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sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14204: (Ex)citações (259): Sobre o paradeiro do Pintosinho, e mais histórias de Bissau no pós-independência... E já agora, quando querem fazer um encontro da Tabanca Grande aqui no Fundão ? Prometo ter "ostras e camarões da Guiné"... (Mário Serra de Oliveira)

1. Resposta, com data de 28 do corrente, de Mário Serra de Oliveira a um pedido de informação sobre o Pintosinho, a conhecida casa de António Pinto, em Bissau, do nosso tempo (*):

[foto à esquerda: Mário Serra de Olievria, ex-1.º cabo escriturário, BA 12, Bissalanca, 1967/68; viveu nos EUA; é autor de Palavras de um Defunto... Antes de o Ser (Lisboa: Chiado Editora, 2012, 542 pp, preço de capa 16€]


Olá, grande e estimado Luís Graça:

E um prazer imenso trocar algumas palavras com a pessoa por detrás de um dos blogues que eu mais aprecio... quiçá por me tocar também a mim fazer parte da tertúlia.

Agora, antes de responder, permite-me pedir desculpa pela falta de acentos. Estou a usar um portátiç devido a que, já depois de aqui chegar, a EDP teve a gentileza de ter uma queda de tensãoo, e queimou-me o computador com o teclado português. Sei que vais compreender.

Respondendo... começo por dizer que conheci, e muito bem, o Pintosinho (creio que pai e filho). Foi lá que comprei uma carrinha Renault 4 (de "gola" alta) e muita outra mercadoria.

Ter sido preso não foi do meu conhecimento directo. Eu continuei a vida de labutar - e mais ainda depois do 25 de Abril - por ter adquirido casas do meu ramo (comes e bebes) a alguns dos nossos que decidiram vir embora.

Casa Pintosinho, Bissau, 1956 (*)
Creio que o Pintosinho não ficou em Bissau. Recordo, isso sim, um representante nativo que, por casualidade, até andava a cobrar dívidas, incluindo algumas minhas. O que era mais que nomal, uma vez que se comprava a mercadoria a 30, 60, 90 dias, era prática corrente, tal como numa economia livre. Recordo que, temporariamente ou não, aquilo tinha fechado.

Agora, se quiseres saber mais, tenho muitos amigos guineenses, alguns nos EUA, alguns em Dakar (Embaixada dos EUA - ex-colegas de trabalho na mesma Embaixada onde trabalhei também, em Bissau) e, mesmo na Guiné penso ainda estar vivo o António Pinheiro - da Casa Pinheiro, localizada ao lado direito da rua paralela à avenida principal, se esvermos a olhar para o Palácio, junto ao rio - om quem tratei de alguns assuntos com ele em Braga, à frente de uma exportadora ICIC, qualquer coisa.

Ele estava ligado a uma empresa de Angola chamada a "Friango" (Angola Free) para onde as Caves Primavera exportaram cerca de 5 milhões de contos em vinho tinto. Eu tentei arranjar crédito para a LC (Letter of Crédito) do Banco Nacional de Angola...e até era possível, misturando a mesma LC (má) com outras LC boas, tal como fizeram os bancos americanos ao misturar "crédito bom com crédito mau, sobre empréstimos imobiliários. Algo assim parecido esteve quase a ser realizado, à custa de "algo para alguém" que tratava do assunto. Talvez se lhe posssa chamar "vigarices" mas, na guerra, vale tudo! Não seria guerra com armas mas guerra económica.

Vou perguntar sobre o Pintosinho à minha amiga Nené Cabral, em Dakar, cujo marido foi preso após o golpe de Novembro, do Nino, derrubando o Luís Cabral. Eu estava lá. Fui acordado pelo meu chefe americano, para que me refugiasse na Amembassy. Lá fora, só se ouviam disparos tipo castanholas e, aqui e ali, uma morteirada. Era excitante a alegria que se sentia, pelo menos por mim, e pelos locais...já que que o sentimento de descontameto pairava no ar. Uma tensão de "cortar à faca".

Desculpa lá o desvio da conversa principal mas eu vivo isto a cada dia da minha vida. Tanta injustiça que presenciei, que, o que sinto, está enraizado em mim.

Entratanto, gostaria de levar à consideraão dos organizadores dos almoços, a possibilidade de, numa próxima, o mesmopoder ser relalizado noutro cantinho de Portugal. Por exemplo, cá na minha aldeia, onde existem vários ex-camaradas anánimos (não têm computador). Existe o Carlos Couto, dono do Hotel Samasa (Fundão) que me conheceu no Pelicano. tem capacidade para organizer tudo o que for necessário. Prometo ter "Ostras e Camarão" da Guiné. Prometo tentar ter a presenca do Embaixador da Guiné.

Abraço fraternal

Mario S. de Oliveira (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de janeiro de 2015 >  Guiné 63/74 - P14191: Historiografia da presença portuguesa em África (51): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte VII (Mário Vasconcelos): Quem não se lembra da Casa António Pinto ou "Pintosinho". alegadamente a melhor e a mais moderna loja da província ?

domingo, 30 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13960: Agenda cultural (367): Apresentação, pela escritora Helena Matos, do livro "Estudos Gerais Universitários de Angola. 50 anos: história e memórias" (Autores Vários; Lisboa, Colibri, 2104; prefácio de Adriano Moreira)

Título: Estudos Gerais Universitários de Angola. 50 anos: História e Memórias

Autoria: AAVV
Temas: História, Sociologia, Lusofonia, Memórias
Editora: Colibri
Local: Lisboa
Ano: 2014
Capa: mole
Tipo: Livro
N. páginas: 376
Formato: 23x16
ISBN: 978-989-689-441-2
Preço: 30,00 € 

Sinopse:

A criação dos Estudos Gerais Universitários de Angola e, também, na mesma data, de Moçambique foi antecedida de uma grande batalha e, por isso, acompanhada de um erro e de um compromisso. O erro traduziu-se no título das instituições, chamadas Estudos Gerais com o intuito de ficar afirmado que tinham a mesma intenção, dignidade e responsabilidade das mesmas instituições ocidentais usadas na Europa havia séculos. 

O compromisso teve origem na necessidade de ultrapassar as resistências, desactualizadas nos tempos e nas convicções de muitos, de que era necessário continuar a exigir e manter o ensino superior na metrópole como instrumento para assegurar a unidade prevista na Constituição de 1933. 

Neste caso tratou-se de um conflito de experiência e de concepção. Quanto à concepção, a ideia de unidade de Portugal nasceu da visão, confirmada por factos históricos, como a Restauração de 1640, de que os portugueses, emigrados pelas cinco partidas do mundo, e os descendentes manteriam essa comunidade, em primeiro lugar de afectos e, depois, de solidariedade e interdependência, que se chama Nação. 

Uma concepção que seria alargada, com expressão viva no Comandante João Belo, na esperança da assimilação que viesse a unir europeus e gentes das terras. Uma concepção ideológica contraditória com o próprio ensino universitário da época, provavelmente inspirado nas independências do continente americano, e que usava o exemplo de os filhos se separarem dos pais, o que estava em contradição evidente com a interpretação constitucional. Mas era mais relacionada com a convicção da preservação da unidade imperial o engano de que tal objectivo da unidade era melhor servido pela manutenção na metrópole do exclusivo ensino superior que, apenas, tinha excepção na Escola Médica do Estado da Índia, cujos diplomas não eram reconhecidos suficientes na metrópole. 

[do prefácio de Adriano Moreira] 

Fonte: Edições Colibri


Vídeo (14' 51''). Luís Graça (2014). Alojado em You Tube > Nhabijoes

A escritora Helena Matos, no lançamento do livro "Estudos Gerais Universitários de Angola: 50 anos, história e memórias"  (Lisboa: Edições Colibri, 2014)

Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 27/11/2014, 18h00 > Ao centro, a engª agrª Marília de Sousa, que coordenou a edição literária, e, à sua direita, o representante da editora. Mão de Ferro.




Vídeo (3' 36''). Vídeo de Luís Graça (2014). Alojado em You Tube > Nhabijoes

A jornalista Helena Matos, no uso da palavra (continuação) 




Vídeo (10' 26''). Vídeo de Luís Graça (2014). Alojado em You Tube > Nhabijoes


 Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkina > 27/11/2014, 18h > Sessão de  lançamento do livro "Estudos Gerais Universitários de Angola: 50 anos, história e memórias"  (Lisboa: Edições Colibri, 2014)

Ao centro, a minha amiga e amiga da Maria Alice Carneiro, engª agrª Marília de Sousa, que coordenou a equipa de  edição literária (6 pessoas); à  sua direita, o representante da editora, Mão de Ferro;  à esquerda , a  analista política e escritora Helena Matos, que apresentou a obra.

Helena Matos, nascida em 1961, é autora de, entre outras obras, Salazar em dois volumes (Lisboa, Temas e Debates, 2010), e Os Filhos do Zip Zip (Lisboa, A Esfera dos Livros, 2013).  Foi professora do ensino secundário. Trabalhou em seguida como jornalista.  Mais recentemente foi consultora histórica das séries Conta-me Como Foi (RTP) e Depois do Adeus (RTP). Faz ou fez comentário no Diário Económico,  na Antena 1, no Público  e no Observador.

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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12668: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (31): Natália Correia e os filhos dos retornados (vingativos)

1. Mais um apontamento do caderno de notas do nosso mais velho, António Rosinha [,  foto à esquerda; fur mil em Angola, 1961/62, topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979: ou, como ele gosta de dizer com sentido de humor, colon, em Angola, de 1959 a 1974; cooperante na Guiné-Bissau, de  1979 a 1993; membro da nossa Tabanca Grande desde 29 de novembro de 2006]:


Penso que Natália teve um raciocínio correcto, mas que se pode aplicar menos em Portugal mas mais à França (pied-noir). (Paris de vez em quando já arde).

A insularidade (de Natália) pode levar a sentimentos de isolamento e claustrofobia, mas também a sentimentos de sossego, tranquilidade e comodidade e segurança- Mas também a insularidade pode levar a capacidades de auto-suficiência, de capacidade de sacrifícios e correr riscos e “fugir dalí para fora" e enfrentar todos os perigos.

Os insulares pensam mais e agem diferente de um continental.

Aqui em Portugal continental também somos muito pen-insulares, mas não dá para raciocinar como Natália Correia.

Os açoreanos têm muitos escritores, jornalistas e políticos que sempre sobressaíram, talvez por serem insulares. Exemplos como os primeiros presidentes da República e muitos deputados, e escritores como Vitorino Nemésio, Antero de Quental e Natália Correia.

Depois de 800 anos de monarquia só um insular podia imaginar-se presidente de uma República, da noite para o dia com o mesmo à vontade comque Natália se expunha na Assembleia da República, que pouco antes era só de homens. (Não digo que ilheus sejam loucos…mas).

Habituei-me a ouvir açoreanos, caboverdeanos e madeirenses, só não ouvi bijagós porque não falavam nem crioulo nem português nem eu bijagó.

Dizia no 26 de Abril um madeirense em Angola: é melhor fazermos as malas porque a partir de agora a guerra de Angola deixa de ser nossa, e já não temos Salazar.

Embora esse mesmo madeirense possa aventurar-se a permanecer, mas o raciocínio foi imediato. (Eu aproveitei o conselho do madeirense)

E nós portugueses quando nos metemos em assuntos da Europa, cada ministro devia ter um conselheiro ilhéu mesmo que fosse inglês, também ilheus.

Digo isto tudo porque Natália Correia, que era muito lida no tempo colonial em Angola, na revista “ Notícia”, escreveu sobre os filhos dos retornados algo que dificilmente um continental escreveria.

Quem tem divulgado muito as curiosidades de Natália Correia é um filho de retornado, Fernando Dacosta, no livro “Botequim da Liberdade”, e circula pela internet.

Também “filho de retornado” foram pessoas como oficiais do MFA (Otelo),  generais como o falecido Soares Carneiro, candidato a Presidente, do amigo de Natália, Sá Carneiro, do futebol Carlos Queiroz, e tudo o que se diz Peyroteo, dos jornais e televisão é melhor nem enumerar tal a quantidade de filhos e até netos de retornados.

Será que os filhos e netos de retornados podem vir a ser aquilo que diz Natália? Ela diz isto:

"A sua influência (dos retornados) na sociedade portuguesa não vai sentir-se apenas agora, embora seja imensa. Vai dar-se sobretudo quando os seus filhos, hoje crianças, crescerem e tomarem o poder.Essa será uma geração bem preparada e determinada, sobretudo muito realista devido ao trauma da descolonização, que não compreendeu nem aceitou, nem esqueceu. Os genes de África estão nela para sempre, dando-lhe visões do país diferentes das nossas. Mais largas mas menos profundas. Isso levará os que desempenharem cargos de responsabilidade a cair na tentação de querer modificar-nos, por pulsões inconscientes de, sei lá, talvez vingança!"

Pois bem, há filhos de retornados totalmente revoltados que circulam entre nós, que se negam a considerar-se igual a um qualquer “indígena” beirão, minhoto ou transmontano ou açoreano.

Muitos filhos e netos adultos, de retornados, no 25 de Abril nem todos se fixaram em Portugal, os mais preparados circularam como “cooperantes” pelas colónias e emigraram para o Brasil, Austrália, Canadá e mesmo para a Europa.

Em geral só se houve falar em gente dessa com sucesso na vida.

Só na Guiné Bissau eram retornados ou filhos deles, quase todos os engenheiros, mecânicos etc. que fizeram as obras maiores de Luís Cabral: na Tecnil, Soares da Costa, Somec, Visabeira etc.

Foram para o Brasil, filhos de retornados, para quem “ser português” nem querem que alguém pense tal coisa deles.

Este blog é para contar o que se viu e viveu, e como parte da minha vida foi trabalhar com retornados, filhos e netos dos mesmos, no Brasil, na Guiné, na Madeira, na Expô 98, dou muito sentido ao que diz Natália Correia. Só me pergunto onde é que ela se foi informar tanto.

Será que foi em viagens à França? É que em Portugal foi uma minoria que os nossos «pieds-noirs» [, pés negros, termo depreciativo, uasado em França, para os 'retornados da Argélia, L.G.] que ficaram por cá pois a maioria dispersou-se, ao passo que a França recolheu tudo e todos, e já se viu o efeito da transfiguração e africanização e islamização da França.

Só amenizo as afirmações de Natália, na medida em que nós próprios já em maioria somos bisnetos de retornados do Brasil, Angola, India, só que agora foi um retorno um pouco mais intenso, mas mesmo assim, reduzido.

Mas como há filhos de retornados que nos consideram “muito pequeninos”, para não dizer nomes que tive que ouvir, há muitos que estão integrados e nem ligam para «estas coisas» da Natália Correia.

Antº Rosinha

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Nota do editor:

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7285: História de vida (34): Do Cunene a Gadamael ou as (des)ilusões do Portugal plurirracial e pluricontinental... Para o Cherno Baldé, com apreço (José Gonçalves)

 1. Resposta do José Gonçalves ao comentário do Cherno Baldé (*):


Meu caro Cherno, obrigado pelas tuas palavras e quero dizer-te que estou completamente de acordo contigo quando dizes que as necessidades e o querer dos homens e mulheres nativos da Guiné, que lutaram ao nosso lado, por um ideal, pelos seus próprios interesses sócio-económicos e por vezes até pelo ódio por outras etnias (depois eu explico porque uso a palavra ódio),   não foram tomados em consideração pelas Forças Armadas Portuguesas no terreno aquando da retirada e não mereciam o que lhes aconteceu.


Como deves saber,  em qualquer exército democrático todos recebemos ordens de outrem até chegar ao poder político e as ordens são para cumprir ou há consequências. Apesar de ter hoje conhecimento do que se passou com os soldados africanos,  não sei o que poderia ter sido feito diferente para salvaguardar os interesses dos nossos camaradas que decidiram ou foram esquecidos lá e continuaram a fazer a sua vida na Guiné.


A Guiné é um país independente e  Portugal não tinha e não tem o direito de intervir a não ser que os tratados fossem violados, o que veio a acontecer,  e uma intervenção na ONU por parte de Portugal a denunciar tais massacres à comunidade internacional era apropriado, mas do que serve ?


Todos nós sabemos o peso das resoluções da ONU! Não valem muito a não ser que os interesses dos grandes estejam comprometidos.

Totalmente suporto que os soldados que lutaram debaixo da bandeira portuguesa,  deviam ter uma reforma do governo português, mas quero que saibas que eu também não a recebo e nunca a receberei porque nunca descontei para a caixa de aposentações [, Segurança Social,] em Portugal  e sem o ter feito não tenho direito apesar de ser português,  nascido em Portugal. Regras feitas pelos políticos que nunca compreenderei. 

Agora um pouco de humor: dizem que os políticos são como as fraldas e que de tempos a tempos têm que ser mudados e pela mesma razão !

 Voltemos ao ideal de que falei. Apesar de natureza colonialista e muito paternalista,  o ideal porque lutámos,  continha valores muito nobres como a liberdade e igualdade entre as raças (apesar de eu pensar que só há uma, a humana!),  um país secular e multidimensional, onde brancos, pretos e mestiços podiam viver em harmonia debaixo da mesma bandeira. Só que esse mesmo ideal existia pura e simplesmente  para conveniência das classes dominantes que o utilizavam para os seus próprios fins que era o controlo absoluto do seu povo, colonizador e colonizado.

Como jovem que fui, este ideal foi-me incutido desde muito jovem, ainda me lembro de ler nos livros da escola primária toda esta propaganda e pensar nessa altura que Portugal devia ser o melhor país do mundo devido a toda a sua bravura e nobreza e assim me manipularam como manipularam a maior parte da minha geração.

Para te dar um pouco das minhas experiências pessoais deixa-me dizer-te que por muito tempo me considerei Angolano/Português e não o contrário pois vivi em Angola dos  8 aos 18 anos para onde fui com toda a minha família em Janeiro de  1961 e foi aí que se passaram os meus anos formativos (**). 

O meu pai sempre foi um guerreira da vida, à procura de sucesso para a sua família apesar de ter somente a 3ª classe da escola básica. Com esta sua vontade pelo sucesso, tentou emigrar para o Canadá aos vinte e tal anos, mas como tinha cadastro na PIDE, apesar de ter sido aceite pelo Canadá,  o governo português não autorizou a sua saída, e assim em 1960 foi-lhe feita a proposta  para ir para Angola como colono o que este aceitou,  porque era aventureiro e sabia que em Portugal as oportunidades para ele eram poucas.

Lembro-me de um jornalista perguntar ao meu pai no hospital da Junqueira onde nos encontrávamos a fazer exames médicos antes da partida, para onde íamos?  Ao que o meu pai respondeu Colonato do Cunene! . O dito jornalista,  com lágrimas nos olhos disse em voz baixa quase inaudível:
- Isto não se faz...isto não se faz...Com dois filhos assim tão novos isto não se faz !...   

Vi no rosto do meu pai pela primeira vez um ar de preocupação por todos nós, mas calou-se e não disse nada. Passadas umas semanas lá estavamos nós numa povoação chamada Castanheira de Pêra, nome bastante português mas não no norte de Portugal mas sim ao sul da Matala,  no distrito do Cunene [, no sul de Angola, vd. mapa à direita]. 


O meu pai tentou fazer o seu melhor para triunfar mas nunca tinha sido agricultor na sua vida e em Castanheira de Pêra ou se cultivava ou se morria à fome. Uma outra estipulação era a proibição de empregar qualquer nativo para não perturbar a seu modo de vida que era basicamente a criação de gado. Como poderia um casal de portugueses brancos,  vindos do Algarve,  sem nunca ter sido agricultores,  triunfarem no colonato do Cunene quando o governo lhes promete o Céu e no fim dá-lhes um casal de bois bravos, 4 hectares de terra,  uma carrroça e diz Governa-te.

O meu irmão mais velho frequentava a escola comercial em Faro o que lhe foi impossivel continuar. A opção que teve foi trabalhar no campo a cortar bissapas,  nome angolano dado a arbustos. Eu guardava os bois na bela savana angolana depois de sair da escola primária.  Como calculas,  o meu pai não aguentou muito tempo e em menos de um ano deixou o colonato e arranjou emprego como electricista numa fábrica de  papel no Alto Catumbela onde foi bem sucedido devido ao seu esforço e vontade.

Ao mesmo tempo começou a guerra em Angola e a população branca estava aterrorizada,  mesmo no Cunene. Lembro-me de dormir no sótão da nossa casa 6 meses com medo de sermos massacrados.

Cherno,  a razão porque te conto toda esta história é para te dizer que as vítimas eram na maior parte das vezes os colonos e os colonizados. Nessa altura eu tinha muito orgulho em dizer em voz alta e bom som que era Angolano de corpo e alma e considerava meus compatriotas todos os pretos, brancos e mestiços que viviam no mesmo país,  Portugal. Vivia eu numa comunidade afluente onde gente de toda a raça convivia em harmonia com o objectivo de uma Angola melhor. 

Esta era a minha realidade mas bem analisada veríamos que não era bem assim. Em certas comunidades havia esta harmonia mas a maioria da população vivia marginalizada e  num estado de pobreza extrema sendo explorada por pretos, brancos e mestiços de classe sociais mais elevadas. A exploração também não tem côr.

O princípio da desintegração de toda esta compilação de sentimentos aconteceu na viagem de Bolama para Cacine quando viajava para o meu destacamento em Gadamael. Como é que uma simples viagem de barco consegue desfazer algo acumulado em duas dezenas de anos ?

Neste mesmo navio patrulha ia um sargento das tropas africanas. Acho que o seu destino era Jemberém.  Uma das declarações do mesmo foi como a percussão de todo um desencadear de pensamentos dentro do meu cérebro jovem e ingénuo.  O sargento ia falando dos roncos que tinha já feito e das operações realizadas e a certo momento diz-nos que em regra quando vai para o mato "tudo o que é preto é para matar". 

Para mim isto foi um choque tremendo pois este não era o sentimento nem o treino que tinha tido. Como africano estava ofendido (nessa altura ainda me sentia africano,  hoje sou canadiano/português) e como comandante militar senti nesse momento que havia algo de errado nesta guerra para onde ia. O inimigo para mim não tinha côr mas sim uma ideologia que era diferente da minha e que a queria impor à força, a Portugal e às populações, que viviam debaixo da mesma bandeira. Para o sargento o inimigo era preto e vivia no mato fora das zonas controladas pelas nossas tropas. Quem estaria certo ?

 Mas como podia este homem vêr os seus irmãos da mesma côr vivendo na mesma "província" como inimigos mortais ? Seria que eram todos turras ? Seria que este sargento não tinha sentimentos ? Seria que se encontrasse com um cubano branco não o matava e só mataria os pretos ? Quem teria incutido este ódio num homem que parecia afável em todos os outros aspectos ? Será que eu e os meus soldados iríamos ter os mesmos sentimentos passado uns tempos ? Esperava sinceramente que não,  mas já não tinha a certeza de nada.

Por fim cheguei a Gadamael,  entrei dentro da rotina dos bombardeamentos  mas este sargento não me saía da mente pois não queria ser como ele. O 25 de Abril diminuiu este tipo de preocupação mas começou uma nova série,  relacionada com as consequências da descolonização.  

De início não podia imaginar que Portugal poderia abandonar as então chamadas "províncias ultramarinas" porque eu conhecia bem Angola e a realidade angolana. Compreendi logo de início que a Guiné era muito diferente e que a minha experiência angolana não era a mesma na Guiné.  Lembro-me das conversas com os meus soldados tentando mentalizá-los que o regresso a casa talvez demorasse mais do que eles pensavam, que no meu parecer Portugal não ia abandonar as populações e as tropas africanas e que para tudo isto se resolver era preciso tempo.  A resposta deles era quase sempre a mesma: Eles que resolvessem isso depressa que eles queriam ir para casa. O mesmo sentimento era quase unânime  entre os outros pelotões e os oficiais e sargentos.

Foi então que entendi que os princípios e ideais porque estava lutando não eram iguais à maioria dos meus camaradas . Nessa altura eu ainda me sentia africano e tinha um peso enorme no coração por saber o que estava para acontecer a todos os meus compatriotas angolanos com a inevitável retirada. Tinha por lá ainda muitos amigos de infância e estava preocupado. A minha preocupação era legítima pois a maior parte deles veio de lá com as calças na mão como se costuma dizer.

O 25 de Abril foi um processo irrefreável como um comboio sem travões descendo uma ladeira. A descolonização ia ser feita o mais rapidamente possível desse no que desse.

Os comandos militares do MFA  sabiam que não podiam mandar a guerra continuar porque na mente dos militares a guerra já tinha acabado e agora era tudo "democracia" portanto "o povo é quem mais ordena" e o povo ordenou a entrega das colónias que foi um termo rejuvenescido para  justificar o que já estava num processo irreversível. 

Se os caixões continuassem a chegar a Portugal,  o povo revoltarse-ia e também acho que os militares não aceitariam um continuar da guerra. As negociações não contemplavam  mais nada do que a independência total e era pura e simplesmente uma questão de quando e não se nos íamos retirar. Associações de soldados, sargentos e oficias milicianos começaram a aparecer por todo o lado dentro das Forças Armadas e já não se decidia nada a não ser por comité.

Infelizmente,  Cherno,  a descolonização que se fez  não foi a que deveria ter sido feita mas a que foi possível fazer dentro de um clima que na altura se tornou caótico e que injuriou brancos, pretos e mestiços que se consideravam cidadãos de um Portugal multirracial e pluricontinental,  principalmente aqueles vivendo em África. 

Por outro lado temos também que imputar responsabilidade aos movimentos de libertação pois para bem do povo estes deviam ter insistido numa outra descolonização. Era o interesse e o bem estar do seu povo que beneficiaria de uma descolonização ordenada preservando a economia, e infraestruturas do governo como a educação e a saúde pública. Não foi isto que os movimentos exigiram de Portugal o que queriam era que saíssemos o mais rápido possível para que pudessem discutir entre eles quem reinaria, e foi isso que fizemos em detrimento do povo africano (branco, preto e mestiço) 

A minha visão deste assunto e de outros tem evoluído através dos tempos com a minha própria maturação e um entendimento mais global do mundo, vejo hoje as coisas de maneira diferente, as coisas já não aparecem a preto e branco mas sim em diferentes tons incluindo todas as cores do arco íris.  Também descobri através de muitos anos de ponderação e experiência que a culpa em coisas deste géreno não vem só de um lado e que,  para se resolver os probemas sérios, temos que escutar, analisar, reflectir,  pedir desculpa e desculpar. Um dos grandes exemplos, e filho de Africa é o Nelson Mandela que conseguiu pacificar o seu povo. Devia haver um Nelson Mandela para cada país do mundo, principalmente em África. 

Não te quero cansar mais pois esta história já está muito comprida. Quero novamente agradecer as tuas palavras e também os teus textos que acho maravilhosos. 

Obrigado
 Jose Goncalves
 Alf Mil Op Esp


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Nota de L.G.:


(*) Vd. comentário ao poste de 10 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7253: (Ex)citações (108): Transferência de soberania com dignidade ou rendição sem honra nem glória ? Quando se olha para trás, é que se enxerga tudo... (José Gonçalves)


(...) Caro José Gonçalves,

Tenho lido com muito interesse os seus depoimentos ou pontos de vista que me parecem sinceros e muito realistas, certamente, fruto de uma longa reflexão e maturidade.


Sobre o poste de hoje, a minha modesta apreciação feita mais acima continua válida, no entanto queria chamar a atenção sobre um aspecto que, na minha opinião, podia e devia ser considerado,  e não foi,  que é a opinião desses soldados nativos e das milícias que, como é sabido, não viam a questão com os mesmos olhos nem tinham as mesmas motivações. E a parte da população Guineense que se arriscou ao lado de Portugal e que era considerada pela outra parte como sendo os cães dos colonialistas mereciam ser abandonados a sua sorte? Exceptuando a pequena Bélgica, nenhuma outra potência colonial o fez.  



Um dia vou contar a história de um pequeno grupo de milícias fulas destemidos que, quase sem armas, atacou a localidade de Cuntima, no norte, e as drásticas consequências que daí resultaram para a comunidade local. Houve muitos que não se deixaram enganar pelas falsas promessas de um falso acordo que, de facto, foi uma verdadeira capitulação. Esta história faz lembrar os acordos de rendição ou capitulação da Alemanha na 1ª guerra.

Cherno Baldé (...)



 (**) Último poste desta série > 12 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7267: História de vida (33): Adilan, nha minino. Ou como se fica com um menino nos braços - 2ª parte (Manuel Joaquim)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2344: Bibliografia de uma guerra (26): Fala-me de África, novo livro do Cor Matos Gomes (Virgínio Briote)

Luís Graça, o Coronel Matos Gomes e o José Martins, na Culturgest, na apresentação do filme-documentário "As duas faces da Guerra" de Diana Andringa e Flora Gomes (1). Foto de Luís Graça.

Capa do livro Fala-me de África, o novo romance de Carlos Vaz Ferraz, pseudónimo literário do nosso Camarada Coronel Matos Gomes. A obra é apresentada amanhã, 5ª feira, às 18h30, na FNAC do Colombo, em Lisboa..
A história dos afectos e rivalidades de uma família com uma causa comum: o amor a África! Um romance perturbante sobre os que lutaram por uma nova África.

Em 1968 Armando Rodrigues foi a Angola chamado pela tia Helena. O que lhe aconteceu nos meses em que permaneceu na Fazenda Sizalinda, perto de Benguela, enquanto os jovens da sua geração combatiam nas florestas dos Dembos e nas planícies do Leste, durante a guerra colonial, é um segredo que o atormentou durante toda a vida.

Passados quarenta anos decidiu acertar contas com o passado e revelar à sua família essa viagem a África. As respostas que Armando Rodrigues e Leonor Brandão, filha de Helena, procuravam sobre o passado, conduziram-nos num mundo de ressentimentos dos que saíram de África, deixando para trás os bens e, principalmente, os sonhos. Daqueles a quem chamaram retornados, embora nunca tenham vivido na terra aonde a guerra os fez retornar. Mas descobrem um outro mundo muito mais perturbante: o dos que lutaram por uma nova África e sentem a tristeza da realidade. Dos que foram inimigos por uma causa comum: o amor a África!

Carlos Vale Ferraz, pseudónimo literário de Carlos Matos Gomes, nasceu a 24 de Julho de 1946, em Vila Nova da Barquinha. Fez os estudos secundários no Colégio Nun’Alvares Pereira, em Tomar. Foi oficial do Exército, cumpriu comissões durante a guerra colonial em Angola, Moçambique e Guiné nas tropas especiais Comandos.

Publicou os romances Nó Cego, ASP, de Passo Trocado, Os Lobos Não Usam Coleira, O Livro das Maravilhas, Flamingos Dourados e a novela Soldadó.

O romance Os Lobos Não Usam Coleira foi adaptado ao cinema por António-Pedro de Vasconcelos com o título Os Imortais. É autor do argumento do filme Portugal SA, de Ruy Guerra.

Colaborou com Maria de Medeiros no argumento do filme Capitães de Abril. É autor do guião da série de televisão Regresso a Sizalinda, com base no romance Fala-me de África.
Texto de Vasco Horta
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Nota de vb: