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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19042: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXIX: Petra, Jordânia, com o Lawrence da Arábia como cicerone, e o Indiana Jones como guarda-costas...



Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Petra, Jordânia,  s/d, dezembro de 2016


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu


Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 220 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.

[Foto à esquerda: Hai Yuan e António Graça de Abreu]


2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias" (*)

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimamos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga; visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016; volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(vi) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29/10/2016, à cidade de Melbourne, Austrália; visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e a esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(vii) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro); Phuket, Tailândia (12-13 de novembro); Colombo, capital do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

(viii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím (20 e 21 de novembro de 2016);

(ix) com 2 meses e 20 dias, depois da Índia, os nossos viajantes estão no Dubai, Emiratos Árabes Unidos, passando por Muscat, e Salah, dois sultanatos de Omã, em datas que já não podemos precisar (, as fotos deixam de ter data e hora...), de qualquer modo já estamos em finais de novembro/ princípios de em dezembro de 2016;

(x) tempo ainda para visitar Petra, na Jordânia, e atravessar os 170 km do canal do Suez (Egito), antes de o "Costa Luminosa" entrar no Mediterrâneo; a viagem irá terminar em Civitavecchia, porto de Roma, antes da chegada do novo ano, 2017
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3. Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Patra Jordânia, s/d, dezembro de 2016] (pp. 22-25], da terceira e última Parte, que nos foi enviada em formato pdf]


Petra, Jordânia

Segunda visita a estas paragens, agora com entrada triunfal pelo mar Vermelho e pelo golfo de Aqaba. Estranhas terras de majestosas paisagens e retorcida História.

Desta vez trago como cicerone, a viajar sozinho e quase incógnito numa suite no nono piso do nosso Costa Luminosa, o cidadão inglês Thomas Edward Lawrence, mais conhecido por Lawrence da Arábia. Desembarco em Aqaba, o lugar certo, com o cicerone certo num país incerto. A oeste, o Egipto, com as terras massacradas do Sinai, do outro lado, os desertos da Arábia Saudita cheios de petróleo. No fim do golfo, duas cidades encostadas ao rebordo das montanhas, olhando-se no espelho uma da outra. São Eilat, território de Israel e, em frente, o burgo jordano de Aqaba, conquistada aos otomanos em 1917 pelo meu cicerone, o loiríssimo inglês de olho azul, o tal Lawrence da Arábia disfarçado de Peter O’Toole.

 Atravessada Aqaba, é altura de rumar a Petra, para norte, escondida entre montanhas róseas. Desta vez avanço por uma estrada diferente. Em lugar do chamado “Caminho dos Reis”, percorrido em 2008, seguimos pela recém construída auto-estrada do Deserto, pelo meio de montanhas quase surreais, por povoados pobres em solos secos e inóspitos, ao lado do inacreditável deserto de Wadi Rum. Lawrence, o cicerone, pisca-me o olho. Foi nestes vales – que de Wadi Rum conduzem a Aqaba – , que ele organizou os 5 mil homens que aqui haveriam de derrotar os otomanos.

Hoje os tempos são outros, temos carros de polícia e soldados espalhados estrategicamente ao longo dos 110 quilómetros de estrada, até chegarmos a Petra. Por cima da Jordânia ficam o Iraque e a Síria, terras ensanguentadas pela insensatez dos homens onde impera a lei do canhão e da bala. Só o Costa, o navio, despachou 1.600 turistas em 45 autocarros para a visita a Petra. A necessária segurança – imaginem o que seria os radicais islâmicos metralharem um dos nossos autocarros –, parece funcionar.

Perto da cidade rosa, iremos encontrar dois helicópteros estacionados numa plataforma ao lado da estrada e soldados de espingarda, aí de trezentos em trezentos metros. Não será apenas por nossa causa. Estamos mais protegidos porque neste mesmo dia visita Petra o rei Carlos Gustavo, da Suécia.

Chegamos à cidade de Wadi Musa. Estacionado o autocarro, uma caminhada curta e iniciamos a descida suave para o desfiladeiro apertado entre rochas que se elevam até ao céu, em pedra cor-de-rosa, meia translúcida, mágicos rubores, e mil cores. De súbito, quilómetro e meio adiante, abre-se a garganta na montanha e aí está, numa apertada clareira, o Al-Khazneh, o Tesouro, mais a sequência das ruínas da que foi, há dois mil anos, e continua a ser hoje, uma das mais espantosas urbes construída pelo engenho dos homens. 

Avanço pelo espaço de uma cidade quase mais velha do que o tempo, ainda envolta em mil mistérios. Quem foram os nabateus, o povo que construiu Petra? Seriam provavelmente berberes, ou beduínos do deserto que por aqui se fixaram há dois mil e quinhentos anos, sendo então Petra um entreposto de caravanas nas rotas de norte para sul, de leste para oeste em terras do que viria a ser a Arábia. 

Verdade é que os nabateus se eclipsaram, desapareceram do mundo e vieram os romanos, mais tarde os bizantinos. Todos abandonaram Petra e a cidade, abalada por terramotos, pela falta de água, pela mudança do itinerário das caravanas, acabou quase em ruínas. O perpassar dos séculos cumpriu o seu dever, foi reduzindo os palácios a pedras caídas e a pó, os túmulos, a buracos suspensos nas falésias que unem céu e terra, as casas a montes informes de lajes pelo chão.

Redescoberta em 1812 por um explorador suíço, de nome Johannes Burkhart, Petra voltou a existir, mas ninguém estava preocupado em desvendar os seus segredos. Foi preciso um senhor norte-americano, de nome Steven Spielberg e sua equipa se lembrarem, em 1989, de Petra e do Al-Khazneh para aí esconderem o segredo do Graal, no terceiro filme da saga Indiana Jones e colocarem o Harrison Ford, no fim da película, a sair vitorioso a cavalo do espantoso Al-Khaznek. 

Petra começou então a ser conhecida em todo o mundo. Com vinte séculos de idade, o Al-Khaznek, miraculosamente conservado, seria, segundo os arqueólogos, o lugar onde se esconderia o valioso tesouro de um faraó, ou abrigaria talvez o túmulo de um rei nabateu, ou poderia ainda ser um templo dedicado a um deus desconhecido. Tem 43 metros de altura, seis colunas helenísticas encimadas por uma espécie de três grandes nichos decorados e resguardados por telhados, tudo recortado na rocha cor-de-rosa. O Al-Khaznek, revisitado, deixa-me outra vez suspenso nas asas coloridas do assombro.

Existe mais Petra continuando a caminhada. Há um teatro romano do século I, todo talhado no vermelho escuro da pedra, com capacidade para sete mil pessoas, há mais palácios e conjuntos de túmulos em fachadas monumentais rasgadas na falésia, há restos de um templo e de uma igreja bizantina, do século VI. 

Lá longe, depois da subida difícil de 800 degraus cortados quase ao acaso na pedra, chegamos a Ad-Deir, o Mosteiro construído no século II, outro gigantesco edifício com semelhanças com o Al-Khaznek, e que é a segunda maior atracção de Petra. Chamam-lhe o “Mosteiro” porque no interior foram encontradas não sei quantas cruzes bizantinas, provável evidência de que no século VI terá sido transformado em igreja ou mosteiro. Visitei-o na viagem de 2008, mas agora, com as pernas mais delapidadas pelo avançar dos anos, não valeria a pena o esforço de subir outra vez ao Ad-Deir.

 No regresso a Wadi Musa e ao autocarro, andei à procura do cicerone, o tal inglês loiro, o Lawrence da Arábia que desaparecera na chegada a Petra. Disseram-me que havia partido montado num camelo, a toda a brida, em direcção ao deserto de Wadi Rum onde tinha um encontro com o seu amigo Ali Abn el Karish, disfarçado de Omar Sharif, para porem a conversa em dia e beberem um chá no deserto.

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Nota do editor:

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18961: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXVIII: Salalah, sultanato de Omã, onde a electricidade, a água, o ensino e a saúde são gratuitos...


Foto nº 1 


Foto nº 2


Foto nº 3

Salalah, sultanato de Omã, dezembro de 2016


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu.  

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 220 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.

[Foto à esquerda: Hai Yuan e António Graça de Abreu]



2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias" (*)


(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimamos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga; visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016; volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(vi) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29/10/2016, à cidade de Melbourne, Austrália; visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e a esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(vii) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro); Phuket, Tailândia (12-13 de novembro); Colombo, capital do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

(viii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím (20 e 21 de novembro de 2016);

(ix) com 2 meses e 20 dias, depois da Índia, os nossos viajantes estão Dubai, Emiratos Árabes Unidos, passando por Muscat, e  Salah, dois sultanatos de Omã, em datas que já não podemos precisar (, as fotos deixam de ter data e hora...),  de qualquer modo já estamos em finais de novembro/ princípios de em dezembro de 2016; 

(x) tempo ainda para visitar Petra, na Jordânia, e atravessar os 170 km do canal do Suez (Egito), antes de o "Costa Luminosa" entrar no Mediterrâneo; a viagem irá terminar em Civitavecchia, porto de Roma.  



3. Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Salalah, sultanato de Omã [s/d,  dezembro de 2016] (pp. 20-22], da terceira e última Parte]




Salalah, sultanato de Omã 




Viveu Job cento e quarenta anos e viu os seus filhos, e os filhos dos seus filhos até à quarta geração, e morreu velho e cheio de dias. 


Antigo Testamento, Livro de Job, cap. 42, vers. 16 


Mais mil quilómetros de estrada marítima e chegamos a Salalah, no sudeste do sultanato de Omã, a dez léguas do Yémen, hoje assolado pela guerra e pela fome. Há paz do lado de Omã, as velhas terras de Dhofar, habitadas outrora pela formosa e antiquíssima rainha de Sabá. Hoje, para lá das fronteiras de Omã, é só metralha, miséria e morte. 

Iniciamos a viagem de descoberta da região de Salalah, com o autocarro a avançar desde o porto, pejado de contentores e de tubagens, estas para a exportação do gás natural. Tudo fica para trás e começamos a subir por uma cadeia de montanhas secas e inóspitas, rodeadas, lá em baixo, por avassaladores desertos [Foto nº1]. Nos declives dos montes há alguns pinheiros verdes, raros nestes lugares semi-desérticos. Não entendo exactamente para onde nos levam, tanta curva, tanto monte, por isso pergunto ao simpático guia local: “Qual é o destino?” 

Simples, vamos visitar o túmulo do profeta Job, esse mesmo, o do Livro de Job, no Velho Testamento, o “da paciência de Job”, expressão que tantas vezes utilizamos ao longo das nossas vidas. Job é considerado profeta também por muçulmanos e judeus. Descendente de Noé, terá vivido há uns três mil anos atrás e, no Corão, Maomé faz quatro referências à sua pessoa. Job, tal como Abraão, Moisés e David, é uma das figuras bíblicas que também encaixam no islão primitivo, tradicional, muito anterior a Maomé.

No alto da montanha, num lugar com uma vista majestosa, uma capela branca, de cúpula redonda, guarda o que serão os ossos do velho Job, hoje -- se é mesmo verdade que a tumba é autêntica! --, apenas restos de poeira e pó. Descalço os sapatos para entrar e estou diante de um simples túmulo jazente coberto por um pano de cetim verde e amarelo. Uma leve reverência a este pobre Job e ali fico, a embeber-me nos traços da memória de um profeta do nosso Antigo Testamento. Cá fora, ao lado da capela, levanta-se uma pequena mesquita fechada ao culto, mas o que mais me impressiona é a nascente de água, uma fonte jorrando num estranho lugar, no alto de uma montanha circundada por desertos. Há um pequeno jardim com lírios vermelhos e buganvílias floridas. O túmulo de Job levita na magia dos espaços. [Foto nº 2]

Descemos para o mar. Cá em baixo, na aridez extrema de terras de areia e cascalho pedregoso, não há uma árvore, é quase só desolação, desdobrada na secura da paisagem, no delapidar impiedoso do calor caído do céu, violento, esmagador, estendendo-se pela passagem dos séculos.

A estrada acompanha a orla marítima, bordeja a extensa praia de Mughsail, algo semelhante à nossa na ilha de Porto Santo. Temos uns trinta graus de temperatura mas não há um simples mortal na areia ou a mergulhar na ondulação serena do Oceano Índico. As gentes de Omã não serão muito dadas aos prazeres da praia e, quanto a bronzear o corpinho, estamos entendidos. Haverá mulheres muçulmanas lindas de morrer, no entanto, por respeito com o rigor do Islão, ao sair de casa cobrem quase todo o corpo. 

Atravessamos uma pequena aldeia de pescadores, com casas modernas, na arquitectura árabe, bem traçadas e implantadas no terreno. Dizem-me que foram mandadas construir e oferecidas pelo sultão Qaboos, o poderoso e omnipresente senhor de Omã, há mais de quarenta anos. 

Nestas terras, o petróleo corre em abundância, a electricidade e a água – escassa, muita dela proveniente de complexos de dessalinização da água do mar  –, são gratuitas, assim como o ensino e a saúde. Os cidadãos do sultanato também não pagam impostos o que, de resto, creio acontecer em outros territórios árabes. O dinheiro do ouro negro vai chegando para quase tudo embora, nos últimos anos, muitos destes países tenham perdido milhões e milhões com a descida do preço do petróleo. 

O extremo poente da praia de Mughsail termina num promontório que se eleva abrupto no horizonte. Na plataforma rochosa, em baixo, uma espécie de curiosos géisers marinhos lançam água do mar, comprimida pelas rochas, a uns vinte metros de altura. Mas é a vastidão azul do oceano, da quase infindável praia, a leste, e, do outro lado, o imenso maciço de pedra avermelhada entrando pelas águas que impressiona este pobre turista lusitano que, até há poucos meses atrás, desconhecia por completo a existência de uma cidade chamada Salalah, e para quem o sultanato de Omã era uma miragem fantasiosa, perdido algures em desertos do fim do mundo. Continuo a ignorar quase tudo sobre o coração desta terra, mas o lugar já não me é estranho.

A pequena urbe de Salalah  – bem alinhada e cuidada, com rotundas verdejantes e floridas, dado beneficiarem de constantes regas  –, tem edifícios baixos ao modo tradicional árabe, algum comércio, uns tantos mercados, um estádio de futebol, as sempre presentes mesquitas. Junto ao mar, com outra enorme praia vazia, o destaque vai para o palácio Al Husn, onde nasceu o sultão Qaboos e hoje uma das suas residências de Verão. Paragem para caminhar pelas ruas ajardinadas em volta do palácio, tirar fotografias e depois, no mercado em frente, comprar um lote de especiarias, algumas tão estranhas que nem sei exactamente o que são, mas que irei experimentar nos meus apaladados cozinhados em Portugal, a minha terra distante que me começa a fazer falta.[Foto nº 3]

(Continua)
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Nota do editor:

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18801: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXVII: Mascate, sultanato de Omã, onde a água pode ser mais cara do que o petróleo...




Muscat (ou Mascate, sultanato de Omã ) > A grande mesquita, mandada construir pelo sultão Qaboos bin Said Al Said (n. 1940)



Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu(2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu.

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 220 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e
Pedro. Vive no concelho de Cascais. Deu recentemente, em 20 de junho passado,  uma longa entrevista (c. meia hora) ao canal Sporting TV, programa Conversas na Lua, sobre a sua história de vida, a sua obra literária e a sua "relação especial" com a China e a cultura chinesa. Vd. aqui o vídeo em You Tube > Sporting Clube de Portugal.

Hai Yuan e António Graça de Abreu

2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias" (*)

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimamos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga; visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016;

(vi) volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(vii) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29/10/2016, à cidade de Melbourne, Austrália; visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e a esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(viii) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro);  Phuket, Tailândia (12-13 de novembro); Colombo, capital do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

(ix) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím (20 e 21 de novembro de 2016);

(x) com 2 meses e 20 dias, depois da Índia, os nossos viajantes estão Dubai, Emiratos Árabes Unidos, passando Muscat, o sultanato de Omã, em data que já não podemos precisar, de qualquer modo já estamos em finais de novembro ou já  princípios de em dezembro de 2016; a viagem vai terminar em Roma.


Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Muscat, sultanato de Omã [s/d, finais de novembro de 2016] (pp. 17-19], da terceira e última Parte]


O António, tendo atrás o forte de Muttrah
Muscat, sultanato de Omã

Desde o mar, vários fortes, tipo castelo, plantados em montes escalavrados, pontilham o horizonte quase circular da baía de Muscat. Foram construídos em finais do século XVI pelos inevitáveis portugueses, aquela gente aventureira e doida de quem herdei o sangue e que um dia resolveu ir lavrar o mar, e deixar na vastidão do mundo um padrão, uma cruz, um pendão soluçante.

O forte de Muttrah, assim como os outros próximos, de nome Al Marani e Al Jalali (São João) - estes dois agora encaixados nos espaços de um dos palácios do sultão de Omã -, estão impecavelmente restaurados e conservados. Todos fechados ao público, o forte de Muttrah funciona ainda hoje como instalação militar e, no alto, é bem visível uma bateria de modernos canhões apontados à entrada da baía.

Muscat [, em português, Mascate]foi conquistada por Afonso de Albuquerque em 1507 e desde então funcionou como um lugar estratégico para os portugueses nas rotas entre a Índia, o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho. Hoje, este sultanato de Omã, três vezes maior do que Portugal, conta com 4,5 milhões de habitantes, metade dos quais são imigrantes, muitos deles sazonais.

A maior parte do território estende-se por inóspitos desertos aparentemente esquecidos. Mas é aí, sob milhões de toneladas de areia, que descansam imensas jazidas de petróleo e gás natural, o ouro vermelho escuro e os hidrocarbonetos incolores que enchem de dólares os cofres do sultanato. 

O sultão Qaboos bin Said Al Said está no poder desde 1970, é senhor de uma enorme fortuna, tem já setenta e seis anos de idade, mas aparece em fotografias espalhadas por tudo quanto é sítio aparentando uns quarenta [, foto à direita]. Possui três palácios na Europa, em Marbella, Espanha, na Inglaterra e na Alemanha. 

No porto de Muttrah, Muscat, em frente ao nosso Costa, estão ancorados três grandes iates que lhe pertencem e dizem-me que tem mais dois navios para se passear, atracados noutros portos de Omã. Conta também com sete palácios no sultanato, onde reside alternadamente, saltitando de um para outro. Ninguém costuma saber exactamente em que palácio se encontra o sultão que, só de longe em longe, se dá à vista de quem quer que seja, mas que me dizem ser um benemérito para o seu povo, estimado pela maioria dos omanis, os cidadãos do sultanato. 

Nos quarenta e sete anos de poder do sultão Qaboos, o território de Omã mudou muito. No passado, eram conhecido como entreposto de escravos, terra de pescadores e plataforma de venda de armas brancas, sobretudo adagas, punhais e cimitarras de variados tamanhos, e de eficácia garantida, comprovada. A descoberta do petróleo em 1964 veio alterar, por completo, o estatuto e as realidades de Omã. O actual sultão - quando jovem educado em Inglaterra e na Alemanha -, tem acompanhado inteligentemente o crescimento da região, retirando daí os benefícios a que acha ter direito e, com tantos dólares a inundarem-lhe os palácios e os iates, melhora também as condições de vida da população.

Muscat, que cresceu, a partir de Muttrah neste espaço da baía, vive do turismo e dos pequenos negócios. Recomendo a ida ao souk, o mercado e zona comercial, não muito diferente dos souks de outros países árabes, onde se vende de tudo, de ouro a babuchas, de especiarias às adagas, de perfumes aos estilizados vestidos de seda, mais toneladas de quinquilharia, a preços baratos. E como são vaidosas algumas mulheres muçulmanas! Sob o niqab negro, a túnica que lhes cobre todo o corpo, excepto a fresta dos olhos, usam roupa de costureiros franceses, à venda também neste souk, garante-me o guia local.

Por detrás da baía e dos montes de pedra acastanhada, que delimitam Muttrah, a sul e a oeste, abre-se a grande Muscat com quase um milhão de habitantes. Partimos em busca da maior mesquita do sultanato de Omã, a uns quinze quilómetros de distância. Trata-se de um conjunto arquitectónico recentemente concluído, com uma torre e quatro minaretes, pouco capaz de encher o olho ao turista em viagem mas que será, por certo, um excelente lugar para os muçulmanos rezarem a Maomé e pedirem as generosas bênçãos de Alá. 

Atravessamos a zona dos ministérios e vastos complexos habitacionais, mais uma zona de stands de automóveis, Porsches, BMWs, Bentleys, Rolls-Royce. O dinheiro do petróleo, e dos subsequentes negócios, dá para dez mil extravagâncias. Mais adiante, deparamo-nos com uma instalação enorme onde se procede à dessalinização da água do ar. Enormes depósitos guardam a, agora, água doce. A propósito, dizem-me que em Muscat chove em média cinco dias por ano, apenas em Dezembro e Janeiro, por isso a água, fundamental para todas as vidas, pode ser mais cara do que o petróleo.

(Continua)

terça-feira, 19 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18755: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXVII: Dubai, Emiratos Árabes Unidos, os luxos que os petrodólares permitem...



Itália > Veneza >  Terminal de Cruzeiros > 9 de junho de 2018 > O Costa Luminosa (construído em 2007-2009 em Itália, nos estaleiros de Fincantieri - Cantieri Navali Italiani, nas instalações de Marghera, 92, 6 mil toneladas brutas , 294 m de comprimento, 32,25 m de largura, 21,6 nós de
velocidade de cruzeiro, 2826 passageiros, 1050 tripulantes, 14 andares, pavilhão italiano) visto do MSC Poesia (construído em 2006-2008, em França,  nos estaleiros de Saint Nazaire, 92,6 toneladas brutas,  c. 294 m de comprimento, 32,2 m de largura, c. 60 m de altura, 21,6 nós de velocidade de cruzeiro, 3223 passageiros, 1039 tripulantes, 16 andares, 13 para hóspedes, pavilhão do Panamá) no momento da partida do nosso editor, Luís Graça, para um cruzeiro pelo mar Adriático e pelo mar Egeu, de 8 a 17 de junho de 2018, que o levou de Veneza a Bari (Itália), Katakolon (Grécia),   Mykonos (Grécia), Pireu / Atenas (Grécia), Sarande / Butrint (Albânia), Dubrovnik (Croácia) e Veneza (Itália)...

Estes gigantes do mar são 10 vezes maiores do que os nossos T/T Niassa e Uíge onde fizemos os... "cruzeiros da nossa vida" (Lisboa-Bissau e Bissau-Lisboa, entre 1961 e 1974). São navios para custaram c. 450/500 milhões de euros... E a sua "peugada ecológica" é enorme... Estão a matar Veneza e todo o Mediterrâneo, o "mare nostrum" que foi o berço da nossa civilização... Eu já posso dizer que sobrevivi a um destes "cruzeiros", com cinismo e falta de pudor... Ao meu lado, a tragédia que não pára dos refugiados de África e do Médio Oriente... Atenas tem 150 mil negros, diz a guia que me levou à Acrópole e que não esconde o seu ressabiamento em relação aos europeus de carteira grossa e aos tecnocratas sem alma de Bruxelas...

Veneza "afunda-se", física e simbolicamnente, com 30 milhões de turistas /ano... A "gentrificação" da cidade (18 mil euros o metro quadrado uma casinha com 3 ou 4 séculos, em ruínas)... e a massificação do turismo estão a gerar protestos dos 40 mil habitantes que ainda resistem, nesta antiga "república dos castores", como lhe chamou Goethe em 1786... Mas o turismo é o "pão para a boca" de muita gente: 14% do PIB da Itália, o nosso "petróleo branco", diz.me a guia veneziana, num português impecável...

Mas o que farão estes "gigantes do  mar" sem Veneza ou sem a "pérola do Adriático" que é o Dubrovnik que sofre os mesmos problemas ? Por enquanto há milhões de asiáticos, africanos e sul-americanos (, muito brasileiros!) a trabalhar 12/14 horas por dia em troca de um punhado de dólares... nestes "luna-parques" marítimos que são os cruzeiros... agora democratizados!... Há cruzeiros, a prestações e para quase todas as bolsas!... (LG)


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 1



Foto nº 4



Foto nº 6


Dubai, Emiratos Árabes Unidos > Novembro de 2016 

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Dubai,  s/d [novembro de 2016] (pp. 12-17], da terceira e última Parte)



Oceano Índico

Levamos dois meses e vinte dias de viagem. Tanto mar, a singularidade de tanta terra, a habituação e o cansaço de vivermos durante meses e meses num navio, rasgando as águas dos mares do mundo. Não faço muitos amigos dentro do Costa, há a Rosa e o Paulo, um excelente casal de Curitiba, Brasil, os jantares sempre entusiasmantes na mesma mesa com a Isabel e o Jorge, meus quase vizinhos na Parede, Cascais. E pouco mais, com o avançar dos anos sou cada vez menos sociável, converso mais com o sol poente [Foto nº 1] e com os livros do que com as pessoas. Valem sobretudo os lugares visitados, as estadas sempre céleres nos cem recantos de quatro continentes, a imersão possível/impossível nestas terras, tentar compreender onde estou, fincar os pés em estranhos solos, e caminhar.

No Costa, depois daquela tremenda epidemia de gripe, ainda há gente a tossir e a pôr uma velinha no altar a Nossa Senhora de Fátima, na capela do navio, pedindo um feliz regresso a casa. Temos um padre católico italiano que acompanha a viagem e todos os dias diz missa. Lá vai ajudando, levando mais umas tantas almas ao Céu.

O Oceano Índico é outro mar imenso que nos limitamos a bordejar, desde o sudoeste da Austrália. Tem estado pacífico. Gostaria muito de o cruzar num grande veleiro, com bom mar, das costas de Moçambique às Seychelles, de Zanzibar às Maldivas, de Java a Madagáscar. Tudo ideias para próximas reencarnações.


Dubai, Emiratos Árabes Unidos
Foto nº 2


Já conhecia o Dubai mas esta segunda estadia não teve muito a ver com o déjà vue. Resolvi avançar para o que havia ficado por concretizar em Setembro de 2014 quando, chegado da China no voo dos Emirates, fiz escala durante 24 horas e dormi uma noite nos anexos desta megalómana cidade. [Foto nº 2]

Desta vez, com tempo, meti-me em cavalarias mais ou menos elevadas, indo a reboque de um grupo de gente endinheirada e fui gastar quase 200 dólares US, oferecendo à minha companheira e a mim próprio, um sumptuoso almoço no hotel de sete estrelas Burq Al-Arab, mais a subida ao Burq Al-Kalifa, o edifício mais alto do mundo, ambos ex-libris da cidade do Dubai-

O hotel, Bur Al-Arab, concluído em 1999, tem todas as semelhanças com a torre – também hoje hotel --, que temos em Lisboa na zona da Expo 98, lembrando a grande vela de uma nau ao vento. Assente numa ilhota conquistada ao mar, o Burq Al-Arab, com 321 metros de altura é um exemplo refinado de bom gosto, à mistura com lampejos faiscantes do inevitável novo-riquismo que abunda no Dubai. À entrada, temos escadas rolantes ladeadas por dois enormes aquários com inúmeros peixes, peixinhos e peixões, para todos os gostos, cores e formatos. Até tubarões têm. Entre as escadas, dança um conjunto de repuxos saltitantes. Este átrio interior do hotel alcança, numa espiral, os 180 metros de altura. Nas paredes do cone do edifício estão encastrados os quartos de hóspedes, todos, do outro lado, voltados para as praias e para o mar. Custam apenas a pequenez monetária de 1.900 euros por noite, mas explicam-me que estou no mais luxuoso hotel do mundo. Tive pena de não ter ficado numa dessas suites de conforto e prazer, e de, após a dança do ventre, adormecer como um abastado sultão num leito de penas e perfumes. Ficará para próxima ocasião.

Voltas e mais voltas por shoppings e malls, mais a Dubai Marina com arranha-céus sempre a crescer, uma mesquita, e eis-me finalmente no Burq Al-Khalifa, cá em baixo com um lago onde as águas dançam ao sabor da música. Com 828 metros de altura e 163 andares é o edifício mais alto alguma vez construído ao de cima da terra. Um elevador pressurizado, que sobe a dez metros por segundo, leva-me num ápice até ao 124º. andar, a quase 600 metros do solo. São seis da tarde, a noite cai e a luz natural começa a ser substituída pela incandescência crescente da progressiva iluminação da cidade. Cintilam os arranha-céus em volta, faíscam as ruas e avenidas, os milhares de habitações espalhadas por um vasto horizonte circular. Fantástico o horizonte, a contemplar do cimo da mais elevada torre do globo. A noite está límpida, de um lado, a orla sombreada do mar, do outro, a escuridão dos desertos, no meio, para norte e para sul, uma imensa cidade na mescla das cores e luzes do anoitecer. []Foto nº 4]

No alto do Burq-Al-Khaifa quase podemos tocar a cidade com a mão, mas nem tudo serão rosas de jardim ou flores do deserto nos lares de cada um, em edifícios gigantescos que entram por dentro do céu junto a mares embevecidos de cristal. Mais de 80% da população do território é estrangeira, com imensos contingentes de indianos, paquistaneses, filipinos, etc., que por aqui têm trabalhado até à exaustão, como operários e empregados, auferindo muitos deles magros salários, na construção destes arranha-céus, contribuindo para o crescimento do Dubai. Gente que não se lamenta dos suores derramados, porque está tentando fugir aos ciclos de pobreza e fome existente nos seus países.


Foto nº 3
O almoço foi um excelso buffet na grande sala do 58º. andar. Meteu paredes decoradas a ouro, mais talheres de prata, iguarias de estranhos sabores e sobremesas de surpreendentes texturas. A cerveja, ou o vinho, eram extras não incluídos no pacote da refeição, uma imperial ou fino custava apenas 22 dólares US. Bebi uma Coca-Cola zero a preço zero. Do alto envidraçado do Burq Al-Arab pude contemplar, pela primeira vez, de cima para baixo, o conjunto da gigantesca Palmeira artificial de Jumeirah construída em aterros sobre o mar, onde, abertas nos ramos da árvore, para um lado e para outro, pululam centenas e centenas de vivendas super luxuosas, todas com praia privativa. A coroar a Palmeira, lá longe, o hotel Atlantis, com 1.700 quartos, a transbordar de originalidade e novo-riquismo. [Foto nº 3]

Foto nº 5
Estamos em terras de imigração, mas quantos problemas de inserção e relacionamento humano entre tão diversas pessoas numa grande cidade que escalda e ferve, não apenas nas temperaturas elevadíssimas durante grande parte do ano? Como são os quotidianos destes trabalhadores, portugueses incluídos, que emigram para o Dubai? O dinheiro do petróleo, e outros dinheiros, não compram tudo. Haverá valores, a luta honesta pela vida, a paz de espírito, o estarmos de bem connosco e com os que nos são próximos. É possível? Nesta cidade contam-se milhares e milhares de apartamentos vazios, centenas de milhares de imigrantes a viver amontoados em espaços reduzidos, duas dúzias de metros quadrados para oito ou nove pessoas, muitas histórias que o turista de passagem não conhece.

Recordo o meu almoço no Burq-Al-Arab, a subida a este mais do que monumental Burq-Al-Khalifae, já agora, o Mercado do Ouro, no quarteirão antigo do bairro de Deira onde o precioso metal amarelo se vende às toneladas a uma clientela, quase toda constituída por mulheres muçulmanas, que compra cordões grossos como bananas, pulseiras mais gordas do que os braços, anéis que até escondem os dedos ou ouro em barras do tamanho de tijolos. Recordo o vil metal amarelo nas lojas dependurado em ganchos como carne nos talhos. O petróleo, um sujo ouro negro, por vias estranhas e surpreendentes, transforma-se no melhor ouro do mundo, cravejado de ostentação e pedras preciosas. E logo ao lado, muita pobreza escondida na outra margem das vidas. [Foto nº 5]

Para o último dia tivemos a visita ao deserto, que ficara distante na estada de 2014. Vir a estas terras e não ir ao deserto, não beber um chazinho com os beduínos e não andar de camelo, é muito mais grave do que visitar Roma e esquecermo-nos de ir ver o Papa. Ao lado do Dubai, a areia é omnipresente e basta darmos uns passos para estarmos solitariamente semi-perdidos entre dunas ondulantes que parecem conduzir a lugar nenhum. [Foto nº 6]

Entro num poderoso jipe Toyota, de seis lugares, e fazemos 60 quilómetros desde o Dubai. Saímos do asfalto da estrada, paramos para o condutor esvaziar parcialmente os pneus, o que facilita a condução na areia e aí vamos, a alguma velocidade, subindo, descendo montes e dunas com a adrenalina e a emoção a crescer. É só areia, por todo o lado. Chegamos a um acampamento que me dizem pertencer a beduínos mas que terá sido montado sobretudo para entreter turistas. Há grandes tapetes, almofadas e esteiras espalhadas pelo chão em espaços abertos limitados por vedações em vime. No meio existe uma espécie de palco onde todas as noites, à luz de archotes, ousadas e gentis bailarinas executam, a primor, a dança do ventre, carregada de erotismo.

Curiosos estes muçulmanos, tapam os corpos das suas mulheres com trajes escuros que, pudicamente, tudo escondem, da cabeça aos pés, e depois cobrem as bailarinas de lantejoulas e despem-nas gloriosamente. Nas mesas baixas do acampamento temos taças com caju, amêndoas, tâmaras, e, num barzinho ao lado, café, chá e uns refrigerantes esquisitos. Quem quiser, pode subir para um dromedário e dar uma voltinha no camelo de uma bossa só, e imaginar que parte numa magnífica cavalgada, ou camelada, à solta, pelos desertos da Arábia.

1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu. 

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.
Hai Yuan e António Graça de Abreu


2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias" (*)

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimamos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;

(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016;

(vii) volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(viii) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;

(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(x) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro);

(xi) Phuket, Tailândia (12-13 de novembro);

(xii) Colombo, capitão do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

(xiii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím (20 e 21 de novembro de 2016);

(xiv) com 2 meses e 20 dias, depois da Índia, os nossos viajantes estão Dubai, Emiratsos Árabes Unidos.
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Nota do eidtor:

Último poste da série > 14 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18741: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXVI: Bombaim ou Mumbai, Índia: De Catarina de Braganca a Mahatma Gandhi


quinta-feira, 14 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18741: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXVI: Bombaim ou Mumbai, Índia: De Catarina de Braganca a Mahatma Gandhi


Foto nº 1 > Mahatma Gandhi (1869-1948) 


Foto nº 2 > As grandes lavandarias artesanais


Foto nº 3 >  Hotel Taj Mahal, construído em 1903.


Foto nº 4 > Esculturas e baixos relevos da Ilha Elefanta

Índia > Bombaím  > 20-21 de novembro de 2016 >  

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Goa, Índia, 18 de novembro de 2016 (pp. 7-12, da terceira e última Parte)

Bombaim ou Mumbai, Índia 

Se a memória não me atraiçoa e se fiz a pesquisa certa, Bombaim foi cidade governada pelos portugueses desde 1534 até 1661 quando Catarina de Bragança, filha de D. João IV, irmã de D. Afonso VI e D. Pedro II, casou com Carlos II de Inglaterra e as cidades de Tânger e Bombaim, “com todas as suas pertenças e senhorios”, fizeram parte do dote da princesa e foram cedidas aos ingleses. 

Portugal precisava do apoio da coroa britânica nas lutas contra os espanhóis pela restauração da independência e, para isso, nada melhor do que um casamento real entre os dois reinos, com um valioso dote a oferecer ao monarca de Londres. A ida para Inglaterra da não muito bonita Catarina de Bragança teve, como iremos ver, implicações surpreendentes na história do mundo. Os ingleses aproveitaram o novo estabelecimento de Bombaim para estender o seu poderio e influência a mais territórios na Índia e, associado à ida da rainha Catarina para Londres, estendeu-se na sociedade inglesa, o hábito de beber chá, costume da princesa portuguesa. 

O chá era, na época, planta e bebida praticamente desconhecida nas ilhas britânicas. A partir de então, os ingleses passaram a viajar nos seus navios até Macau e a aproveitar os ancoradouros na ilha da Taipa, subindo depois até às províncias de Guangdong e Fujian onde carregavam as naus com caixas e caixas de chá, a preciosa bebida perfumada, apenas existente e cultivada no centro e sul da China. O comércio do chá cresceu de tal maneira que, a partir de finais do século XVIII, os britânicos necessitaram de despender elevadas maquias para pagar o chá aos mercadores chineses. Descobriram então um negócio altamente rentável, a troca de chá por ópio. 

Desde a Índia, cultivado sobretudo na região de Calcutá, mas também na zona de Bombaim e até na Turquia, o anfião ou ópio seguia para a China às toneladas em velozes veleiros. Embora ilegal, o comércio do ópio prosperou de tal modo que, no início do século XIX, se fizeram grandes fortunas, mesmo entre alguns portugueses de Macau. O vício de fumar ópio era um cancro que alastrava no mundo chinês. Em 1838, Lin Zhexu, governador de Guangdong resolveu acabar com a calamidade e proibiu a troca do ópio pelo chá no porto de Cantão. Milhares de caixas com ópio foram arrancadas dos navios de Sua Majestade, a rainha Vitória, e lançadas às águas do rio das Pérolas.

A Inglaterra, ofendida, queria continuar livremente os seus negócios no Império do Meio e declarou guerra à China. Enviou 16 fragatas de guerra com milhares e milhares de soldados, bem armados e equipados que rapidamente desbarataram a incipiente marinha chinesa e as ridículas defesas de costa. Em 1842 era assinado o tratado de paz de Nanquim que, entre outras humilhações, obrigava os derrotados chineses a ceder à Inglaterra um grande porto de mar e uma fabulosa cidade que nascia e crescia, chamada Hong Kong. 

Será que Bombaim, a introdução em Inglaterra do hábito de se beber chá, a fixação dos britânicos por terras da Índia, o comércio do ópio, Macau, a guerra, a fundação de Hong Kong, têm algo a ver D. Catarina de Bragança, princesa de Portugal, rainha de Inglaterra?

A prosa já vai longa e ainda não entrámos em Bombaim, ou Mumbay, assim denominada nos últimos anos do século XX.

O nome Bombaim terá origem no português “bom baía”, língua franca falada nas partes da Ásia, nos séculos XVI e XVII. Em 1995, os indianos decidiram abandonar o nome “colonialista” de Bombaim e passaram a chamar-lhe Mumbay, em honra de Mumba, uma divindade local venerada pelos primeiros habitantes da região.

Em 1900, a cidade contava já com um milhão de habitantes e hoje serão vinte e dois milhões os indianos conglomerados numa das maiores metrópoles do globo. As cidades grandes sempre me assustaram e Bombaim é, de certeza, lugar de rápida passagem para outras paragens, mas que valerá todas as penas conhecer. São muitos os edifícios catalogados como Património Mundial pela Unesco, sobretudo os que correspondem à herança colonial britânica.

Trata-se de grandes construções de finais do século XIX, no estilo vitoriano [Vd. foto ao lado], com alguns elementos de arquitectura hindu como a fachada da estação ferroviária, o museu do Príncipe de Gales, a Biblioteca Asiática, o Palácio da Justiça. Na estadia de dois dias em Bombaim, deu para ver do lado de fora e tirar fotografias.

No templo hindu de Sir Sir Radha Gopinath -- dedicado a Krishna, uma espécie de deus da amizade e do amor --, perdi-me na contemplação das paredes de mármore trabalhadas como se de filigrana se tratasse, e no passear dos olhos pelas muitas divindades espalhadas por altares, emolduradas em paredes, algumas numa saudação ao viandante de passagem. Com todo o respeito pela mitologia hindu, pela crença de cada um, recordei palavras do meu poeta chinês Bai Juyi (772-846), -- a quem chamo “meu” porque lhe traduzi 202 poemas para língua portuguesa --: “As criaturas não são divinas por conta própria, são os crentes que as fazem divinas.”[1] Se diante do bom Buda sou capaz de baixar levemente a cabeça e de entoar em silêncio uma pequena prece, estas divindades do hinduísmo deixam-me parado e distante. No entanto dizem-me que, com os cânticos de “hare Kishna, hare Krishna!” se limpam as impurezas da alma.

Com sumo prazer fui ao encontro da residência de Mahatma Gandhi (1869-1948) [Foto nº 1 ] esse grande senhor da História recente da Índia que habitou esta casa entre 1917 e 1934 e que lutou, até todos os limites da sua complexa vida, pela independência da pátria e pela fraternidade entre todos os indianos, pela igualdade e pela não violência. O combate não foi em vão, mas hoje, com um distanciamento de setenta anos – Gandhi foi assassinado em 1948 --, será mais fácil entender que o legado do excelente Mahatma ainda está em grande parte por cumprir. Na China existe um provérbio que diz mais ou menos o seguinte: “Mudam as montanhas e os rios, não muda a natureza dos homens.”

Na grande ronda por Bombaim, paragem para mais fotografias nas grandes lavandarias artesanais a céu aberto, um dos atractivos turísticos da cidade. Entre o muito lixo que atravanca quase tudo quanto é espaço nesta terra, as pobres mas enormes lavandarias correspondem a um oásis de limpeza e de brancura, mesmo quando os lençóis mal lavados são vermelhos ou azuis.[Foto nº 2]

Mais um dia na cidade e hoje é tempo de saída para a ilha da Elefanta.

Antes, em frente do pequeno cais de embarque onde pontifica a Porta da Índia concluída em 1924 -- um pórtico sob o qual passavam os altos dignitários ingleses na sua chegada ao território indiano --, uma ida rápida, logo ali ao lado, ao clássico Hotel Taj Mahal, construído em 1903.[Foto nº 3].
Foi alvo de um ataque de terroristas islâmicos, em 2008, que provocou quase quarenta mortos. Rapidamente reaberto, é um excelente cinco estrelas no centro da histórica Bombaim, a funcionar em pleno embora rodeado de extremas barreiras de segurança. Entrámos, sujeitos a um exaustivo controlo, mas dentro o hotel é soberbamente luxuoso, os quartos, os interiores, as lojas, a piscina. Estou convencidíssimo de que voltarei aqui numa próxima reencarnação, homem rico, jovem e bem apessoado.

Vamos então até à ilha da Elefanta que tem outras histórias para contar. Embarcamos numa lancha grande, em madeira, com dois andares, que nos vai levar durante quase uma hora de viagem até uma pequena ilha plantada no mar, aí a uns 15 quilómetros de Bombaim. Chama-se Elefanta porque os portugueses que por aqui andaram, descobriram na ilha, logo no século XVI, uma grande elefanta em pedra, junto de umas tantas grutas, onde haviam sido gravadas na rocha um conjunto de impressionantes figuras e estátuas associadas à mitologia hindu. Em 1864, a elefanta foi cortada e desmontada pelos ingleses e transportada para os Victoria Gardens, em Bombaim. Novamente montada, ainda hoje se encontra nesse jardim.

Na ilha da Elefanta, desembarcamos entre molhadas e molhadas de turistas indianos, num pontão onde impera a imundície. Há vacas, cabras, e até muitos macacos, a passear calma e sorrateiramente pelos caminhos de entrada na ilha, pelo meio das variegadas gentes acabadas de chegar. Os animais, nossos amigos, deixam montões pestilentos de dejectos e excrementos por tudo quanto é sítio. Há quem goste. Estamos na Índia.

Para chegar às grutas, Património Mundial pela Unesco desde 1987, temos um comboinho e depois uma longa escadaria, ladeada de lojas e bancadas, onde se vende de tudo o que eventualmente poderá interessar ao turista. Lá em cima, as diferentes grutas foram escavadas na pedra entre os séculos V e VIII e albergam dezenas e dezenas de esculturas de grande e média dimensão, sobretudo associadas à deusa Shiva. O baixo-relevo mais interessante será uma deusa de três faces, sendo a do meio, a de Brahma, o criador, e as laterais, a de Vishnu, o preservador, e a de Shiva, o destruidor. Tudo rodeado por mais umas tantas estátuas de assessores das divindades.[Foto nº 4]..

Apesar de ter comprado um livrinho em inglês com explicações sobre as grutas e os seus deuses, permaneço algo baralhado diante da complexa história das figuras da mitologia hindu. Reconheço a extraordinária qualidade destas esculturas e baixos relevos, infelizmente bastante delapidados pela impiedosa passagens dos séculos. Os indianos dizem que parte da destruição das esculturas tem a ver com os portugueses que, nos séculos XVII e XVIII, usavam o lugar como carreira de tiro e as estátuas como alvo, para acertar e aferir a pontaria de arcabuzes e espingardas. Não sei será é verdade, mas tudo é possível.

A fechar a visita à ilha da Elefanta, nada melhor do que subir pela outra colina, aolado, ao encontro da Cannon Hill. Leio que os canhões existentes lá em cima foram deixados pelos nossos compatriotas, quando abandonámos a ilha em meados do século XVIII. Apoiados em plataformas circulares, tinham um campo de acção de 360 graus e deviam ser armas temíveis para a defesa e segurança dos poucos portugueses ainda residentes do lugar. Hoje, os canhões de Cannon Hill não são antigos, parecem peças de artilharia já fabricadas no século XX. Mas dá para recordar o imenso receio que, durante trezentos anos, as desvairadas gentes da nossa ditosa pátria provocaram nos diversos povos da Índia.

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Nota do autor:

[1] Poemas de Bai Juyi, trad. António Graça de Abreu, Macau, IC. Macau, 1991, pag. 33.


1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu-

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.


2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias" (*)

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimamos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;

(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016;

(vii) volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(viii) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;

(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(x) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro);

(xi) Phuket, Tailândia (12-13 de novembro);

(xii) Colombo, capitão do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

(xiii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím (20 e 21 de novembro de 2016).
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de maio de  2018 > Guiné 61/74 - P18671: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXV: Goa, Índia: "um adeus no entardecer dos dias, e uma lágrima, para sempre"...

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18671: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXV: Goa, Índia: "um adeus no entardecer dos dias, e uma lágrima, para sempre"...


Índia > Goa > Velha Goa > A basílica do Bom Jesus

[A Basílica do Bom Jesus (em concani Borea Jezuchi Bajilika) é uma Basílica Menor, situado em Goa Velha, na Índia. É uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo e faz parte do conjunto arquitetônico de Igrejas e Conventos de Goa, Patrimônio da Humanidade pela Unesco, sendo um dos melhores exemplos da arquitetura de origem europeia no país. Foi construída entre 1594 e 1605, uma obra considerada rápida para os padrões da época (...) Em seu interior repousa o corpo de São Francisco Xavier, considerado O Apóstolo do Oriente.] (Fonte: Wkipedia > Basílica do Bom Jesus)



Índia > Goa > 18 de novembro de 2016  > O nosso camarada Antónioo Graça de Abreu e a esposa, na piscina do hotel


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Goa, Índia, 18 de novembro de 2016 (pp. 5-6, da terceira e última Parte)


Goa, Índia


Goa, um pé em Mormugão,
todo o olhar em Vasco da Gama.

Goa, do velho Afonso de Albuquerque,
espadeirando pelas costas do Malabar,
na aventura insana de conquistar o Oriente.

Goa, dos grandes vice-reis e senhores de outrora,
hoje em lápides enegrecidas pelo tempo.

Goa, de Bardez a Salsete, o pó resplandecente da fé,
e sinuosos silêncios.

Goa, de cem mil cruzes diante de cem mil lares,
braços de Cristo abertos para o mundo,
cemitérios de cristãos unindo céu e terra.

Goa, uma Roma Oriental cintilando na basílica do Bom Jesus,
cinco séculos a acastanhar a pedra,
e São Francisco Xavier, benfazejo e amigo,
num túmulo de prata, pedrarias e cristal.

Goa, da velhíssima Sé Catedral,
maior igreja da Ásia, imaculadamente branca,
no altar-mor, dois jovens, mais uns tantos amigos,
todos humildemente descalços,
um casamento em língua portuguesa.

Goa, da igreja de S. Caetano,
semelhante à basílica de S. Pedro,
para enlevar corações, levá-los a Roma
ou talvez ao paraíso.

Goa, da orgulhosa Pangim,
do bairro colonial das Fontaínhas,
onde se baila o corridinho,
e um cônsul português sorri e dança.

Goa, de especiarias e perfumes,
na carregação das naus,
para inebriar os dias e as noites.

Goa, da doce e formosa Manteigui,
nas palavras de Bocage “puta rafada”,
cujos “meigos olhos, que a foder ensinam
até nos dedos dos pés tesões acendem”.

Goa, dos breves companheiros de jornada,
o André, o Edgar, a Maria, o Reis,
dos Gomes Market, do Faria Heaven, do Santosh Garage,
tantos ramos florescendo da cepa lusitana
entretecidos pelo perpassar dos séculos.

Goa, das últimas famílias indo-portuguesas
entrecruzando sangue e afectos,
laboriosas gentes nas confusões do presente,
com as pedras e o coração no passado, construindo o futuro.

Goa, dos fortes de Tiracol ou da Aguada,
velhos canhões, há séculos disparando pedaços de nada,
para a águas do Mandovi e do vazio,
e um velho farol, o primeiro iluminando os mares da Ásia.

Goa indiana, pois claro,
com templos hindus para venerar os deuses,
Shiva, Brama, Vishnu, Krishna,
e pequenas divindades descansando no fundo do vale,
no recato sombreado dos palmares.

Goa, das praias de infindáveis areias,
Calangute, Dona Paula, ou Benaulim,
para humedecer o corpo e respirar o sol.


Goa, um adeus no entardecer dos dias,
e uma lágrima, para sempre. 



1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu-

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.


2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias"

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimanos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;

(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016;

(vii) volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(viii) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;

(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(x) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro);

(xi) Phuket, Tailândia (12-13 de novembro);

(xii) Colombo, capitão do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;


(xiii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím.

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Nota do editor: