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terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14238: Fotos à procura de... uma legenda (51): Manuel Joaquim dos Prazeres, empresário de cinema e caçador, Cabo Verde (1929/1943) e depois Guiné (1943/73)... Fotos da Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde, com amigos (Lucinda Aranha)





Fotos nº 1 e 1A



Fotos nº 2 e 2A



Fotos nº 3 e 3A




Fotos nº 4 e 4A

Cabo Verde > Ilha de Santiago > Praia > c. 1929/43 > O empresário Manuel Joaquim dos Prazeres com amigos.


Fotos: © Lucinda Aranha (2015). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de Lucinda Aranha (filha do Manuel Joaquim, empresário  e caçador em Cabo Verde (1929/1943) e Guiné (1943/1973), o homem do cinema ambulante; ela está a escrever um livro sobre o pai) (*)


Data: 19 de janeiro de 2015 às 18:47
Assunto: Fotografias da Praia

Caro Carlos,

Este mail dirige-se ao tabanqueiro Luís Graça e não a si mas como já lhe referi, por diversas vezes, sou muito incompetente nestas andanças de Net. Por isso agradeço lhe faça chegar o meu pedido.

Caro Luís.

Li hoje uma sua mensagem em que refere ter estado o seu pai no Mindelo e ter o Luís um particular apreço por Cabo Verde onde tem amigos. Acontece que o livro que eu ando a escrever,conforme já referi no blogue,está praticamente concluído. Só que estou presa por umas fotografias que gostava de inserir no livro mas tenho tido muitas dificuldades em conseguir identificar a maior parte das pessoas.


Sei que foram tiradas entre 1930/40 na cidade da Praia e consigo identificar o meu pai [. foto direita], o mestre Vicente e, penso, o chefe da polícia, o Ramos Pereira. 

O Branco Vicente, mais velho, que vive na Praia,  não os consegue identificar, mandei as fotografias por mail para o Cacá, filho do dr Carlos Almeida, e que vive nos Açores mas em vão.

Tenho esperança que a Lurdinhas, uma filha do sócio do meu pai, consiga identificar os retratados. Só que apesar de ela viver em Lisboa é difícil, por razões diversas que não se prendem com má vontade, conseguir um encontro com ela nos tempos mais próximos. Assim, tomo a liberdade de lhe enviar as fotografias. Pode ser que o milagre aconteça.

Desde já muito obrigada,

Lucinda Aranha



Guiné > s/l > s/d > Manuel Joaquim dos Prazeres, empresário de cinema e caçador, que conhecia a Guiné como poucos

Foto: © Lucinda Aranha (2014). Todos os direitos reservados.


2. Resposta do editor LG:

Lucinda:

Olá. boa, noite. Sim, o meu pai [, Luís Henriques, 1920-2014,]  esteve 26 meses em Cabo Verde, mais exatamente em São Vicente, Mindelo, entre junho de 1941 e setembro de 1943. Era então 1º cabo, e pertencia a uma força expedicionária (c. de 5 mil homens) que guardava aquele ponto estratégico, no Atlântico, por onde passavam os cabos submarimos e os navios que demandavam o hemisfério sul...

Infelizmente, não a posso ajudar, a não ser através das memórias que o meu pai me deixou, dessa época... Ele já não está entre nós. É boa a sua sugestão de se publicar as fotos (, que foram tiradas na Praia e não no Mindelo) e pedir ajuda para as legendar aos nossos camaradas, amigos e leitores de Cabo Verde. Por aí é possível obtermos alguma pista (*).

Há dias fiz uma referência ao seu pai. Ou melhor, o seu pai é referido no filme Bafatá Filme Clube, de Silas Tiny, produção da Real Ficção... O seu pai ia a Bafatá, dava cinema na casa ou no páteo de um comerciante local... Portanto, competia com o Sporting Club de Bafatá que tinha uma sala de cinema... Devem ter corrido com ele... No Sporting estava a elite local... Tem que ver o filme, passou na RTP2, está disponível em DVD (**)...

________________

Notas do editor:

(*) Último poset da série > 30 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14097: Fotos à procura de ... uma legenda (50): Fotos de António Fernandes Abreu, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71 (José Manuel Matos Dinis)

(**) Vd. poste de 5 de janeiro de  2015 >  Guiné 63/74 - P14120: Manuscrito(s) (Luís Graça) (43): Notas à margem do documentário de Silas Tiny, "Bafatá Filme Clube", com direção de fotografia da Marta Pessoa (Portugal e Guiné-Bissau, 2012, 78')

(...) (iii) A talhe de foice, também há uma referência à passagem, por Bafatá, do Manuel Joaquim dos Prazeres, o conhecido empresário de cinema ambulante, pai da nossa leitora e escritora Lucinda Aranha. Chegou a fazer sessões de cinema na casa do comerciantes António Marques da Silva. (..:) 

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14126: (Ex)citações (258): A prosperidade de Bafatá não se deveu tanto ao "patacão da guerra" como ao negócio da mancarra (Cherno Baldé)

1. Comentário do Cherno Baldé ao poste P14120 (*)

Caros amigos,

Provavelmente o factor Guerra e a presenca de 3 ou mais batalhões da tropa metropolitana e local na zona leste terá impulsionado a actividade comercial, mas na verdade Bafatá já era uma cidade com forte dinâmica de crescimento antes desta.

Como disse o Luís Graça, a economia acaba por ser o factor determinante do movimento e/ou assentamento humano. Acho que no caso de Bafatá a indústria do amendoim (mancarra) - produção, descasque e transporte via fluvial - constituíam a força motriz da sua expansão. Não é por acaso que ainda existe a marca de óleo "Fula".

Não tenho estatísticas em mão, mas acho que a contribuição monetária da tropa seria menos importante do que se pode pensar, se atendermos a que a maior parte do dinheiro recebido pela tropa era enviado de volta para casa. (**)

Um abraço amigo,

Cherno Baldé
5 de janeiro de 2015 às 17:52


2. Nota do editor LG:

"Fula" é uma marca de óleo, registada, do Grupo Sovena. "É a marca líder no mercado português de óleos vegetais", e está "presente nos lares portugueses há cinquenta anos,"

(Logo da marca "Fula", à direita,
reproduzido aqui com a devida vénia...).

A marca tem inclusive um sítio próprio na Net: www.fula.pt (, além de uma página no Facebook).

Recorde-se aqui duas figuras que, como empresários, vão ter um grande peso na história  da economia do território guineense na primeira metade do séc. XX: refiro-me, por um lado, ao António Silva Gouveia, representante da colónia da Guiné na Cãmara dos  Deputados (1ª legislatura, 1911-15),  fundador da Casa Gouveia [ou Casa Gouvêa],  que nos primeiros  anos do século passado dominava o comércio local e o mercado das oleaginosas (amendoim e coconote), através de um rede de lojas e agentes que já cobriam o território, a seguir à campanha de pacificação de Teixeira Pinto (1913/15) e implementação, em 1914, de uma administração republicana descentralizada ...

Outra figura, figura à história da economia colonial da Guiné,  é a do industrial Alfredo da Silva, fundador do grupo CUF (, cuja origem remonta a 1865). Em 1919, é criada uma empresa de transportes que vai ser decisiva não só para o futuro da CUF como o da própria economia da Guiné: trata-se da Sociedade Geral de Indústria Comércio e Transportes Lda, conhecida pela sigla SG, e em cujos navios muitos de nós viajámos para a Guiné (o Alfredo da Silva,  o Ana Mafalda, por exemplo;  em 1972 a SG fundiu-se com a Companhia Nacional de Navegação (que já detinha navios como o Índia e o Timor, que também foram navios T/T).

Ainda antes de entrar no ramo dos transportes marítimos, em 1922, a Sociedade Geral (SG) começa a adquirir (ou a fazer parte de) o capital de outras empresas que estão na mira do Alfredo da Silva, importantes para a sua estratégia de expansão do grupo, e nomeadamente no ramo das industrias oleaginosas. Uma dessas empresas é a Casa Gouveia na Guiné;  a António Silva Gouveia, Lda. passa a ser é uma sociedade que tem como sócios o António Silva Gouveia e a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lda.

As oleaginosas da Guiné (amendoim,  coconote, gergelim) passam a ser transformadas em óleos comestíveis nas fábricas da CUF, no  Barreiro, depois de  transportadas para a metrópole através dos barcos da SG. É nessa altura, em finais dos anos 20/princípios dos anos 30,  que nasceu o famoso óleo "Fula",  de há muito presente nas cozinhas portuguesas.

Recorde-se que em 1929 a CUF obtém o reconhecimento alimentar do óleo de amendoim (ou mendubim, como então se dizia). E esta decisão vai ter grande impacto não só na olivicultura nacional  (pressionando o preço do azeite)  como na economia da Guiné, que passa a ser o principal fornecedor de matéria-prima, o amendoim. A CUF detém o monopólio da exportação do amendoim (com casca ou sem casca) da Guiné, até à independência da Guiné-Bissau.

Eis mais alguns números sobre a  "mancarra" ((Knapic, 1964. pp.24/25):

(i) Entre 1930 e 1960 há um aumento gradual da produção e exportação: a. média de 1931-35 foi de 22853 t e 15203 contos; a de 1955-60 de 34196 t e 113438 contos" ;

 (ii) nos anos 60, é o principal produto de exportação da Guiné: representa 76% do total das exportações  (em 1964), percentagem que decresce para 61% em 1965;

(iii) em data que não sabemos precisar, mas no início da década de 1960,  construiu-se a primeira fábrica de extração de óleo para abastecimento local, sendo o resto exportado;

(iv) em 1965, a Guiné já exporta óleo de amendoim: 41 t (631 contos)...

(v) em meados da década de 1960, a área cultivada pelos produtores de mancarra atingia os 100 mil hectares, ou seja, um 1/4 do total da área cultivada da província!,,,.

(vi) a produção rondava as 65 mil toneladas; a produtividade era baixa: 600 kg / ha (2 mil kg /ha em casos excecionais);

(vii) em 1965, uma tonelada de amendoim exportado valia 4,2 contos (cerca de 21 euros na moeda atual) (Vd. Quadro 1).

A cultura da mancarra era feita: (i) em regime de rotação; (ii)  sem seleção de sementes; (iii) sem recurso a adubos ou estrume; (iv) proporcionando fracos rendimentos aos produtores; e (v) exigindo grande esforço nas várias fases do ciclo de produção (sementeira, monda, colheita, protecção contra os babuínos...).

As principais regiões de produção eram as do leste da Guiné (Farim, Bafatá, Gabu) onde os solos são mais leves e a precipitação menor.

No entanto, esta cultura era já considerada na época como muito lesiva do ambiente, pelo uso intensivo dos solos, a redução do pousio, as queimadas... Tradicionalmente os camponeses da região praticavam um sistema de rotação mancarra - cereal - pousio, considerado pouco eficaz. Acrescente-se ainda o sistema de comercialização, penalizando fortemente os produtores. Mas o mesmo se pode dizer hoje da cultura do caju que é uma séria ameaça para a segurança alimentar do povo guineense. (Hoje uma tonelada de caju podem valer ao produtor guineense 400 euros; o que mal dá para comprar 10/12 sacos de 50 kg de arroz, base da alimentação da população).


Ano
Mil toneladas
Mil
contos
Contos por tonelada
1960
24,0
78,8
3,27
1961
40,0
126,3
3,17
1962
38,7
133,3
3,44
1963
36,6
124,7
3,41
1964
34,0
119,2
3,50
1965
15,2
64,3
4,23

Quadro 1 - Exportação do amendoim (1960-1965)
(Knapic, 1966 / adapt por LG)


E já que falamos de segurança alimentar, temos que falar do arroz... Desde 1930 que a Guiné exportava arroz, Embora a quantidade (em toneladas), baixasse com o tempo,  aumentava todavia  o seu   valor (em contos). A média de 1931-35 foi de 3285 t e 1500 contos (0,456 contos por tonelada ) contra 1398 t e 4283 contos no período de 1956-60 (3 contos por tonelada).

Praticamente todo o arroz exportado destinava-se a Cabo Verde, na década de 1960. Com o início da guerra, a Guiné passou a ter de importar arroz (Quadro 2), tal como ainda hoje, infelizmente.

