Mostrar mensagens com a etiqueta veteranos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta veteranos. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3830: Blogoterapia (88): Os nossos sentimentos contraditórios (Virgínio Briote)

1. Mensagem de Virgínio Briote (*), ex-Alf Mil Comando, CCAV 489/BCAV 490, Guiné 1965/67, com data de 1 de Fevereiro de 2009:

Foi apenas um comentário ao artigo do Mexia Alves, Camarada que aprecio ler na coerência que defende, sempre de uma forma honesta e leal . Não julgo que merecia um artigo. Saiu das contradições que tenho, da forma como vejo a minha participação na Guerra na Guiné. Com declarações de apoio ou de repulsa, está feito, não há mais nada a declarar.

Penso, no entanto que devo uma explicação (**). Quando me referi ao meu familiar, desertor, de quem fui muito amigo (já morreu) e ao meu irmão, limitei-me a relatar a contradição de uma família feita de "nacionalistas" e "oposicionistas", para utilizar a linguagem da época. E limitei-me a descrever os sentimentos que me assaltaram.

O nosso blogue tem também, para não dizer principalmente, um efeito desbloqueador de sentimentos. Juntar ex-combatentes, ajudá-los a reencontrarem-se com a sua própria história, que é a História do Portugal daqueles anos. E de que não tenho vergonha, acrescento, independentemente do governo e das oposições de então.

No meu comentário não pretendi fazer qualquer censura aos que, por qualquer motivo, decidiram sair do país. Da mesma forma, não foi minha intenção denegrir nem as vozes dos locutores, nem as músicas que se ouviam.

O que pretendi foi dizer que ainda me lembro do que vi, ouvi e senti nesses tempos. E que continuo a sentir. É uma cultura que tem raízes, não vem de agora. Na minha adolescência convivi com dois ex-combatentes na Flandres. Ouvia-os falar dos gases, das metralhadoras, dos capacetes alemães, do frio que lhes queimava os dedos. E via-os doentes, abandonados pelo Estado, amparados pelas famílias.

Nos EUA, Inglaterra, Canadá, Austrália, França, até na Alemanha da época hitleriana, honram-se os soldados que combateram pelas suas pátrias, procedem-se a cerimónias anuais, com veteranos, filhos, netos, governantes e oposição presentes. Os cemitérios são tratados como os outros, com respeito.

Cemitérios da mesma guerra na Normandia: alemão, aliados e americano

VB
__________

Notas de CV

(*) Vd. último poste de 31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3824: (Ex)citações (14): Foi bom que a guerra tenha acabado, mas não foi por este país que eu combati (Virgínio Briote)

(**) Vd. último poste desta sérioe, Blogoterapia > 30 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3820: Blogoterapia (87) : O nosso (às vezes, triste) fado... (Joaquim Mexia Alves)

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3562: Banco do Afecto contra a Solidão (1): A última comissão do Coronel (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral: Hoje mando uma estória diferente.Nem triste nem alegre. Real sim. Convém lembrar que nem só do pão vive o Homem. Apetece-me fundar o Banco do Afecto contra a Solidão. Jorge Cabral 


2. Um Abraço para o Coronel na sua última Comissão por Jorge Cabral 


 O Coronel já passou os oitenta. Tremem-lhe muito as mãos e às vezes parece ausente. Visito-o, mas confunde-me. Refere Nampula e a mulher do Capitão... Que mulher! Nunca fui a Nampula... mas concordo. 

Aqui no Lar é bem tratado. Médico, enfermeira, dietista, hidromassagem, animação, cinema... Tem tudo, quase tudo... Pelo Natal, recebe muitas prendas, roupões, pijamas, pantufas, luvas... deixam na portaria ou mandam pelo correio. 

 Os filhos, os netos, os amigos, não o visitam. E convidá-lo nem pensar... Baba-se, entorna a sopa, não diz coisa com coisa... Fala-me de África e das suas quatro Comissões. À despedida, troca-me o nome. Desejo-lhe Felicidades. E sei, estou certo, que entendeu, o Grande Abraço que lhe dei. 

Jorge Cabral 
 __________ 

 Notas de vb: 

 1. Este belo texto do Jorge, na sua singeleza, fez-me recordar a visita que fiz este ano ao outrora famoso atleta olímpico, Cor Cavaleiro. Um homem grande, robusto, que, em 1965, em Farim, quase nos 50, fazia o pino na piscina antes de se mandar para a água e, que no intervalo das marchas que forçava para Canjambari, marchava para Bissau, para a Associação Comercial esfolar uns patos ao bridge. 

Ele, que era um Mestre, repousa agora, num Lar em Oeiras... Na altura em que o visitei escrevi para mim: 

Num dia de Março de 2008 localizei-o num lar das Forças Armadas, em Oeiras. Vivo, o Coronel Cavaleiro? Ó meu amigo, o Senhor Coronel está aqui para as curvas, respondeu-lhe do outro lado do fio, o bem disposto telefonista. Quer falar com ele? Aguente aí um pouco. Sou um ex-alferes do BCav 490, estive em Cuntima. Uma voz de senhora do outro lado, o meu marido deve estar no 1º piso, sentado a ler um livro numa mesa com as cartas, à espera que apareçam parceiros para o bridge. É sempre assim, no fim do almoço. 

 E no dia seguinte em Oeiras, no IASFA (Instituto Acção Social das Forças Armadas), ainda não eram 14 horas, lá estávamos nós, o Miranda e o Raimundo do Como (os dois da Op Tridente) e eu às voltas, a subirmos e descermos escadas, o senhor Coronel esteve agora aqui, procurem-no no 1º piso. Uma sala, numa mesa ao fundo, de costas para a janela (talvez para melhor ver as cartas e as caras dos parceiros), um senhor baixo, aspecto franzino, é ele. Nada que se parecesse com o Ten Coronel que eu conhecera em 1965.  Mas era mesmo ele, o Coronel F. Cavaleiro, mais baixo uns bons centímetros e mais leve do que naqueles tempos. Sorriso gentil nuns olhos marcados de manchas, ar débil, o Coronel de pé à frente de jovens de 60 e poucos. 

 Sou o Miranda, meu Coronel, o Como, Farim, Comandos. Eu sou o Raimundo, o tipo do foto-cine do Como, as imagens que o Joaquim Furtado passou na Televisão fui eu que as fiz. Briote, meu Coronel, trabalhei poucos meses consigo, estive em Cuntima, na CCav 489 do Cap Pato Anselmo. 

 Pois, vocês têm que falar mais alto, o dedo apontado para o ouvido direito. A Guiné, bom, a Guiné foi uma doença que se entranhou em nós, Cor Cavaleiro. 

Quarenta e tal anos depois voltámo-nos a descobrir uns aos outros, almoçamos uma vez por mês, falamos da vida que levámos naquelas terras. O Coronel, que naqueles anos media para aí um metro e oitenta e pesava seguramente mais de oitenta quilos, à frente de nós era o mais pequeno e mais magro. Estou com 60 e poucos quilos, eu que pesava 80 e tal, também estou com 91 anos, é altura de ter um pouco de cuidado. Leio, jogo bridge, ando um pouco a pé, olhem, ando aqui a ver os dias escorrer. Netos? Oito filhos, netos, bisnetos, não me perguntem quantos. Sim, vi na TV a Guerra do Furtado, só não entendi porque é que não transcreveu integralmente a carta, aliás muito pequena, que nós apanhámos a um mensageiro, aquela em que o Nino dizia que já não tinha nem gente nem população para aguentar a guerra no Como...