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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22976: Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte II: A chegada dos guerrilheiros, outrora "bandidos", agora "heróis da libertação da Pátria"...A (mu)dança das bandeiras... Os meus novos amigos, balantas...



Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS/BCAÇ 4612/74 (12jul74-15/10/74) > 9 de setembro de 1974 > Cerimónia da entrega (simbólica) do território aos novos senhores da Guiné, o PAIGC, e da retirada, ordeira, digna e segura, das últimas tropas portuguesas. Mansoa, em pleno coração do território, na região do Oio, serviu perfeitamente para esse duplo propósito...É uma foto  histórica, em que se vê o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro, então fur mil op esp / ranger, a arriar a bandeira verde-rubra. (O MR é membro da nossa Tabanca Grande, desde 1/11/2005 (*)...

Foto (e legenda): © José Lino Oliveira (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > Antigo quartel das NT > 2010 > Trinta e seis anos da "troca de bandeiras" , em 1 de setembro de 1974... Visita do Cherno Baldé e família > Local onde estava situado o pau da bandeira; à esquerda as ruínas do forno de cozer o pão que fazia as delícias do "Chico, menino e moço"


Foto (e legenda): © Cherno Baldé (2010).
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte II (*)


(iii) A chegada dos guerrilheiros


Passaram-se dias e semanas e, quando menos se esperava, foi anunciada a chegada dos guerrilheiros que devia acontecer para os lados de Oio/Caresse, zona donde se esperava que viessem, naturalmente. Toda a aldeia saiu para assistir à chegada mas, era falso alarme. No sítio indicado não estava ninguém.

Passados alguns dias, foi feito o mesmo anúncio mas, já metade da aldeia estava na dúvida e preferia esperar pela confirmação. Desta vez, efectivamente, estavam lá e, não era do lado de Caresse (oeste) mas do lado sul (Bairro Mandinga de Morcunda), donde menos se podia esperar. Tratava-se de uma táctica da guerrilha, simples diversão ou prudência de quem ainda não acreditava na sua sorte? Talvez fosse tudo isso ao mesmo tempo.

Rapidamente a notícia correu pelas aldeias da redondeza, as pessoas afluíram em massa. Crianças, jovens, mulheres, velhos; todos queriam ver a gente do mato, aliás, os “bandidos” agora convertidos em heróis da libertação nacional. 

Depois de todas as campanhas de desinformação do regime colonial, o que vimos era simplesmente inacreditável. Afinal, eram pessoas normais, como nós, dos pés a cabeça. Não tinham rabos como os animais, nem chifres como imaginamos os diabos. Encontrámo-los, alguns sentados, outros de pé, dispersos debaixo da sombra das mangueiras. Cabeludos, magricelas, olhos vermelhos, uma expressão visual que se situava algures entre o homem e o animal.

Exceptuando as armas e os uniformes que traziam, eram exactamente iguais aos prisioneiros que tínhamos visto no quartel alguns anos antes (na altura a população civil era muito céptica quanto ao serem verdadeiros “Paigecistas” inclinando-se mais para a ideia de que seriam, quando muito, cortadores de chabéu, perdidos entre as remotas aldeias oincas no mato de Caresse).

Controvérsia à parte, aqueles prisioneiros, de facto, não estavam fardados e o aspecto esfarrapado, nauseabundo, mais metia dó que medo. Sempre que podíamos, metíamos algumas coisinhas por baixo das paredes de chapas que serviam de celas, com o nariz apertado entre os dedos. Porém, entre nós, nem todos partilhavam o mesmo sentimento e havia quem aproveitasse a ocasião para dar umas pisadelas nas mãos esfomeadas que apalpavam a terra e o ar à procura do abençoado pedaço de pão. Tinham fome.

  Quem são estes, os cubanos?  − perguntava alguém ao vizinho do lado. Sem resposta.

  São estes que nos metiam tanto medo!?  − comentou, incrédula, uma mulher fula que trazia ao colo uma criança, tendo no corpo apenas o pano amarrado até a cintura pondo a mostra os seios usados, elásticos, espalmados sobre o ventre (é uma pena o “nós Alfero Cabral” não ter passado por aqui).

  Não se iluda,  mulher, no mato, cada um destes bandidos vale por dez   explicou o Queta “chauffeur”, antigo companheiro do tenente Jamanca.

Os homens que se apresentaram eram poucos (um bigrupo?) e pareciam ser mais altos do que eram na realidade, como os corredores de fundo. O comandante era um homem de etnia mandinga, de meia-idade, alto e simpático que logo cativou as atenções, vindo a revelar-se um excelente orador.

Ele mudou os hábitos da aldeia. As suas reuniões de presença obrigatória não demoravam menos de 12 horas, o que lhe valeu a alcunha de Presidente Sékou Touré. Quando as pessoas eram convocadas, diziam às suas mulheres: “Mariama, prepare a comida de manhã cedo, porque vamos a reunião de Sékou Touré”. 

No decorrer das longas reuniões do Partido, aqueles que pediam para ir satisfazer algum necessidade fisiológica, mulheres inclusive, eram acompanhados por homens armados. Começávamos a colher os frutos da verdadeira independência bem à moda dos movimentos de libertação em África.

Os guerrilheiros usavam uniformes castanhos ou cinzentos (pontilhados de pequenas formigas pretas). Eram diferentes dos sarapintados que estávamos habituados a ver. Pareciam novos e os corpos magros, quase esqueléticos, particularmente dos fulas, nadavam dentro dos uniformes o que dava a sensação de que não estariam lá muito habituados a usá-los.

A maioria tinha nos pés sapatos de cor castanha, feitos de um tecido duro e resistente, amarrados com cordel. Eram leves e combinavam bem com a cor das fardas. Alguns deles usavam, ainda, plásticos simples comprados, talvez, no Senegal. Não havia muito rigor no fardamento. Os seus olhos, esses, eram muito vivos e penetrantes, em alerta permanente, com as armas ao alcance das mãos. Pela primeira vez, víamos com os nossos olhos, a famosa RPG7.