Ano
Contos
Aumento  em relação
a 1962 (%)
1962
8963
-
1963
11786
31,5
1964
29868
332, 4


Quadro 2  - Importação de arroz em contos (1962-1964) 
(Knapic, 1966 / adapt por LG)


Fonte: Adapt. de Dragomir Knapic - Geografia económica de Portugal: Guiné. Lisboa: Instituto Comercial de Lisboa, 1996, 44 pp., policopiado.

Observ - O autor desta brochura, Dragomir Knapic, de origem eslovena, era professor, no Instituto Comercial de Lisboa,  muito estimado pelos seus alunos... Era cunhado do nosso camarada Mário Beja Santos (Foi ele quem ofereceu esta brochura à biblioteca da Tabanca Grande). O livrinho tem informações preciosas sobre a Guiné dos anos 60: (i) condições naturais; (ii) população; (iii) agricultura; (iv) pesca e indústria; e (v) comércio e circulação.

________________

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14120: Manuscrito(s) (Luís Graça) (43): Notas à margem do documentário de Silas Tiny, "Bafatá Filme Clube", com direção de fotografia da Marta Pessoa (Portugal e Guiné-Bissau, 2012, 78')


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 18h02 > O Joaão Graça faz um selfie (quando o selfie ainda não era uma moda viral),  tendo o velho cinema local (, edifício do início dos anos 70) por detrás de si. Comopranado o edifício em 2009 e com as imagens do filme (estreado em 2012), concluo que estará hoje mais bem conservado.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 15h22 > O edifício da antiga Casa Gouveia, hoje Tribunal Regional de Bafatá; o centro do parque onde estava a estátua do antigo governador Oliveira Muzanty, 1º ten da marinha (1906-1909) está agora o busto de Amílcar Cabral; à dierita da foto, fica o mercado e a piscina (agora em ruínas).


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 16h16 > Bomba de combustíveis (já desativada) junto ao tribunal regional de Bafatá


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 16h19 > O João Graça fotografado junto a uma velha bomba de combustível desventrada...



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 15h22 > O edifício da Repartição de Finanças da Região de Bafatá (Direção  Geral das Contribuições e Impostos, Ministério das Finanças).


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 18h02 > 16h27 > A rua principal de Bafatá; do lado direito, o edifício do antigo restaurante A Transmontana onde muitos de nós íamos nos anos 69/71,  matar a malvada... O supremo luxo para um tuga que vinha do mato, para "respirar aqui os ares da civilização", era um bife com ovo a cavalo e batatas fritas, regada com uma "basuca", tudo por 25 pesos...



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 18h02 > 16h26 > O antigo edifício do Restaurante A Transmontana... Será que estas casas "ainda têm dono" ?



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 15h25 > A Dona Vitória no seu estabelecimento. É irmã do falecido Faraha  Heneni, um dos importantes comerciantes libaneses (ou de origem  sírio-libanesa) de Bafatá... Como diz o Toninho, filho da Dona Vitória,  "a gente giosta de Bafatá, apesar de ser um cidade-fantasma. Temos cá as nossas raízes, nascemos cá, os nossos avós estão cá enterrados, bem como os avós dos nossos avós"...


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 15h26 > A imponente Dona Vitória, viúva e mãe do Toninho, o filho mais novo. Não sei com quem a senhoar era casada... Será que era casada como filho do comerciante português António Marques da Silva ?


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 15h13 > O João, fotogarado com a Célia Dinis e o filho, Bruno, no seu estabelecimento (Restaurante Ponto de Encontro). Diz-me agora o Patrício Ribeiro,  em comentário a este poste, que o filho do casal morreu há dois anos: "O filho do Diniz e da Célia, o Bruno, infelizmente faleceu há  aproximadamente 2 anos, por acidente de moto,  o que deixou os pais muito abalados. Continuam a morar em Bafatá, depois de alguns meses passados em Portugal."


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 18h11> O João Graça a telefonar ao pai... A eletricidade e o telefone terão sido levadas para a cidade pelo administrador colonial Guerra Ribeiro, em 1968... Há postos de iluminação pública na cidade mas á noite é a escuridão total... Ou era, na altura em que "Bafatá Filme Clube" foi rodado...



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 17h34 > Fim de tarde, rua de Bafatá, com o rio ao fundo (1): há muito que o alcatrão desapareceu...



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 17h33 >  Fim de tarde, rua de Bafatá, com o rio ao fundo (2): quem vive em cima ("Barro do Rocha") não vai à baixa ("Bairro da Praça") só para ver a água do Rio Gebam, diz o João Diniz no filme...


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 18h24> Pôr do sol sobre o rio Geba e a antiga piscina em ruínas.


Fotos: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: L.G]



1. Notas à margem de um comentário do Valdemar Queiroz (*):

Valdemar, gravei o documentário "Bafatá Filme Clube" que passou na RTP2 no primeiro dia do ano...

Estive a vê-lo hoje, com alguma emoção. Devo acrescentar, às tuas  notas, que se trata de uma co-produção lusoguineense, da Real Ficção e da Telecine Bisssau...

Ver o filme (que é uma longa metragem, de cerca de 80 minutos) é rever Bafatá, embora se correndo o risco de se cair  na tentação de comparar a cidade de hoje  com aquela conhecemos, bonitinha, se não mesmo esplendorosa, entre meados de 1969 e o primeiro trimestre de 1971.  Chamava-se então a "princesa do Geba"...

Devo dizer que não me deixei ir na onda do saudosismo nem do miserabilismo, muito menos do derrotismo… Os países e as cidades são muito o que são a sua economia… E têm,  graças aos seus povos, uma grande capacidade de resiliência e de regeneração...

Claro que Bafatá (, o centro histórico,) é hoje uma cidadezinha "decadente", do interior da Guiné-Bissau, e aonde já não se vai, onde ninguém vai...  Como muitas partes do mundo, a começar pelo interior de Portugal onde há vilas e aldeias históricas completamente despovoadas...

