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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9250: Bibliografia de uma guerra (58): Pequenas partes do Lugares de Passagem aqui juntas com algum sentido (José Brás)

1. A propósito do Poste de Cherno Baldé (P9243*) recebemos do nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68) estas


Pequenas partes do "Lugares de Passagem", aqui juntas com algum sentido

Tenho visto que choras
Filipe, de vez em quando.
Tenho visto e não entendo o teu chorar.
Choras quando te julgas só, perdido no andar apressado entre o bar e o teu quarto, sentado na cama, cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos na cara, abertas, cobrindo-te o rosto quase todo e deixando os olhos na sombra dos dedos.
Sei que choras porque fungas forte, e limpas os olhos às costas da mão direita, retomando logo a postura de antes e deixando ver as marcas húmidas na mão, reflectindo a luz forte que entra pela porta entreaberta.

E não entendo,
de novo o digo. Não entendo porque te sei corajoso e paciente, e que esperas da vida coisa melhor do que esta que aqui tens, voltando à tua terra, à tua gente, à tua luta.

Não estou
a queixar-me, juro, tenho a minha sina feita, filho pequeno, homem na guerrilha que tu não conheces, de ver próprio na figura, mas conheces da minha fala sobre ele, sobre falta que me faz, pessoa bondosa e valente, enfilado na mata há dois ou três anos na nossa luta por nossa terra.

Conto a ti
porque te conheço já, porque te confio certo, nos olhos de verdade. Só homem grande de Tabanca é que sabia antes, que saímos de Bissau naquele tempo, justo para ingressar na luta do Amílcar Cabral, e agora sabes tu, também.

Sabes que
voltou três vezes a visitar morança, chegando aqui na luz do dia, ficando dentro de casa deitado, puxando eu na cama para brincar, olhando, olhando cansado, fazendo sem vontade este meu filho pequeno que se alimenta do que ganho lavando roupa de soldado.

E tu sabes
que soldado é abusador, sempre querendo meter mão em perna, subir em cueca. Não digo por raiva a eles, aqui nesta terra longe de mulher esposa ou amásia, tudo novo, idade de querer brincar, saudade de outro sol, de outro vento, de caminho velho e de brincadeira com branca no pinhal.

Tu é diferente.
Gosto. Não tens brutidades como outros gajos. Não vieste de mão a mexer em braços, em seios, em catota. Demoraste tempo, tratando-me sempre bem, pagando lavagem melhor que outros, ajudando filho com lata de leite.

Quando vinhas
e trazias que comer na minha morança, ou pano novo, ou remédio que te pedia, eu pensava é hoje que ele quer brincar, açúcar, sal, farinha é paga de cama, como fazem outros, soldados e até alferes e capitão.

E ficava descansada
no princípio, vendo-te apenas olhar meu trabalho, uma luzinha aguada nos olhos, parecia que querias mas afastavas-te de volta ao quartel, sem a ofensa que eu queria que fizesses, deixando dúvida, achando que talvez nem fosses homem inteiro, que não gostasses de mulher.

Comecei a esperar
que chegasses com roupa para lavar ou com ajuda ou mesmo sem nada como vinhas muitas vezes, apenas para partir conversa, para perguntar coisas. Não notícias de marido ou informação da luta, antes outras coisas simples de vida, para dizeres só, bem, vou embora, até amanhã, escondendo teus olhos de água e teu pau gordo dentro de calção fechado.

Ia eu no quartel
e não deixava tua roupa sobre a cama, como outras faziam, sem que viesses recebê-la tu e às vezes inventava uma coisinha como desculpa para ficar contigo um pequeno tempo em quarto, desejando que partisses acanhamento e me empurrasses para dentro de mosquiteiro, sabendo que teus companheiros se iam logo para o bar.

Num dia
disseste, Mominato, ficaste tempinho calado, e avançaste a mão no meu rosto, afagando, pedindo desculpa querendo retirar a mão que eu agarrei logo e não queria que retirasses.

Olhaste-me
por dentro e encostaste teu peito. Olhavas minha cara e sentia-te nervoso mas cheio de vontade de brincar, abraçando-me e deitando meu corpo sobre tua cama, desatando meus panos com pressa e me tendo nua por debaixo.

Passaste
a ser meu homem de verdade todos os dias e quando marido visitou, encontrou-me doente porque pediste a doutor remédio que fingisse eu tomar, querendo não melhorar de doença que não tinha até que partisse de novo na luta armada.

Sabia que irias partir,
deixar este quartel. Ou que poderias ser morto ou ferido que eram outras formas de partires e nessas horas de pensar mal, sentia pernas fracas e desejo de chorar o choro que não via em ti. E ria. Ria por dentro de mim, também como tu no choro, mas ao contrário, do gosto que me davas então e de desejo que não partisses nunca.

E agora tenho
visto que choras sozinho, escondido dos outros e até já te vi olho vermelho que escondes de toda a gente, fazendo-te o que não és, partindo teu sentimento, afogando teu sentir recto de ser gente, nessa tua forma de ser humano como deve ser.

Teu amigo
João morreu de mina na picada de Xamarra e tu não choraste. Vi-te preso por dentro, cheio de raiva, a ira a rebentar e a rebentar-te, a alma atada na fraqueza de remediar coisas, de pôr tudo como antes. Mas não choraste, ou pelo menos não te vi chorar.

E não choraste
por teu amigo Sebas, como lhe chamavas e me disseste ser nome pequeno de Sebastião, morreu de tiro na perna, furinho só, que mal se via e o matou pouco a pouco, helicóptero a querer vir a chão para evacuar e rajadas de PAIGC, quem sabe se de meu homem guerrilheiro, a não deixarem, o Sebas a morrer devagar, em teus braços, sobre tuas pernas, como vela, dizias depois, como vela que arde e se apaga lentamente gastando a cera.

Tenho fé que
choravas de verdade, à noite, sozinho no escuro do quarto, mais que esse choro que te via sem sair. Choravas de verdade porque não pode um homem abrigar só dentro de si, tamanha dor, tão enorme solidão, sem a soltar, manso e só como julgo que fazias, ou bravo e gritando, dando murros no ar e nos tampos de mesas como fazia Vilar, alferes do terceiro.

E também choraste,
eu sei, quando notícia chegou sobre morte de marido de mim, e aí te vi lágrimas querendo rebentar, segurando mãozinhas de Adulai, meu filho, e meu filho agora só de mãe, pequeno e tão perto de mortes já, das mortes tuas de companheiros brancos e de mortes tuas também, de pai de meu filho, de guerrilheiros negros de PAIGC, guerrilheiros da liberdade, como dizias e eu acreditava serem.

Percebi, então
que mundo não era assim pequeno como morança de tabanca, como lavra de mancarra, como estrada de Buba, como caminho de batelão para o Bissau, teu mundo era maior que diferença entre tropa branca e tropa guerrilheira, maior que Lisboa, maior que mar de navio para Lisboa e era isso que te trazia tão de raiva contra mortes de brancos e de pretos, contra os dias abafados, contra as fomes que vias no povo da tabanca, nos pratos pequenos dos soldados, no quartel do Quebo e nas suas mesas de aldeia portuguesa.

Nesse tempo
de alegria triste, muito queria eu abraçar teu corpo branco e preto, deitar tua cabeça em meu colo, consolar tua fraqueza de homem, deixar que entrasses em mim dorido, chorando, me molhasses de lágrimas tuas, e de mim saísses inteiro e novo porque sei, desde que conheço minha vida, que mulher tem esse dom, essa força de terra que germina e pare filho e dá força a homem quando vacila e sofre.

Agora estou aqui,
de cabeça maluca esperando teu chegar em minha casa, de manhã, de tarde, ou eu ir no quartel mesmo sem roupa lavada, só para me tirares panos, deitares comigo, fazer amor, como dizes e eu não sabia o que era mas agora sei porque faço como nunca fiz em Umaru, e penso em ti sempre e tenho medo que vás.

Descobri que
essas palavras de filha de senhora de sentir paixão por homem, de querer um só, de desejo de brincar sempre, não é só de gente branca mas é também de gente negra, de mulher negra com branco ou com negro, também, de homem branco por negra.

Ensinaste-me
querer brincar sem obrigação, só de vontade, de vontade de sentir corpo todo na tremura, de quase morrer cansada e de voltar à vida devagar, devagarinho, recuperar forças e querer mais, de novo, voltar ao desmaio e reanimar, tu comigo, sem querer acabar.

Só acontece
a mulher, bajuda ou grande, se não é fanada em criança, dizes tu, crime grande se faz nessa prática que mata parte de espírito de ser humano, desejo e prazer, e eu acho também, agora, ser verdade por conversa de fonte com mulheres de aldeia.

E mesmo que
branca, muitas, sem fanação, dizes que sofrem dessa falta também por homem ser egoísta e querer só gozo de seu corpo, sem respeitar direito de mulher, gostando só de si próprio e não de esposa ou de amásia, conforme caso.

Não sei que
vai ser de minha vida quando fores. Dizes que estarei um tempo sem homem e como se fosse viúva, agora viúva de verdade sentida, e depois outra gente branca virá e eu serei lavadeira de outro e amásia de vontade se ele for bom pessoal e à força se for besta.

Pode ser
que sim, como dizes agora com essa mágoa que te vejo nos olhos, e se a vejo, fico triste como se fosse hoje o dia de saíres, o dia de chorar muito por não te ver amanhã, ficando eu no choro que eu disse tu tens e não entendo.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9243: Memórias do Chico, menino e moço (32): Havia lavadeiras e... lavadeiras: o caso das minhas duas irmãs (Cherno Baldé)

Vd. último poste da série de 13 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6727: Bibliografia de uma guerra (57): Estranha Noiva de Guerra, de Armor Pires Mota, a publicar em Setembro de 2010 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24825: Casos: a verdade sobre...(35): Op Revistar, programada no ar condicionado de Bissau, uma operação das grandes, destinada ao assalto e ocupação de Salancaura, e que acabou por abortar... (Mário Gaspar, ex-fur mil at inf MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68 / José Brás, ex-fur mil trms, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68),


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) e 7º Pel Art / BAC > O obús 8.8. Foto do álbum do nosso saudoso cap SGE ref  José Neto (1929-2007), na altura o 2º sargento da CART 1613, que chefiava a secretaria.

Foto: © José Neto (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (entrou para a Tabanca Grande em 8/12/2013; tem 135 referências no nosso blogue; por razões de saúde não tem prestado maior colaboração ao blogue nos últimos tempos; alegramo-nos com
o seu reaparecimento).

Data - 4/11/2023 04:39  
Assunto - Operação Revistar  
Caros Camaradas, Luís e Carlos

Capa do livro
de José Brás, "Lugares de passagem",
Lisboa, Chiado, Editora, 2011


Dia 5 deste mês faz precisamente 55 anos que regressou da Guiné a CART 1659. Desembarcámos só na manhã de 6, passando mais de 12 horas ao largo de Lisboa.

Cheguei com muitas dúvidas, tendo a sorte de desvendar todas,  com uma falha: a "Operação Revistar”.

No Blogue não surgiu ninguém que tivesse conhecimento da mesma. Passei horas no Arquivo Histórico-Militar, esclarecendo muitas dúvidas. Sabia que só era possível levar-se a efeito tal Operação, com objectivos tão ambiciosos, direi inclusive estúpidos. Pretendiam esses senhores de gabinete acabar com a guerra, inclusive matar os líderes ('Nino' Vieira) e apanharem toda a documentação confidencial.

Chegara de licença e em Bissau não se falava de outro assunto. (*)

Um Abraço a todos os Camaradas
Mário Vitorino Gaspar

PS - Podem publicar no Blogue. Continuo bastante doente, mas acrescentar a informação de José Brás à minha, a tudo que assisti, deixou-me melhor. Até parece que tenho menos dores.

2. Operação Revistar (não consta do livro da CECA, 2015, relativo à atividade operacional no CTIG, de 1967 a 1970)(**)



José Brás, (ex-fur mil trms, CCAÇ 1622, 
Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68),

Do livro de José Brás “Lugares de Passagem” (texto que me enviou, a mim, Mário Gaspar, o amigo José Brás; conheço-o desde o início dos anos 60; estudei no Colégio Sousa Martins, em Vila Franca de Xira): 

(..) Mas nada disto de que venho a falar-vos tem importância e a importância dou-lha eu no
 engano de vos fazer compreender melhor a encomenda do Santinhos no episódio burlesco que desde o início vos quero relatar. 

Comecemos pelo princípio! Em certo tempo, que como vocês sabem não é o mesmo que em tempo certo… em certo mau tempo, direi, foi programada no ar condicionado de Bissau uma operação das grandes, destinada ao assalto e ocupação de Salancaur (...). Salancaur, imaginem…  

Tal operação envolvia várias Companhias que passaram a noite deitadas pelo chão do acanhado quartel de Medjo e incluía bombardeamentos prévios nos dias precedentes pela aviação, Fiats, T6’s (...), e DO-27 no ar a horas que deveriam ser as do assalto, e bojardas dos tais obuses do Santos a partir de Medjo, tudo antes da planeada entrada da tropa apeada. 

As quatro peças de artilharia foram deslocadas dos seus espaldares para o exterior da paliçada, alinhadas lado a lado e apontadas em paralelo ao objetivo como dedos de deuses vingativos. A regulação do tiro seria feita, e foi, a partir do voo de um DO-27, Major de operações mais que duvidoso a mandar vir, tantos graus à esquerda, alongar o tiro mais cem metros…

Diz-se que o homem põe e Deus dispõe. Dizia Fernando Pessoa que Deus quer, o homem sonha e a obra nasce. Que Deus quisesse tal coisa, quer dizer, o assalto a Salancaur, é duvidoso, ainda que num mundo como este nem em deuses se possa confiar, e esta parte digo eu que tanta desgraça vi naquelas terras. O sonho, neste caso, o sonho seria do mastronço que ocupava a cadeira do poder de Bissau, ou de alguns dos seus bengalinhas querendo mostrar serviço, movendo pioneses coloridos no amplo mapa que ornamentava paredes nas competentes salas do QG (...) e do palácio do Governador. 

Pesadelo se deveria dizer, em vez de sonho, já que sonho é palavra mais adequada a gente que luta e morre por liberdade de sua terra e povos, e por justiça, o que ali, claramente, não era o caso, mas bem o seu contrário. Pesadelo, portanto, também querendo justificar-se a coisa torta e deformada, causadora de sofrimento e dores, talvez mortes a somar a mortes nos dois lados da contenda. 

A operação que deveria ser de um dia, naquela mata quase virgem, avançando nos poucos quilómetros à força de catana para evitar sinais de picada antiga, chegou à antecâmara do destino apenas na terceira madrugada. Sete quilómetros, a bem dizer, se medidos em linha reta, acho que era a leitura dos generais em Bissau. Fomes, sedes, exaustão, desidratação, medos, esfrangalharam corpos e convicções. As evacuações começaram em catadupa, umas de necessidade absolutamente comprovada e outras aproveitadas no ressalto, todas, vi eu, mais que justificadas no limite de cada um, nas caras torcidas de esgar, nos olhos febris. Na frente da tropa que se aprestava para o ataque, havia agora um enorme espaço de bolanha nua e rasa que era necessário passar para chegar ao objetivo.

Ordem para iniciar procedimentos de tiro de obus em Mejdo. Tudo a postos, cada peça com seu apontador e municiador. Em PRC-10 (...) ouvia eu as ordens do DO ao Santinhos, e em wallkie talk, a comunicação entre o Santinhos e o apontador de cada obus, conversa esta, em especial, para a qual peço a vossa inesgotável imaginação, recriando a manhã naquele lugar, quente e húmida, mais abafada ainda pelo stress da espera de meia dúzia de soldados que haviam ficado a garantir a segurança das peças, encarrapitados na bancada da paliçada; o DO esvoaçando e dando indicações, não tão longe dali que não se pudesse enxergar-lhe a evolução a olho nu; a voz do Santinhos nas perguntas ao avião, nas ordens às peças, pastosa, embrulhada na língua, augurando tensões.

− Primeira bateria?

− Pronto,  meu Alferes!

− Segunda bateria?

− Pronto.  meu Alferes!

− Terceira bateria?

− Pronto. meu Alferes!

− Quarta bateria?

− Quarta bateria?!

− Quarta bateria?!!!

− Foooooda-se!

BUUUUUUUUUUUUUUUUUM!!! Quatro buuuns num só, ecoaram inesperados nos meus ouvidos e no susto dos ocupantes do DO que voava em frente, não muito acima da linha de tiro!

− Tirem-me daqui!!!  − esganiçou o Alferes.  − Tirem-me daquiiiii!

Um médico de fora que por ali ficara para a possibilidade de ter de servir na operação, diagnosticou sintomatologia histeriforme e solicitou evacuação para o Alferes. O helicóptero que o veio buscar,  carregou já para Medjo o seu substituto, outro Alferes, açoriano, diferente do Santinhos no talhe físico e na atitude. Para aquele dia nem valia a pena a pressa da substituição. 

Os obuses não teriam mais serventia naquela operação acabada por ordem superior, como superior havia sido a do seu início. Do DO para a tropa na orla da mata a ordem foi de recuar porque do outro lado daquele largo espaço aberto, eram muitos os morteiros, canhões sem recuo, possíveis foguetões terra-terra dissimulados e outros materiais eficazes na função de matar, prontos para bater a bolanha nua e rasa.

Não havia tropas helitransportadas. E que houvesse! A morte de dezenas estaria assim mais que certa, ainda por cima, para nada, segundo concluíram os chefes. Sensatamente, desta vez.

Não morreu ninguém, portanto, do nosso lado, pelo menos.

Só fomes.

Só sedes.

Só medos.

Só pragas.

Só raivas!

E do Santinhos, Alferes e civil, engenheiro brilhante, segundo se dizia, e contestatário, nunca mais ouvi fosse o que fosse, por palavras escritas, ou ditas… ou (des)ditas.


In "Lugares de Passagem" (com a devida vénia...)

Nota do editor: nesta altura devia estar em Mejo o 6º Pel Art / BCAC (8,8 cm). OU o 7º, que depois foi para Guileje.
 



Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas,
CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68)
  

3. Sobre a  “Operação Revistar” ver o texto que publiquei no blogue, Poste P14302 (***).

(...) A CCAÇ 1622 viria a ser a maior vítima da “Operação Revistar”, que tinha por objectivo a Acção ofensiva em diversos acampamentos do PAIGC e o aprisionamento do chefe Nino Vieira. Participaram na “Operação Revistar”, a CCAÇ 1622; CCAÇ 1591; CCAÇ 1624 e CART 1613.

No dia 3 (de dezembro de 1967), teve a Companhia, 3 feridos (um Oficial, um Sargento e um Soldado; 18 evacuados por esgotamento físico e dois por doença).

No dia 6, repete-se a Operação, e para além das Companhias que tinham estado na 1.ª Acção no terreno, foram reforçados com a minha CART 1659 e CCAÇ 1620.

Na História da Unidade da CCAÇ 1620, nem uma linha sobre a “Operação Revistar”, entretanto esteve lá.