(iv) A atracção pela metrópole


Mais tarde, quando a retirada do que restava das tropas portuguesas já era iminente, um outro soldado, mecânico-auto, o Jorge, da companhia de Gadamael, ofereceu-me o livro que seria o primeiro da minha vida, cujo título era "Inglês sem mestre”,  sob um fundo de tiras azuis e vermelhas cruzadas.

Fiquei com vergonha de dizer que não o conseguia ler. Esta oferta tinha mexido comigo e tinha-me incitado a aprender a ler. Na época, não sabendo interpretar o seu conteúdo, ofereci-o ao meu irmão mais velho que estava mais avançado na escola e que o levaria consigo na sua primeira viagem de estudos a Portugal em 1980. Com ar muito triste e lamentando a nossa sorte, o Jorge disse-me naquele dia:

  Olha, Chico, nós vamos embora, os “turras” vão tomar conta disto e são capazes de matar a todos, se quiseres ir comigo eu falo com o teu pai.

  Não, nós vamos dar-lhes as nossas vacas e ficamos em paz  − respondi-lhe, rindo.

Não tinha reagido à sua oferta, como se não tivesse percebido, na realidade não estava interessado. Durante todo o tempo que passámos no quartel entre os portugueses, a informação que tínhamos da metrópole era muito escassa, dispersa, esporádica, idílica, feita principalmente de imagens de meninas brancas, cor da neve, anjos do céu, exibindo-se no jardim de Éden com os seus vestidos “volantes” (Cheira bem… cheira a Lisboa!), docemente embaladas pelo fado da Amália e o trepidante futebol do Benfica de Eusébio da Silva Ferreira, o Pantera Negra, mas era, apesar de tudo, um país de brancos.

A ideia de viver, de forma permanente, no meio dos brancos e suas esquisitices não me seduzia muito, pese o facto de gostar infinitamente dos seus frangos gordurosos, da batata inglesa, do bacalhau salgado e do cheiro dos chouriços vermelhos. (Alláh, o clemente e misericordioso, me perdoará por esta pequena fraqueza humana. ).

Mesmo supondo que eu quisesse ir,  de certeza que a minha avó não mo permitiria. Ela era o meu anjo da guarda e tinha horror aos soldados, com as suas orelhas vermelhas e seus modos libertinos. “Os brancos não respeitam a idade”, dizia. “Se não, como é que se explica que os chefes (os oficiais) sejam mais novos que os subordinados?”. A vista dos soldados, ela fugia e se entrincheirava dentro da sua palhota.

Entretanto, a sua neta, nascida em tempos de Guiné Melhor do seu único filho varão, passava horas a fio a namoricar, mesmo a porta, com um malandro de orelhas vermelhas que só aparecia envolto na escuridão da noite.

Mas, o verdadeiro motivo porque não fui tentado em viajar para a metrópole, estava ligado à forma de lá chegar. Tinham-nos informado, de fontes seguras, que a única forma de uma criança entrar no navio e fazer a viagem era estar metida dentro de um caixão como faziam com os periquitos ou outros animais de estimação. A minha ideia sobre o assunto era clara e firme. Viajar metido num caixão era não, nunca e jamais. Podiam ficar com todas as sardinhas da Europa.

No fundo, também, não acreditava muito nas afirmações do meu amigo Jorge,  pois os germes do nacionalismo que tinham conquistado terreno no inicio dos anos 70 e a propaganda que tinha antecedido a entrada do PAIGC já estava a fazer efeito na consciência de muitos guineenses que não estavam seriamente comprometidos com a guerra.

O meu caso não era isolado pois, mesmo entre as pessoas adultas e que tinham servido na guerra e estando agora desmobilizadas como o Mamadu Baldé (mais conhecido por Mamadu Senegal, antigo chefe de milícias, originário do Senegal, citado numa das narrativas de José Cortes), e muitos outros naturais da zona encontravam-se no meio das pessoas que foram receber os guerrilheiros, num ambiente de festa e confraternização.

Depois da primeira visita, vieram mais outros grupos vindos de outras “barracas” (acampamentos), recebidos sempre com o mesmo entusiasmo pela população civil e militares portugueses e, no meio disso tudo, podia-se notar um facto bem curioso, a meu ver. Pela forma como os recebiam e se congratulavam, trocando pequenos presentes e “lembranças”, os soldados portugueses pareciam muito mais satisfeitos com o fim da guerra do que os guerrilheiros.

Talvez pela primeira vez na história dos conflitos armados, um dos beligerantes que, para todos os efeitos, tinha perdido a guerra, parecia estar feliz por não ter vencido. Era compreensível mas nem por isso deixava de ser intrigante.

Na minha infância, havia duas classes de pessoas as quais nutria uma grande admiração e cujo meio frequentava com muito gosto: Era a dos atletas/lutadores tradicionais (habitualmente fulas pretos) e a dos soldados (de todos os tipos), ambos apresentando características muito semelhantes no que se refere ao seu comportamento: Irreverência congénita, ousadia e provocação, ausência de pudor e inclinação para violar regras sociais pré-estabelecidas e/ou velhos tabus, a fraqueza pelas mulheres e sobretudo a predisposição constante para criar situações ridículas, hilariantes.

Lembro-me, a propósito, de uma conversa entre dois milícias em que um deles explicava ao outro, de forma convincente, que aos brancos não lhes interessava o fim das guerras, de todas as guerras e, acrescentava:

- Na terra deles há uma coisa pequena do tamanho de uma agulha que era capaz de arrasar todo o território da Guiné e matar todos os terroristas num abrir e fechar de olhos.

Agora, eu sei que ele se referia as trágicas bombas largadas sobre Hiroshima e Nagasaki. O segundo milícia, mais lúcido, tinha replicado ao primeiro:

- Deus nos livre, se isso acontecesse, tu ias esconder o teu traseiro fedorento onde, na cova de um porco-espinho?!

Perante a gargalhada geral dos presentes, a conversa que tinha começado de forma amena, terminara em pancadaria. Quem teria razão?


(v) A (mu)dança das bandeiras

Na manhã do dia 1 de Setembro de 1974, os poucos soldados que ainda estavam 
presentes (um pelotão da 2ª CCaç / BCAÇ 4514/72,, perfilaram no centro do aquartelamento para cumprir o último acto militar da entrega do quartel de Fajonquito. De um lado estavam os portugueses, doutro, os guerrilheiros. Frente a frente, pela última vez. Todos fardados com rigor. Cada grupo com a sua bandeira. As cores não eram muito diferentes, vermelha, verde e amarela. Só divergiam nos motivos, na origem e no destino. Os “ex-bandidos” também estavam distintos nesta derradeira cerimónia de passar o testemunho.

Notava-se que na fila dos portugueses, não havia muita diferença, pareciam ter sido escolhidos a dedo, altura mediana. Já do lado dos nossos, a disparidade era gritante, enquanto uns eram baixinhos, outros eram desmesuradamente altos. Como na música e na dança, na África tropical a desordem é só aparente.

Da boca do oficial saíram, de forma vigorosa, os “firme” e “ombrós-arma”, acompanhados de movimentos da tropa a condizer, a corneta soou estridente seguida pelo coro dos cães da aldeia em protesto, as armas foram apresentadas a altura dos peitos soerguidos. 

Primeiro, arriaram a bandeira portuguesa, lentamente no início, mas quando ia quase a meio do percurso, contrariando o ritmo habitual, com largos esticões o soldado fê-la cair rapidamente, atirando o pano em cima dos ombros, enquanto desfazia o nó. O gesto denunciava alguma impaciência. Depois, foi a vez da nova bandeira subir e flutuar ao vento. Garanto-vos que estávamos ansiosos e orgulhosos.

O guerrilheiro encarregue do acto deu dois passos a frente, encaixou a bandeira na corda e puxando uma das pontas, fê-la subir, normalmente. E quando estava quase a chegar ao topo, por qualquer razão, estas se emaranharam entre si deixando a bandeira presa, não podendo subir nem descer. Foi precisa uma pequena ajuda do soldado português para acabar com a trapalhada das cordas e terminar, finalmente, com a parada (seria isto um sinal para o futuro?).

Depois houve uma troca de apertos de mãos de parte a parte. Havia uma pequena assistência de populares do lado de fora dos arames farpados. Não tinham sido convidados.

Olhando para trás no tempo, esta cena onde uma dúzia de soldados está perfilada frente a frente, procedendo a passagem simbólica do poder de uma terra que tinha sido administrada durante muitos anos por militares, na ausência de qualquer autoridade ou representantes da sociedade civil, desperta em mim, pouco a pouco, a sensação de que a Guiné, a nossa querida Guiné, de facto, não tinha sido preparada para viver sob um regime civil com base em princípios de governação democrática.

Por outras palavras, a população da Guiné foi, e durante muito tempo, preparada para conviver com as ditaduras militares. Não surpreende muito, a ordem da sucessão parece inequívoca. De distrito militar repressivo (princípios do século XX), o território passou para uma província militarizada e em guerra (1963/74) e desta seguimos directamente para uma ditadura de guerrilheiros impreparados, ávidos de poder e sedentos de sangue. 

Não existe e nunca existiu uma tradição de poder civil, situada acima dos grupos étnicos. Neste aspecto, em particular, as ex-colónias francesas estavam ou ainda estão a milhas de avanço. As imagens filmadas sobre as independências desses países são disso um facto bastante revelador, pondo de parte o caso da Algéria.


(vi) Os meus amigos guerrilheiros, balantas


Foi preciso esperar pela terceira vaga de guerrilheiros, sempre em bigrupos, para finalmente conseguir fazer alguma amizade. Eram dois combatentes de etnia Balanta, naturais de Banta (região de Quinara), o Dinis e o Marcos. Pelo menos é o que me tinham dito.

Se os portugueses me tinham ensinado as primeiras letras de forma desinteressada, foi com esses jovens Balantas que acabei por assumir a real necessidade de aplicar-me aos estudos a fim de melhor poder contribuir para a construção da nossa Pátria (um vocábulo novo, com consonância especial, na altura).

Com os soldados portugueses tinha começado a moldar um instrumento, uma ferramenta de pesquisa e de trabalho mas foram estes guerrilheiros do PAIGC, esfarrapados e desnutridos que, imbuídos do espírito genuíno de libertação e emancipação de todos os povos da Guiné sem distinção, na altura, me ajudaram na definição do objectivo da minha escola. O que antes era longínquo e desconhecido, passou a ser conhecido e desejado.

Em casa o meu pai recebeu-os efusivamente, tirando o chapéu da cabeça e curvando-se em sinal de respeito antes de lhes apertar as mãos, como sempre fazia diante das autoridades. O Dinis, calma e serenamente, explicou-nos que estes gestos já não se justificavam pois, todos eles eram filhos do povo.

 Nós lutamos para acabar com a humilhação do nosso povo em geral e dos nossos pais em particular, homens e mulheres, foi isso que Cabral nos ensinou e é isso que vamos transmitir aos nossos irmãos mais novos.

Ele falava olhando para mim, meigamente.

Na estrutura militar dos guerrilheiros, havia o comandante e o adjunto do comandante, mas a partir dali já era difícil descortinar a sequência hierárquica, tanto para cima como para baixo na cadeia. Eram sinais de uma desordem latente donde podia nascer a anarquia que viria ao de cima, anos depois.

O Dinis era um combatente simples, um aldeão que, não sendo muito instruído era relativamente bem informado sobre as ideias e conceitos políticos da época. As suas palavras eram simples e claras e com ele iniciei a minha aprendizagem na escola do pensamento polítíco que começava com Cabral e terminava em Marx e Engels ou vice-versa.

Nesta viagem de iniciação político-ideológica, o Lenine era a criança prodígio que tinha encontrado o livro de um velho sábio (Marx) e graças ao qual ele tinha revelado ao mundo as ideias revolucionárias de como tornar o mundo mais justo, mais progressista, apesar das contrariedades criadas pelas forças reaccionárias da direita capitalista (os demónios). “Foram as ideias contidas nesse livro antigo que, também, permitiram a libertação do nosso povo, através de Amílcar e seus companheiros”, concluía Dinis.

No entanto ele não sabia dizer se, eventualmente, Cabral teria encontrado com o jovem Lenine, quando foi a Moscovo, à procura de tais ideias. Ele se defendia, dizendo: “Tu és jovem e já bastante avançado na escola, depois, quando fores para a União Soviética, perguntas a eles para saber, eu não sei, não estive lá, sou um simples combatente”.

Saberia mais tarde que Cabral tinha nascido no ano de 1924, no mesmo ano em que morria o líder dos sovietes, o Lenine. O mais importante aqui não era a forma mas sim o conteúdo.

A passagem dos guerrilheiros por Fajonquito foi breve, mas antes de partir, desmantelaram completamente o quartel, onde nunca chegaram a se instalar verdadeiramente, seja pelo pobre número de efectivos ou por outras razões desconhecidas. A atenção estava, sobretudo, concentrada sobre Canhámina e os caminhos de acesso à fronteira com o Senegal.

Quanto ao resto, os olhos atentos dos comissários políticos se encarregariam de velar. O fim do quartel representou, para a aldeia, o inicio da escuridão, a noite, com o desaparecimento do único grupo gerador da localidade. Ninguém tinha pensado nas consequências, aliás, nem sequer tinham dado à população a possibilidade de pensar.

Mais tarde soube que o Dinis e o Marcos se tinham voluntariamente desmobilizado e regressado para a sua aldeia natal onde continuariam a trabalhar com os jovens da sua tabanca, ajudando na recuperação das bolanhas abandonadas durante a guerra e continuando a sensibilização dos mais novos sobre os ensinamentos de Cabral no meio de histórias da luta de libertação nacional para a qual tinham dado o melhor da sua juventude.

No ano seguinte, após ter concluído o ensino primário, eu cumpriria a promessa feita ao Dinis de continuar os estudos na cidade, mais precisamente no ciclo preparatório de Bafatá,  que tinha sido aberto poucos anos antes. Já não era somente a fome e a batalha pelo reconhecimento do grupo que me impeliam para a frente mas, também, a fome pelos livros, pelo saber, pensando, no meu íntimo que a única forma de voltar a reencontrar os meus divertidos e irreverentes amigos brancos era pela via da escola.

Antes porém, de fazer a minha primeira viagem a Europa em 1985, mais precisamente à URSS, tinha ido à tabanca de Banta, no sector de Empada, à procura dos meus velhos camaradas de 1974. Na localidade, esperava-me uma pequena surpresa, pois, ninguém se lembrava dos antigos combatentes do PAIGC com os nomes de Dinis e/ou Marcos.

Penso que teria acontecido uma dessas práticas muito comuns entre os Guineenses das zonas rurais, de usar nomes (cristãos, logo civilizados) fabricados para o momento e a ocasião,  aos quais podiam livrar-se mais rapidamente que um camaleão muda as suas cores.  Na aldeia, teriam voltado aos seus verdadeiros nomes da terra, ocupando os assentos que as suas idades sociais lhes reservavam dentro da comunidade (que não coincidiam necessariamente com a idade biológica), animando as festas dos “ irãs” que habitam os grandes poilões da floresta sagrada do sul.

No caminho de regresso à cidade, perguntava-me a mim mesmo se eles existiram de facto ou se tudo não passara de pura imaginação do espírito fértil de uma criança que queria acordar cedo demais?!

Fajonquito, 17 de Junho de 2010

Cherno Baldé (**)

[ Revisão, fixação de texto, adaptação, subtítulos, para efeitos de publicação neste poste: LG]

(Continua)

__________

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22973: Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte I: Os sinais de uma mudança anunciada, os recados vindos do Oio e a delegação que voltou de mãos a abanar



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > Antigo quartel das NT > 2010 > Visita do Cherno Baldé e família > Local onde era o salão de futebol de cinco e a Casa (comercial) Ultramarina onde foi instalada a messe dos oficiais




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > Antigo quartel das NT > 2010 > Visita do Cherno Baldé e família > Posto de vigilância permanente equipado com uma metralhadora.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > Antigo quartel das NT > 2010 > Visita do Cherno Baldé e família > Inscrição da CCAÇ 2435, a companhia que construiu o aquartelamento em 1969




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > Antigo quartel das NT > 2010 > Visita do Cherno Baldé e família > Local onde estava situado o poste da bandeira; à esquerda as ruínas do refeitório com a padaria



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > Antigo quartel das NT > 2010 > Visita do Cherno Baldé e família > O antigo forno na padaria. Na foto,o filho mais velho do Cherno


Fotos (e legendas): © Cherno Baldé (2010). Todos os direitos reservados. 
 [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]







A nossa equipa de futebol de salão no quartel de Fajonquito entre 1974-1975, podendo-se ver em pé: Mamudo, Algássimo e o professor António Tavares;  em primeiro plano, de bruços, : Eu (Cherno) e Aruna (filho do antigo padeiro) à minha esquerda.


Foto (e legenda): © Cherno Baldé (2009). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Apontamentos autobiográficos:


O Cherno Abdulai Baldé entrou para a Tabanca Grande em 18/6/2009 (*). Ouçamo-lo a falar, resumidamente, dos seus primeiros anos:

 (...)  Chamo-me Cherno Abdulai Baldé, nasci por volta de 1959/60. No quartel de Fajonquito chamavam-me Chico (de Francisco) e tinha amigos soldados que, na sua maioria, eram condutores ou mecânicos-auto. Tive as minhas primeiras aulas com oficiais Portugueses, em Cambajú e Fajonquito.

(...) Em Cambajú, pequeno centro comercial, começou o despertar da minha infância, altura em que, saído da pequeníssima aldeia de Sintchã Samagaya, fundada por meus pais, aterrei-me numa aldeia de muito maior concentração de moranças e de gente. 

(...) Foi naquela época que, na idade de 4 ou 5 anos, aconteceu a minha primeira visão de uma máquina voadora, que terá sido, provavelmente em meados de 1964, precisamente na altura em que estávamos em Samagaia, pouco tempo antes do ataque à zona que nos obrigaria a deixar a aldeia para nos refugiarmos em Cambajú, onde o meu pai já se encontrava a trabalhar alguns anos antes. (...)

(...) Cambaju estava situada mesmo na linha da fronteira com o Senegal, o que lhe emprestava um certo ar cosmopolita onde se cruzavam pessoas de várias origens e destinos e um certo movimento de vaivém de pessoas e mercadorias com as suas três ou quatro casas comerciais, algumas pequenas boutiques e o contrabando pra cá e pra lá das duas fronteiras. (...)

No ano de 1965, altura em que a guerra para a independência se alastrava rapidamente e aterroriza as aldeias daquela área e obrigava a uma concentração maior da população em certos locais com algumas garantias de defesa e protecção militar, Contuboel, Saré-Bacar, Cambajú e Fajonquito constituíam as praças-fortes da área. 

Em Cambajú foi estacionado um destacamento de milícias que assegurava a defesa da localidade e que mais tarde foi reforçado com um destacamento de tropas portuguesas. Pela primeira vez na minha vida ainda jovem, via pessoas de uma raça diferente. Foi um choque tremendo. (...)

(...) Em 1968, o meu pai foi transferido para Fajonquito e com ele toda a nossa família.
Em Fajonquito nasceram os meus irmãos mais novos: Barbosa, Aissatú e Cántaba; e, mais tarde, os filhos da segunda mulher do meu pai, Assiatu Embalo: Umo, Rosa, Mariama e Mamadu-Bobo.

(...) Eu era desses raros pequenos rafeiros do quartel impossíveis de controlar e muito menos de afastar. Quando se fechavam os portões do quartel entrava, mesmo assim, por baixo do arame farpado. O dia e a noite faziam pouca diferença. Apanhava porrada de um ou outro quando deambulava pelo quartel, mas também, dava alguns trocos com emboscadas e pedradas a noite.

A língua ? Isso importava menos. Quando o meu amigo, o Dias, me perguntava "Hó Chiiico já limpaste as minhas botas?", eu respondia de imediato "Sim senhor, já limpaste... e depois ?"... (...)

2. Comentário do editor LG:

No poste P22969 (**), escrevemos o seguinte:

(...) Ninguém, civil ou militar, português ou guineense, conseguiu até agora, como o nosso Cherno Baldé, descrever, com tanta minúcia, vivacidade, humor, ironia, perspicácia e apreensão em relação ao futuro, o que foi a retração do dispositivo militar português e a ocupação, pacífica, pelo PAIGC dos nossos aquartelamentos e destacamentosdas NT e povoações sobre o nosso controlo, na sequência dos acordos de Argel, de 25 de agosto de 1974, entre o Governo Português e o PAIGC.

Com os seus 13/14 anos, ele foi uma testemunha, histórica, privilegiada, diremos mesmo única, do que se passou na sua terra natal, Fajonquito, no dia 1 de setembro de 1974, bem como nas semanas antecedentes e subsequentes. (...)


O comentário que ele deixou no Poste P22912, obriga-nos a reproduzir, em três postes, já a partir de hije, o seu poste P6864 (*), um verdadeiro de antlogia, que por ser muito extenso e ter sido publicado há 11 anos e meio atrás, não é conhecido da maior dos nossos leitores.

Faz parte da série de que ele é autor, "Memórias do Chico, menino e moço", e que já há muito merecia publicação em livro, por constituir um notável documento humano, escrito por um guineense que nasceu e cresceu com a guerra e, que, como tal, deve ser partilhado pelo universo, mais alargado, da lusofonia.


3.  Adeus, Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte I (***)


(i) Os sinais de uma mudança anunciada


Em Fajonquito, o período entre o mês de Junho e o de Agosto de 1974, tinha sido marcado por:

 (i) a chegada de uma nova companhia (BCaç 4514/72), conhecida entre nós como a companhia de Gadamael; 

(ii) a visita dos primeiros elementos da guerrilha;  

e a (iii) saída definitiva das tropas portuguesas de Fajonquito, em 1 de Setembro.

Período rico em acontecimentos, manifestações de apoio e festas, que algumas vezes assumiam formas dramáticas e outras simplesmente cómicas, mas foi sobretudo um período de indefinição, de ansiedades e de questões sem resposta, relativamente ao futuro.

No plano pessoal, tinha conseguido em Contuboel, um bom resultado nos exames da 4.ª Classe do que fechavam o ciclo do ensino primário elementar. Não fizemos nenhuma festa, porque o nosso capitão, Sambaro Djau, tinha reprovado nos exames. Para mim, isto representava uma bela “revanche”, pois, com mais de sete anos de serviço no grupo, e estando sempre na linha da frente, o melhor que tinha conseguido era a frustrante patente de 1.º cabo. Quase nada.

Para as pessoas mais atentas, sempre há um prenúncio que serve de sinal para o que acontece a seguir. Entre os fulas são os chamados dillé. Assim, a queda repentina de uma pessoa adulta, a recepção na cabeça de excrementos de uma ave (se for de um jagudi pode trazer consigo a marca de uma desgraça) etc., são sinais a ter seriamente em conta.

Para mim, este sinal tinha sido uma informação que poderia ser muito importante se não estivesse fora do seu contexto normal,  e que foi transmitida pelo Marques, soldado operacional do 2.º Pelotão da CCAÇ 3549 (Deixós-Poisar), de forma clandestina a uma criança ainda inocente, logo a seguir ao assassinato de Amílcar Cabral em  20 de janeiro de 1973.

Encontrou-me perto do salão,  preparando-se para mais uma partida de futebol com os colegas e, pegando no meu braço, afastou-me um pouco do grupo como sempre fazia quando queria falar comigo a sós. Fazendo parte dos meus admiradores, habitualmente, o tema era sobre futebol, desta vez, e sem qualquer preparação prévia, falou-me assim:

 Chico, olha que o vosso padrinho morreu, pá!

Não tendo percebido e, pensando que se tratava de algum acidente relacionado com os meus amigos, particularmente ao meu turbulento patrão Dias, condutor auto, perguntei:

  Qual dos meus padrinhos é que morreu, o Dias?

  Não, pá, é o Cabral!

Eu não conhecia nenhum Cabral, nem de perto nem de longe, que pudesse ser meu padrinho, o Marques, pressentindo que iriam chover as perguntas, olhando para os lados como se estivesse com medo de alguém, afastou-se para o refeitório sem mais explicações, deixando-me coberto de perplexidade. Teria sido um simples desabafo e mais nada. Não me preocupei mais com isso, aliás, era um grande alívio, afinal de contas, não tinha nenhum amigo com esse nome. No entanto este seria o tal sinal de aviso premónitório

Partindo desse pressuposto básico, na minha opinião, é mais fácil compreender o desenlace final que se seguiu ao 25 de Abril quando os portugueses muito apressadamente entregaram tudo, sem condições, sem contrapartidas-


(ii) Os recados vindos de Oio ou a delegação 
que voltou bredouille (ou de mãos a abanar)


Quando se tornou claro para toda a gente que, com a partida das tropas portuguesas, os guerrilheiros do PAIGC seriam os novos mestres do terreiro, dentre a população civil começou a ser delineado um plano de contacto e de recepção.

Os fulas, maioritários, conscientes da alteração de forças e das novas condições que se desenhavam, da sua postura perante a guerra e face a uma guerrilha praticamente desconhecida, solicitaram aos seus vizinhos mandingas para que fossem eles a tomar a dianteira e servissem de porta-vozes da aldeia. Com essa táctica, pensavam poder sondar sobre as reais intenções da guerrilha e o que se escondia sob a etiqueta das bonitas palavras de “liberdade e unidade nacional”. Ė o que se poderia chamar “o jogo da lebre contra a perdiz” nos contos africanos.

Esta iniciativa tinha sido rapidamente apropriada por Ansumane Sissé, um ex-guerrilheiro arrependido, que, mais tarde soubemos, fazia um jogo duplo entre as duas partes em guerra, tinha beneficiado de apoios para a sua instalação e reinserção no quadro da política de (des)mobilização dos quadros do PAIGC, mas também mantinha os contactos com a guerrilha, fornecendo, de vez em quando, algumas informações. Não fosse o diabo tecê-las.

Embarcados num veículo de um comerciante local, os dignitários seguiram com destino à região de Oio, zona de Caresse, onde eram conhecidas as bases dos guerrilheiros. Dentre os numerosos candidatos, foram seleccionados apenas alguns ao critério e gosto do Sr. Ansumane, que, repentinamente, tinha assumido o estatuto de líder, fazendo valer os supostos conhecimentos e contactos que possuía. Depois de muitos anos de supremacia fula e dos seus patrões portugueses, parecia ter chegado, finalmente, a hora do ajuste de contas.

O meu pai, como muitos outros, não tinha sido escolhido e esta notícia tinha caído como uma bomba na sua cabeça de homem sensato e precavido. Lembro-me ainda do seu olhar vazio, algo aturdido e descontrolado, caminhando cabisbaixo e alheio a tudo, arrastando- na estrada de terra vermelha e poeirenta o seu duplo bubu azul celeste bordado e suas babuchas árabes de cor branca, consumindo-se na preocupação engendrada pela precariedade e incerteza da situação.

Por ironia do destino aqueles que até então eram os bandidos seriam agora os senhores. “Quem pode compreender as partidas que a vida nos prega, hein?!”, estaria ele a pensar. Em casa ele tinha, pelo menos, dois retornados para proteger e sustentar, um antigo leopardo ferido de insónias e um gato preto já sem unhas, isto, sem falar do resto da família. O pior seria a humilhação pública de ser obrigado a fugir.

A delegação voltou ao pôr-do-sol e, ao contrário do que se esperava, não tinham regressado ao som dos tambores, flautas e nhanhero (1) e logo que chegaram dispersaram-se, desaparecendo nas sombras nocturnas das estreitas varandas de palhotas húmidas do mês de Agosto. Aos mais curiosos respondiam:

  Disseram-nos para ficarmos quietos e esperar, no momento certo eles virão ter connosco.

Na verdade, eles nem sequer tinham sido recebidos e por um triz não foram presos por invasão de zona de guerra, ainda repleta de minas. Teriam sido energicamente repreendidos pela sua precipitação e insensatez e, por fim, foram encarregues de transmitir a toda a população que, na óptica do Partido e dos seus dirigentes, não havia cidadãos de primeira e de segunda, que o objectivo da luta armada era libertar o povo da dominação colonial e da opressão fascista e não trocar esta por outra com pessoas diferentes...Por outras palavras, não havia diferenças entre fulas e mandingas, todos seriam tratados da mesma maneira, iguais perante a lei com direitos e obrigações para cumprir.

Por outro lado, o Ansumane não tinha obtido o reconhecimento que todos esperavam. Assim, as nuvens negras do céu tinham-se dissipado um pouco para dar lugar a um horizonte mais claro, mesmo se ainda era cedo demais para dançar.

Importa dizer que esta informação foi salutar e teve o condão de evitar a situação de debandada geral que já se pressentia dentro da comunidade fula. O gado, principal riqueza da comunidade, já estava posicionado, havia muito tempo, perto da fronteira com o Senegal. 

[ Revisão, fixação de texto, adaptação, para efeitos de publicação neste poste: LG]

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(i) Instrumento de música tradicional dos fulas,  feito de fios de cabelo extraídos do rabo de cavalo.

(Continua)

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Notas do editor:





sábado, 5 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22969: (Ex)citações (402): adeus, Fajonquito!... Abandonámos o quartel quando vimos o primeiro macaco-cão "sorridente" (dentes ensanguentados à mostra), a ser arrastado para a cozinha... (Cherno Baldé)


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 (1972/73) > O "Pifas", mascote da companhia...

Foto: © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Ninguém, civil ou militar,  português ou guineense, conseguiu até agora,  como o nosso Cherno Baldé,   descrever,  com tanta minúcia, vivacidade, humor, ironia, perspicácia e apreensão em relação ao futuro, o que foi a retração do dispositivo militar português e a ocupação, pacífica,  pelo PAIGC dos nossos aquartelamentos e destacamentosdas NT  e povoações sobre o nosso controlo, na sequência dos acordos  de Argel, de 25 de agosto de 1974, entre o Governo Português e o PAIGC. 

Com os seus 13/14 anos, ele foi uma testemunha, histórica, privilegiada, diremos mesmo única,  do que se passou na sua terra natal, Fajonquito, no dia 1 de setembro de 1974, bem como nas semanas antecedentes e subsequentes.  

Este comentário que ele deixou no Poste P22912,  obriga-nos a reproduzir, em duas ou três postes, já a partir de amanhã, o poste de antologia, P6864 (*), que por ser muito extenso e ter sido publicado há 11 anos e meio atrás, não é conhecido da maior dos nossos leitores.

Voltamos a dizer aqui que a série de que ele é autor,  "Memórias do Chico, menino e moço", já há muito merecia publicação em livro. Oxalá/Inshallah(/Enxalé ainda possa aparecer um patrocinador, individual ou institucional, que aceite custear parte ou a totalidade dos custos de produção editorial de uma obra que é já, em formato digital, no nosso blogue, um grande documento humano. 

A lusofonia só teria  ganhar com isso.  E é mais do que tempo de perdermos  a  mania do "politicamente correto" quando falamos do passado... O fortalecimento da amizade entre os dois povos, e e das relações entre os dois países, só tem a ganhar com a partilha de testemunhos "puros e duros" como o Cherno Baldé, o "Chico de Fanjanquito"... (LG)


2. Comentário de Cherno Baldé  ao poste P22912 (**)


Caros amigos,

De acordo com o plano do Estado-Maior, a entrega do quartel de Fajonquito devia acontecer no dia 02Set74 (*), na realidade esta cerimónia (fúnebre) foi antecipada um dia antes (ver a pesquisa de José Marcelino Martins sobre as companhias que passaram por Fajonquito).

O pequeno grupo (menos de um Pelotão da segunda companhia do BCAÇ 4514/72, comandada pelo Cap Mil Inf Ramiro Filipe Raposo Pedreiro Martins) que restava para a entrega,  estava com os cabelos em pé de tanta pressa para deixar a localidade.

Eu, mais um grupo de crianças (todos rafeiros profissionais) que tinha ido buscar o (seu) café da manhã, fomos dos poucos que tiveram o privilégio de assistir à rápida cerimónia que decorreu na parada, junto ao mastro da bandeira, mas fora dos arames, pois o aqurtelamento, de facto, ja estava sob o controlo dos guerrilheiros, sempre armados, que nos olhavam com aquele olhar felino de homens de mato, como que a dizerem: "Pensam que isto vai continuar, seus malandros?". 

Por algum tempo, talvez 2 ou 3 meses, ainda continuámos a comer bacalhau com arroz e um pouco de batatas dos restos que tinham ficado no depósito de géneros. Abandonámos o quartel quando vimos o primeiro babuino sorridente (dentes ensanguentados à mostra), a ser arrastado para a cozinha.

O PAIGC sabia o que estava a fazer e, para adormecer a desconfiança dos homens grandes fulas, o primeiro bigrupo que entrou na Tabanca era constituido maioritariamente de jovens e simpáticos balantas de Sul com excepçao do homem da segurança (a PIDE do partido) e do Comissário Político que eram naturais da zona e conheciam tudo e todos. Caso fossem mandingas (nossos vizinhos e arqui-rivais), certamente, a recepção não seria a mesma e muitos iriam juntar-se aos que ja estavam do outro lado da fronteira Norte.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé
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Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6864: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (18): A (mu)dança das bandeiras em Fajonquito, em 1974

 
(***) Último poste da série > 4 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22966: (Ex)citações (401): A Suécia... sempre original (José Belo) - Parte II: A cidade de Södertälje, com mais de 70 mil habitantes (,sede de grandes empresas conhecidas como a Scania, a AstraZeneca e a Alfa Laval), vai usar corvos-da-nova-caledónia para recolher as beatas do chão

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18257: Memória dos lugares (372): Cachil, na altura da extinção do aquartelamento, em 1 de julho de 1968 (Manuel Cibrão Guimarães, ex-fur mil, CCAÇ 1620, Bissau, Cameconde, Cacine, Sangonhá, Cacoca, Cachil e Bolama, 1966/68)


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 1: posto de vigia


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 1A: posto de vigia


 Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 1B: posto de vigia


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 2:  instalações


 Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 2A:  instalações


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 2B:  instalações... "grafitadas"...


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 3:  1 de julho, retração do aquartelamento


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 3A:  1 de julho, retração do aquartelamento. O fur mil Manuel Cibrão Guimarães à direita


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 3B:  1 de julho, retração do aquartelamento. O fur mil Manuel Cibrão Guimarães à direita


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 4:  1 de julho,  partida


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 4A:  1 de julho,  partida


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 4B:  1 de julho,  partida.


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 5:  1 de julho,  partida


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 5A:  1 de julho,  partida


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Foto nº 5B:  1 de julho,  partida


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1620 >  1968 > Em 20 de março de 1968, por troca com a CCAÇ 1621, assumiu a responsabilidade do subsector de Cachil, ficando então integrada no dispositivo e manobra do BART 1913, tendo entretanto, cedido um Grupo de Combate para reforço de forças daquele batalhão em operações, de 22 de março a 27 de abril de 1968.  

Em 1 de julho de 1968, por retirada das forças aquarteladas em Cachil e consequente extinção do subsector, a CCAÇ 1620 recolheu a Bolama, onde permaneceu até ao embarque de regresso, no T/T Uíge. A ordem de retirada (e consequente destruição) do aquartelamento foi dada por Spínola, que esteve no local quinze dias antes. De há muito que o Cachil não oferecia condições para a permanências das NT: por exemplo, não havia água potável; o abastecimento era feito a partir de Catió, através de uma lancha, que vinha num dia, na maré-cheia, e só podia regressar no dia seguinte...

Fotos (e legendas): © Manuel Cibrão Guimarães (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, de 22 do corrente, do novo membro da
Manuel Cibrão Guimarães:
 vive em Rio Tinto, Gondomar
Tabanca Grande, nº 766, Manuel Cibrão Guimarães, ex-fur mil, da CCAÇ 1620 (Bissau, Cameconde, Cacine, Sangonhá, Cacoca, Cachil e Bolama, 1966/68):

Caros colegas,
Espero que esteja tudo bem convosco.

Conforme vosso pedido, envio em anexo fotos com identificação dos locais [Sangonhá, Cacine e  Cachil] em que foram tiradas.

As fotos no Cachil são do momento da extinção do aquartelamento [, em 1 de julho de 1968, já no tempo de Spínola] (*).

Grato pela postagem de fotos no blog!

Um abraço,

Manuel Cibrão Guimarães

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Notas do editor:

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15731: Documentos (29): Ata da reunião do CEMGFA, Costa Gomes, com os comandos do CTIG, Bissau, 8/6/1973 (José Matos, historiador independente)





Cópia de documento de 4 páginas, do Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), de 15/6/1973, com o relato de uma reunião com os comandos militares do CTIG em 8 de junho de 1973.   Francisco da Costa Gomes (1914-2001) foi CEMGFA de 5/9/1972 a 13/3/1974.   Visitou o CTIG,  de 6 a 9 de junho de 1973.



1. Mensagem, com data de ontem, do José Matos, 

[ O nosso grã-tabanqueiro José [Augusto] Matos, formado em astronomia em 2006 na Inglaterra ( University of Central Lancashire, Preston, UK ), é especialista em aviação e exploração espacial desde 1992, e faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro.

Tem-se dedicado, como investigador independente, à história militar, e em particular à história da guerra na Guiné (1961/74).]

Olá, Luís

Mando-te um documento [, de 4 pp.]  interessante sobre a reunião que Costa Gomes teve na Guiné, quando foi lá em Junho de 1973, de 6 a 9.

Ab, Zé

2. Comentário do editor:

Obrigado,  Zé. Os antigos combatentes da Guiné, e não apenas os investigadores, têm direito a conhecer estes "documentos para a história"...

 O documento que reproduzimos, com data de 15/6/1973, ontem "muito secreto, hoje "desclassificado", à guarda do Arquivo de Defea Nacional, para consulta dos estudiosos e historiadores,  fala por si, mas tu tens aqui no blogue vários postes teus  que ajudam o nosso leitor  a compreendê-lo melhor, a partir da sua  contextualização histórica, geoestratégica, política e militar.

Julgo que pode este documento pode (e deve) ser visto como complemento à série Análise da situação do inimigo - Acta da reunião de Comandos, realizada em 15 de Maio de 1973 no Quartel-general do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, aqui publicada há menos de 4 anos (*), da autoria do Luís Gonçalves Vaz [, membro da Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz, último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74, e que tinha 13 anos e vivia em Bissau quando se deu o 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo]. (*)

Na realidade, em 8/6/1973, o que o CEMGFA fez, foi um "briefing" com os todos os comandos militares do CTIG. Recorde-se,  citando o poste P9639, do Luís Gonçalves Vaz (*), que três semanas antes,  “em 15 de Maio de 1973, pelas 10h30, no Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, teve lugar, sob a presidência e mediante convocação do General Comandante-Chefe, General António de Spínola, uma reunião de Comandos na qual participaram os comandantes-adjuntos",  respectivamente:

(i) Comodoro António Horta Galvão de Almeida Brandão, Comandante da Defesa Marítima da Guiné;

(ii) Brigadeiro Alberto da Silva Banazol, Comandante Territorial Independente da Guiné;

(iii) Brigadeiro Manuel Leitão Pereira Marques, Comandante-Adjunto Operacional;

(iv) e Coronel Gualdino Moura Pinto, Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné.

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Nota do editor: 

sábado, 18 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14894: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXV: fevereiro de 1973: três meses depois do fim da comissão, faz-se a sobreposição com os "piras" do BCAÇ 4616/73, o "batalhão liquidatário" (mar / ago 1974)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Subsetor do Xime > A temível ponta Varela (foto nº1), a margem esquerda do Rio Geba, nas proximidades do Xime (foto nº 2) e a LGD nº 105 a aproximar-se do porto fluvial do Xime.

Fotos do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mil amanuense, com a especialidade de contabilidade e pagadoria, especialidade essa que ele nunca exerceu (na prática, foi o homem dos reabastecimentos do batalhão).(*)

Fotos: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)


1. Continuação da publicação da História do BART 3873 (que esteve colocado na zona leste, no Setor L1, Bambadinca, 1972/74), a partir de cópia digitalizada da História da Unidade, em formato pdf, gentilmente disponibilizada pelo António Duarte (*)

[António Duarte, ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974); economista, bancário reformado, formador, com larga experiência em Angola; foto atual à esquerda].


O destaque do mês de fevereiro de 1974 (pp. 85/88) vai para:

(i) Fim da comissão do BART 3873 em finais de outubro de 1973;  chega o BCAÇ 4616/73, três meses depois (!)  para  o substituir: período de sobreposição;

(ii) duas flagelações ao destacamento do Mato Cão (, guarnecido pelo Pel Caç Nat 52), cuja missão é assegurar a proteção da navegação no Geba Estreito (entre o Xime e Bambadinca);

(iii) flagelação ao destacamento do Rio Pulom, setor do Xitole, com pronta e eficaz resposta da CART 3942 (Xitole);

(iv) a segurança à coluna logística Bambadinca / Xitole tem contacto com o IN. no subsetor do Xitole;

(v) ataque ao barco civil "Rajá", em Ponta Varela, subsetor do Xime, com RPG e armas automáticas;

(vi) a CCAÇ 12 e a CCAÇ 21 falham objetivo na Op Pró Ronco 2, que era atingir as Pontas Luís Dias e João da Silva, na margem direita o Rio Corubal;