No interior da Guiné, no antigo "chão fula",  Bafatá terá sido destronada por Gabu, mais próxima da fronteira leste e dos mercados dos países francófonos (Senegal e Guiné-Conacri),  Nem o rio Geba Estreito é mais navegável, como no nosso tempo. As principais casas comerciais (Gouveia, Ultramarina, Barbosa, Esteves, Marques Silva, Faraha Heneni, Marques da XSilva,  …) estavam ligadas à economia colonial, e já estavam em decadência com a guerra, tanto quanto me apercebi na altura…

A Bafatá que eu conheci, que tu conheceste, que muitos de nós conhecemos, vivia do “patacão da guerra”… Não escamoteemos esse facto...  Por outro lado, muitos jovens partiram, depois da independência, uns por razões políticas (temendo represálias dos novos senhores no poder, como foi o caso de muitos dos nossos antigos camaradas guineenses) outros procurando oportunidades de trabalho no estrangeiro (Senegal, Guiné-Conacri, Cabo Verde"...) ou na capital, Bissau.

2. O meu filho tinha estado em Bafatá em 15 de dezembro de 2009, como as fotos acima publicadas documentam (e outras já publicadas anteriormente)... Ficou lá uma noite,  e outra noite em Tabató, não sei se conheceu o Canjajá,  conheceu, a Dona Vitória, a família Dinis, os novos e os velhos habitantes da cidade baixa, os poucos que lá viviam e por lá deambuklavam... Percorreu as ruas e tirou fotos nalguns sítios emblemáticos, a pensar no pai: o cinema, a antiga Transmontana, a piscina, o cais, o rio, o mercado... E as fotos, mais as notas que escreveu no seu caderno, deram-me uma ideia precisa da extrema decadência que atingira a cidade, em particular a parte baixa (e histórica) de Bafatá, decadência essa que se acelerou com o fim da guerra e com a  independência…

Notas do caderno de viagem do João Graça, médico e músico à Guiné-Bissau em dezembro de 2009:

15/12/2009, 3ª feira, 11º dia, Bafatá, Tabatô 

(...) Partida [, de Bissau, ] às 10h00 com Antero (motorista) e Ali (funcionário da AD).  Ida ao quartel de Bambadinca, mas os militares recusaram [a entrada] , pela 2ª vez. Campos (bolanhas) de arroz. Ali disse: “África é um cego em cima de um diamante”. Paragem em Bafatá. Encontro com Demba, músico dos Super-Camarimba [, grupo de música tradicional afro-mandinga, com origem em Tabatô, tabanca a 12km de Bafatá; vd. também a sua página na Net]. 

Almoço no restaurante da Célia, portuguesa radicada em Bafatá desde os anos 70. Marido – não me recordo o nome [. Dinis] – esteve na guerra, nos anos 68/70 […]. Agora tem uma escola de condução.  Decadência de Bafatá velha. Sem pessoas, prédios degradados. Telefono ao meu pai: Libanesas (Vitória), piscina, cinema, [Restaurante] Transmontana. 

Passeio de piroga com pescador no Rio Geba.  Encontro com surdo-mudo que nos levou à sua tabanca (são familiares de Tabatô). Moram numa colina do Geba à entrada de Bafatá. Ofereceram-me uma cadeira e em 20 segundos juntaram-se 20 pessoas à volta da morança.  Ida para Tabatô (aguardada), passando antes pela casa do Victor [, cooperante espanhol, que conheci na viagem para Bubaque]. (...) 

Acho que o filme do jovem realizador, sãotomense,  Silas Tiny (que conversou comigo e com o Fernando Gouveia, entre outras pessoas que conheceram a Bafatá colonial, na fase de conceção do filme) não mostra só o lado decadente de Bafatá (e, por extensão, da Guiné). Descortino no filme sinais de esperança, porque acredito que a Guiné-Bissau tem futuro... (E a talhe foice, acrescente-se, como nota positiva, que a Guiné-Bissau fez uma doação, de 75 mil dólares, para as vítimas do vulcão da Ilha do Fogo e, pela primeira vez, Bissau teve fogo de artifício na passagem de ano, em vez de tiros de Kalasnikov para o ar!)...

3. Algumas notas sobre as pessoas que são entrevistadas no filme, e que retirei do seu visionamento (**):

(i) Canjajá [ou Canjanjá, como vem, parece que erradamente,  no genérico do filme ?] Mané, o antigo projecionista do cinema local (, pertença do Sporting Clube de Bafatá) e atual guardião das instalações, é o protagonista do filme… Há cinquenta anos que este homem guarda religiosamente o cinema de Bafatá (, um edifício ainda relatuivamente conservado, construído no início dos anos 70).… Terá hoje 75 anos. Nasceu em Mansoa, por volta de 1940, onde era pescador de “rede grande”… Em 1960, veio para Bafatá e começou a trabalhar no Sporting Clube de Bafatá, primeiro como contínuo e depois como projecionista, até chegar a fazer parte dos corpos gerentes, depois da indpendência… Ainda hoje é recordado pelos espetadores mais novos… Costumava adormecer durante as sessões, sendo preciso acordá-lo, ruidosamente, quando a fita se partia… Mandavam-lhe sacos de água e ovos, recorda o filho da Dona Vitória, o Toninho.

(ii) Muçulmano, praticante, Canjajá é homem de poucas falas. A primeira máquina de projetar era a “carvão” (?)… Depois veio uma “BU4 Bauer”, alemã, elétrica, acrescenta o presidente do Clube, que começou por ter uma pequena sala de cinema… Também havia cinema ao ar livre, antes da construção do cinema novo. A nova sede nasce do aumento da população de Bafatá e da sua nova prosperidade, com a forte presença dos militares durante a guerra colonial… Nessa altura, o Clube chegou a ter 500/600 sócios… Além das sessões de cinema, faziam-se festas e a vida era bela nesse tempo, dizem as senhoras, entrevistadas…

(iii) A talhe de foice, também há uma referência à passagem, por Bafatá, do Manuel Joaquim dos Prazeres, o conhecido empresário de cinema ambulante, pai da nossa leitora e escritora Lucinda Aranha. Chegou a fazer sessões de cinema na casa do comerciantes António Marques da Silva-

(iv) Canjajá também foi, já depois da independência, o encarregado da piscina de Bafatá: recorde-se que tinha o nome do administrador Guerra Ribeiro, e foi inaugurada em 1962. Depois da independência, ter-se-á chamado “Corca Só” (antigo futebolista do Clube Futebol Os Balantas de Mansoa, e comandante do PAIGC) e não “Orca do Sol” (como aparece, por crasso erro, nas legendas, por falta de memórias da guerra colonial da jovem que faz a tradução do crioulo para português (Joacine Katar Moreira)..

