quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2084: Guileje: Simpósio Internacional (1-7 de Março de 2008) (1): Uma iniciativa a que se associa, com orgulho, o nosso blogue

Lisboa, Campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa > 6 de Setembro de 2007 > Da esquerda para a direita, Nuno Rubim, Carlos Scharwz (Pepito) e Luís Graça. Para o Pepito, o nosso blogue fez a confluência de pessoas, memórias, sentimentos, ideias e afectos, tornando possível a realização, em Março de 2008, do Simpósio Internacional "A memória de Guiledje e a Luta de Libertação Nacional da Guiné-Bissau".

Dentro em breve será lançado uma página, na Net, sobre este simpósio, cujas despesas de organização serão parcialmente cobertas (em cerca de 40%) por uma doação do Governo Português. Na sua estadia em Lisboa, o Pepito teve um encontro com o Ministro do Defesa Nacional, Nuno Severiano Teixeira. O encontro irá reunir antigos combatentes da guerra colonial / guerra libertação da Guiné-Bissau (portugueses, guineenses, caboverdianos e cubanos), além de historiadores e outros especialistas oriundos de Portugal, Guiné, Cabo Verde, Cuba e Espanha. Iremos, muito proximamente, apresentar no nosso blogue o programa preliminar do Simpósio. (LG)

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Texto da responsabilidade da AD - Acção para o Desenvolvimento, a ONG guineense, fundada e dirigida pelo nosso amigo Pepito.


SIMPÓSIO INTERNACIONAL > “A Memória de Guiledje e a Luta de Libertação Nacional da Guiné-Bissau”


Entidades promotoras > AD, Universidade Colinas de Boé e INEP


Data de realização > 1 – 7 de Março de 2008

Local > Bissau, Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau


1. INTRODUÇÃO


O quartel de Guiledje é construído em 1964 no sul da Guiné-Bissau, na actual região de Tombali, a uma dezena de quilómetros da fronteira norte da Guiné-Conakry, ocupando o centro de um dispositivo que compreendia Bedanda, Gadamael, Cacine e Aldeia Formosa (Quebo).

A luta armada pela independência da Guiné-Bissau tem início em 1963 com o ataque ao quartel de Tite, rapidamente se alargando a todo o território, em particular ao sul do país. É assim que é no perímetro de Cantanhez (Guiledje fica na sua periferia) que vão surgir as primeiras zonas libertadas e começar a construir a identidade guineense, a partir de uma grande diversidade de grupos étnicos (nalús, sôssos, balantas, djacancas, fulas, tandas e outros), assente em formas organizadas de gestão política, administrativa, social e económica dos espaços livres e das comunidades locais que nelas vivem e que participam activamente no processo de criação de uma vida nova.

Para Amílcar Cabral, em 1972, o quartel de Guiledje era o mais bem fortificado da frente Sul, com bunkers de betão armado e cercado por uma mata densa e armadilhada.

Por isso, em Agosto ou Setembro desse ano, Cabral, num momento de muita tensão no seio do PAIGC em Conakry, confia a Osvaldo Lopes da Silva a tarefa de preparar as condições para um ataque em força ao quartel de Guiledje, afirmando: “Se este quartel cai, tudo à volta também cai”.

É após o assassinato de Cabral em Conakry, em Janeiro de 1973, que é posta em acção a Operação Amílcar Cabral, cuja preparação dura cerca de 3 meses, tendo-se iniciado o ataque a 18 de Maio e, passados 4 dias, depois de baixas no quartel e da mensagem enviada pelo Capitão Quintas [, comandante da CCAV 8350,] a Spínola afirmando “estamos cercados por todos os lados”, e na eminência do assalto final e do morticínio que se adivinhava, o seu Comandante, Major Alexandre Coutinho e Lima, decide ordenar a retirada do quartel de todos os militares e de cerca de 600 civis guineenses que lá se encontravam. Guiledje passava à história como o único quartel português abandonado pelas tropas coloniais.

Era dia 22 de Maio de 1973.

Quatro meses depois, a 24 de Setembro de 1973, reunia-se em Boé a primeira Assembleia Nacional Popular que declarava a existência de um Estado Soberano, a Republica da Guiné-Bissau, rapidamente reconhecido por grande número de países da comunidade internacional.

Menos de um ano depois, os militares portugueses, cientes do princípio do fim do império colonial, punham em marcha a revolução dos cravos e acabavam com uma ditadura de 48 anos, juntando Portugal à Guiné-Bissau como países livres.

Era dia 25 de Abril de 1974.

Porque, trinta anos depois, foram “estabelecidas as pontes emocionais entre aqueles que, em lados opostos da barricada, viveram com todo o seu ser, momentos de sangue, de sofrimento e de destruição, e que, hoje, se dão as mãos na construção de um mundo feito de compreensão, amizade e respeito mútuo, a história comum pode ser escrita, com objectividade, como legado às gerações vindouras” (

Porque é preciso explicar a História de forma interessante e compreensível é que surgiu a “Iniciativa Guiledje”.


2. Historial e Pertinência


Guiledje encontra-se integrada na Zona de Cantanhez, localizada no sul da Guiné-Bissau e é constituída em termos de formações vegetais pelo mangal, savanas herbáceas, arbóreas e palmar, onde existe o Maciço Florestal de Cantanhez, classificado como floresta densa seca com claros vestígios de mata primária. É integrada pelos estuários dos rios Cacine e Cumbidjan.

Desde 1991 que a ONG AD (Acção para o Desenvolvimento) através do PIC (Programa Integrado de Cubucaré) intervém nesta região, procurando um envolvimento consensual de todos os actores locais, comunidades, associações, poder tradicional e serviços públicos na discussão de alternativas ambientais, no quadro de uma gestão durável dos recursos naturais. Mobilizando os recursos humanos locais, populações, agricultores lideres, técnicos e políticos, valorizando os seus conhecimentos e promovendo uma maior responsabilização das comunidades de base na condução dos programas de desenvolvimento, procurando aplicar um conceito positivo de utilizar bem os recursos naturais, em vez de preservar não-utilizando, procurando a melhoria dos sistemas de produção tradicionais diminuindo a pressão sobre as florestas e levando os agricultores a apropriarem-se dos processos de gestão do espaço rural, na base de uma dinâmica de confrontação de posições e interesses contraditórios.

Esta abordagem metodológica visa igualmente conhecer melhor para gerir melhor, compreendendo o funcionamento global do ecossistema, dos equilíbrios naturais, da valorização dos recursos naturais, da identificação de zonas segundo vocações diferenciadas e criando mecanismos legislativos que assegurem por um lado uma melhor gestão, definindo competências que permitam articular a gestão dos recursos marinhos com a salvaguarda da Floresta de Cantanhez e, por outro, reforçar a capacidade organizativa, produtiva e decisória dos agricultores e pescadores locais, mormente pela via de uma educação ambiental em prol do desenvolvimento sustentável, portanto, contrários à adopção de práticas humanas nocivas susceptíveis de provocar a degradação dos recursos marinhos, das formações vegetais e da fauna selvagem, visando melhorar o nível de vida das populações, como forma de garantir o acesso à segurança alimentar, à saúde e ao ensino, especialmente das mulheres e crianças.


3. Uma abordagem histórica na perspectiva do desenvolvimento sustentável


No entanto, constituindo-se as povoações da zona um conjunto de diversas localidades a que se convencionou chamar de Corredor de Guiledje – justamente porque constituem, na sua diversidade, um prolongamento e uma herança histórico-cultural comum, gravitando as mesmas em volta de Guiledje (centro de articulação fundamental), concorrendo para isso, entre outras explicações possíveis, a importância de Guiledje no processo da luta de libertação nacional e, em razão disso, a relevância que assumiu depois da independência relativamente às tabancas ou povoações circunvizinhas que gravitam à sua volta.

É dessa realidade de que rapidamente dá conta a Direcção da AD, não somente pelas diversas formas como a vida das populações desta zona se entrecruzam com a sua importância histórica da luta de libertação em que foram actores e participantes activos, mas sobretudo pela forma como essa rica herança histórica interpela constantemente a vida das populações da área, apontando para a necessidade de melhor conhecer esse passado que comunica com o presente, mas também com o qual o presente dialoga, numa relação ambivalente de sentidos e significados que importa clarificar pela via do conhecimento da História reconciliada ou em vias de reconciliação consigo própria, em suma, uma perspectiva de conhecimento histórico despida de reminiscências colonial-traumáticas, portanto, capaz de integrar as heranças históricas da colonização e da libertação num quadro referencial patrimonial e cultural mais vasto, tanto mais que, uns e outros, os protagonistas dessa guerra colonial/de libertação, independentemente do lado da barricada em que se encontravam no passado, vivem hoje lado a lado, partilhando dificuldades, desafios e expectativas comuns relativamente ao desenvolvimento, o que de per si é demonstrativo de que o corredor de Guiledje, numa perspectiva dinâmica, é um espaço onde se entrecruzam olhares sobre o Outro e sobre a própria identidade, processo esse em que se vislumbram também significações com múltiplas variáveis e valências, reportando-se a necessidade de um maior conhecimento desse sujeito histórico, atendendo-se sobretudo ao facto de a Guiné-Bissau encontrar-se perante um dos maiores desafios que se lhe depara, que é o de preservar e reforçar a sua identidade enquanto Nação, consciente de que o conhecimento e a compreensão da sua História e, em especial, a da gesta de libertação nacional, é determinante para uma maior identificação colectiva à volta de valores comuns e para a procura e construção de um desafio histórico futuro em que todos se revejam e para o qual se mobilizem.


4. Objectivos do Simpósio Internacional sobre Guiledje


Basicamente, são as seguintes grandes linhas de força que circunscrevem os objectivos do Simpósio Internacional sobre Guiledje:

(i) Associar à metodologia de participação comunitária uma nova perspectiva de abordagem baseada no estudo e promoção do ensino da história, por forma a que, nos esforços de desenvolvimento, sejam devidamente enquadradas e capitalizadas as heranças e valências culturais portadoras de dinâmicas de coesão que, por isso, se afiguram necessários conhecer, compreender e promover, tanto mais que é absolutamente indispensável um maior esforço na procura e identificação colectiva dos valores comuns tendentes à construção de um desafio histórico futuro em que todos se revejam e para o qual se mobilizem;

(ii) A transmissão da História, atendendo sobretudo ao facto de as testemunhas vivas estarem já a desaparecer, promovendo a necessidade de levar as pessoas a compreender o que se passou antes por intermédio do registo e da preservação do património cultural, de molde a que a sua apropriação – sobretudo por parte da geração que não a viveu – se processe num contexto favorável que facilite a passagem do testemunho a outro e para que esse, por sua vez, se torne numa nova testemunha e seu porta-voz;

(iii) No âmbito da salvaguarda e preservação do património histórico de Guiledje, tanto quanto possível, proceder a recolha, classificação e preservação de vestígios históricos, bem como do registo magnético ou iconográfico (fotos, filmes, etc.) dos protagonistas ainda vivos da História, com vista a constituição de um acervo documental em permanente actualização;

(iv) Forjar uma maior aproximação entre as partes envolvidas no conflito político-militar entre a Guiné-Bissau e Portugal.

