas reações que não são só de pudor... E depois temos os/as cientistas sociais com o seu discurso do "cientificamente correto"...

A verdade é que não usávamos, nas paredes das nossas casernas ou abrigos, pósteres de mulheres africanas, nuas... As mulheres nuas, ou semi-vestidas, em poses eróticas, eram da "playboy", louras, de olhos azuis... Eram elas que nos ajudavam a climatizar os nossos pesadelos... E continuam a ser elas (e eles), mais louras ou morenas, mas sempre "sexies", que ajudam o capitalismo a vender as merdas que produzimos e consumimos, dos carros às "férias de sonhos" em "ilhas paradisíacas"... Será que alguma coisa mudou desde o "pecado original"?

Pode-se perguntar qual a fronteira entre o "nu etnográfico" e o "nu pornográfico"?... Também é verdade que fotos como a da Rosinha Balantas eram usadas, com alguma "ousadia", nas nossas revistas e sobretudo nas coleções de fotografia colonial...

Eram muito populares, entre os machos lusitanos, as fotos da coleção com raparigas guineenses em poses bastante ousadas para a época: nuas ou semi-nuas... Quem não comprou e não mandou, pelo correio, para a família e amigos alguns destes postais "ousados" dos anos 60?...

O "nu feminino" (mas não o "nu masculino"!)  era visto como um dos traços "exóticos" e "apetecíveis" da... Guiné Portuguesa... Ora,  eu nunca vi nenhum "nu minhoto” para ilustrar a grandeza e a diversidade do Portugal plurirracial e pluricontinental... Hoje esses "postais ilustrados" (muitos deles já aqui reproduzidos, dado o seu interesse, digamos, documental) seriam, no mínimo, "politicamente incorretos"...

Hoje reproduzir um capa como a de 1934, da revista "Civilização" (dirigida pelo escritor Ferreira de Castro, o autor de "A Selva", que chegou a ser nobilizável...) começa a ser objeto de desconforto e até de censura social... A fronteira entre o racismo, a xenofobia, a misoginia, a homofobia, o machismo começa a ser estreita... correndo o risco da nossa geração, a que fez a guerra colonial,  de ser acusada por outros "ismos" de... racista, xenófoba, misógina, homofóbica, machista...

2. Contrapõe o Cherno Baldé, o nosso perito em Bissau (em questões étnico-linguísticas, mas também éticas, religiosas, históricas, antropológicas...):

“Porque é que o ‘nu feminino era visto como um dos tracços exóticos ... da Guiné Portuguesa e não das outras colónias, Angola e Moçambique, por exemplo? Ou as "Bajudas" da Guiné teriam peitos mais salientes/atraentes que todos os outros países, incluindo Portugal, como tu bem observas?”

E acrescenta o dr. Cherno Baldé, nosso amigo e irmãozinho:

“Eu sou daquela época e confirmo que, na altura e para as comunidades da época, não constituía escândalo deixar as meninas andarem de peito livre sem qualquer preconceito. Os preconceitos vieram depois com a invenção do conceito de ´civilização’, ou seja a mania de querer mostrar ‘civilização’ da parte de quem pretendia deter alguma superioridade racial e social, como se andar vestido, já de per si, significava fazer parte da classe dos ‘civilizados’.

Hoje, porém, sabemos que o conceito é completamente falso, pois senão as mulheres talibãs e outras fundamentalistas da mesma religião, com as suas burcas, seriam as mais civilizadas de todas”.

3. Eu respondi nestes termos, ao sabor das teclas:

Querido amigo e irmãozinho Cherno Baldé (que eu não cheguei a conhecer em Contuboel, ainda “djubi’, em junho/julho de 1961):

Não podemos estar mais de acordo!... O que é a ‘civilização’? Não é (ou não devia ser) pelas diferenças ‘acidentais’ (minissaia ou burca, por exemplo, no que diz respeito ao vestuário feminino...) que os povos se distinguem, diferenciam, se separam, e até se combatem até à morte... Muito menos, pelo ‘fenótipo’...

A ‘Rosinha Balanta’ devia ser, espero, um jóia de miúda, que terá casado e terá sido mãe e avó, como muitas outras mulheres, as nossas mães e avós, em Portugal, na Guiné, em todo o mundo... Não era fácil para uma rapariga, balanta, animista (ou cristã, a avaliar pelo fio com crucifico que usa ao peito, a viver num país colonizado, nos anos 30 do século passado, sobreviver e sobretudo viver com um mínimo de dignidade, saúde, paz... Quero imaginar que teria sido feliz... Espero que tenha sido feliz... Para já "conheceu mundo": teve a sorte de conhecer Portugal e o Porto, em 1934!... E de fazer parte do "jardim zoológico humano" do palácio de Cristal, como alguém lhe chamou, com crueldade (***)...

A Rosinha teria hoje 100 anos e seria um pouco mais velha do que a minha saudosa mãe, Maria da Graça (1922-2014)!...  Sabemos quem foi o seu famoso fotógrafo, o Domingos Alvão... Pode discutir-se é um exemplo de nu 'etnográfico', 'artístico', 'colonialista', 'pornográfico' ...

É verdade que  em Portugal, na época, nem as camponesas do Minho nem as ceifeiras do Alentejo andavam de peito ao léu... Hoje também não andam, porque já não existem nem camponesas do Minho nem ceifeiras do Alentejo, a não ser nos museus do traje e nos ranchos folclóricos...

Em contrapartida, já vemos hoje as jovens mães, nos transportes públicos,  nas esplanadas, na rua... a puxar pela mama, discretamente, naturalmente, para amamentar os seus bebés... Mas a mama ao léu não dá jeito (e não é "socialmente tolerada"), a não ser em certas épocas do ano, em certos sítios (como a praia...). O uso da "mama ao léu" tem regras: por exemplo, na arte, no cinema, na indústria da noite, no lazer, e até nas manifestações políticas... contra o poder falocrático.

Cherno, tu, que és um observador de grande argúcia, pões uma questão, deveras desafiante, provocatoriamente desafiante, aos nossos leitores: por que é que o ‘nu feminino’ não era também (e tão bem...) ‘explorado’ pelos antropólogos, artistas, fotógrafos caçadores de ‘exotismo’, agências de viagens, administradores coloniais, angariadores de mão de obra para as colónias, militares, comerciantes e até ‘missionários católicos’ (que eram os melhores clientes das fábricas de ‘soutiens’)... das outras colónias, Angola, Moçambique, São Tomé e até Cabo Verde?...

Cabo Verde (mas também São Tomé e Príncipe) era um caso à parte dada a tradicional influência da igreja católica românica, e sobretudo a sua origem, como sociedade ‘escravocrata’...

De Moçambique sei pouco, nunca lá fui... De Angola, só lá comecei a lá ir a partir de 2003 e confesso que sou ignorante do seu passado, marcado pela liderança de mulheres fortes como a rainha Ana de Sousa, ou rainha Ginga (c. 1582-1663).

Da Guiné, teu país, meu irmãozinho e amigo, só posso dizer que tinha (e tem) mulheres lindas!... A beleza (feminina e masculina) não é monopólio de ninguém... Mas há ‘estereótipos de beleza’ de base racista... e a que o colonialismo (europeu) e o nazifascismo não são alheios.

Descobri (não sabia…) que a ‘Civilização: grande magazine mensal’ foi uma publicação periódica, editada no Porto entre 1928 e 1937. Foi fundada pelos escritores Ferreira de Castro (1898-1974) e Campos Monteiro (1876-1933). O editor era a Livraria Civilização. A Rosinha Balanta vem numa das capas da revista, em 1934, a propósito da 1.ª Exposição Colonial Portuguesa…

4. Há um artigo, interessante, escrito em português do Brasil sobre o ‘papel’ da Rosinha, a bajuda balanta, em carne e osso, que esteve ‘exposta’, na 1.ª Exposição Colonial Portuguesa, no Porto, em 1934... e que, sem querer, terá sido uma das causas do grande sucesso da exposição, ganhando claramente os favores do público, a par do menino Augusto... (A exposição terá sido vista por um milhão de pessoas; mais de 3 centenas de 'nativos', homens, mulheres e crianças,  vieram expressamente das colónias, a pedido do ministro Armindo Monteiro (1895-1955), para dar "corpo e alma" à exposição que, mais do que um mero divertimento popular, tinha um claro propósito propagandístico.)

(Vd, Mateus Silva Skolaude - Exotismo e Sensualidade Africana: Raça, Nação e Império na 1.ª Exposição Colonial Portuguesa de 1934. in: Nossa África: ensino e pesquisa / Organizadores Simoni Mendes de Paula e Sílvio Marcus de Souza Correa. São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil: Oikos, 2016, 228 p.; E-book, pp. 131/145. ISBN 978-85-7843-614-8. Disponível aqui em formato pdf.)

Eis aqui alguns excertos, com a devida vénia:

(...) Para tanto, foi no jardim do Palácio de Cristal [, no Porto,] a grande atração do evento, tendo em vista o objetivo de recriar os territórios ultramarinos em sua mais completa diversidade. Era indispensável traduzir o cotidiano dos povos o mais próximo da realidade, desde a floresta tropical, o deserto, a alimentação e as aldeias típicas, ou seja, o objetivo consistia em oferecer ao público, a sensação de viajar por todo o império português.

Neste passeio, as representações etnográficas acabaram por ser as mais populares, num total de 324 nativos expostos, entre mulheres, homens e também crianças. (...)

Diferentemente de um museu, a exposição incorporava um universo à parte, considerando as particularidades de cheiros, sons e imagens em movimento. Neste sentido, os 324 nativos, desde a chegada ao Porto, foram cuidadosamente observados por professores e estudantes universitários, sob a responsabilidade dos antropólogos da Universidade do Porto. A partir das experiências com os indígenas, os cientistas chegariam a conclusões com respeito a usos e costumes, a maior ou menor aptidão em trabalhos manuais, assim como, às suas capacidades intelectuais. (...)

Estes nativos eram evocados como sendo todos portugueses (...).

E continua o autor, Mateus Silva Skolaude:

(…) Não por acaso, a 1.ª ECP teve um fotografo oficial, o Sr. Domingos Alvão (1872-1946), proprietário da Casa Alvão na cidade do Porto e que publicou um “Álbum fotográfico da 1.ª Exposição Colonial Portuguesa” com 101 clichés fotográficos, editado no Porto pela Litografia Nacional. (…) 


 Os grupos étnicos da Guiné foram os que mais receberam atenção por parte da imprensa e do público de forma geral. Também foram os mais fotografados pela câmara oficial de Domingos Alvão que procurou realçar o caráter físico destas populações indígenas. (...)

(...) Para além da exotização imposta pelos organizadores e propagandistas da exposição, era necessário também criar laços de afetividade na população metropolitana com os povos oriundos das colônias. Para que isto efectivamente tivesse algum resultado prático, utilizou-se a estratégia de individualizar alguns nativos, como forma de torná-los verdadeiros ícones da exposição.

(...) Esse foi o caso do menino Augusto [, bijagó,] (***) e da jovem Rosinha, da etnia balanta, que foi exposta pelos organizadores da exposição, tendo em vista os anseios da política estado-novista que buscava despertar, na subjectividade masculina, o desafio de sujeitos dispostos a migrarem para os territórios ultramarinos do império. A estratégia foi bem-sucedida. Rosinha e as mulheres balantas não só atraíram um grande público, como também constituíam uma “sensualidade” capaz de mobilizar, na memória do passado, o futuro da política imperial.

Concluindo: parte do sucesso da exposição é mérito da Rosinha e do seu fotógrafo (**):

(...) Naquela altura, circulou um cartão postal cuja fotografia original se encontra no álbum fotográfico de Alvão. Sua legenda afirmava o papel atribuído a Rosinha: “O Sucesso da Exposição de 1934”. Este sentimento foi amplamente partilhado pelos visitantes. Rosinha tornou-se o “objeto” mais fotografado, analisado e discutido da exposição. (...) (****)
______________

(**) Último poste da série > 19 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17780: Historiografia da presença portuguesa em África (90): a nossa conhecida NOSOCO - Nouvelle Société Commerciale Africaine, uma das patrocinadoras da Exposição Colonial Internacional de Paris, em 1931

(***)   Vd. poste de 9 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10916: Postais ilustrados (19): O menino, Augusto,  que fumava cigarros "White Horse" (Beja Santos)

(...) Em 1934, o regime consagrado pela Constituição de 1933 queria dar provas de que o Império era muito mais do que o imaginário, era obra de missionação, havia para ali recursos a explorar para o engrandecimento da Nação. O capitão Henrique Galvão recebeu instruções para que a encenação ultrapassasse tudo o que até agora fora mostrando dos diferentes povos no vasto Império. E ele não se poupou a esforços. 

O problema foi a moral pública, a reclamar daquelas bajudas com maminhas ao léu, aqueles Bijagós despudorados com saias de ráfia, praticamente nus, e de olhar tão inocente. Faziam-se excursões, rezam as notícias publicadas nos jornais da época, para ver aqueles povos bárbaros, as crianças atiravam pedradas, a polícia tinha que agir, o ministro das Colónias, Armindo Monteiro, não gostou das críticas, ordenou ao capitão Henrique Galvão que acabasse com os desmandos, quem desrespeitasse os guinéus ia para a choça. 

O Augusto devia ser uma criança muito dócil, os pais até devem ter achado graça ver o menino a fumar, reproduzido em bilhete-postal. Não vale a pena fazer comentários, fica o registo de um tratamento primitivo. Em muitos domínios, a História não dorme. (...)


(****) Vd. também o artigo da investigadora do ICS-UL [Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa}, Filipa Lowndes Vicente: "Rosita" e o império como objecto de desejo. Público,. 25/8/2013

(...) "No contexto das discriminações raciais da Europa da década de 1930, como já no século XIX, o corpo da mulher negra podia ser exposto, legitimamente, de muitas formas, num claro contraste com o corpo nu da mulher branca, remetido para as fotografias transgressivas de uma pornografia para consumo privado masculino. O corpo nu da mulher negra estava disponível visualmente, porque imperava uma ideologia legitimada por um racismo científico que o inferiorizava, e que lhe retirava voz e poder. Os lugares desta exposição legítima do corpo eram inúmeros: nas exposições universais e coloniais, nos postais fotográficos que jogavam com a ambiguidade entre a legitimidade científica da antropologia e o erotismo; ou em imagens de jornal a ilustrar os costumes de povos "estranhos e distantes". (...)