(v ) Outro dos entrevistados é o atual presidente do Sporting Clube de Bafatá, já acima referido, que fala, com ternura e candura, das glórias e misérias da vida da associação, incluindo a conquista do campeonato de futebol da Guiné-Bissau, em 1984 . Era então treinador o falecido Demba... E a histórica partida de futebol, disputada em Bissau, teve na assistência o general 'Nino' Vieira... 

(vi) É também entrevistado, em francês (!), o atual treinador do clube (, provavelmente oriundo do Senegal ou da Guiné-Conacri), que ainda sonha com o renascimento da equipa de futebol… Haja parceiros, de preferência vindos de Portugal, subentende-se... De qualquer modo, parece haver uma forte ligação da cidade ao Sporting Clube de Bafatá… Aquando da conquista do campeonato, em 1984, os futebolistas foram recebidos em apoteose…Mas em geral, o clube da terra fica nos primeiros lugares do campeonato...

(vii) As irmãs Danif, libanesas, que vieram de Sonaco, quando pequenas... Um delas para casar. Penso que são as filhas da Dona Rosa… Um dos irmãos foi paraquedista do BCP 12, hoje ten cor ref e amigo de alguns camaradas nossos, como o Humberto Reis. Um destas manas Danif tem filhas em Portugal, que casaram com ex-militares portugueses… (Eran meninas casadoiras no nosso tempo; e casaram no clube, diz a mãe!)... Os pais das irmãs Danif, Said Danif, estiveram esatabelecidos em Sonaco, Bambadinca, Geba...

(viii) Não sei qual é a relação das  manas Danif com a Dona Vitória, também libanesa, que tinha uma filha que morreu, já depois da independência, e depois de regressar de Portugal onde foi em tratamento. Havia, pelo menos, dois comerciantes libaneses, ligados ao Sporting Clube de Bafatá. Um eles era o irmão da Dona Vitória, Faraha Heneni, citado no filme por ela e pelo seu filho Toninho. Outro libanês era o Arif Elawar, que fazia parte da direcção do Sporting Clube de Bafatá (criado em 1937), quando o presidente era então o  administrador Carlos Caetano Costa (que anteceu o Guerra Ribeiro).

(ix) O João Dinis… Um camarada do nosso tempo que ficou em Bafatá, veio casar a Portugal e levou a esposa, Célia, para a Guiné em 1972… É um homem, desencantado, precomente envelhecido, mas ainda a reconhecer que ama África e a terra que escolheu para viver e trabalhar. Quando jovem, vivia melhor em Bafatá do que em Portugal, costumava dizer ele para os seus antigos camaradas de armas... Mas hoje confessa que ainda sonha em acabar os seus dias na sua terra, Portugal… 

O casal, João e Célia Dinis, abriram um negócio na área da restauração e hotelaria, mas hoje a baixa de Bafatá não tem gente, está às moscas…“O movimnento é que faz falta", diz ele... Havia barcos, havia camiões, sempre a carregar e a descarregar, havia correpios de gente na baixa... Agora é o vazio, diz o Toninho, que deve ser homen dos seus cinquentas e tais anos (, era criança  quando das primeiras flagelações do PAIGC a Bafatá, em 1973, de se lembra bem; o pai mandava o Canjajá desligar as luzes do cinema e levar  o Toninho e os primos para casa...).

(x) No filme, o João Dinis fala para a câmara, num verdadeiro monólogo, tentando explicar  as razões por que se foi deixando ficar até hoje...O realizador e o diretor de fotografia não fazem perguntas nem fornecem informação de contextualização: Bafatá é atravessada por uma "câmara muda"; há momentos de antologia como a sequência da partida de futebol, disputada ao longe (no estádio da Rocha) sob um uma nuvem de pó que se poderia confundir com o cacimbo...); ou a cena em que Canjajá, vestido de preto e com ar de asceta, faz as suas orações virado para Meca, enquanto um grupo de mulheres, a um canto da casa, tagarelam e dão continuidade à vida; ou ainda a cena, bem conseguida,  em que um voluntarioso entrevistado se transforma em proativo entrevistador, inquirindo em crioulo, de microfone em punho, a  opinião dos seus conterrâneos sobre o futuro de Batafá... E tem um comentário final otimista: "Bafatá há-de mudar para melhor, se Deus quiser"

(xi) Outro dos entrevistados é o empregado da atual escola de condução, cujo nome não consegui fixar … Era filho de um comerciante (, português ?), foi para a escola de condução por volta de 1995... Deve ser a escola de condução mais "surrealista" do mundo, a avaliar pelo número de carros que circulam por aquelas bandas... A escola pertence também ao portuguiês João Dinis...

(xii) O filme podia ter mostrado a casa onde nasceu Amílcar Cabral (e os filhos da Dona Vitória!), mas não o fez… Vê-se o seu busto, em bronze,  e um cartaz onde se lê “Cabral Ka Muri”… São as únicas referências ao “pai da Pátria”…

(xiii) Bafatá está hoje dividida em duas partes: a parte de cima (“Bairro do Rocha"), populosa, e a parte de baixo, vazia, o "bairro da Praça". onde alguns dos antigos edifícios coloniais que ainda se mantêm de pé foram ocupados pelo tribunal, as finanças, a conservatória, e uma delegação (?) do ministério do comércio… A baixa está vazia, o mercado está vazio, as lojas estão vazias, há muito que deixou de haver cinema, e os entrevistados vivem pateticamente das suas memórias do passado… À Dona Vitória vale-lhe a televisão que  a liga ao mundo... Não há electricidade, algumas casas têm gerador...A população de  cima só vem à baixa para tratar de algum assunto nas finanças ou no tribunal.. Até a paragem dos transportes públicos mudou-se, democraticamente,  para a parte de cima, no "Bairro do Rocha" [ou "da" Rocha, pergunto eu ao Fernando Gouveia, que é o nosso especialista em Bafatá...].

(xiv) Referência ainda para o ourives de Bafatá, o Tcham [ouTchame], filho do célebre ourives de Bafatá do nosso tempo que fez a famosa espada para o gen Spínola, guarnecida a ouro e prata… Em paga ganhou uma viagem a Portugal, para ele e a esposa... 

Tcham[e], o filho, faz referências (elogiosas) aos administradores Costa [Carlos Caetano Costa ] e Guerra Ribeiro (,sendo este o que trouxe a eletricidade e o telefone para a vila e depois cidade, em 1970)… E, claro, aos militares portugueses que eram clientes da oficina do seu pai, onde vinham encomendar joias para levar para as suas amadas na metrópole...




Guiné > Bafatá >  1959 > Foto nº 4: > "A fonte pública de Bafatá, 1948" [ Esta belíssima fonte, na "Mãe de Água", na zona conhecida como "Nova Sintra" de Bafatá, também aparece no filme, mas já muto degradada, bem, como o seu meio envolvente... O nosso especialista, o arquiteto Fernando Gouveia, que esteve em Bafatá como alferes miliciano nos anos de 1968/7o0, descreve esta zona nestes termos, num dos seus postes do roteiro de Bafatá: "A Mãe d'Água ou a 'Sintra de Bafatá', local aprazível e romântico onde se realizavam almoços dançantes para os quais se convidavam os senhores alferes, alguns furriéis e as moças casadoiras".]


Guiné > Bafatá >  1979 > Foto nº 7:> "A família Marques da Silva em Bafatá, em 1979. O rapaz ao centro da foto era o Xico, filho de uma Balanta e do Marques da Silva, ambos já faleceram. Talvez alguns dos nossos camaradas desse tempo ainda se recordem deles."



Guiné > Bafatá >  1958/59  > Foto nº 242: > "Equipa de futebol do Sporting Clube de Bafatá"


Fotos enviadas pelo nosso camarada Leopoldo Correia (ex-fur mil da CART 564, Nhacra, Quinhamel, Binar, Teixeira Pinto, Encheia e Mansoa, 1963/65). Já tinham sido publicadas anteriormente (***). São agora reeditadas.

[Observação do LC:"Fotos de Bafatá, de 1959, tiradas por um familiar ligado ao comércio local (Casa Marques Silva), casado com uma senhora libanesa,  filha do senhor Faraha Heneni",


4. Dito isto, acho que que vale a pena comprar o DVD (7 €):  título "Bafatá Filme Clube"; realizador Silas Tiny; fotografia: Marta Pessoa; produção: Real Ficção (e Telecine Bissau); ano: 2012; duração: 78'.

Não sei se Canjajá e o seu cinema são uma "metáfora de Bafatá" e da própria Guiné.-Bissau (****).... Talvez sim, da Guiné-Bissau e da própria África pós-colonial... É seguramente uma  metáfora das nossas ruínas, materiais e imateriais, as que ficaram do nosso império (*****)...

Mas o mérito do realizador e da equipa é terem ido para Bafatá, despidos de preconceitos etnocêntricos... E trata-se de cinema lusófono!... Por outro lado, o filme faz-me lembrar o "Nuovo Cinema Paradiso", do italiano Giuseppe Tornatore (1988)...  Mas isso daria aso a outras reflexões sobre o cinema enquanto objeto de cinema que não cabem aqui neste blogue e nestes "manuscritos"... (LG)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14115: Memória dos lugares (279): Bafatá, princesa do Geba, parada no tempo: o cinema local e o seu mítico guardião, Canjajá Mané, o casal João e Célia Dinis, Dona Vitória, as irmãs Danif (libanesas), o glorioso Sporting Clube de Bafatá (fundado em 1937 pelos prósperos comerciantes locais, e que chegou a ter 600 sócios), o ourives, o rio, os pescadores, e os demais fantasmas do passado que hoje povoam a terra de Amílcar Cabral... A propósito de "Bafatá Filme Clube" (2012) que acabou de passar na RTP2, no passado dia 1 (Valdemar Queiroz)

(**) Último poste da série > 1 de janeiro de 2015 Guiné 63/74 - P14105: Manuscrito(s) (Luís Graça) (42): Requiem para um paisano... (à memória do meu infortunado camarada Luciano Severo de Almeida)

(***) Vd. poste de 16 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11402: Memória dos lugares (229): Bafatá dos anos cinquenta (Leopoldo Correia)

(****)  Vd. crítica de António Rodrigues > "O movimento é que faz falta" > Rede Angola > 12/12/2014

(...) Mas Canjanjá é apenas a metáfora de Bafatá, segunda cidade da Guiné-Bissau, berço de Amílcar Cabral, entreposto adormecido no centro do país, onde só o tempo e natureza se dão ao luxo de ter futuro. O demais – casas, gentes, ideias – entrega-se resignado à decadência urbana ou à evocação do outrora, quando o cinema era cinema, o Sporting de Bafatá luzia viçoso, o comércio tinha com quem comerciar, os pescadores pescavam e os barcos faziam fila para descarregar no porto fluvial.

Se o projeccionista se limita todos os dias a abrir as portas, vassourar o chão, alimentar fingido o projector, também quase todos os outros personagens fingem gestos habituados a outras décadas, quando havia gente na baixa da cidade que ao perder o mercado, perdeu quase todo o movimento que tinha e o desfiar das casas de comércio – herança do passado colonial – não é roteiro mas rememorar.

Nem sequer é nostalgia, somente o evocar do movimento. “O movimento é que faz falta”, diz a certa altura João Dinis, dono do restaurante e hotel onde nunca se vê ninguém mais do que os seus proprietários. “Se eu chegasse aqui e visse isto, não ficava nem uma hora”, garante, para explicar a razão por que todos partem. Antes já afirmara porque vão ficando aqueles que ficam: “Fomos nos habituando à decadência.” (...)

(...) Silas Tiny, com ajuda da excelentíssima fotografia de Marta Pessoa, filma como se a câmara fosse apenas uma janela para esse mundo que se acaba. Não é o retrato do fim do mundo, só de um mundo, onde o tempo vai fluindo de mansinho, de sol a sol, medido pelas portas e janelas que se abrem e fecham, sem desígnio mais que o acto em si. (...)


(*****) Vd, também poste  de 17 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12595: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (15): O cinema local e a figura lendária do seu guardião, o Canjajá Mané... E, a propósito, relembre-se o documentário, já em DVD, "Bafatá Filme Clube", do realizador Silas Tiny, com fotografia de Marta Pessoa (Lisboa, Real Ficção, 2012, 78')

domingo, 4 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14115: Memória dos lugares (280): Bafatá, princesa do Geba, parada no tempo: o cinema local e o seu mítico guardião, Canjajá Mané, o casal João e Célia Dinis, Dona Vitória, as irmãs Danif (libanesas), o glorioso Sporting Clube de Bafatá (fundado em 1937 pelos prósperos comerciantes locais, e que chegou a ter 600 sócios), o ourives, o rio, os pescadores, e os demais fantasmas do passado que hoje povoam a terra de Amílcar Cabral... A propósito de "Bafatá Filme Clube" (2012) que acabou de passar na RTP2, no passado dia 1 (Valdemar Queiroz)



O documentário, já disponível em DVD, "Bafatá Filme Clube", do realizador Silas Tiny, com fotografia de Marta Pessoa (Lisboa, Real Ficção, 2012, 78',  7 € ) passou na RTP 2, no dia 1 de co corrente.  Tem a participação de, entre outros habitantes,  de Canjajá Mané ( o mítico guardião do cinema local) (*), Dona Vitória (libanesa), casal João e Célia Dinis, Humbargo Tcham (o ourives, filho do célebre ourives de Bafatá, do nosos tempo),  as irmãs Danif (libanesas), o Pombo, o presidente do Sporting Clube de Bafatá, o Toni e o Toninho...  Recorde-se que o João M. Dinis, casado com a Célia,  foi um militar português que ficou em Bafatá e abriu um negócio na área da restauração e hotelaria.  Entre as pessoas e entidades, a quem são endereçados agradecimentos está o nosso blogue, na pessoa do seu editor, Luís Graça e do nosso camarada Fernando Gouveia. (LG)


1. Comentário de Valdemar Queiroz  [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70] ao poste P14114 (**)

Obrigado, Hélder, pelo poema. Vamos ver o mar... e, como numa maré, isto tem que mudar.
Passei hoje, toda a tarde a comunicar (via telemóvel) com os meus camaradas, da CART 11, o ex-fur mil Aurélio Duarte e ex-allf mil Pina Cabral sobre o "Bafatá Filme Clube"  (RPT2), e a repetição "Portugueses pelo Mundo-Bissau" (RTP1), vistos esta semana na RTP. 

Grande documentário , "Bafatá Filme Clube". Extraordinário documento que explica o fenómeno do "atrofiamento/desaparecimento" da bela, da bonita, da esplendorosa Bafatá.

O filme "Bafatá Filme Clube" é de 2012, mais parece um fantasma para todos nós que passamos por lá.  Bafatá,  uma cidade cheia de casas comerciais, grande movimento nas ruas, com piscina e que toda a gente tinha que andar calçada, se não pagava a multa de comprar uns chinelos de dedo. 

Inesquecível Bafatá onde  a rapaziada de Nova Lamego e Piche vinha gozar férias e aproveitava para tirar a carta de condução (era difícil o ponto de embraiagem naquela subida).

Fui a Bafatá vária vezes, mas recordo-me uma vez que a rapaziada veio comer comida da metrópole a Bafatá. Chegamos a meio da manhã e fomos directos à piscina, em camuflado, poeirento, suados, estafados, vindos de Contuboel. Houve uma certa resistência para nos deixarem entrar daquela maneira na piscina. Nós dissemos que não podíamos abandonar as nossas armas, ou entravamos assim e depois despíamo-nos. Não, tínhamos que despir os camuflados, deixar as armas e só depois entrar. 

Depois foi uma entrada à lisboeta, "olá,  tá bom" e entramos todos ao empurrão, depois tiramos o camuflado, a arrumamos as G3 e mergulhamos na refrescante piscina de Bafatá. Depois, foi visitar as lojas das libanesas, das bonitas libanesas, beber umas "bejecas" e vir até cá cima ao restaurante comer frango da metrópole.

E, partir para Contuboel a olhar lá para baixo para ver a bonita Bafatá. Inesquecível. (***)

Um abraço,
Valdemar Silva
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Notas do editor:

(*) Vd, poste de 17 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12595: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (15): O cinema local e a figura lendária do seu guardião, o Canjajá Mané... E, a propósito, relembre-se o documentário, já em DVD, "Bafatá Filme Clube", do realizador Silas Tiny, com fotografia de Marta Pessoa (Lisboa, Real Ficção, 2012, 78')

(...) Vd. Também aqui o sítio da produtora Real Ficção > O filme está agora disponível em DVD [, à venda na FNAC, por exemplo]

Sinopse > "Em Bafatá na Guiné-Bissau, Canjajá Mané, antigo operador de cinema e guarda do clube da cidade, repete os mesmos gestos há cinquenta anos. Mas actualmente o cinema está fechado e não existem espectadores. Dos seus tempos como trabalhador do clube até aos nossos dias, restam apenas recordações. Na cidade, somente as pedras, árvores e o rio resistiram à erosão do tempo. E com eles, algumas pessoas, que ficaram para perpetuar na memória do mundo e dos homens, que ali já viveu gente. São essas pessoas por quem Canjajá procura e espera pacientemente até hoje". (...)
(**) Vd. poste de 3 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14114: Sob o poilão sagrado e fraterno da nossa Tabanca Grande: boas festas 2014/15 (10): António Pinto, Leão Varela, Hélder Sousa

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12625: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (16): Foto aérea, nº 4 (Humberto Reis)


Foto nº 4


Foto nº 4 A


Foto nº 4 B


Foto nº 4 C


Foto nº 4 D

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bafatá > c. 1969/71 > Foto nº 4 > Vista aérea, do álbum do fur mil op esp Humberto Reis, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71). Foto tirada de helicóptero.

Foto: © Humberto Reis (2006).Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


Humberto Reis
Foto aérea nº 4 (Humberto Reis, foto  à esquerda, Pombal,  2007) > Legendas de Fernando Gouveia

1 – Tabanca da Ponte Nova.

2 – Parte colonial da cidade.

3 – Rio Geba

Fernando Gouveia
4 – Rio Colufe [, afluente do Rio Geba]

5 – Tabanca do Nema.

6 – Casas ao longo da estrada para Bambadinca [a sudoeste].

7 – Parte da Tabanca da Rocha.

8 – Igreja.

1. Continuação da publicação do "roteiro de Bafatá", organizado pelo 
Fernando Gouveia[, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; autor do romance autor do romance Na Kontra Ka Kontra, Porto, edição de autor, 2011; arquiteto, residente no Porto].
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Nota do editor:

Últimos dois postes da série >

14 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12585: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (14): Foto aérea, nº 3 (Humberto Reis)

17 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12595: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (15): O cinema local e a figura lendária do seu guardião, o Canjajá Mané... E, a propósito, relembre-se o documentário, já em DVD, "Bafatá Filme Clube", do realizador Silas Tiny, com fotografia de Marta Pessoa (Lisboa, Real Ficção, 2012, 78')

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12595: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (15): O cinema local e a figura lendária do seu guardião, o Canjajá Mané... E, a propósito, relembre-se o documentário, já em DVD, "Bafatá Filme Clube", do realizador Silas Tiny, com fotografia de Marta Pessoa (Lisboa, Real Ficção, 2012, 78')


Foto nº 1 


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5



Foto nº 6



Foto 7

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 2010 > O regresso do Fernando Gouveia, 40 anos depois... O nosso blogue e sobretudo o Fernando Gouveia acabaram por estar também na origiem de um filme, estreado em 2013, do realizador português, de origem s


Fotos (e legendas): © Fernando Gouveia (2014).Todos os direitos reservados


1. Continuação da publicação do  "roteiro de Bafatá", organizado pelo  Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf,  Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70;
autor do romance Na Kontra Ka Kontra, Porto, edição de autor, 2011; arquiteto, residente no Porto]

[Fernando Gouveia, foto atual à direita]

Mensagem do Fernando Gouveia:

 Data: 17 de Janeiro de 2014 às 02:09

Assunto: Cinema de Bafata

 Luís:

Como há dias, a propósito do Cinema de Bafata (*), referiste com uma certa imprecisão a existência de um homem que toma conta do edifício, mando-te algumas fotos que esclarecem melhor esse assunto. Assim, quando fui lá em 2010 estive com o tal homem, chamado Canjajá [Mané] que, sem receber nada, guarda o cinema. Em tempos foi o operador da máquina de projecção. Também lá me disseram que ainda hoje ele limpa regularmente a máquina apesar de já não funcionar. (**)

Legendas das fotos:

1 – Vista do edifício em 2010.
2 – Átrio de entrada.
3 – Corredor lateral.
4 – Sala de espectáculos e palco.
5 – Sala de espectáculos e balcão.
6 – Canjajá.
7 – Canjajá admirando o meu cartão de sócio do Sport Club de Bafata, à porta da sede do PAIGC, edifício que penso ter sido a casa de um tal Camilo que costumava dar umas jantaradas a todos os oficiais.

Ab
Fernando Gouveia
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Notas do editor:

 (*) Vd. poste de 14 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12585: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (14): Foto aérea, nº 3 (Humberto Reis)


(**) Sobre esta figura, Canjajá Mané e a sua história, há um filme documental, Bafatá Filme Clube, do realizador português, Silas Tiny [Lisboa, Real Ficção, 2012, 78' ( fotografama à direita), reproduzido com a devdia vénia]...  Já aqui foi notícia, há meio ano atrás, em poste do Fernando Gouveia (***)

Também, foi referido pela página do Facebook, de uma jornalista portuguesa que vive na Alemangha, "com um pé em África e outro no Brasil... Tomo a liberdade de reproduzir um poste de 8 de abril passado, com a devida vénia:

 Domadora de Camaleões  > 8 de Abril de 2013 às 11:50 ·


A história do projecionista que tomou conta do cinema de Bafatá, na Guiné-Bissau, mesmo quando já não havia espectadores, foi filmada pelo realizador são-tomense Silas e vai ser exibida hoje, em Lisboa, no cinema São Jorge às 15.30.

Integrado na maratona de documentários do FESTin, festival de cinema da língua portuguesa, que decorre até quarta-feira, no Cinema S. Jorge, "Bafatá Filme Clube" conta a história de Canjajá Mané.

O realizador Silas Tiny, nascido em São Tomé, mas que vive em Portugal desde os cinco anos, contou à agência Lusa que tropeçou por "sorte" e "acaso" na história do antigo projecionista de cinema.

"A pessoa cativou-me", justificou, recordando a beleza de traços coloniais da cidade guineense de Bafatá, apesar das "atuais condições".

Canjajá Mané trabalhava como projecionista em Bafatá "desde a altura dos portugueses" e "ficou tempos a cuidar" do cinema local, quando já nem espectadores havia, até ter "que se ir embora, porque não tinha condições para estar lá, porque ninguém lhe pagava", relatou Silas Tiny.

Não há atualmente nenhum cinema a funcionar na Guiné-Bissau, onde os cortes de eletricidade são recorrentes.

Canjajá Mané - que esteve no cinema de Bafatá "anos e anos sem receber qualquer salário" - ainda não viu o filme, "infelizmente", mas Silas Tiny e a produtora portuguesa Real Ficção estão "a fazer tudo" para que isso aconteça.

Apesar de "as condições na Guiné-Bissau" não serem "muito boas neste momento", estão a avaliar a possibilidade de "fazer uma projeção do filme".

Vd. Também aqui o sítio da produtora Real Ficção > O filme está agora disponível em DVD [, à venda na FNAC, por exemplo].ao,

Sinopse >  "Em Bafatá na Guiné-Bissau, Canjajá Mané, antigo operador de cinema e guarda do clube da cidade, repete os mesmos gestos há cinquenta anos. Mas actualmente o cinema está fechado e não existem espectadores. Dos seus tempos como trabalhador do clube até aos nossos dias, restam apenas recordações. Na cidade, somente as pedras, árvores e o rio resistiram à erosão do tempo. E com eles, algumas pessoas, que ficaram para perpetuar na memória do mundo e dos homens, que ali já viveu gente. São essas pessoas por quem Canjajá procura e espera pacientemente até hoje".