No contexto dos estudos das guerras coloniais/guerras de libertação, promover e estimular acções de parceria susceptíveis de propiciar oportunidades de pesquisa e/ou elaboração histórica sobre Guiledje, mormente, junto de investigadores nacionais e estrangeiros, visando não somente uma maior divulgação da História de Guiledje, mas igualmente promover a necessidade de colocar todo o corredor de Guiledje na agenda dos decisores em matéria do desenvolvimento económico e social.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2083: Em busca de... (10): Coutinho e Lima, o comandante do COP5 que decidiu abandonar Guileje e foi acusado de deserção (Beja Santos)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 22 de Maio de 1973 > A retirada, dramática mas ordeira, das tropas portuguesas, por decisão, à revelia do Comando-Chefe, do major Coutinho e Lima, comandante do COP5.

Foto de origem desconhecida, editada por nós, e gentilmente cedida pelo Pepito, fazendo parte do acervo fotográfico do Projecto Guiledje ( © AD - Acção para o Desenvolvimento ). Seria importante incluir o testemunho do actual coronel, na reforma, Coutinho e Lima, nos trabalhos do 
Simpósio Internacional de Guiledje, a realizar na Guiné-Bissau, de 1 a 8 de Março de 2008.

1. Mensagem do Beja Santos, com data de 20 de Agosto último:

Luís, passei uma semana de férias e recomendo as Astúrias a toda a gente. Seguia na excursão o Coronel José Galamba de Castro, com duas comissões na Guiné, a primeira em Mansabá e a segunda no Comando Chefe, de 72 a 74.

Falou-me detalhadamente no Coronel Alexandre Coutinho Lima, que abandonou Guileje em 1973. Ele foi o único oficial do quadro preso por deserção, visto que, contrariando as ordens do Comandante Chefe, abandonou Guileje com duas companhias e toda a população civil (1). Acordei com o Coronel Galamba de Castro procurar estabelecer um contacto contigo para veres se gostarias de ter a versão do Coutinho Lima sobre tal episódio. Se quiseres, dou-te os contactos telefónicos.

Quanto ao mais, espero hoje mandar-te o 5º episódio da nova série [da Operação Macaréu à Vista], e se possível ainda esta semana mandar-te um outro episódio, pois farei a última semana de férias a seguir. Vi hoje o apontamento sobre o Queta (2), que muito te agradeço. Recebe toda a cordialidade do Mário.

___________

Notas de L.G.:

(1) O então major de artilharia Alexandre da Costa Coutinho e Lima era o comandante do COP 5, na altura da batalha de Guileje e Gadamael. Segundo informação do Nuno Rubim, a primeira unidade a ir para Guileje foi um Grupo de Combate reforçado da CART 494, em Jan / Fev de 1964. A Companhia estava a instalar o quartel em Gadamael.

Só mais tarde é que um grupo da CART 495, em final de Fevereiro desse ano, foi reforçar a guarnição até à chegada das primeiras forças da CCAÇ 726, em 31 de Outubro, permanecendo ainda algum tempo em sobreposição.

A CART 494 era comandada pelo então Capitão Coutinho e Lima, "que assim fica para sempre ligado ao início e fim de Guileje" ... Não sei se o Nuno Rubim ou o Pepito, já conseguiram contactar pessoalmente o Coutinho e Lima, e assegurar a sua decisiva contribuição para a preservação da memória de Guileje.

A história de Guileje/Gadamael precisa desta testemunha-chave, que nestes útimos trinta e tal anos tem-se remetido a um voluntário (?) silêncio. O coronel na reforma Coutinho e Lima terá, à inteira disposição, o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, para nos contar, sem quaisquer reservas, se assim o entender, a sua versão dos dramáticos acontecimentos de Guileje/Gadamael de Maio/Junho de 1973 e inclusive poderá defender a sua honra como oficial e como português, uma vez que terá sido tratado - em meu entender - pela hierarquia militar de então como um autêntico bode expiatório da falência da política spinolista.

Agradeço ao Beja Santos este precioso contacto, sugerindo-lhe que forneça directamente ao Nuno Rubim, ao Pepito e a mim próprio o contacto telefónico dos coronéis José Galamba de Castro e Alexandre da Costa Coutinho e Lima. O convite que endereço ao Coronel Coutinho e Lima também é, obviamente, extensível ao Coronel Calamba de Castro. O editor do blogue, Luís Graça.

Vd. posts de:

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1478: Unidades de Guileje: Coutinho e Lima, ligado ao princípio e ao fim (Nuno Rubim)

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)

(2) Vd. post de 20 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2063: Álbum das Glórias (24): O pretoguês Queta Baldé, uma memória de elefante e um grandecíssimo camarada (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P2082: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (4): Baixas sofridas

Ferreira Neto, ex-Cap Mil, CART 2340 (Canjambari, Jumbembem e Nhacra,
1968/69) (1)


Baixas Sofridas:

(1) Mortos em Combate:



Em 15 de Fevereiro de 1968

Soldado Radiotelegrafista 05407067 João Lourenço Nunes
Soldado Nativo 82039064 André Pinto CCAÇ 3
Soldado Nativo 82053763 Coli Candé CCAÇ 3

Em 26 de Março de 1968

Soldado Cond Auto 00271767 Manuel dos Santos Cravo

(2) Mortos por Desastre:

Em 15 de Agosto de 1969

Soldado Milícia 24767 Mudo Silá 108 CMIL

Mortos por Doença:

Em 3 de Agosto de 1968

Fur Mil 03703065 Aurélio Raul da Silva Brochado

(3) Feridos em Combate evacuados para o HMP:

Em 26 de Março de 1968

1.º Cabo Aux Enf 02049967 Carlos Alberto Costa Leitão da Graça
1.º Cabo Atirador 01253867 Humberto Alfredo Gonçalves Vicente

Em 15 de Janeiro de 1969

Soldado Atirador 00256767 Joaquim Domingues

Em 26 de Março de 1969

1.° Cabo Atirador 02643867 Horácio Correia da Silva
1.° Cabo Atirador 03375067 José Alcides Fernandes
1.° Cabo Atirador 01148567 José Gonçalves da Cunha

Em 29 de Maio de 1969

1.° Cabo Cozinheiro 11096667 António Frederico Alho

(4) Feridos em Desastre evacuados para o HMP:

Em 25 de Abril de 1968

Soldado Nativo 82046962 Agostinho Mendes CCAÇ 3

Em 22 de Maio de 1968

1.º Cabo Atirador 00679767 Manuel Luís da Silva Pereira

(5) Doentes evacuados para o HMP:

Em 3 de Agsto de 1968

1.º Cabo Atirador 00234067 José Fernando Madeira Valentim
Soldado Básico 09731166 Joaquim Morais

Em 12 de Dezembro de 1968

Soldado Atirador 00069365 João da Silva Almeida

Em 19 de Dezembro de 1968

1.º Cabo Atirador 01280867 José Alves de Sousa

Em 22 de Dezembro de 1968

Soldado Cond Auto 02921367 Domingos Afonso Leite

Em 28 de Fevereiro de 1969

Soldado Atirador 00007866 José da Silva Rodrigues

Em 21 de Março de 1969

Soldado Atirador 00200267 Artur Gomes Alves
Soldado Atirador 00269266 Manuel Macedo Fernandes
Soldado Atirador 02444467 José da Rocha Sousa

Em 29 de Março de 1969

Soldado Atirador 02457567 Manuel Barbosa de Castro

Em 11 de Abril de 1969

Soldado Atirador 01878667 José Alberto Gregório

Em 18 de Abril de 1969
Soldado Atirador 03772467 Joaquim Carlos Martins Osório

Em 8 de Maio de 1969

1.º Cabo Atirador 00874367 António Paz de Caldas
Soldado Tica 04147767 Joaquim António Fonseca Barbosa

Em 9 de Junho de 1969

Soldado Cozinheiro 07151567 António Jorge Paradela
Soldado Atirador 09413767 Nuno Figueiredo Ferreira
Soldado Atirador 09642367 Manuel das Neves Quintino

Em 16 de Junho de 1969

1.º Cabo Atirador 01990267 António Manuel Soares Marques

Em 31 de Julho de 1969

Soldado Atirador 02001167 Manuel da Silva Ribeiro

Ferreira Neto
ex-Cap Mil
CART 2340 (1968/69)
___________________

Nota do co-editor CV:

(1) Vd. posts anteriores:

30 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2072: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (1): Mobilização, Deslocamento para o CTIG e Alteração ao Dispositivo

1 de Setembro de 2007> Guiné 63/74 - P2075: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (2): Actividade inimiga

3 de Setembro de 2007> Guiné 63/74 - P2079: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (3): Actividade das NT

Guiné 63/74 - P2081: Cusa di nos terra (7): Susana, Chão Felupe - Parte III: Trabalho, lazer, alimentação, guerra, poder (Luís Fonseca)

Foto 1> Lindo pôr-do-sol no Chão Felupe

Recebemos do nosso camarada Luís Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73), o seu terceiro trabalho sobre os Felupes.


Chão Felupe - Parte III:

Os Felupes são essencialmente agricultores, contrariando a ideia pré-concebida de serem apenas ferozes guerreiros, dedicando-se também à pecuária e à pesca o que os levou a preferir viver entre o Casamance e o Cacheu, região com maior pluviosidade, óptima para a lavoura e capim para o gado.

Dedicam-se principalmente à cultura do arroz. Geralmente são os homens que preparam os campos para o plantio, enquanto as mulheres plantam, transplantam, semeiam e colhem o arroz!!!

E os homens? Esses ajudam na sementeira e na colheita.

Durante a época seca os homens dedicam-se a reparar as moranças, a caçar (com arco e flecha e, para caça mais grossa azagaias), fazer ou reparar ferramentas para a agricultura, cintas para a subida às palmeiras e colher vinho de palma. Devo acrescentar que não me recordo de alguma vez ter algum elemento, quer da população, quer do Pel Caç Nat 60, referido a utilização de qualquer tipo de veneno. Pelo menos nas vezes que com eles partilhei refeições de mato não senti qualquer efeito. E provei algumas iguarias.