Na História da Unidade da CART 1659 consta:

“De 1 a 3 e de 6 e 7 de Dezembro de 1967, feita a Operação Revistar, uma Acção ofensiva na Península de Salancaur, tendo as forças da CART 1659 colaborado numa primeira fase, montando segurança ao aquartelamento de Mejo. Numa segunda fase, participaram da operação juntamente com as forças da CART 1613 e CCAÇ 1591, 1622 e 1624. Os objectivos previstos não foram atingidos devido ao esgotamento físico das nossas tropas”.

Na História da Unidade da CCAÇ 1591, repetem-se as dificuldades que a NT teve ao percorrer matas fechadas, calor intenso o que provocou o agravamento do estado físico das NT. Termina dizendo que a Companhia acusou, notoriamente, as 5 noites ao relento, dormindo no chão e a falta de alimentação capaz, antes de iniciar a Operação.

Na História da Unidade da CCAÇ 1624, repete-se o mesmo, só com mais 15 evacuações (1 Oficial e 1 Sargento), não existindo condições para se concluir a Operação. (...)

(...) Sobre a actividade da Força Aérea nada é focado, mas que a aviação esteve lá não me podem negar. Dias antes já actuava, e em força, bombardeando constantemente a Península de Salancaur.

Em relação aos motivos que levaram que a Operação não fosse concluída, todos falam em desgastes nas NT. Estavam Paraquedistas, Fuzileiros e Comandos do lado contrário da Bolanha? E a aviação?

Uma Grande Operação falhada. Quem foram os culpados?

Estes também foram para mim dias horríveis, 7 dias consecutivos que não esqueço. (,,,)


4. E agora acrescento eu, para se percebeu o meu reencontro como Zé Brás:

No início dos anos 60 um grupo de 9 estudantes do Externato Sousa Martins fundaram o Jornal “Eco Académico”, entre eles estava eu. A Direcção do Externato pensou ser um Jornal tipo “quadro de honra”. Através do Padre, Professor de Moral, conseguiu-se que fosse composto e impresso na Tipografia do Centro de Apoio Social Infantil (CASI).

Conseguimos assinantes e publicidade, após cada um de nós entrar, penso com 50$00.

Começámos por inserir artigos que foram contestados pelo Externato e o CASI deixou de nos apoiar. Falou-se em desistirmos mas continuámos. Foi complicado visto termos de pagar a uma Tipografia.

Entretanto já tínhamos sido convidados para colaborar na Criação da Secção Cultural do União Desportivo Vilafranquense (UDV).

Quem nos coordena é o escritor Alves Redol em reuniões semanais (?).

Já deixara de estudar mas continuei a frequentar esses encontros. Nasci em Sintra e desde os meus 3 anos que vivia em Alhandra – rival nº 1 do União. Os meus Amigos chamaram-me traidor por colaborar com o clube de Vila Franca. Trabalhava mas continuei a frequentar o Restaurante Maioral, local onde anteriormente nos juntávamos diariamente e que continuava por ser o “local de encontro”. Vítor Manuel Caetano Dias, meu primo, é um dos obreiros.

A Secção Cultural nasce, já com o amigo José Brás que a compõe. Outras figuras surgem. O Cineclube do UDV faz história.

A 3 de Maio de 1965 sou obrigado a iniciar o Serviço Militar no RI 5, nas Caldas da Rainha o Curso de Sargentos Milicianos. José Brás encontra-se na mesma unidade. Finda a Recruta vou para Tavira em Agosto, e o Amigo José Brás também.

O meu Comandante de Pelotão é o Alferes de Infantaria Luís Carlos Loureiro Cadete.

Devido a ter sido hospitalizado no Hospital Militar de Évora, perco a Especialidade – Armas Pesadas – e vou de Licença Registada para casa. Em Janeiro mandam-me apresentar na Escola Prática de Artilharia (EPA), em Vendas Novas e termino a Especialidade e sou promovido após ter sido forçado contra vontade a prestar Provas para os Comandos – recusei, tive a sorte de me safar – e após Licença sou colocado no RI 14, Viseu. Monitor em várias Recrutas, com sucesso. Imagine-se. 

Quando penso estar prestes em terminar o Serviço Militar vou, contra vontade, Prestar Provas para os Rangeres. Após concluir todas as provas, foram 9 dias, e uma caminhada de 40 quilómetros, regresso a Viseu, onde integro a Equipa de Natação no Campeonato da Região Militar. Sou o único elemento da equipa a apurar-se para os Campeonatos das Regiões Militares Nacionais. Volto a ter esperança, mas sou destacado para o RAC, em Oeiras. Dai sigo para a Escola Prática de Engenharia, Tancos para frequentar o Curso de Minas e Armadilhas. Acontecem aqui umas histórias curiosas, mas noto ter sido deveras enganado. Preferível ter ido para os Comandos ou Rangeres. Passei o Curso com 14,8 (?), recebi um diploma e fui mobilizado para a Guiné.

Chego a Bissau em Janeiro de 1967 – não desembarcamos na cidade – e seguimos de LDM para o desconhecido. Defronte de Cacine dizem irmos para Gadamael Porto. Visto um Pelotão e uma Secção ter de ir para o Destacamento de Ganturé, toca-me esse destino.

Vários Furriéis Milicianos, Amigos e conhecidos que estavam já destacados na zona falam-me que o meu amigo – já Capitão Cadete – se encontrava em Mejo, entre eles o Amigo José Brás. Sempre que era destacado para Operações nesse aquartelamento, tentava que ele não me visse. Em Dezembro de 1967 dou de caras com o Capitão na falada “Operação Revistar”.

Devido a um Rebentamento, no dia 4 de Julho, quando morrem (dizem) 10 nativos e mais de 20 feridos graves,  vou para Gadamael. Entretanto já tenho o doutoramento de Minas e Armadilhas.

Não li o livro de José Brásm  “Lugares de Passagem”, só por mero acaso há poucos dias, tomei conhecimento. É notório que a Operação é a mesma – uma mancha tremenda na História que se recusam em falar – História da Guerra Colonial.


5. Lisboa > 
Hospital Júlio de Matos >  25 de Setembro de 1998 > Colóquio "Amor em Tempo de Guerra"

Volto a encontrar-me com José Brás, Aqui fica uma resumo,

O Amor em Tempo de Guerra

 por Mário Vitorino Gaspar

No dia 25 de Setembro de 1998 houve um Colóquio com o tema “Amor em Tempo de Guerra – A Guerra Colonial Portuguesa”, no Anfiteatro do Hospital Júlio de Matos. Para além do Psiquiatra Doutor Afonso de Albuquerque e da Psicóloga Clínica Doutora Fani Lopes, esteve presente um convidado surpresa, José Brás, ex-combatente que publicou o livro “Vindimas do Capim”, Prémio Revelação do Ano de 1986,  que começou por afirmar: 

– Na Guerra Colonial não existiram, quanto sei, orgias, como as vistas nos filmes americanos da Guerra do Vietname. (…). Que soldados portugueses eram estes? Alguns fizeram-se homens com as prostitutas das feiras anuais da província. E vão para a guerra. Guiné, onde cumpri o serviço militar, é um território pequeno… mas a solidão era maior. O soldado, na maioria carente de bens materiais, e muitas vezes de sexo, vai para a guerra e sente-se mais livre em combate que no quartel. 

Continua: 
– A masturbação, essa, sim, existia, até pela descoberta do corpo.

O Psiquiatra Doutor Afonso de Albuquerque, que cumpriu o serviço militar como Médico em Moçambique, referiu: 
– A sexualidade em tempo de guerra tem a ver com a experiência havida em tempo de paz. Quando parti para Moçambique chorei … limpei as lágrimas e lancei o lenço ao mar… Chegado à zona onde se instalou a minha Companhia, as prostitutas quando souberam que estavam nas imediações novos militares instalados, surgiram logo. Existia uma mulher branca, por cada dez europeus. Os perigos das relações sexuais com as nativas eram as doenças venéreas. Não havia preservativo, mas bisnagas de sulfamida. Os soldados afirmavam que aquilo tirava a potência. Sucedeu que um número de militares analfabetos, e não só, acabaram por ter experiências sexuais com animais.

Falou-se da homossexualidade existente na Guerra Colonial.

A Psicóloga Clínica Doutora Fani Lopes, disse: 

– Era natural que a namorada ou noiva fosse virgem. Casos houve que antes da partida para a guerra deixava de o ser. Decerto que algum pacto foi feito por mulheres de ex-combatentes, visto esses casamentos durarem ainda hoje.

Mário Vitorino Gaspar, fez notar:

– Importante referir, pela minha experiência, que o amor em tempo de guerra, estava aqui e não no sul da Guiné em 1967/1968. Lá existia guerra e não amor. Em Ganturé, destacamento de Gadamael Porto, o Régulo da zona, o beafada Abibo Injasso, Tenente de 2ª Linha, e elo de ligação entre o Exército Português e os “informadores” – que jogavam com um “pau de dois bicos” – e pago com uma viagem anual a Meca pelo Estado Português, proibia que as mulheres, e principalmente as bajudas (raparigas novas e em princípio virgens) de terem relações sexuais com os militares, sendo castigadas se o fizessem. Quando confrontadas com a tropa para terem relações sexuais, as mulheres ou bajudas recusavam com uma frase: - “Mim cá nega!”

Amor era o amor de pais, família, da noiva ou namorada.

Mas até se fazia sexo por correio – por carta ou aerograma – sexo por escrita, com noiva, namorada ou madrinha de guerra, por vezes até havia masturbação! Os militares na zona onde me encontrava só podiam ter relações sexuais, quando evacuados por ferimentos ou doença para Bissau, onde existiam prostitutas

Muitas vezes ficava imensamente triste por receber tanta correspondência e soldados nem um simples aerograma terem. Estes quando me falavam choravam e queixavam-se que as namoradas andavam com outros, por vezes até familiares, principalmente primos.

O Dr. Santinho Martins completou: 
– Necessário fazermos a distinção entre oficiais, sargentos e praças. É que estes últimos não tinham dinheiro. As prostitutas eram mulheres na decadência, já com uma certa idade.

Foi levantada a questão:
– Até que ponto o amor pode ser uma boa terapia para o Ex-Combatente que sofre de Perturbações do Stress Pós Traumático de Guerra?

A Doutora Fani Lopes, ao terminar afirmou: 
– Um ou outro regressa da guerra e posteriormente isola-se de tudo e de todos. O isolamento consigo próprio é uma situação de risco. A vida não é aquilo que queremos, mas aquilo que ela é!

Discutiu-se o “Amor em Tempo de Guerra – o Sexo em Tempo de Guerra”

NOTA: Este texto foi publicado no Jornal APOIAR, fui um dos seus fundadores e 1º Director.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 3 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24447: Casos: a verdade sobre... (34): A CCAÇ 2792 (Catió e Cabedú, 1970/72), comandada pelo cap inf Augusto José Monteiro Valente (1944-2012), e depois maj gen ref, que embarcou para o CTIG sem três alferes (que terão desertado) e durante a IAO ficou sem o último, por motivos disciplinares...

(**) Fonte: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa (2015).

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7752: Parabéns a você (215): José Brás, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Mejo, 1966/68 (Tertúlia / Editores)



PARABÉNS A VOCÊ

10 DE FEVEREIRO DE 2011



1. No dia do seu aniversário, aqui estão os editores e a restante tertúlia a felicitar o nosso camarada e amigo José Brás. Miguel Pessoa associou-se também à data colaborando com o seu habitual e original postal.

São nossos votos que o nosso aniversariante tenha um longa vida, com qualidade, para continuar a enviar regularmente os seus textos ao Blogue, assim como a publicar os seus livros. Lembremos o seu último, Lugares de Passagem, que parece ser difícil encontrar nas livrarias, mas que o Zé, que tem alguns exemplares, enviará a quem lho pedir.

Aconselhamos os nossos eventuais leitores a lerem os textos do José Brás publicados no nosso blogue. Para aceder, clicar aqui.

Caro José, porque mereces, desejamos o melhor da vida para ti.

Em nome de todos os camaradas e amigos do nosso blogue, deixo-te um fraterno abraço.
Carlos Vinhal


2. Segue-se agora um texto enviado pelo José Brás a propósito do(s) dia(s) do seu aniversário. 
É ele quem faz anos, mas nós é que temos direito a prenda. Falando em prendas, diz-me o Luís Graça que já está aí nas bancas a 2.ª edição do livro de ficção Lugares de Passagem (Lisboa,  Editora Chiado, 2010,  192 pp.,   preço de capa, 15€)...  Duplos parabéns, Zé!...


Dez ou quinze de Fevereiro?


por José Brás

Dez de Fevereiro, no calendário dos santos católicos calha todos os anos a Santa Escolástica, mais conhecida como Santa Scholástica, virgem, nascida em 480 DC, irmã gémea de S. Benedito de Núsia, entre nós, nem sei porquê, também conhecido como S. Bento, fundador da Ordem dos Beneditinos.

Quinze de Fevereiro, continuando a busca na mesma relação de santos e santas, é festejado Santo Amaro ou Santo Maurus, com fama de ter andado sobre as águas para salvar Plácido, companheiro monge caído ao rio e arrastado na corrente quando se abastecia de água.

E vejam vocês como todas as coisas da vida se ligam em malha tão apertada e fora de explicações. Acontece que o irmão gémeo de Santa Escolástica, não foi nem mais nem menos que o educador de Santo Amaro, quer dizer, como o dia dez de Fevereiro se junta ao dia quinze pelos insondáveis caminhos da vida.

Dez ou quinze de Fevereiro de 1967.

Se querem que diga não sei. Sei apenas que foi num, ou no outro dia, de Santa Escolástica ou de Santo Amaro, que apanhei a maior cadela da minha vida e sorte tive eu que o PAIGC tivesse querido atacar Cumbijã nesse dia.

Eu explico, sou obrigado a destrançar isto, porque senão ninguém se entende e nem eu sou capaz de contar direito o que quero contar, isto é, marcar um princípio, um meio e um fim na história a fim de que eu próprio a entenda e, por tabela, talvez também, a entendam os meus amigos.

Se começasse pelo que me lembra melhor, contaria das tremuras bravas que me tomaram e com que comecei a tomar conta de mim, pouco a pouco retomando algum sinal da vida que o Furriel enfermeiro esteve quase a dar como acabada.

A enfermaria da Companhia, em Aldeia Formosa, que me recorde, era uma espécie de corredor, e digo assim por me parecer agora a esta distância dos factos a relatar, estreita e comprida.

Encostada à parede do lado direito de quem entrava, estava sempre montada uma marquesa, e era precisamente sobre ela que eu tremia, acho que de frio e de calor, uma coisa de cada vez e não sei se não as duas ao mesmo tempo.

Mas com isto, estou agora a meio da história sem ter ainda, sequer, esboçado o seu início como é necessário que faça.

Que tremia já vocês sabem, ainda que não saibam de quê.

Também já sabem da bebedeira monumental porque logo a seguir à conversa sobre os santos falei de uma valente cadela. E assim, sabem já que tremuras e cadela são, quase de certeza, efeito e causa, respectivamente e ainda que postos em tempos invertidos.

Agora, será necessário é explicar porque é que aparecem aqui os canonizados personagens e as dúvidas se é a um ou a outro que devo recorrer para fixar o exacto dia da bebedeira e das tremuras.

Acabemos com as voltinhas, então.

Dizem que nasci no dia dez de Fevereiro de 1943, com ajuda da Mulher João Granja, bruxa nas noites das Sextas na mata do Conde, e parteira, enfermeira, curandeira, nos outros dias quando os aldeões precisavam.

Acontece que em Fevereiro, como sabem, caminhos de aldeia, naqueles tempos, eram um lamaçal pegado, difíceis de fazer se a distância à sede da Freguesia se media em quilómetros.

A maior parte dos registos de nascimento não cumpriam o prazo da Lei e havia que recorrer à pequena mentira, atrasando o dia do nascimento na papeleta da cédula.

Foi o que aconteceu comigo, também, nascido de facto a dez e oficialmente a quinze, festejando os aniversários, uns anos a dez e outros a quinze, conforme dava jeito.

E é por isso que estou agora nesta enrascada de querer contar-vos a história e encalhando logo na possível falta de rigor em relação ao tempo exacto dos acontecimentos e ao patrocínio da Santa ou do Santo.

Seja como for, o que interessa mesmo é que era a primeira vez que tinha data de aniversário na Guiné, mais precisamente em Aldeia Formosa, hoje Quebo, 24 primaveras no lombo, já, umas melhores que outras, como toda a gente.

No dia anterior estivera numa molhada que podia ter acabado mal. Gerente do bar e da messe, já com algumas faltas num e noutra e sabendo de carregamento no cais de Buba para receber, o capitão aproveitou a coluna que sairia de Nhala no mesmo propósito e entregou-me dois Unimog e uma Secção reforçada para nos juntarmos.

Em Buba, levámos mais tempo a carregar do que o Pelotão de Nhala que se pôs na alheta e nos deixou sozinhos para fazer de noite a estrada de retorno.

Apesar de ser tempo seco, havia passagens de zonas em que era necessário descarregar e carregar as viaturas porque as rodas acertavam mal nos troncos, utilizar guincho e puxar.

A determinada altura, ia eu com a ponta do cabo agarrada no ombro, rebentam vários tiros na frente, já perto primeira da viatura. A minha arma estava no banco do Unimog e corri para lhe pegar.

Ouvi gritos e percebi que era a nossa malta que, preocupada, saíra de Aldeia Formosa à nossa procura, atravessara Nhala e nos encontrara.

Dormi e, de manhã acordei em festa, ou a pedir festa, quem sabe se apenas a outra parte de mim que reagia porque tinha de ser.

E comecei a beber.

Bebi de manhã, bebi ao almoço, bebi durante a tarde, bebi ao jantar, bebi com a minha Secção, bebi no bar, bebi na messe de sargentos e na de oficiais, bebi, cerveja e vinho e whisky, e conhaque e... o que vinha à boca.

Depois da tagarelice do pós jantar, peguei uma garrafa de Long John e levei p'rá cama.

E foi aí, noite dentro, que a grande contradição do desejo do PAIGC de atacar Colibuia, apareceu como bênção dos céus, vejam bem.

Mensagem urgente de Bissau, codificada, cabo cripto de férias em Santiago do Cacém e a necessidade de acordarem o Furriel de Transmissões para descodificar.

Não havia Furriel na sua cama, mas um corpo, apenas, disseram-me depois, ainda com a garrafa vazia deitada a seu lado como amante dedicada e paciente.

E foi esse corpo vazio de alma, quase, que levaram de charola para a enfermaria e que na enfermaria o Furriel Enfermeiro recuperou para a tremura violenta mas de bom sinal.

Ou era onze ou era dezasseis de Fevereiro, quando o enfermeiro decidiu que estava capaz de recolher ao meu mosquiteiro.

Foi uma semanada de ressaca, o corpo reagindo aos poucos, recuperando incapaz de cheirar álcool e em dificuldades com o prato.

Agora vejam vocês como o mundo é pequeno!

Santa Escolástica e Santo Amaro, gente que viveu de perto e conviveu na sombra dos mosteiros antigos e que se misturam na confusão das datas do meu aniversário.

A vontade do PAIGC de atacar Cumbijã, coisa que não aconteceu mas que originou a mensagem que provavelmente me salvou da morte quando festejava o nascimento.

E imaginem agora vocês que me dava na gana e punha o som dos tiros dos meus camaradas a saírem das armas do PAIGC, num ataque de apanhar gente à mão, coisa que não foi mas podia ter sido, e que se eu escrevesse que foi, os que não sabem que não foi, me admiravam a valentia, e os que sabem que não foi, me chamavam de mentiroso.

Logo no dia do meu aniversário!


Abraços a todos
José Brás
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Notas de CV:

(*) José Brás foi Fur Mil na CCAÇ 1622 que esteve em Aldeia Formosa e Mejo nos anos de 1966/68

Vd. último poste da série de 6 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7730: Parabéns a você (214): José Teixeira, ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381 (Tertúlia e Editores)

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4658: Vindimas e Vindimados (José Brás) (6): Achamos nós que não nos conhecíamos

1. Mensagem de José Brás (*), ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, com data de 6 de Julho de 2009, com um belíssimo texto que se transcreve mais abaixo, integrado na série Vindimas e Vindimados:

Carlos, camarada

Para não perder o ritmo aqui vai mais um texto com mais um abraço. Quer dizer, com muitos abraços, como verás na leitura dele. José Brás


ACHAMOS NÓS QUE NÃO NOS CONHECÍAMOS*

Cego sou
e surdo
porque passas tão perto
e não te vejo
nem oiço
fazendo o teu caminho
no poema de Machado
prolongamento apenas
de ti próprio

Achas tu que não nos conhecemos, que nunca nos encontrámos por aí, em anos perdidos nas baiucas fadistas de Lisboa; nos aviões da TAP a caminho das praias do Brasil em setenta, oitenta, noventa; em cinquenta e tal, alombando sulfates entre cepas velhas, nas colinas de vinha em Alenquer; no Niassa, em Novembro de sessenta e seis, entrando nas escuras águas da Guiné; na pista da Portela, em noventa e três, comendo trolha da polícia de intervenção; nos Invernos do Quebeque, neve, dias de sol nas fachadas da rua Ste. Catherine, Alten Munchen à noite, música bávara, Eisbein e... gajas; nas sessões de jazz do Berkeley College of Music em Bóston; em setenta e cinco, nervos à flor-da-pele, medo a sério maior que nas matas da Guiné, por colar papéis do partido nas saídas do metro, em Nova Yorque, em lugares de passagem de portugueses duas vezes, de madrugada a caminho do trabalho, à noite de volta a Greenwich Village e ao TV diner; Em Vila Franca, em sessenta e poucos, poupando na mesa os sete e quinhentos indispensáveis para ver "A Casa de Bernarda de Alba" pelo Teatro Moderno de Lisboa; no sol das arenas, descoordenado do tempo, abraçando toiros e escutando a voz quente das multidões, nas escadarias do hotel D. João III, em Luanda, no ano da independência, protegendo colegas da TAP, mulheres sem guerras no pelo e a gramarem com ataques do MPLA à Unita, metralhadoras, bazookas, morteiro no terraço; nas noites de farra de desquitadas na discoteca do Intercontinental de S. Conrado; nos cagaços pioneiros do ultraleve.

Que não nos conhecemos, dizes, ou pensas, e até estranhas que misture aqui tão diferentes lugares e tempos, que os amasse como se a vida e o viver não fossem mais que uma página em branco no monitor do portátil onde cada qual possa escarranchar palavras, botar a palavra ao ritmo do que lhe vem à tola, mesmo que nas palavras que amontoa, nada diga sobre a vida, digo, sobre gente, sobre aspirações de cada um, os desejos, as diabruras e virtudes, sempre maiores aquelas do que estas, e que, além disso, passe pelo tempo sem direcção nem sentido cronológicos, hoje ontem e amanhã arbitrariamente amontoados.

E pelos lugares também, na estrada de Buba, segurando nos braços o Marques a apagar-se. A apagar-se lentamente como pavio sem cera que o alimente, a respiração a ir-se, cada vez mais ténue, mais ténue, mais ténue, até se apagar de vez, os olhos abrindo, abrindo, fitando não sei o quê, fitando o nada de onde viera há vinte anos e onde voltava agora, definitivo.

A estrada de Buba em sessenta e sete, antes das vinhas da Cova do Charco, em Alenquer, em cinquenta e oito.

Os teatros "Off Brodway", em setenta e quatro, antes da praça de Touros de Salamanca em setenta.

Afinal, pisaste alguns dos caminhos que eu trilhei; olhaste horizontes que também eu olhei; desejaste mulheres que eu havia desejado já, ou desejei depois; ansiaste metas que também eu sonhei; sob o fogo do inimigo, buscaste abrigo nas mesmas árvores tropicais que me haviam protegido a mim; mergulhaste nas quentes e azuis águas dos trópicos, almoçaste as mesmas salsichas, bebeste a água das bolanhas que eu bebi, quando a falta de água nos deixava ansiosos e de vontade frouxa contra a sede, sofreste as mesmas nuvens de mosquitos entrando nos olhos, na boca, no nariz, passaste o Natal dormindo dois minutos de cada vez, entre um ataque e a espera de outro, como eu dormiste dias e noites ao lado das caixas que guardavam amigos, esperando transporte para Bissau, primeiro, e depois Lisboa, aldeias no Alentejo e nas Beiras, nome de rua.

Então, porque estranhas tu que eu fale como se nos tivéssemos encontrado realmente nestes actos e nestes lugares, e em nós os milhares de amigos que connosco, entre sessenta e três e setenta e quatro se tramaram como nos tramámos nós?

Só porque não esbarrámos de frente, num desses lugares que nomeio, à hora xis do dia ípsilon, do mês tal de milnoveetrocaopasso?

Não bebemos juntos umas Sagres, ou Cuca, ou Budweiser, ou Labatt, ou Brahma Chopp numa esplanada do calçadão, olhando piranha e viadinho?

Não tomámos outro veneno qualquer no mesmo balcão de single bar, em grupo data-hora perfeitamente identificável e coincidente, nos bate-fundo do mundo?

Só porque não concordámos ou não discordámos sobre temas comuns, nas horas vazias de cada um, fosse aonde fosse, afirmando coisas como se as perguntássemos, de tantas dúvidas que nos enchiam, a mim, a ti, a todos, ou quase, apanhados do clima que éramos nos anos que deveriam ser de certezas?

O tempo e o lugar, o grande tema!

O lugar. Os lugares nem sequer nos desviaram do encontro.

Tu dizes.

Talvez! Talvez que tenhamos em comum alguns desses sítios, muitos até, posso dizer, porque além do lugar dos tiros e dos medos, terras, ruas e praças de que falas, não todos, evidentemente, já eu atravessei também, mas em tempos diferentes, no calendário, nos relógios, na posição relativa da Terra e do Sol.

O tempo. O tempo, talvez.

Mas o tempo o que é, de facto?

Olhas para trás, em sentido figurado, está visto, não com o olhar dos olhos, com a capacidade que têm de imitar a câmara fotográfica, apanhando objectos e pessoas, cenas, actos honrados ou vilezas, fixando-lhes a imagem de pernas para o ar na retina, essa espécie de película de longínqua invenção, elo apenas no transporte delas ao sistema nervoso central para identificação e feed back.

Olhas é com a memória que tens das coisas e das gentes, das cenas que representaste antes, num ponto qualquer dessas entidades que dizem ser o tempo e o lugar, as alegrias e tristezas que dizes ter vivido e trazes ao hoje como se as vivesses agora mesmo e não ontem ou há mais de trinta anos.

Retomas o lugar que decidiste ser o teu durante a noite da emboscada, coordenando o silêncio da mata, coordenando as dúvidas dos teus, escondendo as tuas porque quem comanda não pode ter dúvidas.

Retomas os passos na picada, olhos e ouvidos atentos, os nervos crispados por ti e pelos que de ti dependem, cada passo em frente uma vitória.

És tu e podia ser eu, milhares e milhares de eus iguais nas ânsias, no cansaço, na certeza de que, venha o que vier, nada há de melhor que a certeza do futuro.

Não é seguro que as emoções trazidas em cadeia no processo, sejam as mesmas que talvez tivesses sentido então, tal como eu, ou sendo, não tenham a mesma profundeza, o mesmo brilho, a mesma rugosidade.

Mas não interessa aprofundar muito isso, ou corres o risco de mentir-te a ti próprio, afirmando que sim ou que não.

Quem sabe se não é aí, nessa falha, nessa fímbria de descoordenação, que podemos encontrar a essência do tempo e, nesse caso, a mim me parecendo que não vivemos apenas uma vez mas duas, três, muitas, tantas quantas as vezes que voltamos ao vivido, então, continuamos pelos dias regressando à mata, à messe, às noites de espera, ao cheiro a podridão que o sol faz levantar da bolanha, ao primeiro som cavo da explosão da morteirada, às cinco da manhã, ao abraço, sentimento de união que só ali foi possível, e continua sendo, e solidamente real.

E mesmo esse espaço indefinido a que chamam futuro, mesmo esse que, aparentemente não conseguimos divisar, o que é?

Repara.

Nenhum homem é apenas o que é hoje, mas também, hoje, muito do que foi antes e alguma coisa do que vier a ser depois.

E assim sendo, um homem nunca foi apenas o que foi, mas a cada momento do que foi, também o que é, e alguma coisa do que vier a ser.

Um homem não será nunca, apenas o que vier a ser no futuro, mas a cada momento do futuro, também o que é já hoje e o que foi antes.

Quer dizer, então, que o antes, de algum modo, era já o hoje e o futuro.

Quer dizer então e ainda, que o hoje, o antes e o futuro, tempos aparentemente tão definidos e distantes, mas, de facto tão entrelaçados, tão confusamente emaranhados, tão dependentes uns de outros, são apenas partes do todo da vida e tanto poderiam entrar no princípio, como no meio, como no fim dela.

O nosso futuro irá ainda passar muitas vezes pelo Xitole, por Guileje, pelo K3, por Susana, pelo tarrafo, pelos rios, pelo coração de tantos amigos e, quem sabe, mesmo pelos dos inimigos, vivos todos, porque em nós vivem mesmo os que dizem ter morrido.

Como vês, milhões de vezes nos cruzámos já e muitos mais milhões nos iremos encontrar num tempo assim, sem fim nem princípio.

Por exemplo, no Saltinho, cacholando as suas águas claras; no Mato Cão, em Catió comendo ostras, no instintivo mergulho ao chão ao primeiro tiro deles, depois, o coração a retomar o ritmo certo, a segurar os acontecimentos, a segurar-se a si próprio; na padiola improvisada, carregando camarada ferido, se não morto ou caminhando para tal, vencendo o estorvo da mata apertada que fustiga a cara, as mãos, a alma, até a um "porra, caralho, puta que pariu isto!".

Que nem blasfémia é, por vir de dentro, da revolta ingénua e sentida contra o limite; ou em quarto abarracado da Guiné, jogando a lerpa e o abafa, bebendo qualquer coisa que preencha apenas vazios intermitentes no acto de beber.
Soldados fomos e certamente somos ainda, um pouco, tendo sido nesse tempo, também, o que somos hoje, civis.

E teremos ainda tempo, talvez, outras coisas para ser na vida que nos resta, marcados pelo que fomos então, marcados pelo abraço grande e colectivo que daremos sempre, no som da costureirinha e do morteiro, longínquos nos anos, segundo se diz, mas para nós, intemporais.

E achei eu, também, que não nos conhecíamos!
Todos.
José Brás

*Ao Joaquim Mexia Alves,
camarada primeiro a quem
dei troco na Tabanca Grande,
e através dele, aos outros que
estão em nós, aos nós que
estão nos outros



Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > O Joaquim Mexia Alves em agradável conversa com o José Brás... Este último foi Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68... É autor de um premiado romance, de 1986, Vindimas no Capim (Lisboa, Europa-América) (**). Pertenceu aos quadros da TAP. Mora em Montemor-O-Novo.

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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

3 de Julho de 2009 A Guiné 63/74 - P4636: Vindimas e Vindimados (José Brás) (5): Tudo na mesma em Salancaur
e
7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4649: Blogoterapia (114): A Honra da Companhia, os fantasmas de Guileje, os limites da tolerância (José Brás / António Matos)

(**) Informação que foi pedida ao José Brás por um significativo número de amigos e camaradas em Ortigosa, e não só, que querendo adquirir o Vindimas no Capim não conseguem encontrá-lo.

ASS: Aquisição de Livros
Mem Martins, 8 de Julho de 2009

Caro José,

Espero que esteja bem.

Vimos por este meio informá-lo que poderão adquirir o seu livro nas nossas
livrarias Europa-América (Castelo Branco, Estoril, Faro, Lisboa, Parede ou
Porto) e Lyon (Cacém, Castelo Branco, Mafra, Mem Martins ou Queluz) ou
através da nossa sede (219 267 700, e-mail: clubedeleitura@europa-america.pt
ou através do nosso website: http://www.europa-america.pt/ ).

Sempre ao dispor.
Os meus melhores cumprimentos,

Inês Valentim
Relações Públicas

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7493: (Ex)citações (122): Palavras e Balas (José Brás)

1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 23 de Dezembro de 2010:

PALAVRAS E BALAS

As palavras são balas!
Nem sempre pode dizer-se que o são.
Nem sempre se pode dizer que o são.
Nem se pode dizer sempre que o são.
Nem se pode dizer que o são sempre.
Que o são, nem sempre se pode dizer.


Vejam lá vocês as milhentas (milhentas?) formas de, querendo dizer coisa, juntar as palavras, ainda que esmiuçando muito em jeito de investigador da língua, se possa concluir que não é exactamente a mesma coisa que se diz em todas as formas.
Mas também não tem mal, porque lendo à pressa, todos entendemos o que queria dizer quem o disse, mesmo que cada um o entenda de sua maneira própria, desencabada (desencabada?) no humor do momento de quem o que leu ou ouviu, diferente de crente para crente, como sabemos.

Por outro lado, nem as balas são sempre a mesma coisa, ou feitas da mesma coisa, ou sempre com os mesmos propósitos e consequências.

Quando dizemos bala, sobretudo nós que tantas gastámos em matas longínquas, nós que tantas vimos nas noites estrondosas tracejando o ar de lume, logo nos aparece a imagem daquela coisa em forma de supositório, como na anedota do Solnado, feita de aço, de uma liga qualquer que fure, que estraçalhe corpos de gente, de supostos inimigos e, vice-versa, paralelamente, nos busquem do outro lado e no mesmo tipo de comunicação azeda por demais.

Mas bala pode ser feita de borracha, dessas que usam as polícias anti-motim, algumas vezes desejando certamente que o não fossem, mas mais densas e esburacantes (esburacantes?).

E se forem, de borracha, muitas regressarão de ricochete à origem, aleijando os próprios que as dispararam, de verdade ou de imagem. Bala é, também, se for em voz de criança brasileira, coisa doce de chupar, rebuçado como dizemos nós que construímos a palavra em caminhos que não vou agora investigar só para vos parecer culto e instruído.

Mudando de assunto, no mesmo propósito de me explicar, digo "pêgo contra o muro do frescali, descarecendo de gravata". Digo isto e vocês lêem o quê?

Entendem o quê? A grande maioria fica assim, sem entender que coisas são estas de "pêgo", de "frescali", de gravata. E não ponho aspas na gravata porque gravata não precisa de aspas se todos imaginarem que sabem o que é. Podem é imaginar em erro, porque não é dessa coisinha de dependurar ao pescoço de um mânfio para que ao balcão do banco se disfarce de senhor sério, que falo agora.

Gravata é, aqui, outra coisa. Gancho em ferro, arredondado, aí de cinco centímetros de diâmetro na volta, implantado em longo cabo de pau e usado para prender perna de borrego fujão, assim, se lhe pôr mão em cima, coisa difícil em campo aberto.

Frescali não vos digo o que é porque acho que também vocês devem participar, fazer um esforço, descobrir, indagando por aí, tendo já percebido que falo dos sons de palavras ditas por alentejano em sua labuta campina (campina?).

E há ainda uma palavra na construção da fala que qualquer um, mesmo não alentejão, entenderá que não deveria ser usada nela por não ser de uso corriqueiro na comunicação entre abegões, ceifeiras, valadores e outra gente que já não há de verdade, mas que habitam ainda na nossa memória. Refiro a palavra "descarecendo" que, em rigor, não devia colocar aqui querendo trazer à liça fala de transtagano.

Descarecendo é apenas uma imodesta escorregadela de pretenso literato querendo dizer "não precisando" e pondo tudo numa palavra só, e mais cara, tirando efeito da coisa.

Aqui chegados, e querendo acabar isto mais depressa, direi que tudo vem a propósito de palavras que usamos por aí, esquecendo a possibilidade de distorções violentas entre o emissor e o receptor, por serem diferentes os humores de quem diz e de quem ouve, diferentes os momentos e os lugares.

E eu, ainda recentemente disse a palavra "crença", pensando não estar a dizer nada demais, antes ao contrário, a falar de coisa humana, que seja tomada no seu significado maior, fé, religião, ideologia, ou no menor, opinião apenas, tendência simples construída a partir de pequenas diferenças, e tendo com certo que, uma ou outra, são propriedades a que todo o ser humano tem direito logo que sai da barriga da mãe e se põe por aí a gatinhar, desde que nessa sua crença pessoal, não queira proibir as crenças de outros.

Mas se o disse com esse propósito positivo, quem ouviu entendeu o que eu disso pelo seu lado negativo, como sugestão de coisa má ou mesmo de acusação.

E ficou armado um trinta e um danado, excessivo, estranho ao nosso combíbio (combíbio?) amistoso e mesmo impróprio da quadra que atravessamos e da ciática do Luís.

E vocês sabem desta minha tendência para o discurso coloquial, como alguém que não conheço disse, provavelmente sem intenção negativa mas entendido por mim como tal, ainda que de "mestre" nessa forma de comunicação, saiba que nada tenho, sobretudo em comparação com gente como, Mário de Andrade (Macunaima), Guimarães Rosa (Grande Sertão - Veredas), Mia Couto, e mesmo Jorge Amado ou Aquilino.

E por essa qualidade traiçoeira da palavra dita ou escrita; pela possibilidade de males feitos sem intenção, aqui me redimo, reafirmando o que de positivo disse de quem conheço, não muito bem de lidança (lidança?) quotidiana, mas de ouvir a outros aqui na Tabanca, enviando o abraço que queria que fosse o que mandei antes.
José Brás
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Notas do Editor:

(*) Vd. poste de 22 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7490: Agenda Cultural (96): Apresentação do livro Lugares de Passagem, de José Brás, dia 6 de Janeiro de 2010, pelas 18 horas na Biblioteca José Saramago, em Loures

Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7465: (Ex)citações (121): A política dos povos é algo demasiadamente importante para ser entregue a militares (José Belo)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8821: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (14): Soldados não viajam em 1.ª classe

1. Mensagem do nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com data de 22 de Setembro de 2011, com mais uma das suas histórias e memórias:


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (14)

Soldados não viajam em 1.ª

Em Maio de 1966, eu estava de férias de fim de comissão na santa terrinha quando recebi um aviso para me deslocar à Câmara Municipal de Sever do Vouga. Ali entregaram-me uma “guia de transporte” para me deslocar a Tomar no dia 10 de Junho para ser condecorado. A dita guia era extensiva também a dois acompanhantes.

Alguns funcionários da C.M. conheciam-me; e tive de responder a um chorrilho de perguntas insistentes (muitas delas desconexadas) àcerca do “porque sim” e “porque não” de vir a ser condecorado.

Um até me perguntou se eu não tinha morrido na Guiné! Eu já sabia que aquele boato correra na vila e no Colégio de Oliveira de Azemeis lançado, involuntáriamente, por uma moça bem mais nova do que eu e que estudava ainda no colégio que eu frequentara. Ela ouviu citar o meu nome durante um noticiário da Emissora Nacional ou R.T.P.; tratando-se da Guiné, só podia ser por morte (pensou ela); afinal a notícia referia-se ao meu Prémio Governador da Guiné!


Segundo acto

No dia 1 de Junho daquele ano apresentei-me, como previsto, no Colégio Militar, onde havia sido colocado como voluntário. Perguntei na secretaria se podiam trocar a minha guia de marcha por outra válida de Lisboa a Tomar ou se teria de me deslocar a expensas minhas visto que não iria viajar até à minha terra para “aproveitar” aquele título de transporte.

Substituiram-na, mantendo ainda a validade para três pessoas.

Parti de Lisboa no dia 9 à tarde. Entendi que seria um desperdício anormal ter passagem para três pessoas e utilizá-la só para uma, havendo na estação da CP tantos soldados a comprar bilhetes; iam passar o fim de semana à terra.

Perguntei a um soldado qual era o seu destino; ia para Coimbra:
- Se quiseres vais comigo até ao Entroncamento e só pagas o bilhete a partir dali. Aceitou.

Outro ia mesmo para Tomar. Entrámos os três numa carruagem de 1.ª classe ocupando três lugares no mesmo compartimento.


Tudo ia correndo sobre carris; eis que aparece o revisor a pedir os bilhetes; olhou para o título de transporte exibido, olhou para cada um de nós... pensou (não reparei se deitou fumo pelos ouvidos) e falou com ar autoritário:
- Soldados não viajam em 1.ª!

- Estes soldados têm passagem de 1.ª; não vejo motivo para que abandonem esta carruagem.

- Soldados não podem viajar em 1.ª!

- Estes soldados podem viajar em 1.ª e vão continuar nesta carruagem porque têm a passagem correspondente!

- Nenhum soldado pode viajar em 1.ª!

Eu não via maneira de dar a volta ao texto de modo a fazer aquele “pica” tão cumpridor mudar de ideias.

Lancei o meu último trunfo, absolutamente demolidor:
- O senhor sabe que estes rapazes são soldados porque eles estão fardados! Não é verdade? Se o senhor insistir nesse absurdo, eu ordeno-lhes que se dispam e, ficando em cuecas, já não sabe que eles são soldados e deixará de nos atormentar sem motivo; pretende que eu faça isso?!

O homem não respondeu e continuou no seu “fura fura”.

O comboio parou no Entroncamento e eu fui logo chamado à presença do chefe de estação; pretendia saber por que “obriguei” soldados a viajar em 1.ª se a Lei não o permite e por que desobedeci às ordens legítimas do revisor.

Eu respondi:
- O Senhor só sabe do assunto pela rama! Vamos lá ver se nos entendemos! Se um soldado tiver passagem de 1.ª não pode viajar em 1.ª?

- Se a comprar, pode! Mas um soldado não compra esse tipo de passagem!

Mostrei-lhe o título de viagem. O chefe comentou, prazenteiro:
- Ah! Assim podem! O revisor é burro!

- Diga-lhe isso! Nós (já éramos só dois) vamos ocupar os nossos lugares no comboio que está prestes a partir para Tomar; não podemos ficar em terra!

- Vá com calma, senhor alferes! O comboio não parte sem minha autorização! Não tenha pressa e desculpe o incómodo!

Não sei se o chefe deu conhecimento do sucedido ao revisor do comboio para Tomar. O certo, porém, é que não houve mais complicações. O bom do soldado lá foi comigo, gratuitamente, (naqueles tempos o dinheiro era muito caro!) passar dois dias na sua santa terrinha! Eu recebi a minha Cruz... de Guerra que viria a ser “pesada” na minha farda do oficial miliciano.

Setembro de 2011
Belmiro Tavares
Ten Mil Inf
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8619: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (13): O chefe ganhava pouco

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10219: Bibliografia de uma guerra (59): Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial, de Manuel Luís Rodrigues Sousa

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa* (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 27 de Julho de 2012:

Envio para todos os meus contactos o link que suporta o livro que acabei de editar, em situação de pré venda na livraria online de www.sitiodolivro.pt.

Em breve estará à venda quer neste site, quer na livraria "Leya na Barata", na Av. de Roma, nº 11, Lisboa.

Vejam a apresentação do livro. Oportunamente, em breve, enviar-vos-ei uma apresentação mais detalhada do livro em pps.

http://www.sitiodolivro.pt/pt/livro/prece-de-um-combatente/9789892030685/

Cumprimentos
Manuel Sousa

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2. "PRECE DE UM COMBATENTE - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial"

Sinopse

Pela Pátria…

· Fomos arrancados ao convívio dos entes queridos, interrompendo e adiando promissores projectos de vida;

· Vivemos a pungente despedida do zarpar lento de um navio, pejado à proa de lenços brancos a acenar para outros que se agitavam no cais, pairando a incerteza de, um dia, podermos ali voltar;

· Aportámos em terras de África, cujo clima nos causticou a pele e nos tornou pasto fácil para turbilhões de insaciáveis insectos;

· Estreitámos relações com as populações nativas e as suas crianças que, no dia a dia, nos surpreendiam com os seus rituais, a sua cultura;

· Não resistimos à beleza das bajudas, (raparigas) vivendo com elas romances de “amor em tempo de guerra”;

· Calcorreámos trilhos e picadas, ora sob poeira asfixiante e calor intenso, ora sob chuvas tropicais diluvianas;

· Transpusemos linhas de água e pantanosas bolanhas que quase nos submergiam;

· Passámos fome e sede, bebendo, muitas vezes, a água insalubre das bolanhas;

· Fomos acometidos de doenças tropicais;

· Vimos rebentar minas sob viaturas e companheiros de armas, as quais deixavam rasto de destruição e de morte;

· Rastejámos e irrompemos sob o fogo intenso inimigo, debaixo do arrepiante sibilar das balas e dos estilhaços das granadas, ora a atacarmos, ora a defendermos;

· Como toupeiras impregnadas de pó ou de lama, abrigámo-nos do fogo inimigo nas labirínticas trincheiras dos quartéis, defendendo essas nossas posições;

· Vimos companheiros no campo de batalha a agonizar, balbuciando as últimas palavras que guardamos na alma como fiéis depositários;

· Disparámos para não morrermos;

· Pairaram sobre nós vorazes abutres, atraídos pelo sangue que nos jorrava da carne rasgada;

· Honrámos o nome dos companheiros que tombaram em combate, gravando-os de forma indelével em singelos monumentos, autênticas obras d’arte disseminadas no chão colonial africano;

· Sofremos mazelas físicas e psicológicas que nos vão acompanhar durante o resto da vida;

· Tivemos saudades que desfiámos em longas missivas na troca de correspondência com os familiares, namoradas e madrinhas de guerra, além do célebre “adeus até ao meu regresso”, difundido através da Rádio Televisão Portuguesa na quadra natalícia;

· Fomos irreverentes, brigámos, brincámos, rimos, cantámos e chorámos;

· Finalmente chegámos de regresso ao cais onde ternos abraços de saudade nos cingiram, contrastando com o drama daqueles que não tiveram a mesma ventura de abraçar os nossos companheiros, em cujo navio os seus lugares vieram vazios.

· Enfim, com sublime abnegação, tudo isto foi, por ela,

…LUTAR!


Ficha Técnica:

Editora: Edição do Autor
Colecção:
Data de Publicação: 08-2012
Encadernação: Capa mole - 398 páginas
Idioma: Português
ISBN: 9789892030685
Dimensões do livro: 149 x 210 mm
Capa / Paginação: Marco Martins / Paulo Resende
Depósito Legal: 343300/12

(Com a devida vénia a Sítio do Livro)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8310: As Nossas Madrinhas de Guerra (5): Avé-Maria do Soldado (Manuel Sousa)

Vd. último poste da série de 22 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9250: Bibliografia de uma guerra (58): Pequenas partes do Lugares de Passagem aqui juntas com algum sentido (José Brás)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9522: Memória dos lugares (177): Um topónimo com uma grafia (Tabassi) e uma fonia (Tabassai) (José Manuel Matos Dinis)

Localização de Tabassi na Carta de Pirada


1. Esclarecimento do nosso querido amigo e camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), sobre uma dúvida nossa (do Cherno Baldé e dos editores) a respeito do topónimo Tabassi (ou Tabassai) - uma tabanca que fica(va) a sudoeste de Bajocunda, na estrada Pirada-Bajocunda  (*)

Meus Caros Luís e Cherno,


A verdade é que se trata de uma mesma aldeia, situada a meio caminho da estrada que liga Pirada a Bajocunda. Verbalmente sempre ouvi designá-la pela fonia Tabassai, mas nas cartas geográficas normalmente consta Tabassi. A pronúncia Tabassai era usual entre os naturais, e generalizadamente utilizada. Nos meus escritos uso-a indistintamente. (**)

Um abraço para dividirem.
JD

2. Comentário do editor:

E se for erro (tipográfico) da carta ? É possível... O José Manuel Dinis usa Tabassi ou Tabassai. Dois camaradas nossos, e escritores, Manuel Barão da Cunha (em Tempo Africano) e Armor Pires Mota (em Estranha Noiva de Guerra),  que conheceram a região, usam o topónimo Tabassai, de acordo com notas bibliográficas de Beja Santos:


Vd. poste P6847

(.,..) Depois emergimos em Tabassai, na região de Pirada, estamos ainda em 1970. Tabassai fica sensivelmente a meia distância entre Pirada e Bajocunda, pertence ao regulado da Pachana. Voltando atrás, em 1965, é provável que Barão da Cunha rememore acontecimentos que viveu, descreve usos e costumes, temos novos reencontros, há mesmo uma ida ao Morés, temos de novo os comportamentos de heróis anónimos na permanente elegia de Barão da Cunha (...).

Vd. poste P6727

(...) A paixão entre Mariama e Elias desperta. Passa-se pela região de Lala Samba, os jagudis voltam a atacar o finado, arrancam-lhe os olhos, metade de uma orelha, o nariz. Aos tombos, chegam a Cumbijã Sare, lavam o que resta do Perdiz. A trama ganha novos contornos com a chegada de dois guerrilheiros, depois chegam à tabanca de Sambuiá onde um velho, de nome Mamadú Keta, antigo alferes de segunda linha, irá oferecer um cachimbo ao Bravo Elias. Ali se falará do futebolista Eusébio e numa xícara da Vista Alegre. Depois de terem ladeado Tabassai, dá-se o reencontro com a tropa. Mas a via-sacra ainda não terminou, aliás nunca se saberá qual o seu ponto culminante. Segue-se um ataque a Mansabá, uma descrição como nunca encontrei na literatura da guerra colonial: o vigor da encenação, os sons, as imagens de sofrimento, as águas-fortes das correrias e dos rodopios. No durante o ataque os dois jovens guerrilheiros do Morés matam Mariama. O apocalipse prossegue, Bravo Elias consegue olhar com os olhos enxutos todo este mundo devastado em que até o pássaro John pia assustado, era um fio de voz que doía. E assim termina este romance incomparável: “Então, resolvi erguer-me de onde estava, aéreo e pardacento, e, cambaleando muito, fui à procura de John por cima de um mundo de destroços”. (...)

Eis o texto de apresentação, à Tabanca Grande, do próprio José Matos Dinis, enviado por mail de 21/8/2008:

(...) Caro Luís Graça e amigos:

Chamo-me José Dinis, integrei a CCaç 2679 no CTIG, durante os anos de 1970/71, como Fur Mil,companhia que, inicialmente, desempenhou funções de intervenção no Sector Leste, baseada em Piche, onde estava o BART 2857, tendo passado ao regime de quadrícula em Bajocunda, em Agosto/70, substituindo a CART 2438, sendo dependente do COT 1.

Integrei o 2ª. pelotão, que comandei durante cerca de 18 meses, após atransferência compulsiva do meu grande amigo, o Alf Mil Eduardo Guerra. O grupo ficou conhecido por Foxtrot, e ganhou nomeada pela sua grande disponibilidade, entrega e arrojo. Ao nível da companhia, regista o maior número de louvores e o menor número de 'porradas'.

Em Piche fui dinamizador da estação de rádio ali criada, embora com a antena horizontal próxima do telhado de zinco para 'abafar' as emissões,  em virtude da falta de autorização para o efeito. Em Bajocunda criei a jornal Jagudi, que expandia textos de diversos camaradas, bem como, por vezes, transcrevia artigos de orgãos da comunicação social. O jagudi ganhou alguma notoriedade porque era lido pelo João Paulo Dinis no Pifas.

A Zona de Acção do Sector L4 - Piche -, onde fizemos intervenção, apresenta uma superfície plana de cerca de dois mil quilómetros quadrados, com a altitude média de sessenta metros, e uma cobertura vegetal dispersa, por vezes de savana, adensando-se nas proximidades dos rios.Tinha como limites a fronteira com o Senegal, entre os marcos 50 e 58, a norte, o R Corubal, até à Confluência do R Seli, o R Beli, até à confluência  com o R Juba, o R Juba, o R Camidina, o R Cambajã, Cambajã (excl.), Canjamo (excl.),Sinchã Bebe (excl.),o R Délebel, o R Bidigr,o R Nhangurem, o R Chimanar, o R Rapael, o Nácia, o Bial, o R Corri, o R Nungajá, e o marco 63, regiões fronteiras à Guiné-Conakri.

A Zona de Acção de Bajocunda apresenta características idênticas às do Sector L4  e estendia-se de Tabassi a Copã. Nestas regiões não havia instalações IN,  quer de carácter permanente, como provisório. A actividade do IN consubstanciou-se em acções contra a população (para roubar e intimidar), à implantação de engenhos explosivos em estradas e outras vias de acesso a povoações e a flagelações contra aquartelamentos das NT e aldeias em autodefesa. A única emboscada concretizada não vitimizou o pessoal da companhia.

A densidade populacional era elevada, tendo em conta a fertilidade do terreno e o clima relativamente favorável a fixação. Havia representantes de diversas raças: Fulas, em maioria absoluta, Futa-Fulas, Fulas-Forros, Fulas-Pretos, Mandingas, Panjandincas e Bambarancas.

O Fula não aceita outra relegião para além do islamismo. Também era notória a sua preferência pela língua árabe, mesmo deturpada. O português, como língua falada, não era da sua preferência. Os fulas, ardentes propagandistas do islão, propagavam a escolaridade em árabe. A população manifestava-se algo colaborante, mas assumia uma posição neutra em relação ao IN, de maneira a, agradando a uns, não desagradar aos outros.

A nossa missão era a de garantir a segurança nas regiões, através de patrulhamentos de prevenção às infiltrações do IN, assegurar a liberdade de movimentos nos itinerários, montagem de emboscadas, diurnas e noturnas, em supostos lugares de passagem ou penetração do IN, apoios e contactos com as populações, relativamente a acções de indole psicológica ou sanitária.

A actividade do IN surpreendeu-me por alguma passividade e, para isso, tenho a minha interpretação; Em 1969, após o nosso abandono da região do Boé, e como estruturação do IN para o objectivo da independência, alguns dos seus quadros terão rumado aos países que lhes davam formação, pelo que essa mobilização - que não posso garantir, mas parece ter acontecido - reflectiu-se na abrandamento da guerra, que se acentuou a partir dos finais de 1972.

Para esta caracterização apoiei-me na história da companhia. Afinal, uma boa parte das companhias dispersas pelo território do CTIG tiveram funções semelhantes, mas nomeá-las tem a intenção de recordar ou reportar algumas das tarefas do quotidiano, alguma caracterização antropológica, alguma sensibilidade sobre o relacionamento das partes envolvidas. Lanço o repto a outros mais capazes, de divulgarem os conhecimentos que tenham relativamente a estas matérias, com o óbvio fim de ajudar à melhor compreensão de factores endógenos, que influenciaram on desenrolar dos acontecimentos.

Pronto, fiz a minha apresentação, e peço que me considerem como membro da Tabanca Grande. Quero despedir-me com um abraço aos amigos.

Cascais, 2008.08.21
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9353: História da CCAÇ 2679 (46): SEXA COMCHEFE visitou Tabassi (José Manuel Matos Dinis) 

domingo, 8 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8242: Agenda cultural (120): José Brás esteve na Feira do Livro de Lisboa, dia 7 de Maio de 2011 (Miguel Pessoa)

1. Mensagem do nosso camarada Miguel Pessoa (Cor Pilav Ref), com data de 7 de Maio de 2011:

Caros editores
Com base na informação publicada no blogue*, demos uma saltada à Feira do Livro, para um abraço ao nosso camarada José Brás.
Como previsto, lá estava ele no seu posto de combate no pavilhão B19 da Chiado Editora, onde autografava o seu livro mais recente, "Lugares de Passagem".

Depois do abraço da praxe aproveitámos para tirar duas fotos que disponibilizo para o blogue, "para os efeitos achados convenientes".
Numa delas o Zé Brás está com o casal Pessoa, na outra está acompanhado pela representante da Chiado Editora.

Ah, no meio da bagunça ainda divisámos o José Manuel Dinis - mas supomos que ele já não terá tido oportunidade de contactar o Zé Brás.

E pronto, encerra aqui a reportagem do exterior.

Um abraço nosso.
Giselda e Miguel


JOSÉ BRÁS NA FEIRA DO LIVRO DE LISBOA, ONTEM DIA 7 DE MAIO DE 2011


Na Feira do Livro com Miguel Pessoa e Giselda Pessoa, um casal que se juntou numa realidade que poderá dar uma bela "peça" de ficção. Não falo disso aqui porque não tenho autorização mas sempre digo que é da gente que mais me apraz conhecer, pela sua dignidade e pela solidariedade sempre pronta na ponta de uma humanidade também quase ficção nos dias que correm.
(Legenda de José Brás)

Fotos: © Miguel Pessoa (2011). Todos os direitos reservados
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8224: Agenda cultural (119): Sessão de autógrafos de José Brás, autor do romance Lugares de Passagem, dia 7 de Maio de 2011, na Feira do Livro de Lisboa - Stand Chiado Editora