Para qualquer Felupe que se preze é vergonhoso não ter que fazer na época seca (Outubro a Março) que não seja fumar o seu cachimbo e beber vinho de palma, pelo que a caça representa uma fuga.

Mas o espírito guerreiro não se perdeu. Embora não tenha nunca conseguido confirmar, foi relatado que, anteriormente à nossa guerra, se defrontavam as tabancas de Bolor e Jufunco, num confronto destinado a saber quem guardaria uma âncora (?) que já vinha do Séc XIX, talvez que o Pepito tenha alguma informação sobre o assunto, de uma luta antiga com os portugueses (Desastre de Bolor - 1879?). É bom não esquecer que os Felupes de Jufunco (Djufunco) se revoltaram, igualmente, em 1905 e 1933 e que os de Suzana o fizeram em 1934 e 1935.


Foto 2> Felupes lutando


Durante a minha estadia e no final da época seca realizava-se um torneio destinado a escolher o melhor lutador. A luta era uma espécie de luta greco-romana, mas com regras muito particulares. Como acontece em muitos lugares do mundo, particularmente aqui, os jovens são o orgulho das suas aldeias, pelo que o apoio destas ao seu lutador é total.

O vencedor é determinado por eliminação sucessiva nos combates e passa a disfrutar de enorme prestígio perante todas as aldeias, situação que se mantém até ao próximo torneio.


Foto 3> Luta entre Felupes


Do que me apercebi a prosperidade dos Felupes pode ser medida de três formas: número de filhos, número de vacas e quantidade de arroz guardado.

Para esta etnia é preferível comer só arroz, a ter que matar um animal. Mais, preferem (preferiam) uma alimentação mais reduzida ou mesmo pedir ajuda à tropa a terem que reduzir o seu stock de arroz.

O que me impressionou foi o não haver, entre eles, pobres, na acepção exacta da palavra, uma vez que dividem entre si o que possuem. Os parentes, de outra tabanca, são um último recurso.

Por falar em alimentação a sua dieta consiste, na base, em arroz, mandioca e peixe (e que óptimo peixe eles podem comer, em variedade e qualidade). Os alimentos são geralmente cozidos e, em ocasiões especiais, fritos.

A carne de animais de criação (suínos, bovinos, caprinos e galináceos) só é usada quando existe uma recepção a visitantes que mereçam consideração ou quando houver prática de cultos religiosos.

Foto 4> Mercado Felupe


Por norma alimentam-se da mesma tigela, colocada no chão e no centro da divisão. Os homens podem usar colher enquanto as mulheres e as crianças usam, com extrema perícia, as mãos. A esquerda funciona como prato e a direita serve para pegar o arroz e levar os alimentos à boca.

O Rei come isoladamente, longe do olhar de qualquer súbdito, sentado no seu trono (um banco baixo que mais ninguém pode utilizar sob pena capital).

A vida, acima de tudo, a palavra como garantia (e nós tivemos prova disso), o desapego a futilidades são a sua forma de estar e de ser.

Os mercados são, ou eram, de troca directa, produto por produto, o dinheiro não tem, ou não tinha, qualquer interesse. Uma galinha valia um cesto de mandioca ou duas cabaças de vinho de palma.

O seu ritmo de vida era marcado pelo nascer ou pôr do Sol, também para eles o astro-rei.

E por hoje já chega.
Kassumai

Texto e fotos: © Luís Fonseca (2007). Direitos reservados)
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Nota do co-editor CV

(1) Vd. post de 31 de Agosto de 2007 sobre os Felupes e seus costumes> Guiné 63/74 - P2074: Cusa di nos terra (6): Susana, Chão Felupe - Parte II: Religião (Luís Fonseca)

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2080: Estórias do Zé Teixeira (23): Tuga na tem sorte (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)


Em mensagem dirigida ao blogue, o nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , (1968/70) mandou-nos mais uma das suas notáveis estórias. Esta descreve uma situação de ataque ao aquartelamento de Buba, momento em que se vivem situações aflitivas, ridículas, de sorte ou azar, e muita, mas mesmo muita confusão.

Temos também o relato de um encontro amistoso entre inimigos, no HM 241, durante o qual o nosso camarada ficou a saber que teve imensa sorte ao ter sido abortada uma saída para o mato, de um grupo de combate em que ele estava integrado, pois o IN tinha-lhes preparada uma recepção em grande.


Guiné-Bissau> 2005> Zé Teixeira, no Cais de Buba, matando saudades


2. Tuga na tem sorte!

Eram quatro horas da manhã do dia 14 de Fevereiro de 1969, quando acordei com o ruído provocado por um colega, que animado por uma cervejica a mais, se veio deitar. Apesar de estar com o fato que minha mãe me deu no momento em que iniciei a caminhada da vida, o calor era tanto que a transpiração se tinha alojado no lençol, no terceiro andar da camarata onde tinha poiso para dormir.
Em noites assim quentes tinha por hábito, antes de me deitar, meter-me debaixo do chuveiro, deixar correr a água uns minutos e de seguida estender-me no leito, com o corpo bem molhado, à espera que o sono chegasse.
Outros camaradas adoptaram o sistema de encher o estômago com umas bazookas, bem fresquinhas, deixando que os vapores do álcool os ajudasse a passar para o lado do morfeu, o deus dos sonhos.

Por mais voltas e reviravoltas que desse na tarimba, o sono recusava-se a voltar, pelo que resolvi repetir a dose de chuveirada e voltei para o leito.

Após dois dias seguidos de saídas para protecção aos trabalhadores, na construção da estrada Buba/Aldeia Formosa, ia ficar um dia no quartel de serviço à Enfermaria se nada houvesse de anormal por parte do IN que exigisse mudança de planos.

Estava uma noite daquelas em que não se vê nada a um palmo do nariz. Só quem por lá passou é que sabe o que são estas noites e o medo que metiam, sobretudo para quem estava de sentinela, emboscado no mato ou em marcha para alguma operação surpresa.

Estendido de novo na cama, agora com o corpo bem fresquinho, tentava conciliar o sono, antes do burburinho da partida para os trabalhos da estrada dos grupos de combate escalonados, previsto paras seis da matina.

Alvorada atribulada
Deviam ser umas cinco horas quando o IN resolveu antecipar a alvorada, com 14 canhões s/recuo, quatro morteiros 120, bazookas e lança rockets, sem faltar as célebres costureirinhas, tudo em simultâneo e a cerca de duzentos metros do aquartelamento.

É fácil adivinhar a estrondosa alvorada, que se estendeu por longos e angustiantes minutos, animada pelo nosso morteiro de 80 mm, mais os de 60 que foram aparecendo, mais os obuses de 10,5 e mais as G3 que não podiam faltar nesta animada festa de alvorada.

Claro que eu, estando acordado, fui dos primeiros a chegar à meta, perdão à vala que se estendia em serpentina pela parada fora, vendo logo de seguida, centenas de corpos vestidos, à moda do pai Adão, mergulharem a grande velocidade, sem pedirem licença a quem tinha chegado primeiro. Foi um tudo ao molho e fé em Deus que originou alguns arranhões, hematomas e gritos, com palavras pouco agradáveis ao ouvido, à mistura.

Estranha forma de acordar as três Companhias Operacionais e a 15.ª de Comandos, se a memória não me atraiçoa.

Uma das primeiras granadas esmagou-se ali bem perto contra a parede do depósito da água, junto da minha caserna, fez um buraco e rebentou, deixando estilhaços em tudo o que era chão e... água, que rapidamente correu para a vala também, ensopando os corpos que lá se refugiaram. Foi o suficiente para acordar os mais retardatários, pois que os “velhinhos” impulsionados por uma mola invisível, ao ouvirem (acordarem) o som das saídas, lá longe, ou pelo grito “aí vem eles, filhos da puta, saltaram num ápice da cama e foram-se esconder na bendita vala, que tantas vidas salvou. Apenas um, por lá se deixou ficar, impávido e sereno, o colega, que me tinha acordado, cerca de uma hora antes e que só acordou horas depois, sem ter dado por nada do que entretanto aconteceu, tal era a “ramada”.

Mais rebentamentos se seguiram na parada, junto à Messe, junto à Enfermaria, na cozinha, etc. Depois foram-se perdendo por outras direcções que em nada nos afectaram, mergulhando a maioria no rio e na floresta em frente.

Perante tão poucos estragos, perguntei a mim próprio se de facto o IN estava ali para nos fazer guerra, ou apenas nos queria acordar. Da refrega tivemos um ferido ligeiro.

Sair de imediato, sim ou não?


Iniciadas as tréguas, são de imediato mobilizados dois Grupos de Combate (os que iriam ficar no Quartel durante o dia), para iniciarem a perseguição, tendo como enfermeiro de serviço, a minha pessoa.

Formados junto à saída para a pista de aviação, aguardávamos ordem de partida, quando o seu Comandante, o saudoso Alferes Barbosa (já falecido), repensa a estratégia e decide ir junto do Major Carlos Fabião, propor que a nossa saída se fizesse um pouco mais tarde, depois da aviação bater o terreno, pois o dia estava ainda a clarear. O risco de o IN estar emboscado por perto, a proteger tão grande arsenal, era evidente e uma perseguição desacautelada podia ser fatal.

Foi então a força dispensada.

Ao nascer do sol, veio a aviação, explorou o terreno e lá seguiu um Grupo de Combate a fazer o reconhecimento.
Verificou-se no local de onde partiu o ataque os indicadores do equipamento utilizado, com marcas de sangue, o que quer dizer que, no retribuir pouco amistoso de cumprimentos, acertámos no alvo. Regressaram com umas dezenas largas de invólucros, para registo histórico da festa de alvorada tão despropositada.
Os trabalhos na estrada nesse dia começaram mais tarde.

Eu segui para a Enfermaria, tratar arranhões, hematomas, unhas dos pés partidas ou arrancadas, uma ou outra ferida mais grave em resultado do conflito entre um corpo humano em fuga para vala protectora e um obstáculo mais agressivo, que lhe fazia barreira.

Os caixotes onde guardávamos os nosso parcos haveres, eram metidos debaixo da cama e à noite serviam de suporte (escadote) para os camaradas que tinham de subir para as tarimbas do 2.º e 3.º andares. Em caso de ataque nocturno, tornavam-se num perigoso impecilho na fuga apressada para a vala ou abrigo.

Feridos graves, houve um. Da parte da população houve alguns bem graves, tendo morrido carbonizada uma criança e foram queimadas nove moranças.

Encontro imediato com o IN

Um ano depois, já em Bissau a aguardar a embarque de regresso, fui ao Hospital Militar visitar o querido amigo Dr. Azevedo Franco e acompanhei-o na visita clínica aos seus doentes de ortopedia, entre os quais os IN aí internados em enfermaria própria. Um doente especial chamou-me a atenção pela sua história. Tinha sido ferido pelas nossas forças com uma rajada na perna que lhe atingiu também a barriga, ficando de intestino a céu aberto. Aguentou três dias enterrado no tarrafo de uma bolanha, até ser feito prisioneiro e enviado para o HM 241 em estado crítico. Estava safo, apesar de manco para toda a vida. Era apresentado como referência, pela sua capacidade de resistência.

Tentei entabular conversa e obtive como resposta: - “A mim ká sibe portugué, a mim ká miste papeia cum tuga”. Ao que eu ripostei: - Ká na tem probleminha, e, fui dar duas de conversa com o vizinho.

No dia seguinte ao entrar na enfermaria, notei-lhe um sorriso e fui cumprimentá-lo. Fiquei por ali cerca de meia hora, a falar em crioulo, das “nossas guerras”. Por onde andámos, onde nos cruzámos sem nos ver e nos cumprimentámos, nas linguagem da guerra maldita que nos separou até aquele momento. Talvez, não o afirmo, tivéssemos falado das razões que nos assistiam e fizeram de nós inimigos sem nos conhecermos tão pouco. A sua história de guerrilheiro começava com o início da guerra. Tinha corrido já a Guiné toda, mas nos últimos três anos estacionara no Sul, onde foi ferido e feito prisioneiro, precisamente o chão por eu andei também.

Ao saber que eu tinha estado em Buba, perguntou. Estavas lá naquele ataque que fizemos antes do sol chegar? (1)

Ao responder-lhe afirmativamente, continuou: - Logo que nosso ataque terminou, a tropa ia sair pelo portão da pista e recuou. Que pena! Eu estava logo ali à frente, emboscado, na curva da estrada, (para Sinchã Cherno) junto à berma da pista, à vossa espera. Tínhamos muito material a proteger e vocês tinham a mania de vir logo a correr atrás de nós... ia ser “manga de ronco”.
Pois... e eu estava lá, nesse grupo !

Tuga na tem manga di sorte! Um sorriso e um abraço talvez tenha selado este feliz momento.

A conversa continuou, enquanto o médico fazia a sua visita clínica.

Houve ainda outro dia em que pude voltar a falar com ele. Como gostava de ter gravado as nossas conversas, já que estes momentos jamais sairão da memória. Já com muito pó, a memória recusa-se a deitar cá para fora, tantos momentos, dias, horas, minutos marcantes, bons ou menos bons daquela vida de “guerrilheiro à força”.

Guiné-Bissau> Sare Tuto> 2005> Hoje, tal como ontem, encontro com o ex-IN. Na foto, ex-combatente do PAIGC que actuava em Buba.

Dantes era penoso reviver estes momentos, a mente recusava-se sem o espírito saber porquê. Traziam dor, amargura e sofrimento.
Hoje torna-se gratificante deixar a memória recuar e patinar naquele pântano, reviver, re-analisar ponto por ponto, acção por acção, gesto por gesto e redescobrir-me de novo.

Notas do Zé Teixeira:

(1) - De recordar em Outubro seguinte houve um ataque a Buba muito mais perigoso, com tentativa de assalto desenvolvido do lado da pista, precisamente pelo local onde este “nosso amigo” tinha estado emboscado, enquanto do lado do rio atacavam com artilharia pesada.

Este sim era para arrasar Buba com tentativa de penetração por parte do IN.
Pelos documentos que foram apanhados ao Capitão Peralta, (um croquis muito bem elaborado) foi possível verificar que este fez um estudo aprofundado de Buba e esquematizou o ataque de forma (aparentemente) tão bem organizada, que seriam “favas contadas” e Buba seria o seria o principio do fim, como o foi posteriormente Guiledje e Guidadje. Alguns pormenores, no entanto, segundo o Major Carlos Fabião (a) deitaram tudo a perder:

a) - O estudo do terreno pelo Peralta foi feito com a maré cheia. Um rio só, grande e largo. O ataque foi desenvolvido em noite de maré vaza, logo em vez de um rio só e grande apareceram-lhe também vários braços de rio. Foi a confusão total, pois tinha mandado avançar as tropas pelo meio do capim e montar o equipamento em determinado sítio junto à água, no meio do capim, em vez de água, havia muita terra à frente, sem capim, o que provocou a confusão.

b) - O Peralta ao fazer o reconhecimento deixou vestígios de passagem de pessoas que foram detectados pelas nossas forças. Foi decidido pelo Comando Militar de Buba, chefiado pelo Carlos Fabião, que um Grupo de Combate ficasse no exterior durante a noite.

Quando iniciaram o ataque, as tropas IN que se preparavam penetrar na povoação, viram-se confrontadas com um ataque pela retaguarda e fugiram.

Por outro lado, os fuzileiros reagiram a quente e contra-atacaram rapidamente junto ao rio, o que originou a debandada geral do IN.

Pregaram sim, um grande susto à nossa gente.

Seria interessante recolher o testemunho do comandante Júlio de Carvalho, que acompanhou o Capitão Peralta no estudo e comandou este ataque.

Felizardo fui eu, que entretanto já me tinha retirado para Empada e apenas ouvi lá de longe, o “manga de sakalata” em Buba.

(a) - Carlos Fabião em “A Guerra de África” por José Freire Antunes, Volume I, edição do Círculo de Leitores

José Teixeira
ex-1.º Cabo Aux Enf
CCAÇ 2381
_________________________

Nota do editor:

Vd. Último post desta série de 2 de setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2078: Estórias do Zé Teixeira (22): Saiu-lhe a sorte grande (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2079: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (3): Actividade das NT




Ferreira Neto, ex-Cap Mil, CART 2340 (Canjambari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69)






História da CART 2340

Actividade das NT

Fevereiro – 1968
Operações:

Amigo Bom

Dia 13 - 2 Grupos de Combate (um Grupo da CART e um Grupo da CCAÇ 3 ), que constituíam o agrupamento III, da referida Operação, deslocaram-se para Jumbembem, onde pernoitaram.

Dia 14 - O agrupamento III, deslocou-se para a antiga povoação de Sare Samba Seidi, situada na margem Leste da Bolanha de Sinchã Mansaroto, onde pernoitaram.

Dia 15 - Às 08h00, por ordem transmitida pelo PCV, o agrupamento III assaltou o acampamento IN de Sinchã Mansaroto.
As NT por falta de experiência iniciaram logo a destruição do acampamento.
O IN emboscado nos arredores do mesmo, contra atacou as NT que destruíam o acampamento, constituído por cerca de 80 casas em 500 metros de extensão.
Só um grupo de combate conseguiu manter ligação com o PCV que pediu o apoio aéreo.
Uma parelha de T-6 veio apoiar o agrupamento que já se encontrava disperso.
Do combate resultou: 10 mortos IN confirmados e outros mortos e feridos prováveis. As NT sofreram 1 morto e 4 feridos africanos (dois soldados e dois carregadores).
O Agrupamento não conseguiu ligação entre os seus grupos dispersos, que retiraram em direcção a Jumbembem. Um dos Grupos permaneceu na zona de acção durante algumas horas, só retirando mais tarde.
Durante a acção um dos comandantes do pelotão e uma praça tentaram arrastar um morto e um dos feridos, no entanto, cansados e perante a ameaça de caírem em poder do IN e por não terem munições foram obrigados a abandoná-los.
As forças constituintes do agrupamento III regressaram no dia seguinte a Canjambari.

Da nossa acção resultou o seguinte:

80 Casas de mato destruídas
5 Cunhetes de munições destruído
3 Metralhadoras pesadas destruídas




Foto 1> Guiné> Canjambari 1968> Ex-Cap Mil Ferreira Neto

Comentário:
Foi a nossa primeira operação. Dias antes fui convocado para Farim, a fim de tomar conhecimento dos planos. O Comandante do Batalhão 1932, ao qual a minha Companhia independente estava agregada, disse-me que a minha Unidade iria tomar parte da operação conjunta com a CART 1691, pelo que eu disponibilizaria dois Grupos de Combate e que iria ser comandada por um dos alferes. Não sei se o Comandante do Batalhão ou outro dos oficiais superiores sugeriu que era melhor ser eu a comandar para ver como era e que além disso o meu pessoal como inexperiente só daria apoio à companhia actuante.

Foi o que aconteceu. Só que quando seguíamos em direcção ao objectivo recebo ordens para atacar umas casas de mato que se encontravam à nossa esquerda. Assim fomos, atacámos, incendiámos. Estando abrigados atrás de montes de baga-baga, eu dizia aos meus homens: - Calma, o pior já passou.
Mas não, o IN como era normal, quando se sentia atacado, abandonava o seu poiso e guarnecia os seus morteiros previamente instalados fora do acampamento e com o tiro regulado para o mesmo. As NT, foram literalmente, dispersas em vários grupos. O meu composto apenas por mim, dois soldados nativos, o soldado clarim, o rádio telefonista e dois carregadores. Para orientação dispus de uma bússola, oferecida pelo meu compadre, que me permitiu atingir Jumbembem.

A realçar, quando atravessávamos uma bolanha, ouvimos via rádio ordem do Major de Operações instalado no avião, que iam bombardear a bolanha, disse ao rádio telefonista: - Avisa que estamos no meio da bolanha.
Resultado só havia comunicação num sentido. Estávamos a pôr pé em terreno seco, quando ouvimos as granadas rebentarem atrás de nós.

O relatório que fiz sobre a Operação não agradou ao Major que me convocou para Farim e disse, que o relatório não justificava a minha acção. Respondi-lhe que relatava a verdade. Depois de troca de impressões pouco amistosas, ofereceu-se para redigir o relatório. Sem comentários.

As nossas relações a partir daí não foram das melhores. Em futuro próximo tentou sem êxito culpar-me de certos fracassos da sua responsabilidade.

Meses mais tarde, soube através do Capitão Miliciano adstrito à Acção Psicológica, de alguns factos que originaram a situação relatada.

Dentro da Acção Psicológica dia 13 ou 14 de Fevereiro, foi detectado o acampamento, que eu ataquei. Foram lançados panfletos convidando o IN a entregar-se pois que a tropa era boa etc. etc.

Resultado o IN, destacou um Bigrupo do Senegal, que fixou por flagelação o pessoal de Jumbembem, passando nas calmas a reforçar o acampamento objecto do meu ataque.

Março – 1969

Dias 25/26 - Na execução da Ordem de Operações n° 6, do COP 3, 2 Grupos de Combate emboscaram o Corredor de Sitató, em Dando Mandinga.

Dia 26 - 09h00, houve contacto com grupo IN, constituído por cerca de 10 elementos. As NT, causaram ao IN um morto confirmado e a apreensão de armamento e documentos.

Factos Importantes:
Dia 24 - Comandante Militar, Chefe dos Serviços de Saúde, uma equipa médica e o Comandante da CART, chegaram Canjambari com o fim de inspeccionarem o pessoal. O resultado da inspecção deu como operacionais 3 oficiais, 4 sargentos e 38 praças.

Comentário:
Antes de ir de licença tive informação de que alguns dos meus soldados urinavam ou evacuavam sangue. Suspeitei do pior, de haver mais atacados pelo mal, mas que por pudor não confessavam. Por isso, formei a Companhia e disse: - Sei que alguns de vós tem estes sintomas e que por vergonha não dizem. Quero também informar-vos que se trata de uma doença que tem cura desde que seja tratada a tempo, portanto quem tem estes sintomas dê um passo em frente.
Logo cerca de meia dúzia o fizeram.
Dei ordem para o furriel de transmissões, enviar para Farim uma mensagem relatando o facto.

Quando regressei de licença, em Bissau tomei conhecimento que uma equipa médica e comando militar se iam deslocar a Canjambari, pelo que integrei essa equipa.

Na reunião havida na Sede da Companhia, foi parecer da equipa médica que os soldados contagiados e provavelmente a maioria da Companhia estariam contaminados pelas águas. (Tinha sido uma época anormalmente seca. O poço que dispunha no aquartelamento tinha secado e a nossa fonte de água era proveniente um poço de grande diâmetro situado fora do perímetro do aquartelamento cheio de animais rastejantes mortos).

Uma das altas patentes militares teve então a ideia de que a água devia ser fervida, respondendo então um dos médicos que tal não poderia ser feito para a água do banho.

Resultado, a Companhia tinha que ser evacuada na quase totalidade para Bissau.

Abril – 1969

Dia 12 - 2 Grupos de Combate emboscaram o Corredor de Sitató em Dando Mandinga com contacto. O IN pôs-se em fuga tendo sido abatido 1 elemento ao qual foram capturados documentos.

Outras acções:
Dia 3 – 1 Grupo de Combate fez e recolha em Canjanbari-Praça duma Companhia de Pára-quedistas que actuou na zona de Canjambari IN.

Factos Importantes:
Dia 2 - Cerca das 19h30, devido a um curto-circuito, manifestou-se um incêndio numa caserna-abrigo que se propagou a um paiol existente no mesmo abrigo, tendo-a destruído completamente.

Comentário:
Tínhamos recebido há poucas horas o municionamento proveniente de Farim.
Foi uma noite autenticamente de S. João. Granadas de bazuca, de morteiro, cartuchos de G3, etc. tudo a ir pelo ar. Ninguém foi ferido. No entanto as viaturas estiveram em perigo, valendo a acção de dois elementos da Companhia para evitar o pior.

Anos mais tarde soube numas das reuniões anuais, que o tal curto-circuito, foi devido a uma churrascada de chouriço, que provocou o incêndio.

No dia seguinte, como atrás descrito, recolhemos os pára-quedistas. Durante a refeição da noite foi-me dito confidencialmente pelo Tenente-Coronel dessa Unidade, que era ideia do Comando Territorial, que eu permaneceria em Canjambari apesar da minha Companhia estar na sua quase totalidade em Nhacra. Ainda mais, os Pára-quedistas seriam os indigitados ou uma Companhia de Comandos, mas que eles se tinham manifestado contra e parece que Spínola aceitou, o que me custa a crer.

Dias depois recebo a visita do General Spínola, que me disse ir mandar abrir um furo artesiano e até construir uma piscina. Perguntei-lhe quando estava previsto reunir-me com os elementos sobreviventes à doença, ao grosso do pessoal que estava em Nhacra.

A resposta foi aquela, que eu já sabia: - Você fica aqui até ao fim da sua missão.
Eu muito inocentemente disse: - Sr. Governador, parece -me lógico reunir-me à Companhia que trouxe da Metrópole.
Ao que ele retorquiu: - Já disse fica aqui nomeado por escolha.
Se eu fosse oficial do Quadro não havia dúvida que ficaria todo babado. Era um Miliciano…

E assim foi. Fui mesmo o último a deixar Canjambari em fins de Junho.

Junho - 1969

Factos Importantes:
A CCAÇ 2533 que veio substituir a CART 2340, em Canjambari, chegou a esta localidade no dia 3 de Junho de 1969, recebendo o Treino Operacional que durou até ao dia 17 de Junho de 1969.

Entretanto o pessoal recuperado recolhia a Nhacra, onde a pouco e pouco se ia integrando na actividade operacional.

A partir do dia 12 de Junho o pessoal da CART, passou a executar a actividade operacional em virtude da companhia que ocupava Nhacra, ter ido ocupar outro sector.

A actividade no sector de Nhacra, foi de moldes diferentes daqueles do sector de Canjambari. Assim todas as operações realizadas foram de carácter rotineiro, sendo de realçar a quantidade de acções realizadas

As patrulhas eram essencialmente de contacto com as populações, visando uma acção psicológica, e a recolha de notícias, pelo que, normalmente um enfermeiro as acompanhava.

As emboscadas tendiam a evitar que pessoal fizesse cambanças ilegais nos rios Geba e Mansoa, e nos caminhos de prováveis infiltrações IN.

NOTAS SOLTAS:
A tabanca de Canjambari era constituída por 6 casas e 80 nativos. A de Jumbembem, maior número de casas e cerca de 400 nativos.

Tive o gosto, numa das primeiras acções de conquistar a população de instalar luz eléctrica nas casas dos homens grandes.


Foto 2> Guiné> Canjambari> Capitão Ferreira Neto parte mantanha com Homem Grande



Foto 3> Guiné> Canjambari> Ferreira Neto com crianças nativas



Foto 4> Guiné> Canjambari> Distribuição de mangos pela população



Foto 5> Guiné Canjambari> Inauguração de furo artesiano. Primeiros clientes


Fotos: © Ferreira Neto (2007). Direitos reservados.

Como Capitão sempre fui criticado pelos meus alferes, porque só os avisava no dia de acção.

Quando recebia de Farim, o envelope com o carimbo Secreto, já sabia que ia haver bernarda.

Lia a ordem de operações e era um só preocupado com o que iria acontecer.

E eram os constantes adiamentos das Operações que me mantinham numa expectativa constante e desgastante.

Disse simplesmente aos alferes: - Se eu vos informar, vocês dizem aos furriéis, estes aos soldados, estes ao pessoal da tabanca e estes… Já basta um preocupado.

E a propósito de Operações Militares.
Recebi como de costume o envelope secreto. A Operação Heróis Ilustres marcada, creio, que para Agosto de 1968, resumidamente era qualquer coisa como isto:
Dez grupos de combate, que montariam emboscadas em pontos diferentes e a determinadas horas diferentes. Cada grupo actuaria na sua vez após o bombardeamento (APAR) do objectivo, tomaria de assalto o mesmo e iria emboscar noutro ponto a uma determinada hora.
Isto para os dez grupos com objectivos diferentes movendo-se com capim com dois metros de altura.
Não queria acreditar no que lia, mas que poderia fazer? Como de costume não transmiti aos alferes.
Adiamento sucessivos e entretanto chega a minha vez de entrar de licença. Chamei o alferes Mota, o mais antigo, e mostrei-lhe a ordem de operação.

Exclamação dele: - Meu capitão, isto é de doidos!

Desejei-lhe felicidades e parti.

Não há dúvidas que essa minha licença foi vivida com o que poderia ter acontecido.

Quando regressei estava tudo muito calmo e a minha primeira pergunta foi como tinha corrido a Operação. Então o alferes com a alegria estampada no rosto disse-me que não se tinha realizado.

A causa disse-me, foi o General Spínola ter ido ao comando do Batalhão, e ao ver o plano das operações, o ter rasgado na cara do comandante, dizendo: - Mais uma Operação condenada ao fracasso.

O Alferes Pereira, Comandante do Pelotão Nativo da CCAÇ 3, era um excelente alferes, beirão, pequenino, era adorado pelo seu pessoal. Era ele que guardava o dinheiro e controlava os gastos dos soldados. Isto devia-se sobretudo, aos consumos de cerveja. Tudo corria bem e quando necessário havia os correctivos por parte do alferes que tinha de saltar para chegar à cara do prevaricador que sempre aceitava o correctivo por estar de acordo com o seu sentido de justiça.

O Pereira termina a sua comissão e é substituído por outro alferes ao qual recomendei que procedesse da mesma forma. Tal não aconteceu, e comecei a ter problemas devido às bebedeiras frequentes que o pessoal nativo tomava. Decidi que o cabo cantineiro tomasse nota das garrafas consumidas (67 cl). Para meu espanto verifiquei que o consumo médio era de nove garrafas por soldado. Quer dizer que havia alguns que superavam aquele número.

Quero referir-me também ao nativo da tabanca de nome Sori.

Este fula-forro, tinha um carácter muito inventivo, de tal forma que tomou a iniciativa de fazer na sua casa um dispositivo anti-morteiro, o seu telhado era constituído por uma caixa cheia de areia. Era o único da sua etnia e muito invejado pelo restante pessoal da tabanca.

Outro lado, era a nobreza do seu carácter. Certo dia, apareceu-me fazendo queixa de um soldado-auto, que lhe tinha morto uma galinha com a viatura. Disse-lhe: - Não te importes Sori, que o soldado paga-te a galinha. Ao que ele respondeu: - Capitão, não é pela galinha, mas sim pela forma que o soldado me tratou.
Chamei o soldado obrigando-o a pedir desculpas e pagar a galinha.

Em 10 de Setembro de 1968 a 15.ª Companhia de Comandos reforçou Jumbembem, no mês seguinte a 7 de Outubro, foi considerada inoperacional.

Em 2 de Novembro a 16.ª Companhia de Comandos reforçou Jumbembem. Cerca de um mês depois queriam também considerar-se inoperacionais. Só que desta vez o Comandante do Batalhão se impôs, dizendo que tinha uma companhia com 13 meses, outra com 11 meses e outra com 7 meses e nunca foram consideradas inoperacionais com a mesma actividade operacional dos Comandos. De relevar que as referidas Companhias de Comandos tinham alimentos frescos quando necessitavam e fornecidos via aérea e nós as outras uma vez por mês, via terrestre.

Era norma antes do embarque fazer as análises. Devido às demoras que normalmente se verificavam entre estas e o embarque era como certo muitos voltarem a serem infestados por parasitas.

Tal facto levou as chefias a procederem às referidas análises após o embarque. No Uige tínhamos um Capitão Médico que chefiava a correspondente equipa. Estas análises eram as rotineiras e tal como se faziam em terra.

Contactei o médico citado e relatei-lhe o que sucedera à minha Companhia. Em boa hora o fiz, porquanto o médico me disse que tais análises não estavam previstas.

Aconselhou-me a fazer pular o meu pessoal, antes da recolha da urina, pois que, se tornava necessário fazer soltar os vermes que se alojavam na parede interna da bexiga.

Assim procedi, e coloquei o pessoal aos pulos na coberta do navio, tal como uma dança guerreira índia. Eu próprio, no meu camarote, fiz uma sessão de pulos.

Resultado. Detectados cinco casos de contaminação.

Haveria mais histórias para contar, pequenas histórias, no entanto relevantes para o enriquecimento do carácter de quem as viveu.

Ferreira Neto
ex-Cap Mil
CART 2340
___________________

Notas do co-editor CV:

Vd. Post de 30 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2072: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (1): Mobilização, Deslocamento para o CTIG e Alteração ao Dispositivo

Vd. Post de 1 de Setembro de 2007> Guiné 63/74 - P2075: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (2): Actividade inimiga

domingo, 2 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2078: Estórias do Zé Teixeira (22): Saiu-lhe a sorte grande (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , (1968/70).


Saiu-lhe a sorte grande,

por Zé Teixeira (*)

Os trabalhos da construção da estrada de Buba para Aldeia Formosa decorriam em ritmo acelerado. O estado físico e psicológico dos operacionais das três Companhias de Caçadores (1) envolvidas directamente na segurança do projecto estava em queda livre.

O cansaço provocado pelo vaivém diário na protecção à maquinaria, debaixo de sol abrasador e as constantes investidas do IN em emboscadas, montagem de minas e ataque ao aquartelamento, aliados à deficiente alimentação em resultado de escassez de mantimentos, provocada pelo afundamento de um barco carregado com produtos alimentares, segundo constou, foram quebrando as resistências humanas daquela juventude.

Todos os dias de manhã a fila, à porta do gabinete médico, ia engrossando. As queixas eram de toda a ordem, salientando-se a fraqueza física e o cansaço. Apareciam dores de toda a espécie, as mais estranhas e em todo o corpo.

A minha profunda homenagem de gratidão ao querido amigo Dr. Azevedo Franco, pela forma como soube sempre acolher e como actuou em defesa da saúde dos seus homens. Dispensava atenção e carinho. Ouvia toda a gente, mesmo aqueles que tentavam, através da manha, safar-se. Ele, que nos conhecia bem, algumas vezes lhes deu cobertura, com um ou dois dias de baixa, comentando comigo:
- Aí vem mais um! Já sei o que ele quer.

Para além da medicação apropriada possível, não hesitava em dar baixa sempre que lhe parecia necessário, para salvaguarda da saúde, correndo riscos pessoais, pois a quebra foi tão elevada que chegou a atingir cerca de 50% do pessoal activo.

Como resultado, apareceu por lá o homem do monóculo e pingalim. Juntou o pessoal presente, das cinco Companhias e botou discurso apelando ao sentido patriótico que, segundo ele, nos unia naquele inóspito local, derivando de seguida para a forma de superar as nossas carências alimentares. Voltando-se para o médico insistia:
- Estes homens o que precisam é de umas picas (2), aponta Bruno(3)-. Ao que o Dr. lhe respondeu:
- Frescos, meu Comandante, peixe, carne e descanso é o que esta gente precisa.

Uns dias depois, aparece uma Dornier com dois médicos idos de Bissau para fazerem um levantamento da situação ou seja todos os militares com baixa foram chamados a uma Junta Médica, para apreciar o seu estado de saúde.

Independentemente dos resultados quase nulos desta operação, surgiram outras situações de camaradas a tentar a sua sorte.

O meu prezado amigo Luís, não o Graça, mas outro da CCAÇ 2317 que tinha vindo de Gandembel, chegou à minha beira e comentou:
- Eu queria safar-me uns dias, mas não tenho de que me queixar! Estou cansado de tanta marcha!
Perguntei:
- Nunca tiveste uma doençazita?
- Sim. Tive uma úlcera no estômago, mas curei-a antes da tropa!
- Ainda te lembras dos sintomas e das dores que tinhas?
- Ah isso lembro-me bem. Sei os sintomas todos.
- Então porque esperas? - E marquei-lhe a vez.

Após uma nervosa hora na fila, lá foi chamado. O que se passou lá dentro não sei, mas um quarto de hora depois saiu com uma viagem até Bissau.

Com um ano e pouco de Guiné e oito meses no inferno de Gandembel, nunca mais lhe pus o olho em cima.

Entretanto as nossas Companhias separaram-se, pois a CCAÇ 2317 pouco tempo depois foi para Nova Lamego (Gabu).

O resultado final soube-o há algum tempo atrás, quando o encontrei no convívio da sua Companhia, no qual tive o prazer de estar presente a convite do Idálio Reis, a quem agradeço a cortesia.

Após cerca de um mês no Hospital de Bissau em exames, o médico deu-lhe alta, por não acusar nenhuma doença no estômago. Mas este médico foi de férias e o substituto ao analisar o seu processo e, vendo ali um conterrâneo, perguntou-lhe se era de Lousada e, ao receber uma resposta afirmativa, identificou-se.

Depois de localizados no terreno e nas famílias a que pertenciam, o mesmo médico perguntou-lhe se queria ser evacuado para Lisboa. Ora, não se pergunta a um cego se quer ver, com o devido respeito que tenho pelos invisuais.

Uns dias depois seguia para Lisboa e foi para o Hospital Militar Principal onde ficou uns meses em observações e em exames que davam sempre inconclusivos. Acabou por ser dado como apto a regressar à Guiné e foi colocado na sua Unidade Mobilizadora, à espera de transporte para regressar à Guiné.

O tempo foi passando e com o regresso da sua Companhia foi desmobilizado, entrando na tão desejada peluda.
- E o estômago, como está ?
- Até hoje não me queixo de nada e nunca entrou lá para dentro qualquer mezinho para curar uma doença que não tive, mas que me safou.

Zé Teixeira
ex-1.º Cabo Aux Enf
CCAÇ 2381
__________

Notas de Z.T.:

(1) Havia ainda uma Companhia de Fuzas e outra de Comandos, estacionadas em Buba, que desenvolviam um trabalho de patrulhamento e protecção indirecta.

(2) Na altura o Capitão Almeida Bruno, seu Ajudante de Campo. Daqui resultou mais um apelido para o Caco, o Aponta,Bruno

(3) POassados uns dias, no barco de produtos alimentares lá veio um grande caixote cheio de medicamentos. Por ordem do médico devolvi tudo a Bissau com a indicação de que não tínhamos efectuado tal encomenda.
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Nota do editor:

(*) Vd. último post desta série> 18 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2058: Estórias do Zé Teixeira (20): Fermero ká tem patacão pra pagá, toma minha mudjer.

sábado, 1 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2077: Convívios (27): Notícias de convívios de Unidades que estiveram no TO da Guiné (Jorge Santos)

Para conhecimento de todos os frequentadores da nossa Página, damos notícia de convívios em 2007 das Unidades que estiveram no TO da Guiné.


3.ª COMP/BART 6523
Guiné 1973/1974
Dia 8 de Setembro realiza-se o Convívio.
Contacto: Alves 938 011 596



CCAV 2748
Guiné (Canquelifa) 1970/1972
Dia 30 de Setembro realiza-se o Convívio em Almeirim.
Contacto: Palma 919 457 954




CART 3330
Guiné 1970/1972
Dia 6 de Outubro realiza-se o Convívio em Évora.
Contacto: Luís Amaral 917 715 237
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Notas do co-editore CV:

O Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, agradece a preciosa colaboração do nosso companheiro Jorge Santos , que nos forneceu os elementos indispensáveis para a elaboração deste Post com notícias de convívios de Unidades que estiveram no TO da Guiné.

Vd. Post de 14 de Agosto> Guiné 63/74 - P2056: Convívios (24): Notícias de convívios de Unidades que estiveram no TO da Guiné (Jorge Santos)

Guiné 63/74 - P2076: Convívios (26): 3.ª COMP/BCAÇ 4612 (Guiné 1972/74), Benavente, 13 de Outubro de 2007 (Jorge Canhão)



Jorge Canhão, Fur Mil Inf, 3.ª Comp/BCAÇ 4612/72 (Guiné 1972/74)





O camarada Jorge Canhão em mail enviado ao nosso Blogue deu notícia do próximo encontro da sua Companhia

18º Almoço/Convívio da 3.ª COMP/BCAÇ 4612/72 em 13 de Outubro de 2007

Restaurante Zambujeiro – Foros de Almada – Stº Estêvão (Benavente)

Ementa:
Entradas diversas
Caldo verde
Bacalhau assado
Cabrito assado
Leitão
Fruta da época e
Doces variados

Para acompanhar:
Vinho da casa/região (o vinho em garrafa fica a cargo de quem o encomendar)
Sumos, refrigerantes e águas
Café e digestivo (aguardente ou whisky novo).
Ao fim da tarde:
Bolo da Companhia e Espumante.

O preço, por pessoa, será de 20 Euros, acrescido de 1 Euro por ex-combatente para custear despesas de organização.
À semelhança dos anos anteriores, os preços a cobrar a menores de 12 anos serão diferenciados.

IMPORTANTE: é absolutamente necessário, atendendo ao espaço do Restaurante, que a marcação seja feita para que as coisas corram da melhor forma, até ao dia 8 de Outubro, sem falta.

Aos que aparecerem sem se terem inscrito previamente… poderá ser cobrada uma multa de 5 Euros, para evitar as confusões de convívios anteriores.

Contactos para inscrição:

Jorge Canhão: 214 579 540 - 91 27 48 556
jorge.aferreira@netcabo.pt
Manuel José Butes: 934 792 615
Alberto Melo: 214 445 827 - 96 96 90 551
alberto.r.melo@netcabo.pt
Restaurante Zambujeiro: 263 949 758 - 968 053 350

Guiné 63/74 - P2075: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (2): Actividade inimiga



Ferreira Neto, ex-Cap Mil, CART 2340 (Canjambari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69)




Actividade inimiga

Fevereiro – 1968

Dia 11 – Às 09h50, um grupo IN, estimado em 15 elementos, emboscou com M60, LGF e armas automáticas, um grupo de combate da CART, no itinerário Jumbembem - Farim, durante 10 minutos, causando 6 feridos ligeiros.
O IN retirou para sul, devido à reacção das NT, com baixas prováveis.

Dia 14 – Às 12h40, um grupo IN não estimado, flagelou com M82, M60, LGF, PM e armas automáticas, o destacamento de Jumbembem, durante 15 minutos, sem consequências.
Durante a operação Amigo Bom, elementos IN a Oeste da Bolanha de Sinchã Mansaroto, pressentindo as forças da CART a Leste da mesma bolanha, por motivo do PCV as sobrevoar, fez fogo de reconhecimento, não tendo as NT respondido.

Dia 15 – Durante a operação Amigo Bom, o IN pressentido a aproximação dos 2 grupos de combate da CART, que tomavam parte na operação, abandonou o seu acampamento de Sinchã Mansaroto, e emboscou as NT com LGF, MP, ML e armas automáticas, quando as forças da CART, se encontravam dentro do acampamento destruindo as casas de mato, meios de sobrevivência, munições e armamento.
Desta acção, resultou para as NT, 1 morto, 4 feridos (2 soldados nativos e 2 carregadores). O IN continuou a bater com fogo intenso o seu acampamento, pelo que as NT, retiraram desarticuladas, abandonando o morto e os feridos. O IN só se reduziu ao silêncio perante a acção do APAR.

Março – 1968

Dia 26 - Às 22h20, no deslocamento para a Operação Onça Parda, foi accionada uma mina A/C, pela última viatura, no itinerário Jumbembem ­Cuntima, tendo causado 1 morto (condutor), e 12 feridos ( 3 graves) à CART.


Unimog da CART 2340 destruído por mina A/C


Abril – 1968

Dia 7 -1 grupo de combate, picou e patrulhou a estrada Canjambari-Jumbembem, tendo detectado e levantado cerca das 14h30, uma mina A/C TMD­ - URSS e cerca das 17h00, a 500 metros da primeira, outra mina idêntica.


Acção de picagem na estrada de Jumbembem


Facto importante:

Visita do General Spínola.

De surpresa como de costume, apareceu e disse-me: - Vamos lá ver o seu mapa. E lá estivemos, tendo que lhe relatar toda a actividade das NT e IN.
Segundo fontes o capitão Almeida Bruno, teria desabafado:
- Nunca sabemos onde ele vai, só quando o helicóptero está no ar é que ele diz.
Antes da referida notícia, tinha recebido via rádio uma mensagem do Comando do Batalhão fazendo uma pergunta meio velada. Só depois da referida visita, deduzi que a mensagem recebida se destinava a saber se alguém importante tinha visitado a Companhia.
Era norma do Governador visitar as sedes das companhias e só depois ir à sede do batalhão. Este procedimento custou as carreiras a muitos oficiais superiores.
O seu optimismo não coincidia com a realidade.

Julho – 1968

A CART detectou e levantou uma mina A/C TMD-URSS, no itinerário Jumbembem-Farim, perto da ponte sobre o Rio Lamel.

Agosto – 1968

Dia 15 - Durante a operação Caldo (reabastecimento), 1 grupo de combate detectou uma mina A/C TMD-URSS, no itinerário Jumbembem-Farim, perto do rio Lamel.

Janeiro – 1969

Dia 14 - Às 23h 15, grupo IN não estimado, atacou o aquartelamento de Canjambari, durante 45 minutos, com canhões s/recuo, morteiros 82, morteiros 60, metralhadoras pesadas, metralhadoras ligeiras, lança granadas, foguetes e armas automáticas, tendo causado às NT, 1 ferido grave, 3 feridos ligeiros e danos materiais.
O IN retirou com baixas prováveis sendo-lhe capturado o seguinte material:

11 Granadas M82
4 Granadas LGF P27
1 Granada LGF 8,9
1 Granada LGF RPG2
1 Carabina Simonov
1 Mina A/P PMD6
4 Granadas de mão defensivas Fl
2 Carregadores PM M25
2 Carregadores PM SUDAYEV
1 Rolado de NP GORYONOV


Material capturado ao IN pela CART 2340

Fotos: © Ferreira Neto (2007). Direitos reservados.
Comentário:
Cerca de 11 meses de paz podre no que se refere a acções IN, ao nosso aquartelamento, tivemos este primeiro feio e forte. Iniciou-se ao início da noite e prolongou-se até madrugada.
O único soldado ferido gravemente com consequente evacuação para a Metrópole, teve o tendão de Aquiles cortado por um estilhaço, quando se levantava da cama. Fim de comissão. Era o soldado mais baixo em estatura da CART.

Cenas:
Um soldado nativo quase a chorar dirigiu-se ao alferes, porque o seu morteiro 61, se tinha enterrado no solo, devido a não ter utilizado a base do mesmo. A arma encontra-se de tal forma enterrada, com cerca de 3 cm visível. Não há dúvida que se ela estivesse bem apontada o estaria sempre.

No abrigo em que eu me encontrava, aconteceu que uma granada de canhão sem recuo entrou pela seteira e bateu no cibe que a enquadrava, os estilhaços varreram toda a largura do abrigo, furando um cantil e produziram vários furos nos bidões de protecção da entrada.
Instantes antes o alferes Silva e o furriel de transmissões tinham-se abaixado para carregarem as G3. O alferes passou por mim e só dizia repetidas vezes: - Onde é a saída? Lá o conduzi pela mão, nem sei porquê.
Os tímpanos dos intervenientes estiveram inoperacionais por uns dias.

Cinco granadas de 82, caíram junto aos barris de gasolina sem estourarem. Sorte a nossa.

Um dos soldados em plena parada fazia uso do seu morteiro, quando ele aqueceu e se tornou insuportável para ser seguro, o soldado despiu os seus calções, única peça do seu vestuário e com eles a servir de protecção continuou a disparar.

A iluminação do aquartelamento ficou reduzida a um quarto. No dia seguinte nunca pensei que os fios eléctricos estivessem cortados em dezenas de lugares.

Fevereiro – 1969

Dia 26 - Às 09h30 o IN reagiu a uma emboscada montada por forças da CART, em Dando Mandinga, sem consequências para as NT, o IN sofreu 1 morto e outras baixas prováveis e a apreensão de documentos e uma carabina Simonov.
Enquanto as NT batiam a área o IN emboscou por duas vezes sem consequências e foi posto em fuga perante a reacção das NT.
Quando as NT regressavam ao quartel foram emboscadas nas imediações mesmo com M60, LGF, ML e armas automáticas, causando 5 feridos graves e 2 ligeiros.

Comentários:
Um mau e detestável hábito, consistia em cortar as orelhas aos elementos IN abatidos e exibi-las, tal como no Oeste americano os índios escalpavam os brancos colonizadores.
Um cabo atirador assim procedeu, e como castigo divino ou de quem superintende estas coisas (Deus), na emboscada sofrida pelas nossas tropas, viu o seu dedo polegar e indicador serem ceifados por uma bala inimiga.

Nesta mesma emboscada um dos nossos soldados recebeu o impacto de um estilhaço no seu carregador, outra intervenção divina que o poupou. São coisas…

Acontecia que numa altura em que com êxito tínhamos conseguido algo em relação ao IN, tínhamos em contrapartida sofrido duas emboscadas.
Tínhamos a moral muito em baixo.
À hora da refeição da noite (para mim ceia, para outros jantar), juntamente com os alferes e a fim de moralizar as tropas, decidi deslocar-me a Jumbembem, para saber da nossa situação de Companhia diminuída, perante o COP 3, comandado pelo major Correia de Campos.
Propus aos alferes em regime de voluntariado, deslocar-me à referida localidade nessa noite e sem picar o caminho. Todos foram voluntários. Evidentemente que um dos oficiais teria que ficar em Canjambari, pelo que nomeei o que tinha de ficar. Insisti que o regime tinha de ser de voluntariado e que tal procedimento se tinha de aplicar aos furriéis e soldados.
Eu tinha consciência, de que se algo de mau acontecesse eu seria o culpado. Porquanto a ordem não vinha de cima.
Antes do embarque nas viaturas, surpreendi um dos furriéis, considerado o melhor operacional da Companhia, a incentivar os soldados a não se oferecerem.
Tal furriel de nome Pável Valente, já estava de saída da Companhia devido a punição do CTG, pelo que acrescentei: - Se não se cala sou eu que lhe acrescento outra porrada.

Outra cena:
Quando entrava na viatura Mercedes, ouvi lamúrias, era outro furriel que se queixava nos seguintes termos: - E logo hoje que faz um ano que uma das nossas viaturas foi pelos ares com uma mina, é que o nosso capitão se propôs a isto. Ele não se apercebeu da minha presença (era noite), pelo que eu disse: Furriel (não cito o nome), isto é só para voluntários pelo que está dispensado.

Outra atitude do meu furriel açoriano Leonardo (valente rapaz): - Meu capitão, um soldado meu não quer ir mas em rebento-lhe as trombas, todos os meus são voluntários.

A viatura que me transportava, uma das Mercedes antigas tinha o hábito de enviar uns rateres (estampidos do motor provocados por deficiências de ignição/ combustão) de vez em quando.
Antes de iniciarmos o percurso, disse ao radiotelegrafista para avisar Jumbembem da nossa ida.

Assim iniciamos o percurso, eu, vestido de camisa e calções, todo fresco.
Quase a chegar ao nosso destino, fomos atacados, atirei-me da viatura para o chão sentindo um soldado a aterrar por cima, e logo me dei conta que algo estava errado. Mandei suspender o fogo, e verifiquei que não me enganava, era a companhia periquita de Jumbembem que atirava sobre nós.
Desfeito o engano eu com um sorriso amarelo, perguntei se era forma de receber os amigos.
Pensavam que eram turras. E eu perguntei apenas, se os turras atacavam de viaturas com os faróis acesos. Outra coisa que os fez proceder assim foi que a minha viatura, a tal Mercedes, aquando na proximidade da ponte sobre o rio Jumbembem, decidiu emitir um rater que se assemelhava à saída de um morteiro.

Fui recebido pelo major Correia de Campos, visivelmente satisfeito com a nossa valentia, que me informou ter enviado para o CTG, a situação da minha Companhia que considerava inoperacional, e pedir a sua substituição. (Que só se verificaria em Junho).
Toda esta confusão foi originada por as transmissões terem falhado, como já era apanágio.

Em todas as operações eu tinha o cuidado de as experimentar antes, e quase sempre em pleno campo de batalha elas falharem, como já foi relatado na Operação Amigo Bom
Esta acção teve um aspecto positivo nas nossas relações com o COP 3.

Abril – 1969

Dia 9 - Elementos IN em número não estimado, reagiram a forças da CART e Pelotões Nativos 53 e 65, emboscados na região de Dando Mandinga, sem consequências.
As NT prenderam um elemento IN com documentos.

Ferreira Neto
ex-Cap Mil CART 2340
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Nota do co-editor CV

Vd. o primeiro post da série de 30 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2072: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (1): Mobilização, Deslocamento para o CTIG e Alteração ao Dispositivo

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2074: Cusa di nos terra (6): Susana, Chão Felupe - Parte II: Religião (Luís Fonseca)

1. Mensagem do dia 26 de Agosto, do nosso camarada Luís Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73):

Caríssimos Editores:

Depois de alguns dias de pausa, para recarregar baterias, para as bandas de Viana do Castelo, aproveitando as festas da Senhora da Agonia, retomo as minhas notas de viagem pelo noroeste da Guiné.

Reconheço ser um defeito meu perder-me na escrita e, quando acordo, já ela vai longa e fastidiosa.

Vou tentar ser o mais conciso possível, solicitando no entanto à edição que, se achar necessário, proceda aos respectivos arranjos.

Li com redobrada atenção a mensagem do Marques Lopes e a seu tempo creio poder dar algumas dicas sobre o assunto em questão (petróleo).

Por hoje não acrescento mais nada.
Kassumai

Luís Fonseca
ex-Fur Mil Tms
CCAV 3366



Guiné> Região do Cacheu> Susana> Vista aérea do Aquartelamento

Foto: © Major J.Mateus (BCAV 3846) (2007). Direitos reservados


Chão Felupe Parte II - Falemos de religião (1)

Os Felupes são (eram) na sua enorme maioria animistas, tal como outras etnias não convertidas (nem ao islamismo nem ao cristianismo), devendo referir-se que a população felupe representa apenas cerca de 2% do total da população da Guiné Bissau.

Animismo, segundo os livros, designa práticas mágico-religiosas essencialmente domésticas, em que cada família venera e/ou é protegida pelos seus antepassados, acreditando também que todos os elementos da natureza possuem um espírito. Espíritos esses que podem inspirar medos, podem possuir poderes (para o bem e para o mal), podem exigir adoração com sacrifícios rituais.

Os Felupes acreditam na existência de um Ser criador ( Emitai) que mora algures no céu, distante da vida diária das pessoas e dos seus problemas.

Em tempos de crise ou qualquer desastre natural, por exemplo, a seca, os Felupes dizem que a sua origem está no Emitai e por isso essas situações são aceites sem reservas pela população.

Embora não tenha assistido e creio que muito dificilmente qualquer um, que não Felupe, o tenha feito, foi-me feita referência à prática de feitiçaria negra, advinhação, consulta de antepassados e, essa verificada, curandeirismo.

Fomos, por exemplo, avisados para que, nas nossas andanças de tiros aos pássaros, ter o cuidado de não abater o anadaboró (penso ser essa a designação felupe), ave creio que da família das garças, desinteressante, de cor acinzentada, porque quem o matasse, libertava o espirito do mal e teria que morrer para que esse espírito recolhesse. Tanto quanto me recordo não houve diminuição da espécie em causa.

Se algo de mau acontece, tal facto é culpa dos feiticeiros, que deveriam ter usado os seus poderes e poções mágicas para evitar a revolta dos seres da natureza. Para apaziguar os bakinabu (espíritos) irados, usam sacrifícios de animais, ofertas de vinho de palma ou outras cerimónias, normalmente restritas.

Outras práticas são o uso de amuletos, talismãs, encantos, maldições.

Em quase todas as tabancas, moranças e matas se podem encontrar altares erguidos aos espíritos, que representam locais onde se pode pedir protecção, proibição, benção, busca de resolução, quebra de maldição ou mesmo feitiçaria negra contra alguém, conforme a causa e o pedido.

As mulheres, de enorme importância na organização social Felupe, têm os seus próprios espíritos e talismãs.

Acrescente-se, para terminar, que os que moram a norte do Casamance se dizem muçulmanos embora tenham práticas animistas.

Luís Fonseca
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Nota do co-editor CV

(1) Vd. post de 15 de Agosto de 2007 sobre os Felupes e seus costumes> Guiné 63/74 - P2052: Cusa di nos terra (5): Susana, Chão Felupe - Parte I (Luís Fonseca)

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2073: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (8): O Fula, a galinha e o vestido

Mais um estória do Rui Felício, um dos baixinhos de Dulombi (1):

1. Há imensos testemunhos da simpatia e amizade que o povo da Guiné-Bissau nutre pelos ex-combatentes portugueses.

Vários nos nossos camaradas tertulianos, que foram ou vão regularmente a este país irmão, (a empatia entre povos é que torna os países irmãos e não os tratados oficiais entre governos) trazem notícias comovedoras de guineenses que, apesar dos anos já volvidos, ainda os reconhecem e recebem como amigos.
Fazem-lhes pequenas ofertas, de algo que retiram ao pouco que têm, como prova da sua alegria por nos verem voltar ao seu país, hoje soberano e livre de guerras.

Mais importante do que termos feito a guerra contra o PAIGC, foi cuidar das populações, auxiliando-as nas suas necessidades, apesar das nossas próprias limitações, independente de estarem ou não do nosso lado. Hoje temos a recompensa.

É um orgulho para qualquer ex-combatente, que por imposição esteve envolvido naquela guerra, ser visto hoje como um amigo e poder voltar à Guiné-Bissau sem temer represálias.

É de salientar que até os nossos inimigos de ontem, então combatentes do PAIGC, se encontram entre os amigos com quem podemos contar hoje.
Contam-se mutuamente histórias de guerra, passadas em lados contrários das espingardas que então empunhávamos.

Segue-se a estória que o nosso camarada Rui Felício nos enviou, ocorrida numa das suas idas à Guiné-Bissau, depois da guerra, mais uma prova entre muitas, do que atrás foi dito.
CV




2. Mensagem de Rui Felício, ex-Alf Mil Inf, (CCAÇ 2405, Guiné 1968/70) para Luís Graça em 29 de Agosto



Meu Caro Luis Graça,

Retomando uma longa ausência, lembrei-me de te enviar mais uma historieta da Guiné, aproveitando para desejar que te encontres bem.
Um abraço

PS: A ausência não significa que não tenha vindo ao blog com regularidade, para ler o que vai sendo publicado. Está cada vez mais participado e conhecido. Parabéns!
Rui Felício

Lisboa, 29 de Agosto de 2007

Agora que me apresto para viajar de novo à Guiné, desta vez em trabalho, lembrei-me de uma pitoresca estória que ali se passou comigo há alguns anos atrás, já depois da independência daquele território onde os portugueses, apesar de tudo, deixaram marcas indeléveis.

Aqui vai ela:

O Fula, a galinha e o vestido

Galomaro, Maio de 1981

Passados 11 anos após o regresso da CCAÇ 2405, retornei à Guiné, em 1981, naturalmente já civil, e passei alguns dias em Galomaro onde esteve sediada a Companhia antes da sua deslocação final para o Dulombi.

Percorri, de jeep ou de bicicleta, toda aquela região que tão bem conheci por força dos patrulhamentos militares efectuados entre 1968 e 1970.

Visitei as tabancas de Pate Gibel, Dulo Gengele, Samba Cumbera, Sinchá Lomi, em que estive destacado com o meu pelotão, e também as de Campata, Cansamba e Mondajane onde estiveram o Paulo Raposo, o Jorge Rijo e o Vitor David, igualmente destacados com os respectivos grupos de combate que comandavam.

Em todas, em especial aquelas onde tinha estado destacado, se recordavam de mim e me receberam com manifestações de regozijo, coisa que me surpreendeu porque, após o nosso regresso no fim da comissão, muitos outros militares por ali passaram.

Como era possivel que aquela gente ainda retivesse na memória o meu nome e os dos meus camaradas, e recordasse situações comezinhas que naquele tempo tinham ocorrido, demonstrando que as manifestações de alegria não eram de mera circunstância?

Certo dia, ao acordar manhã cedo em Galomaro, depois de uma noite de forte trovoada e intensas chuvadas tropicais, vieram-me dizer que estava à minha espera o chefe de tabanca de Samba Cumbera que fica a alguns quilómetros de Galomaro.

Fui ao encontro do velho homem, esguio e de rosto anguloso, de seu nome Samba, que sorridente me cumprimentou, tentando no seu incipiente crioulo que mal dominava, traduzir por palavras, a sua alegria em me reencontrar.

Correspondi aos seus cumprimentos e mantivémo-nos abraçados durante largos momentos.
Fiquei comovido quando, a um seu sinal, uma criança que o acompanhava me ofereceu uma galinha viva que trouxera como presente para o antigo alfero que estivera hospedado com a sua tropa na tabanca de que ele era chefe.

Mal me ficaria não retribuir a gentileza...

E por isso, de imediato, pedi a um alfaiate, que com a sua máquina de costura se encontrava no alpendre da tabanca perto da qual esta cena se desenrolava, que costurasse um vestido para o fula que tão atenciosamente me tinha vindo visitar.

O Samba agradeceu repetidamente a prenda que lhe ofereci e, mais tarde, regressou a Samba Cumbera, com o vestido que, em três tempos, o alfaiate lhe confeccionou.
O que iria agora eu fazer com a galinha viva?

Pedi à D. Maria, viúva do comerciante Regala, homem excepcional entretanto falecido e que tão boas relações tinha mantido com a tropa da CCAÇ 2405, que guardasse a galinha para mais tarde ou no dia seguinte a mandar matar e assar à cafreal.

Fiquei espantado quando a D. Maria, ao fim do dia, me veio mostrar a galinha.

O animal cambaleava, contorcia a cabeça e mal se aguentava de pé.
Não havia dúvidas que estava atacado por alguma doença, pelo que não era aconselhável comê-lo. Naturalmente, seguindo a sugestão da D. Maria, resolvemos matar a galinha e enterrá-la...

Ainda hoje não sei ao certo se o velho e astuto Samba conhecia o estado da galinha quando decidiu dar-ma de presente, mas mais importante que isso foi ter recebido a simpatia que me manifestou por saber da minha presença em Galomaro, palmilhando a pé vários quilómetros para me ver e saudar.

Só por isso, valeu a pena a despesa feita com o vestido que lhe ofereci...

Rui Felício
Ex-Alf Mil Inf
CCAÇ 2405

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Nota de C.V.:

(1) Vd posts anteriores desta série

8 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1352: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (7): Perigos vários, a divisa dos Baixinhos de Dulombi

27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1217: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (6): Sinchã Lomá, o Spínola e o alferes que não era parvo de todo

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1085: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (5): O improvisado fato de banho do Alferes Parrot na piscina do QG

5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço

19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili

9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral