quinta-feira, 22 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

António G. Abreu, Mário Beja Santos e o Carlos Marques dos Santos, no III Encontro em Monte Real, 17 de Maio de 2008

Foto: © Helder de Sousa (2008). Direitos reservados.


A Guerra estava militarmente perdida ?

1. Mensagem de António Graça de Abreu:

Se conheces, actua como homem que conhece, se não conheces, reconhece que não conheces. Isso é conhecer. Confúcio (551 a.C-479 a.C.)

O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflecte. Aristóteles (384a.C-322 a.C.)

É a guerra aquele monstro que se sustenta de fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta. Padre António Vieira (1608-1697)

Uma guerra está militarmente perdida quando o adversário tem armamento superior.
Mário Beja Santos.

Caríssimos tertulianos, meu caro Mário Beja Santos

Porque um dia passámos todos pela Guiné, porque devemos procurar o rigor da análise na nossa história das guerras de África, porque subsistem equívocos, mal-entendidos, incompreensões naturais, porque alguns de nós continuam a assumir esplendorosas falácias como certezas e verdades à deriva pela doce pátria lusitana, alinho estas palavras. Sem outro intuito que não seja o de nos conhecermos melhor.
Antes de escrever mais, devo confessar que duvido sempre, leio, penso, medito, tento informar-me, procuro conhecer.


Como quase todos nós, não passei impunemente pela antiga Guiné Portuguesa.



Alf Mil António Graça de Abreu, em Cufar. Janeiro de 1974.

Foto: © Graça de Abreu (2008). Direitos reservados.

Estive lá, no norte, centro e sul, pequeno alferes miliciano num comando de operações, 1972/1974. Desculpem-me a vaidade de citar talvez o maior de todos os portugueses, no século XVI perdido pelo mundo, como nós nos anos sessenta e setenta do século XX, de seu nome Luís de Camões.
Em “Os Lusíadas” canto X, estrofe 154, o poeta diz:
Não me falta na vida honesto estudo
com longa experiência misturado
.

Vamos à conjuntura militar, Guiné 1973/74.

Os guerrilheiros do PAIGC não controlavam nenhuma cidade, vila ou aldeia importante da Guiné. O território tinha então cerca de 500.000 habitantes. Mais de 400.000 guineenses viviam junto das tropas portuguesas, subtraídos por vontade própria ou por necessidade, ao controlo do PAIGC.

O exército português dispunha então na Guiné de aproximadamente 40.000 homens, 6.000 a 7.000 dos quais africanos guineenses. As milícias locais, com as suas velhas Mauser, muitas G-3 e até morteiros, davam alguma cobertura ao esforço de guerra da tropa portuguesa e eram constituídas por quase 20.000 homens.
Os guerrilheiros do PAIGC seriam entre 4.000 a 6.000, muitos deles permanentemente a entrar e a sair da Guiné. Viviam em segurança fora do território da Guiné, nas suas bases de Kandiafara (Senegal), ou Kumbamory (Guiné-Conakry) e outras.
Todos os comandantes militares portugueses encontravam-se dentro do território da Guiné, generais Spínola, depois Bettencourt Rodrigues, coronéis e tenentes-coronéis, comandantes operacionais, comandantes de batalhão, comandantes de companhia. António de Spínola deslocava-se de helicóptero a todos os aquartelamentos portugueses na Guiné, e eram muitos.
Lembram-se dos termos em que, por brincadeira, se dizia que costumava ser anunciada a chegada do general do monóculo? “Info V. Exa, S. Exa segue na mexa”. No início de Dezembro de 1973, o general Bettencourt Rodrigues foi de helicóptero a Madina do Boé, e não encontrou viva alma. Foi pura propaganda, até levou um jornalista alemão com ele para reportar o feito, mas a verdade é que o governador da Guiné Portuguesa, dois meses e meio depois esteve no local onde em Setembro o PAIGC havia declarado a independência.
Quantos comandantes militares do PAIGC, de graduação semelhante, estavam, dia após dia, junto dos seus guerrilheiros no interior do território da Guiné? Nino Vieira, Luís Cabral, Aristides Pereira, Pedro Pires podem responder.

Amílcar Cabral foi assassinado em Conakry, Osvaldo Vieira morreu num hospital em Conakry, não faleceram no interior dos “dois terços do território” da sua pátria que haviam “libertado”.
A guerra estava militarmente perdida para as tropas portuguesas? Quem acredita?
Continuemos com a conjuntura militar, Guiné 1973/74. De que meios aéreos, navais e terrestres dispunham os dois contendores no conflito?
O exército português e a tropa guineense que combatia a seu lado contavam com aviões Dakota (DC 3), T-6, Fiats G-91, Dornier 27, Nord-Atlas e helicópteros Alouette 3, sete ou oito deles equipados com héli-canhões, num total de quase quarenta aparelhos.
Existiam junto aos aquartelamentos portugueses umas boas dezenas de pistas de aviação, duas delas asfaltadas (Bissau e Cufar). Para voar, o PAIGC não dispunha sequer de pombos-correios, embora se falasse na hipótese, nunca concretizada, de os guerrilheiros poderem um dia utilizar Migs, a partir de bases aéreas situadas na Guiné-Conakry, ou seja fora da sua pátria. É verdade que possuíam mísseis anti-aéreos Strella e que abateram cinco aviões portugueses em Abril de 1973. Entre Junho de 1973 e Abril de 1974, com “armamento tecnologicamente superior”, no dizer do nosso amigo Beja Santos, quantos aviões portugueses foram abatidos pelo PAIGC? Nem um. E os nossos meios aéreos, ao contrário do que muitas boas almas ainda hoje apregoam por ignorância ou maldade, não deixaram de voar, e voaram muito. Os guerrilheiros e as populações sob seu controlo, continuaram a ser impiedosamente bombardeadas pela força aérea portuguesa. Em 1974 até os Nord-Atlas chegaram a ser utilizados como bombardeiros, com as bombas a serem lançadas da traseira aberta do avião! Com napalm, bombas de 200 libras, etc., e também metralhados pelas metralhadoras pesadas dos nossos héli-canhões. São factos inquestionáveis, a realidade foi essa.
Como é que a guerra estava militarmente perdida para a tropa portuguesa?
De quantos meios navais – fundamentais numa Guiné polvilhada por rios e canais que entram pela terra dentro e são estradas fluviais a utilizar no deslocamento e abastecimento das populações –, dispunha a marinha, o exército português?




LDG Alfange, subindo o rio Cumbijã, Agosto 1973.

Foto: © Graça de Abreu (2008). Direitos reservados.

Havia lanchas de desembarque grandes e médias, bem equipadas com as metralhadoras pesadas Oerlikon, pequenas vedetas de fiscalização (o nosso Lema Santos conheceu-as muito bem) também com um bom poder de fogo, os nossos fuzileiros armados movimentavam-se facilmente com os seus zebros nos rios Cacheu, Cumbijã, Cacine, etc. Havia ainda os sintex, com potentes motores de 60 cavalos, (como os dos zebros) importantes no deslocamento das tropas portuguesas de aquartelamento para aquartelamento ou mesmo em operações militares. Recordo nas regiões do Tombali/Cantanhez, em 1973/1974, os nossos destacamentos do Chugué, Cobumba, Bebanda, Caboxanque, Cufar, Cadique, Cafal e Cafine. Todos utilizavam largamente os zebros e sintex.
Quais eram os meios navais de que, na fase final da guerra, dispunha o PAIGC? Os guerrilheiros, armados com as suas kalashnikovs, movimentavam-se em canoas raramente equipadas com um pequeno motor, mas sobretudo canoas primitivas, a remos, escavadas em troncos de árvores, que escondiam no tarrafo da margem dos rios.
Como é que a guerra estava militarmente perdida?
Quanto a meios terrestres também vale a pena uma breve abordagem. As tropas portuguesas possuíam umas centenas de camiões Berliets, GMCs, Unimogs, viaturas auto-metralhadoras Daimler, Fox, Panhard, algumas destas, é verdade, velhas e quase inoperacionais. Mas ainda funcionavam.


Fox na estrada Cufar-Catió, Fevereiro 1974.

Foto: © Graça de Abreu (2008). Direitos reservados.

Desloquei-me numa Fox de Cufar para Catió, e volta, por várias vezes até Abril de 1974. Havia estradas asfaltadas, por exemplo de Bissau a Teixeira Pinto, de Teixeira Pinto ao Cacheu, de Bissau a Farim, (a região Bafatá-Nova Lamego não conheço), Cufar para Catió, e mais estradas estavam em construção. As colunas de viaturas (naturalmente sujeitas a emboscadas) deslocavam-se quase por toda a Guiné.
E quais eram os meios terrestres do PAIG? Os guerrilheiros deslocavam-se a pé pelo interior das matas e florestas da Guiné, carregando as armas e munições que lhes chegavam vindas em camiões desde Conakry ou do interior do Senegal. Essas armas eram desembarcadas nas fronteiras com a Guiné Portuguesa. Raríssimas viaturas ao serviço do PAIGC entraram no território da Guiné e quando tal aconteceu verificou-se junto aos aquartelamentos de fronteira. Depois do abandono de Guileje, em Maio de 1973, os guerrilheiros aproveitaram o corredor de Guileje (por onde costumavam entrar e sair sempre a pé) para, pela primeira vez, trazerem alguns camiões e veículos blindados (?) até junto de Bedanda, nas flagelações de Março e Abril de 1974.
Mas como é que a guerra estava militarmente perdida?
Escreve o nosso amigo Beja Santos no título da mensagem que me enviou, depois publicado no blog sem este título, que “uma guerra está militarmente perdida quando o adversário tem armamento tecnologicamente superior.” Se tal é verdade, o que duvido, (os americanos perderam a guerra do Vietname, no terreno, apesar de contarem com armamento tecnologicamente superior, hoje também possuem armamento superior no Iraque e não conseguem ganhar a guerra), quem em 1973/74 dispunha de armamento tecnologicamente superior, de logística, de condições para o usar, etc., era o exército português. E esta superioridade não era suficiente para ganharmos militarmente a guerra. Talvez o Beja Santos ao falar “no armamento superior” se queira referir ao armamento tradicional do PAIGC, às kalashnikovs, às Simonovs, às PPSHs, às metralhadoras Degtyarev, aos RPGs, aos canhões sem recuo, aos morteiros, aos foguetões 122, aos mísseis Strella, minas anti-pessoal e anti-carro, armas típicas de uma guerra de guerrilha como a da Guiné, sem dúvida eficientes, que transformaram num calvário a vida de muitos de nós, mas eram incapazes de levar o PAIGC a uma vitória militar.
Não subestimo, de modo algum, a capacidade bélica dos guerrilheiros, a extraordinária coragem de muitos deles, os golpes que assestaram na tropa portuguesa. No ano de 1973, tivemos 210 mortos. Não sei os números para os outros anos mas não terão sido inferiores. De resto, a situação militar em 1973/74, considerando a essência do conflito, não seria substancialmente diferente da de 1965,67,69,71. Claro que a guerra evoluiu, em 73/74 os guerrilheiros do PAIGC estavam melhor preparados e equipados.
Mas temos de conhecer bem a realidade. Apesar de uma “maior” capacidade militar, quantos aquartelamentos portugueses conquistou o PAIGC em 1973/1974? Nem um. E quantos mortos teve? Ninguém sabe, mas foram bem mais do que os soldados portugueses mortos em combate.
Eu sei, há Guidage e Guileje, Maio de 1973.
Cerca de mil (?) guerrilheiros do PAIGC, ao abrigo da fronteira do Senegal, mesmo ao lado, cercaram Guidage e transformaram o lugar num inferno de morte para os portugueses. Lá morreu o meu (continuará sempre comigo!) soldado David Ferreira Viegas, do CAOP 1. Mas os guerrilheiros não conseguiram conquistar Guidage. A partir da fronteira com a Guiné-Conakry, também transformaram Guileje num inferno de morte. E Guileje não foi conquistada, foi abandonada à revelia dos poderes de Bissau. Gostemos ou não, esta é a realidade. Depois, até ao fim do conflito, nem Gadamael, nem Cacine, nem Piche, nem Buruntuma, nem Pirada, nem Copá, etc, nenhum mais aquartelamento de fronteira, ou de outro qualquer lugar, foi conquistado ou abandonado pelas tropas portuguesas.
A guerra não estava militarmente perdida.
É verdade que Spínola pediu mais meios e armamento a Marcelo Caetano e que não os obteve. Foi uma das razões porque se demitiu. Mas os meios terrestres, navais e aéreos de que dispúnhamos, eram, sempre foram superiores aos do PAIGC. Não eram suficientes para derrotar o inimigo mas este tipo de guerra de guerrilha, num território tão complicado como o da Guiné, nunca se ganha apenas no terreno.
Depois, é preciso fazer justiça à História e reconhecer a camaradagem, o sacrifício, o enorme esforço, a dedicação das tropas portuguesas em terras da Guiné, quase todos no melhor dos nossos vinte anos, em situações extremas e difíceis de uma guerra de guerrilha traiçoeira e incerta.
Também é preciso prestar uma sentida homenagem aos guerrilheiros do PAIGC que, dispondo de meios militares inferiores aos da tropa portuguesa, lutaram heroicamente e deram a vida, aos milhares, pelo que acreditavam ser a causa da libertação da sua pátria e da construção de uma Guiné independente e melhor. Exactamente por estas ponderosas razões não devemos, não podemos distorcer a História, vesti-la com roupagens que nunca teve.

Uma última questão
No blogue, o nosso amigo Mário Beja Santos dá-me um conselho que agradeço e diz:
“Por favor, estuda. Estuda o que escreveram Marcelo Caetano, Spínola e Costa Gomes. (…) Quando um Presidente do Conselho (Marcelo Caetano) propõe em plena sessão do Conselho Superior de Defesa Nacional, em 1973, que a maior parte do território da Guiné não é defensável, na actual conjuntura, a retirada estratégica para os territórios da península de Bissau, que guerra não está perdida?


(…) Tudo isto está documentado, é público, é acessível a quem quiser ir às livrarias.”

Vamos lá então ler as palavras de Marcelo Caetano, Costa Gomes e António de Spínola, após Guidage e Guilege, que são públicas, acessíveis a quem quiser ir às livrarias e estão transcritas no meu livro Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura, Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2007, pag.102.
Escreve Marcelo Caetano:
“Em meados de 1973, a situação militar podia considerar-se satisfatória. (…) Pus ao General Costa Gomes que recentemente visitara a Guiné, inspeccionara as tropas e acertara os dispositivos a adoptar, a seguinte questão:
- A Guiné é defensável e deve ser defendida? Se sim, vamos escolher o melhor general (em substituição de António de Spínola) disponível para a governar, vamos fazer o esforço de lá manter os homens necessários e de procurar dotá-los do material necessário. Se não, prepararemos a retirada progressiva das tropas para não prolongar um sacrifício inútil, designando um oficial-general, possivelmente um brigadeiro, para liquidar a nossa presença.
A resposta do General Costa Gomes foi categórica:
- No estado actual, a Guiné é defensável e deve ser defendida.” Marcello Caetano, em Depoimento, Rio de Janeiro, Ed. Record, 1974, pag.180.

E o que nos diz o general Spínola sobre esse período de meados de 1973?

"(…) Tendo estado quase que iminente o abandono de algumas povoações de fronteira, o que só não sucedeu pela valorosa acção individual de alguns comandantes. Nessas acções de fronteira, é de elementar justiça salientar o comportamento de alguns oficiais, entre os quais destaco o Coronel Pára-Quedista Rafael Durão, (o meu comandante do CAOP 1) o Tenente-Coronel de Cavalaria Correia de Campos e o major de Cavalaria Manuel Monge." António de Spínola, País sem Rumo, Lisboa, Ed. SCIRE, 1978, pag. 54.

Comentário final

O general Costa Gomes afirma em meados de 1973 que "a Guiné é defensável e deve ser defendida". No mesmo período o general Spínola destaca o papel dos nossos militares na defesa dos aquartelamentos de fronteira. Ora Marcelo Caetano, segundo Mário Beja Santos numa prosa da sua autoria um pouco confusa, "propõe em plena sessão do Conselho Superior de Defesa Nacional, em 1973, que a maior parte do território da Guiné não é defensável, na actual conjuntura, a retirada estratégica para os territórios da península de Bissau, que guerra não está perdida?"

Alguém acredita que depois de Costa Gomes ter dito a Marcelo Caetano que "a Guiné é defensável" que tenha sido o próprio Marcelo Caetano a afirmar que "a maior parte do território da Guiné não é defensável"? Alguém acredita numa retirada estratégica das tropas portuguesas para os territórios da península de Bissau, ou seja aqueles trinta e poucos quilómetros que vão de Nhacra a Quinhamel? Nem cabíamos lá dentro.
Alguém acredita que íamos deixar para trás centros urbanos e vilas como Teixeira Pinto, Cacheu, Bula, Farim, Bafatá, Nova Lamego, Bambadinca, Mansoa, Tite, Bolama, Buba, Catió, Cufar, Cacine? Marcelo Caetano não pode ter dito um tamanho disparate. E eu não gosto, nunca gostei nem um bocadinho de Marcelo Caetano, António de Spínola e Costa Gomes.
Mas há por aí muita desinformação e têm sido escritas incontáveis barbaridades a respeito da Guiné.

Tenho pelo Mário Beja Santos todo o respeito que me merece um camarada de guerra na Guiné. Peço-lhe apenas um pouco mais de humildade. Tenho todo o direito de não concordar com as suas análises, de não aceitar a tese da superioridade militar do PAIGC em relação às nossas tropas, de discordar da tese amplamente divulgada (porque convinha à tendência mais esquerdista, pós-25 de Abril, para justificar o abandono precipitado da Guiné) de que em 1973/1974 a guerra estava militarmente perdida.

É fundamental não confundir o político com o militar.
Estas questões são importantes, têm a ver com a nossa História e com a História da Guiné-Bissau, têm a ver com a própria natureza do conflito militar no período final da guerra da Guiné.

Vamos tentar ser justos, honestos e rigorosos.
Um abraço a todos os camaradas da Guiné,

António Graça de Abreu

PS. Já depois de ter escrito o texto acima, leio no blog a troca de mails, com conhecimento a todos nós, intercambiada entre o Mexia Alves e o Beja Santos.

O Joaquim Mexia Alves interpreta o meu sentir, e creio que o de quase todos os velhos combatentes da Guiné, e refuta naturalmente uma tantas afirmações do nosso amigo Beja Santos.
Como é possível, meu caro Mário Beja Santos, considerares que na fase final do conflito na Guiné "se desenhava uma guerra convencional 'à carta'." E que "As tropas do PAIGC despejavam os 'órgãos Estaline' quando queriam, sem resposta da nossa tropa, era uma nova inferioridade".
Como é possível que um homem inteligente como tu diga coisas destas? Guerra convencional no território da Guiné? Órgãos Estaline, aquelas rampas de lançamento múltiplo de mísseis utilizadas na 2ª. Guerra Mundial e que nunca ninguém viu na Guiné? Devias estar a pensar nos foguetões 122, disparados aos pares, a dez, onze quilómetros dos nossos aquartelamentos, e que, por bem, tinham o bom hábito de se desviarem do objectivo e quase nunca acertavam. Quantos militares portugueses morreram ou foram feridos devido ao rebentamento de foguetões 122? Não muitos. É verdade que o silvo dos foguetões assustava. Mas muito mais perigosos eram os canhões sem recuo e os RPGs. E dizes que a nossa tropa não respondia às flagelações dos guerrilheiros, "era uma nova inferioridade". Tínhamos obuses 10,5 e 14, morteiros, canhões sem recuo, metralhadoras pesadas e a cada flagelação respondíamos sempre com as armas de que dispúnhamos e que não eram tão fracas e ineficazes como isso. Tenho uma gravação minha de um ataque IN a Cufar, a 20 de Janeiro de 1974, um imenso fogachal dos dois lados, cerca de vinte minutos. Como era costume, não houve qualquer morto ou ferido do nosso lado. Como era costume, ninguém viu os guerrilheiros que atacaram a um quilómetro de distância, despejaram o seu material e depois fugiram. Mesmo assim um pelotão da CCaç. 4740 foi no encalço do IN. Os nossos homens regressaram ao quartel umas horas depois, enlameados, exaustos. Dos guerrilheiros em fuga, nem cheiro. Qual guerra convencional? Qual “sem resposta da nossa tropa”?

Dizes, ainda, meu caro Mário Beja Santos que "o inimigo nunca desarmou, nunca perdeu posições".
Dou-te apenas um exemplo. Em Novembro/Dezembro de 1972, por ordens do general Spínola, as tropas portuguesas foram ocupando e instalando-se gradualmente em aldeias do Tombali/Cantanhez, até então sob controlo IN. Foram ocupadas Cobumba, Chugué, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cafine e Jemberém. Os guerrilheiros retiraram para as matas do Cantanhez, onde, é verdade, passaram a fazer a vida negra à tropa portuguesa. Mas foram desalojados e perderam as suas posições.
É tudo.
Um abraço.
António Graça de Abreu
S. Miguel de Alcainça, 18 de Maio de 2008
Ano do Rato

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Notas:
1. adaptação do texto e sublinhados da responsabilidade de vb.
2. Artigos relacionados em
15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)
13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)
30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

Guiné 63/74 - P2871: Excerto do Diário do ex-Alf Mil A. Nunes Ferreira (CCAÇ 4540, Cadique, 31/1/73 a 20/2/73)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > Cadique > Junho de 2007 > Pedras que falam da CCAÇ 4540 - Somos um Caso Sério - que esteve aqui, em Cadique, em pleno coração do Cantanhez, na margem esquerda do Rio Cumbijã, de 12 de Dezembro de 1972 a 17 de Agosto de 1973.


Fotos :
Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem de Albertino Nunes Ferreira, 8 de Abril de 2008:


Assunto - CCaç 4540: passagem por Cadique 72/73


Tenho um pequeno diário da minha passagem por Cadique. Pergunto se vêem algum interesse na divulgação do mesmo no vosso blogue

Albertino Nunes Ferreira
Ex Alf Mil Inf da CCAÇ 4540



2. Excertos do diário de Albertino Nunes Ferreira, relativa à passagem do Cadique, Cantanhez, da sua unidade, a CCAÇ 4540 (1). Textos enviados em 9 de Abril e 19 de Maio de 2008:

Após dois meses e meio em Bigene, desembarcou a CCaç 4540 no dia 12/12/72 de bordo da LDG Bombarda em Cadique no âmbito da operação Grande Empresa com o auxílio dos Fiat da FAP e de um bi-grupo da CCP 121. Eis algumas notas respigadas de um pequeno diário :

31 de Janeiro de 1973

Só hoje me decidi a escrever um Diário íntimo da minha presença aqui neste lugar de Cadique, no Cantanhez, considerada área libertada pelo PAIGC. Dói-me a cabeça abominavelmente. Foi a primeira vez que comi razoavelmente bem depois do enjoo das rações de combate intragáveis de que só aproveito os sumos, dando o resto aos soldados do meu grupo de combate, que esses comem tudo o que lhes dão…

Neste momento vivo numa espécie de cabana com um abrigo-vala anexo, abaixo do nível do solo, o tecto feito de folhas de palmeiras secas e capim e deito-me ao nível do chão porque o colchão de borracha foi comido pelas formigas, tendo ainda por companhia uma colónia de morcegos e alguns ratos…

O rio Cumbijã faz uma grande curva à nossa frente e continua pela direita até Caboxanque. Aqui passo os dias quando não saímos para o mato em patrulha e vejo o pôr-do-sol magnífico sobre o rio voltado para Oeste. Nas primeiras andanças pela povoação e arredores notei que ao lado de todas as moranças havia grandes abrigos protegidos por cibes, que algumas bombas lançadas pelos Fiat não tinham rebentado e que as lavras estavam todas queimadas pelo napalm. Por outro lado a população era constituída só por velhos e crianças, estando os jovens logicamente na guerrilha…


2 de Fevereiro de 1973

Ontem estivemos na mata durante todo o dia. Andámos até ao esgotamento. Doem-me os músculos horrivelmente. Estou com fome, porque não como há 24 horas e dói-me terrivelmente a cabeça. Hoje é dia de descanso para o pessoal do 2º grupo de combate. Nada de especial há para assinalar. A rotina e o tédio aproximam-se subitamente com a tarde. Já perdi a noção do tempo, dos dias que se sucedem sem qualquer significado. Só se sabe que é domingo porque se ouvem os relatos de futebol. Anoiteceu rapidamente.


3 de Fevereiro de 1973


Hoje levantei-me excepcionalmente cedo e sinto uma sensação de bem-estar fantástica porque é dia de não sair para o mato. Contudo, vai custar a passar o resto do dia com este calor sufocante que aperta logo pela manhã e que nem a sesta nos deixa dormir…

Até ao fim do dia não deverá acontecer nada de anormal. Logo à noite vai haver cinema para a rapaziada e só espero que não haja ataque ao aquartelamento porque seria uma carnificina. Meu pai começou a mandar-me o Expresso e eu tornei-me assinante do Nouvel Observateur que recebo aqui regularmente. A sua leitura sempre ajuda a “matar o tempo” nas horas vagas…


4 de Fevereiro de 1973


Hoje fui dar uma volta pela bolanha até à beira do rio Cumbijã. Quando não tenho nada para ler fico psicologicamente deprimido. Passo as noites sem dormir. Só me apetecia ingerir um trago de uma droga qualquer… cuspir toda a noite o fogo das entranhas. Afogo-me em whisky para conseguir dormir alguma coisa e vou aos tropeções para a cabana, meio embriagado pelo álcool e tendo ainda nos ouvidos a canção The Savoy Trufle do George Harrison, tentando esquecer este quotidiano sem sentido que nos está reservado possivelmente até ao fim da comissão.


20 de Fevereiro de 1973

Só hoje me decidi a escrever um pouco mais . Não tenho tido realmente disposição para continuar este pequeno diário. Sinto-me horrorosamente cansado e doem-me o estômago e a cabeça.

Sinto o corpo todo partido por não conseguir dormir nas noites longas passadas na mata, emboscado, ao relento, por tecto as estrelas, sobre o chão duro, difícil e vermelho, alimentado á base dos líquidos da mísera ração de combate que nos dão, porque o resto é intragável e deito tudo fora ou dou aos soldados…
Um combatente não devia tratar-se assim, bolas… Apesar de tudo não recuamos nunca quando temos de fazer o que devemos para sobreviver. Ontem mesmo, quando fazíamos 5 meses de Guiné, durante um patrulhamento conseguimos capturar 24 granadas de canhão sem recuo e 1 de RPG 2. Foi um grande ronco para o 2º Grupo de Combate da CCaç 4540 e até os páras da [CCP] 123 que ainda estão connosco ficaram com uma pontinha de inveja da tropa macaca (2)…

Amanhã vamos sair novamente em missão operacional e há notícias de que o Caco Baldé vem aqui mais uma vez a Cadique, desta feita acompanhado de uma equipe da TV alemã para filmar alguns aspectos do destacamento e o andamento dos trabalhos de construção da estrada Cadique – Jemberém.

Não consigo escrever mais. Acabou.

Alf Mil Inf
A. Nunes Ferreira
CCAÇ 4540

3. Comentário de L.G.:

Meu caro Albertino:

Posso concluir que estas são as únicas notas que escreveste no teu diário ? São, em todo o caso, valiosas, e vê-se que foram escritas com sangue, suor e lágrimas... Tomei a liberdade de sublinhar, a bold e a vermelho, algumas das tuas frases...

É importante que certas coisas sejam escritas na primeira pessoa do singular... Os nossos filhos e netos não imaginam as duríssimas condições em que vivíamos e combatíamos na Guiné. Não se tirem conclusões, apressadas e ilegítimas, de pequenos documentos íntimos como este... Por exemplo, que a guerra estava ganha ou que estava perdida... Esse debate, pessoalmente, não me interessa. Admito que possa interessar a outros camaradas... Falta-nos a distância histórica e a visão sinóptica da época, e sobretudo a investigação historiográfica de primeira água, para tirar conclusões, com segurança, com rigor, sobre a situação político-militar (E este binómio é inseparável: não podemos analisar a situação militar, isolada do contexto político e geopolítico)...

De qualquer modo, a missão do nosso blogue - que não é um portal noticioso, nem é o sitío de nenhuma associação, nem uma tribuna, nem uma bandeira de causas perdidas ou por ganhar... - é sobretudo a de dar voz a pessoas como tu, que nem sequer pediste para integrar a nossa Tertúlia. Mas fica aqui, desde já, o convite: seria honroso para todos nós que o teu nome figurasse na lista dos amigos e camaradas da Guiné... Um abraço do tamanho do Cumbijã. Luís

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Notas de L.G.:


(1) Vd. poste de 21 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2870: O meu álbum de recordações de Cadique e da CCAÇ 4540 (A. M. Conceição Santos)

(2) Vd. postes de:

27 de Junho de 2007 Guiné 63/74 - P1891: O Cantanhez (Cadique, Caboxanque, Cafine...) e os paraquedistas do BCP 12 (1972/74) (Victor Tavares, CCP 121)

9 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2038: Os pára-quedistas no mítico Cantanhez: Operação Tigre Poderoso (I parte) (Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12)

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2051: Os pára-quedistas no mítico Cantanhez: Operação Tigre Poderoso (II parte) (Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12)

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2870: O meu álbum de recordações de Cadique e da CCAÇ 4540 (A. M. Conceição Santos)


































Textos e imagens de António Manuel Conceição Santos


Um grande abraço para todos vós ... Conseguiram despertar em mim algo que guardava comigo há cerca de 34 anos.

Gostaria que publicassem esta apresentação em powerpoint no vosso blogue.

Obrigado

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Nota dos editores:

(1) Sobre Cadique e a CCAÇ 4540 (Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74), vd. os seguintes postes:


21 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2869: Tabanca Grande (70): Eduardo Campos, ex-1.º Cabo Trms da CCAÇ 4540 (Guiné 1972/74)

21 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2782: Tabanca Grande (64): António Manuel da Conceição Santos, ex-Fur Mil Op Esp, CCAÇ 4540 (Guiné 1972/74)

9 de Outubro de 2007> Guiné 63/74 - P2167: Breve história da CCAÇ 4540 (Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74) (Vasco Ferreira)

2 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2022: Em busca de... (8) Cadique Nalu... e da malta da CCAÇ 4540 (1972/3) (Vasco Ferreira)

25 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1876: Restos de aquartelamentos (1): Cadique, na margem esquerda do Rio Cumbijã (CCAÇ 4540, 1972/73) (Pepito)

Guiné 63/74 - P2869: Tabanca Grande (70): Eduardo Campos, ex-1.º Cabo Trms da CCAÇ 4540 (Guiné 1972/74)


Eduardo Campos
ex-1.º Cabo Trms
CCAÇ 4540
Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra
1972/74



1. Em 19 de Abril, recebemos esta pequena mensagem do nosso novo camarada Eduardo Campos que quer fazer parte da nossa Tabanca Grande

Olá,
Vou apresentar-me à Tabanca Grande.
Estou na casa do meu cunhado, o Herói de Gadamael (1)
Sou o ex-1.º Cabo Trms Eduardo Campos
Fiz parte da CCAÇ 4540 'SOMOS UM CASO SÉRIO' que esteve entre 1972/74 em:
Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra

Sei as Normas da Tabanca e queria fazer parte da mesma, pois já estive no Almoço de Pombal e, depois de muita insistência do nosso herói, aqui estou.

Tenho acompanhado o Blogue e a AD de Guileje diz-me algo pois estive no Cantanhez e aí tem-se falado muito neste local.

Aguardo a aceitação e eventuais questões onde eu possa participar.

O meu e-mail é: eduacampos@gmail.com
Eduardo Campos


2. Comentário de CV

Caro Eduardo, esperaste um pouco, pelo que te peço desculpa, mas afinal já és da casa, porque nos conheces do nosso Encontro de Pombal.

Sê bem-vindo ao nosso meio onde assumes a responsabilidade de nos contares as estórias vividas por ti e pelos teus camaradas, enquanto elementos da CCAÇ 4540.

A vossa CCAÇ esteve no mítico Cantanhez e em Cufar, locais largamente falados neste Blogue.

Não posso deixar de realçar o nosso querido Mário Fitas (CCAÇ 763, Cufar, 1965) que escreveu aquele maravilhoso livro sobre a guerrilheira Pami Na Dondo, que ele inventou (ou não) e que nós idealizamos tão bela quanto a nossa imaginação permite.

Como é costume, deixo-te, em nome da Tabanca Grande um abraço de boas vindas.
___________________

Notas dos Editores:

(1) - O Eduardo Campos refere-se, como não podia deixar de ser, ao nosso tertuliano José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp da CCAV 8350 (Piratas de Guileje).

Vd. postagem de 25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

Guiné 63/74 - P2868: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (7): Homenagem a um camarada, poeta e viticultor, o José Manuel Lopes

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Silêncio, canta-se o fado... Ou melhor, depois de um belo momento musical, com a estreia (a nível mundial!) do Fado da Guiné, na voz rouca mas castiça do nosso fadista de serviço, o Joaquim Mexia Alves (1) - enfim, nas piores... condições acústicas possíveis -, houve também um momento poético, praticamente improvisado, em que os artistas foram o Luís Graça, nosso editor (que foi dizer um poema do nosso camarada José Manuel Lopes, ou Josema) e o Joaquim, de novo, dizendo um poema que ele próprio outrora escrevera no Mato Cão, um poema nostálgico, já aqui reproduzido (2)...
Temos o registo (audiovisual) desses dois momentos e vamos partilhá-los com os amigos e camaradas da nossa Tabanca Grande e os demais frequentadores deste blogue... 

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Duas companheiras da nossa tertúlia, duas mulheres ligadas ao Douro e ao vinho: à esquerda, a Maria Alice, do Douro Litoral, co-produtora de vinho verde (Quinta de Candoz); e à direita, a Maria Luisa Valente, da Régua, Alto Douro, que produz vinhos maduros na sua Quinta da Senhora da Graça, entre eles o premiado Pedro Milhanos (Tinto Reserva 2005, Doc Douro).
No caso do José Manuel Lopes quisemos fazer-lhe uma pequena mas justa homenagem: (i) ao nosso camarada (ex- Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá , 1972/74), (ii) ao nosso poeta (que nos mandou meia centena de poemas da sua produção dessa época que chegou até aos nossos dias) e (iii) ao nosso vitivinicultor do Douro que nos presenteou, à hora da refeição, com um magnífico Pedro Milhanos, tinto, Reserva 2005, Doc Douro, de se lhe tirar o chapéu... Passou em todas as provas e em todos palatos.
Aqui fica, pois, na voz do Luís Graça, em nome de todos nós, essa pequena, singela, terna homenagem ao nosso Josema, ou simplesmente José Manuel (3), extensivo à sua esposa Maria Luísa da Silva Valente, que é também uma mulher de armas.

Vídeo (2' 17''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojado em: You Tube >Nhabijoes
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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores desta série:
19 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2859: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (6): Fotos do David Guimarães, o nosso tertuliano nº 3

18 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2858: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (5): Mais caras e corações...

18 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2857: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (4): Mais caras e corações...

18 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2856: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (3): Quem vê caras, (também) vê corações

18 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2855: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (2): A estreia mundial do Fado da Guiné

18 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2854: O nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (1): Foi bonita a festa, Joaquim e Carlos: Obrigados!

(2) Vd. poste de 30 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2701: Blogpoesia (10): Olhando para uma foto minha, no Mato Cão, ao pôr do sol, com o Furriel Bonito... (Joaquim Mexia Alves)

(3) Vd. poste de 17 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

Guiné 63/74 - P2867: Dando a mão à palmatória (12): O comandante do Pel Rec Daimler 2046 era o Jaime Machado e não o J. L. Vacas de Carvalho

Guiné > Zona Leste > Estrada Bambadinca-Bafatá > 1969 > Coluna da CCAÇ 12, a caminho de Bafatá, vendo-se ao fundo uma AM (autometralhadora) Daimler, do Pel Rec Daimler 2046, instalado em Bambadinca, e que era comandado nesse tempo pelo Alf Mil Cav Jaime Machado (que vive hoje em Matosinhos e que foi um dos participantes do nosso III Encontro Nacional, em Monte Real) (1).



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > CCAÇ 12 (1969/71) > 1970 > Coluna logística, no itinerário Bambadinca - Mansambo - Xitole.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > 1970 > Coluna logística ao Xitole... Pessoal em cima de um Daimler, do Pel Rec Daimler 2206 (Bambadinca, 1970/71). Da esquerda para a direita: O Fur Mil Op Esp Humberto Reis (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), o Alf Mil Cav Vacas de Carvalho, comandante do Pel Rec Daimler 2206, o Fur Mil Enf Godinho (CCS do BART 2917, Bambadinca, 1970/72) e, por fim, o Fur Mil At Inf T. Roda (CCAÇ 12)

Por lapso, temos sistematicamente atribuido o comando o Pel Rec Daimler 2046 ao periquito do J.L. Vacas de Carvalho, nosso querido amigo de de Montemor-o-Novo, que nessa época ainda não tinha chegado ao CTIG. Ele chegou a Bambadinca em Março de 1970, com o seu Pel Rec Daimler 2206, vindo render o Jaime Machado e os seus furões (Pel Rec Daimler 2046).

E a propósito da primeira foto acima reproduzida - em vários postes do nosso blogue (2) - , convirá recordar, sobretudo para quem não conheceu a Zona Leste, que a estrada Bambadinca-Bafatá era uma das poucas, na Guiné, nesse tempo, que estava alcatroada. Para nós, era uma verdadeira autoestrada, originando acidentes (e alguns graves) por excesso de velocidade. Entre Junho de 1969 e Março de 1971, não há registo de qualquer actividade da guerrilha neste troço: minas, emboscadas, flagelações à distância... Estávamos em pelo coração do chão fula, com milhares de homens em armas (incluindo naturalmente as milícias e as tabancas em autodefesa)...

Ainda no nosso tempo, deu-se início à construção da nova estrada (alcatroada) Xime-Bambadinca. As Daimlers também participaram na segurança aos trabalhadores e máquinas da TECNIL.

O troço entre Xime (onde aportavam as LDG, que vinham de Bissau, pelo Geba), Bambadinca (sede do Sector L1, que compreendia o Cuor, a norte do Geba, e o triângulo Xime-Bambadinca-Xitole) e Bafatá (sede de agrupamento, a segunda maior cidade da Guiné), era de grande importância estratégica para os transportes terrestres e para toda a logística na Zona Leste (Bafatá e Gabu).

Fora disso, as Daimlers (uma peça da arqueologia limitar, que se tornaram célebres na II Guerra Mundial, com Rommels e a guerra do Norte de África) limitavam-se, no nosso tempo (Bambadinca, 1968/71) a fazer segurança à pista de aviação e, às vezes, às colunas logísticas para Mansambo e Xitole... A viagem a Bafatá, semanal, era vista sobretudo um passeio, quase turístico, dominical... Iam também frequentemente ao Xime.

Na admira, por isso, que as Chaimites passassem a substituir as velhinhas Daimler no tempo do Sousa de Castro, o nosso tertuliano nº 2da CART 3494 / BART 3873 (que esteve no Xime e depois em Mansambo, 1972/74)... De qualquer modo, fora das estradas alcatroadas, nas terríveis picadas da Guiné, praticamente intransitáveis no tempo das chuvas, mesmo as modernas Chaimites dificilmente se aventuravam , com as suas seis toneladas de peso e a sua blindagem que não oferecia protecção contra o RPG-2 ou o RPG-7... Ao que parece, poucas viaturas destas terão sido utilizadas no ultramar.

Escreveu o Sousa de Castro (2): "Tanto quanto sei, no meu tempo (Guiné 1972/1974, CART 3494) as Chaimites faziam escoltas. Vinham muitas vezes de Bafatá (que era aí que se encontrava o esquadrão de cavalaria) até ao Xime, com a missão de escoltar Batalhões ou Companhias que aportavam no cais do Xime, provenientes de Bissau, via Rio Geba"...

Mas vamos ao que importa: ao Pel Rec Daimler 2046 sucedeu-se o do J.L. Vacas de Carvalho, o Pel Rec 2206 (1970/71). O seu a seu dono. Aqui ficam as desculpas dos editores, que às vezes trocam, inadvertidamente, nomes e números.


Fotos: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.
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Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 21 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2866: Tabanca Grande (69): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70)

(2) Vd. por exemplo poste de13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1172: Uma Chaimite no Xime (Sousa de Castro)

Guiné 63/74 - P2866: Tabanca Grande (69): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70)

Jaime Machado
ex-Alf Mil Cav
Pel Rec Daimler 2046
Bambadinca
1968/70



Brasão do Pel Rec Daimler 2046, Os 14 Furões, como eram conhecidos.

1. No dia 19 de Maio recebemos esta mensagem do nosso novo camarada Jaime Machado

Caro Luís Graça e demais Companheiros da Tabanca Grande:
Depois da forte emoção que senti no passado sábado, dia 17, durante o III Encontro Nacional em Monte Real, não posso adiar por mais um dia que seja a minha apresentação à tertúlia.

Apresenta-se então o ex-alf Mil Cav Jaime Machado que foi comandante do Pel Rec Daimler 2046 e que cumpriu toda a sua comissão na Guiné, em Bambadinca, entre 6 de Maio de 1968 e Março de 1970.

Junto as duas fotos da praxe e prometo dentro em breve dar mais notícias.

Recebam todos os tertulianos um forte abraço deste periquito que agora se junta a vós.

Jaime Machado
ex-Alf Mil Cav
Pel Rec Daimler 2046

Os valorosos militares do Pel de Rec Daimler 2046

Instantâneo do Natal de 1969. Onde falta o conforto da família sobra a amizade e a camaradagem.

José Lázaro, que esteve connosco em Monte Real, junto ao memorial da CART 2339

Fotos: © Jaime Machado (2008). Direitos reservados.

Monte Real, 17 de Maio de 2008> Em primeiro plano, José Lázaro. Ao centro Maria de Fátima, a simpática esposa do nosso novo tertuliano Jaime Machado mais ao fundo na fotografia.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


2. Comentário de Carlos Vinhal:

Caro Jaime Machado:
Diria que já não és tão periquito quanto julgas, uma vez que estiveste no nosso último Encontro de Monte Real.

Viveste a comoção do encontro entre camaradas que confraternizam religiosamente uma vez por ano, salvo pequenos grupos que, por este ou aquele acontecimento, se vão vendo ao longo do ano.

Deves conhecer a chamada Minitertúlia de Matosinhos que todas as quartas-feiras se reune na Casa Teresa. Podes comparecer porque cabe sempre mais um, apesar de a Casa ser pequena.

A vossa actividade na Guiné foi muito importante. Para nós, infantes, vocês eram uma espécie de anjo da guarda. A vossa presença, principalmente à frente das colunas auto, era para nós um acréscimo considerável de poder bélico, muito mais ainda no tempo das Panhard e mais tarde já com as Chaimites. Cheguei a vê-las a fazer fogo e confesso que não gostaria de estar no lado deles nesse momento.

Bem-vindo à Tabanca Grande e colabora, tanto quanto as tuas recordações permitirem, com as tuas estórias e fotografias. Como sabes, há vários tertulianos do teu tempo de Bambadinca, desde o Fernando Calado ao Beja Santos, do Luís Graça ao Jorge Cabral, sem esquecer o teu periquito, o J. L. Vacas de Carvalho, que te substituiu em Março de 1970.

Em nome da tertúlia, recebe um abraço do teu camarada e vizinho,
Carlos Vinhal

terça-feira, 20 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2865: Tabanca Grande (68): Francisco Godinho, ex-Fur Mil da CCAÇ 2753 (Mansabá, Bironque, Madina Fula e K3/Farim, 1970/72)



Francisco Godinho
ex-Fur Mil
CCAÇ 2753
Madina Fula, Bironque, K3 e Mansabá




1. Em 14 de Maio de 2008, recebemos a mensagem do nosso camarada Francisco Godinho, que passamos a transcrever.

Nome: Francisco Godinho
Foto ontem: Envio junto;
Posto: Fur Mil.
Foto hoje: Envio junto;
Companhia: CCaç 2753 (Os Barões do K3);
Local / Zonas de Intervenção: Mansabá, Bironque, Madina Fula e K3 (Farim);
Tempo de comissão: 1970/1972;
Local Residência: Vale Milhaços, Seixal;
Meu endereço electrónico: baraok3@hotmail.com
Meu blog: http://www.deserdadosdaguerra.blogspot.com/

2. Resposta de Carlos Vinhal

Caro Camarada Godinho:

Bem-vindo à nossa Tabanca Grande. Como saberás, tens cá um camarada ilustre, o ex-Alf Mil Vitor Junqueira, hoje médico em Pombal e organizador no nosso II Encontro Nacional (2007).

Na tua mensagem pouco dizes além dos teus elementos identificativos, mas já visitei a tua página e verifiquei que és um elemento activo na reivindicação dos teus (nossos) direitos.

Na verdade há discrepância entre a Caixa Geral de Aposentações e a Caixa Nacional de Pensões, quanto à contagem do tempo cumprido em zona de 100%, como é vulgarmente conhecida entre nós.

Pessoalmente, como funcionário público, foi-me contado o tempo de Guiné a dobrar, tendo para o efeito eu pago, do meu bolso, os descontos equivalentes a esse período.

Vou fazer um link na nossa página para a tua, para que quem estiver nas mesmas circunstâncias que tu, possa conhecer as tuas acções reinvidicativas.

Quanto à tua colaboração no nosso blogue, fica a porta aberta para as estórias que nos queiras enviar acerca da tua Companhia açoriana que substituiu a minha Companhia, madeirense, em Mansabá.

Provavelmente nos cruzámos lá pela Messe de sargentos ou na parada, uma vez que eu fui dos últimos a saír de lá, mais exactamente no dia 23 de Fevereiro de 1972, já toda a vossa Companhia estaria connosco.
__________________

Nota do co-editor CV:

Vd. postagens de:

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1083: Os Barões da açoreana CCAÇ 2753 (Madina Fula, Bironque, K3, 1970/72) (Vitor Junqueira)

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1084: O guerrilheiro desconhecido que foi 'capturado' no K3 por um básico da CCAÇ 2753 (Vitor Junqueira)


23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoreana CCAÇ 2753 pela região de Farim (Vitor Junqueira)

5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1403: A açoriana CCAÇ 2753: uma família, uma unidade feita à medida (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P2864: Mitos (1): As aeronaves e os pilotos do PAIGC (Jorge Félix)

Matosinhos > Leixões > Restaurante Casa Teresa > 9 de Abril de 2008 > Reunião habitual, às 4ªs feiras, da Tertúlia de Matosinhos > Da esquerda para a direita: A. Marques Lopes, João Rocha, António Pimentel, Silvério Lobo e Eduardo Reis... De costas, Xico Allen.

Matosinhos > Leixões > Restaurante Casa Teresa > 9 de Abril de 2008 > Reunião habitual, às 4ªs feiras, da Tertúlia de Matosinhos, a que compareceram desta vez os seguintes camaradas da Guiné, da esquerda para a direita: (i) de pé, A. Marques Lopes, João Rocha, Eduardo Reis, José Teixeira, Armindo; na primeira fila, Jorge Félix, Xico Allen e Silvério Lobo... À entrada da Casa Teresa, o António Pimentel. O Jorge Félçix, que vive em V.N. Gaia, não voltou entretanto a frequentar a reunião de 4ª feira, segundo as últimas informações que nos foram dadas pelo A. Marques.

Fotos: © Jorge Félix (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do Jorge Félix (1), de 15 de Abril último:

Caro Luís:

São por demais as situações que vou encontrando no Blogue e não só, em que se põe em dúvida o voo noturno feito pelos Pilotos Portugueses (2), mas se tem a certeza de evacuações feitas com helis pelo PAIGC. In extremis, esta situação é esclarecida (?) por se ter falado com a mítica dirigente [do PAIGC], [Carmen] Pereira.

Não havendo este douto esclarecimento sobre o assunto, ainda hoje se estaria pensando que o PAIGC tinha helis para fazer evacuações na Guiné Bissau. Os aviadores da FAP não tinham capacidade para as fazer, mesmo conhecendo o terreno como ninguém, mas um IN , de uma nacionalidade qualquer, num ápice, entrava por qualquer Bolanha e resgatava o ferido. Passados este anos todos, custa ter que ler estas coisas.( Depois de ler o Blog P2762 de 15 Abril de 2008) (2).

Sem mais, Jorge Félix

2. Mensagem de Jorge Félix, de 9 de Abril:

Caro Luís, seguem duas fotos que testemunham "as quartas de Matosinhos" com pessoal da Guiné. Não faltou água da Bolanha, piscado do Geba e tabaco pra c....Pra semana há mais. Seguem os nomes do pessoal que não teve falta: Marques Lopes, José Teixeira, João Rocha, Francisco Allen, Lobo, Armindo, Eduardo Reis, António Pimentel e eu, Jorge Félix.

Até sempre

3. Comentário(s) de L.G.:

Jorge:

(i) Embora atrasadíssimo, vai ser publicado o teu oportuno, relevante, contundente comentário… Espero que nos releves a falta: o nosso serviço editorial é lento, não tem a eficácia e a eficiência da nossa gloriosa FAP na Guiné. Não temos um sistema de evacuação Ypsilon, por exemplo... Salvou muitas vidas, algumas de camaradas meus da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)...

(ii) Repara: ninguém disse que o PAIGC fazia evacuações de feridos a partir do interior da Guiné… Estamos a citar um Supintrep, de 1971, que fala em evacuações, por via aérea, da Guiné-Conacri para o estrangeiro (hospitais na antiga Alemanha de Leste, por exemplo). De facto, o PAIGC nunca teve (nem podia esperar ter) aeronaves e pilotos, muito menos de elite como os nossos… Ainda hoje a Guiné-Bissau não tem nem umas nem outros… Há semanas atrás, em Bissau, a Carmen Pereira fez questão de, mais um vez, desmentir que o PAIGC alguma vez tivesse aeronaves, e nomeadamente helis... Já agora, o seu a seu dono: a dirigente (histórica) do PAIGC que eu citei originalmente não é Carminda, mas Carmen Pereira (n. 1937), uma mulher notável, de resto, que eu tive o privilégio de conhecer em Bissau... Peço desculpa pelo lapso (3).

(iii) Este é um pretexto para começarmos uma nova série sobre Mitos da guerra da Guiné... Mitos, mistificações, lendas, baboseiras, calinadas, erros grosseiras, bocas, bojardas... de um lado e de outro. Mitos, sempre os houve em todas as guerras. Começas tu, e começas bem, garantindo, de viva voz, e de experiência própria, que havia evacuações nocturnas, por parte da nossa força aérea, e que o PAICG nunca teve helicópteros...

(iv) Finalmente tenho uma foto tua, junto à Casa Teresa, que vou igualmente publicar. Tirei-te pela pinta, não me enganei... Vai aparecendo. E vai usando o helicanhão contra eventuais baboseiras que a tropa-macaca possa escrever... É gente que sabe um bocado sobre a terra (que mordia, quando embrulhava...), mas pouco dos outros elementos: água e ar... Felizmente por isso temos, na tertúlia, gente da FAP e da Marinha. Poucos mas bons.

(v) Utiliza, de preferência, o mail do blogue (luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com), em vez do meu mail pessoal ou profissional. Para evitar que a tua passagem fique para aí perdida ou congelada por uns tempos...

(vi) Deixa-me dizer-te, entretanto, que é sempre uma honra e um prazer ter, na Tabanca Grande, um lídimo representante dos Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (em inglês, que soa mais fino, Those Magnificent Men in Their Flying Machines, um filme de 1965, da nossa serôdia adolescência ... Lembras-te ? Terá porventura contribuído para o aumento do número de voluntários alistados nas FAP nesse e nos anos seguintes... Ou não ?).

(vii) Até Gaia, até Matosinhos, até um dia destes. L.G.
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Notas de L.G.

(1) Vd. postes de:

28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III)

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2627: Vídeos da Guerra (8): Nha Bolanha (Jorge Félix, ex-Alf Mil Piloto Aviador, 1968/70)

(2) Vd,. postes de 18 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2660: Notas de leitura (10): Jorge Félix, o nosso piloto aviador, fala do livro do Beja Santos e evoca o Alf Mil Brandão (CCAÇ 2403)

(3) Vd. poste de 15 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2762: PAIGC: Instrução, táctica e logística (11): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (XI Parte): A máquina logística (A. Marques Lopes)

(...)"As fotos acima ilustram alguns aspectos da máquina logística do PAIGC de cuja grandeza e complexidade muitos de nós, combatentes portugueses, no terreno, não tínhamos uma ideia exacta... Ao ler este documento, insuspeito, ficamos a saber que a população e a guerrilha do PAIGC, no interior do TO da Guiné, era abastecida regularmente (em alimentos, medicamentos, armamento, equipamento, etc.).

"Ficamos a saber que havia evacuações (incluindo por meios aéreos) de feridos graves para os hospitais de rectaguarda (Ziguinchor, no Senegal; Conacri, Koundara e Boké, na Guiné-Conacri). Devo, no entanto, acrescentar que foi recentemente desmentida, por uma histórica e mítica dirigente do PAIGC, Carmen Pereira - no Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008) - que houvesse helicópteros ("O PAIGC nunca teve helicópteros ou outras aeronaves"). Agora também é verdade que foi fundamental para o PAIGC o apoio, sem reservas, dado pelo regime de Sékou Touré. Já no Senegal, o PAIGC não se movimentava tão à vontade" (...) (LG).

Guiné 63/74 - P2863: Estatísticas da Guerra (2): Mortos por ano, segundo a origem e as causas (A. Marques Lopes)

Os Mortos do Exército Português na Guerra da Guiné

A. Marques Lopes, ex- Alf Mil Inf( hoje Cor DFA, reformado), CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro).


Mortos em cada ano, postos e causas
















* Morreram nestes anos já na metrópole, para onde tinham sido evacuados em 1973.
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Notas de vb:

1. Principal fonte bibliográfica consultada: Resenha histórico-militar das campanhas de África : 1961-1974 / Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África (Os seus dados respeitam, portanto, unicamente ao Exército, não estando incluídos os dados da Força Aérea nem da Marinha. A. Marques Lopes.

2. Artigos relacionados em:

Guiné 63/74 - P2862: Estórias cabralianas (36): Uma proposta indecente do nosso Alfero (Jorge Cabral)

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > O apanhado do Alferes Cabral , à direita, com o seu inseparável cachimbo, em amena conversa com dois periquitos da CCAÇ 12: o António Manuel Sucena Rodrigues, que mora em Oliveira do Bairro, ex-Ful Mil Inf na CCAÇ 12, no período final da guerra (1972/74), tendo estado no Xime e regressado em Agosto; e o Victor Alves, de Santarém, que chegou à CCAÇ 12, em Fevereiro de 1971, para render o Jaime, o Fur Mil Vaguemestre... (Ainda conheceu, portanto, em Bambadinca, os pais-fundadores da CCAÇ 12, que vieram no Niassa, como CCAÇ 2590, em Maio de 1969, e a que se juntariam em Contuboel 100 recrutas africanos...).

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do Jorge Cabral, ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71, seguramente uma das figuras mais conhecidas, mais populares e mais queridas da nossa Tabanca Grande:
Caro Amigo,

Estás de Parabéns! Tu, o Mexia, o Vinhal, estamos todos nós.

Em cada Encontro, por magia, recuo quarenta anos, e volto a ser o apanhado Alferes Cabral. Diferentes, o muito que nos separa, desaparece e dá lugar ao tudo que nos une.

Como te prometi, envio mais uma 'estória' (1).

Abraço para ti

Abraço para todos

Jorge



2. Estórias cabralianas > Alferes cai em desgraça por via de Proposta Indecente
por Jorge Cabral

Quando ele chegou, o Pelotão era pluriétnico. Fulas, Mandingas, Manjacos, dois Bijagós, um Balanta e um Papel, conviviam sem grandes problemas. Um ano depois, porém, só existiam Fulas, sempre acompanhados das mulheres.

Na guerra desde o início, alguns que já haviam ultrapassado os quarenta anos, formavam um Comité de Homens Grandes, cujos conselhos eram acatados, inclusive pelo Alferes, que frequentemente os consultava. Cansados, só queriam calma e sossego. Poucas operações, uns óculos escuros, um rádio, arroz para o mês inteiro e algum dinheiro para a jogatana, e sentir-se-iam felizes.

Um Pelotão mesmo à medida do Alferes, sem qualquer vocação guerreira e que apenas ali estava… porque sim. Para eles o Cabral devia ser rico pois lhe pediam tudo e às horas mais despropositadas… Às vezes no meio da noite, era acordado, porque durante o dia chegara um vago parente que era preciso presentear…

Com infinita paciência lá ia aguentando. Já comprara oito pares de óculos escuros e cinco rádios para uso alternado, quando alguns soldados resolveram arranjar mais uma mulher, recorrendo mais uma vez aos seus préstimos. Impossível garantiu, mais mulheres custariam uma fortuna...

A não ser que se fizesse como com os óculos e os rádios. Uma mulher para três ou quatro… Recusada a proposta, o Alferes arriscou:
-E se fosse a meias comigo? Sou vosso Comandante e vosso Amigo. Mais oito meses, vou-me embora e elas serão só vossas.
Nem responderam. Retiraram-se, zangados.

Logo dois dias depois, vindo não sei de onde, um velho Marabu veio falar com o Alferes. Altivo, através do intérprete Sambaro, pregou-lhe um sermão. Uma valente piçada, pensou o Alferes.

Porra, não lhe bastavam as do Capitão, do Major, do Comandante, agora até de um Marabu!...

Claro que, dias depois, fez as pazes com os soldados, afiançando-lhes que estivera a brincar... Mas teria estado mesmo?


Jorge Cabral
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Nota de L.G.:

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2861: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (32): Operação Pavão Real

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério Municipal > Talhão Militar Central > Abril de 2006 > Obelisco de homenagem aos soldados portugueses, mortos nas diversas campanhas de pacificação da Guiné. Nesta face, encimada por um medalhão com o busto da República, pode ler-se: Campanha do Cuhor (1907-1908), Campanha de Samocé (1908), Campanhas de Oio e Bissoram (1913), Campanha de Manjacos (1914).

Foto: © Hugo Costa (2006). Direitos reservados.


"No tempo em que o Geba estreito era navegável até Bafatá... Encontrei esta preciosidade no Anuário da Guiné de 1946, p. 544(houve ainda uma edição em 1948), uma iniciativa do Governador Sarmento Rodrigues, quando Teixeira da Mota era seu ajudante. Quando vi a fotografia fiquei a imaginar a beleza de um passeio de Bambadinca a Bafatá,acenando aos agricultores a fainar em ambas as margens...não vivemos esse mundo de paz"...

Na mesma página, há uma referência à Paróquia Missionária de Bafatá, de que eram Párocos os Padres Septimio Munno e Artur Biasuti,sendo Coadjuvtor o Padre Espartaco Marmugi e Auxiliar (leigo ?) Vicente Menasi...Italianíssimos, como se vê. Também há uma referência à Missão de Geba, de que era Superior o Padre Efrem Estevanin e Coadjudores os Padres Felipe Croci e Luiz Andreoleti.

Já agora, e não menos curiosa, é a composição da Direcção do Sporting Clube de Bafatá: Presidente - Carlos Caetano Costa; Vice-presidente - Dr. Fernando Luís Leite de Sousa Noronha; 1º Secretário - Carlos Elbling; 2º Secretário - Armando Avilez de Basto; Tesoureiro - Francisco Malheiros; Vogais - Arif Elawar e Carlos Menezes Ferreira; Suplentes - Adriano Augusto e Francisco Paulo... Tentand advinhar, o Arif deveria ser sírio-libanês, comerciante ou filho de comerciantes; os suplentes poderiam ser guineenses, assimilados, ou cabo-verdianos, emptregados do comércio local ou pessoal menor da administração local... (LG)


Foto (e legenda): ©
Beja Santos (2008). Direitos reservados.


Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 25 de Fevereiro de 2008:

Luís, as propostas de ilustração já seguiram. Ainda esta semana, assim o espero, te enviarei o episódio n.º 33, se tudo correr bem o segundo livro está concluído no final de Julho. Terei alguns exemplares do primeiro livro na próxima sexta-feira. Não sei exactamente quando partes, vê lá se me esclareces. Gostaria muito que levasses um livro contigo, para mostrar à comunidade luso-guineense e outros participantes. Um abraço do Mário

Operação Macaréu à vista - Parte II > Episódio XXXII > OPERAÇÃO PAVÃO REAL
por Beja Santos (1)



(i) No rescaldo da operação Tigre Vadio

De 2 a 6 de Abril [de 1970] iremos permanecer em vigilância frente ao Xime, na ponte de Udunduma. Esta é a nossa principal tarefa, mas não deixámos de ir numa coluna ao Xitole e continuámos a apoiar o recenseamento das armas nas tabancas na órbita de Bambadinca.

A 7 escrevo à Cristina:

“Capitulei com o paludismo, é daqueles que não dá tremores nem vómitos, põe só a pele a gotejar, teve dias a fio com arrepios, continuo a beber litradas de água para não desidratar, tapo-me com dois cobertores nestes dias e noites quentíssimos. Mas agora já me sinto melhor, quase convalescente, roubo na enfermaria frascos de vitamina C e complexos multivitamínicos que tomo às grosas, como cereais, e agora os arrepios estão finalmente a passar. Não sei se apanhei este paludismo no Poidom ou em Belel.

"Quando regressámos em 1 de Abril, depois da 'Tigre Vadio', recebemos felicitações de todos pelos resultados operacionais alcançados, se bem que com um grande sofrimento das tropas. Foi meia hora de fogo, houve surpresa total, na nossa aproximação do acampamento dos guerrilheiros, um dos meus soldados que é caçador, Cibo Indjai, tinha descoberto um trilho, depois a avioneta indicou-nos o caminho certo. Este acampamento de Belel estava no meio de uma horta de mandioca e fundo, as habitações em colmo e adobe estavam perfeitamente dissimuladas pela vegetação.

"Infelizmente, no regresso vim buscar água a Bambadinca, na soalheira das três da tarde, o helicóptero foi atingido por tiros que estilhaçaram vidros, julguei ao princípio que se tratava de uma emboscada, agora estou convencido que foi nervosismo e precipitação das nossas tropas que alvejaram a aeronave.

"O regresso teve de tudo: ataque de abelhas, insolações, um corta-mato infernal à procura de Enxalé. Regressei com os pés muito feridos, agora já estou melhor. Chegou entretanto o Pires de férias, deu-me as tuas notícias, e trouxe os livros e discos, quando eu partir para Bissau deixo o pelotão entregue ao Cascalheira, ao Pires e ao Ocante.

"Imagina tu que na noite de 2, já estávamos na ponte de Udunduma, houve um ataque brutal ao Xime, donde partimos na véspera, durou cerca de uma hora, trouxeram canhões sem recuo e morteiros 82, provocaram destruição, elevados danos materiais, felizmente só houve feridos ligeiros.

"Na coluna entre Bambadinca e Xitole tudo nos correu bem, mas as tropas de Mansambo, durante o reconhecimento à estrada, detectaram e levantaram minas anti-pessoais, altamente reforçadas.

"Tenho agora informações a dar-te sobre o nosso casamento. O David Payne escreveu, casaremos em 16 de Abril, pelas seis e meia da tarde. Ficaremos em casa da Elzira e do Emílio Rosa, durante esse tempo eles serão hóspedes dos Payne. A seguir ficaremos no Grande Hotel. O jantar de casamento será num restaurante de nome 'Pelicano', frente à baía de Bissau. Estou a preparar a lista dos convidados, alguns dos meus soldados estarão lá. Escrevi hoje ao meu primo José Augusto Gândara de Oliveira, para Luanda, para o Eduardo Canto e Castro e para o Paulo Simões da Costa, sei que eles vão ficar muito contentes com a participação no nosso casamento. Combinei com a D. Leontina procurar telefonar-te amanhã, a partir de Bambadinca. Se eu falhar à hora aprazada, ela tem uma mensagem para ti. Recebe toda a minha devoção”.

À hora aprazada não se conseguiu a ligação e eu tinha de ir a Samba Juli. No dia seguinte, D. Leontina informou-me com o seu sorriso escancarado:
-Falei à sua prometida logo que os telefones começaram a funcionar, e disse para ela não se esquecer da camisa com as mangas acrescentadas ao tamanho dos seus braços e para trazer as meias de algodão fino. E em seu nome dei-lhe um beijinho e no meu desejei-lhe as maiores felicidades. É tão bonito casarem na Guiné!

(ii) Notícia dos documentos preciosos que me emprestou D. Violete

É na ponte de Udunduma que começo a ler os livros e revistas que foram emprestados à D. Violete pela neta do régulo Mamadu Sissé, um aliado muito leal de Teixeira Pinto. Encontro um comentário de Ramos da Silva, datado de 1915, nos Subsídios para a História Militar e da Ocupação da Guiné, que transcrevo para o meu caderninho:

”Descrever a desgraçada situação política em 1878, definir o que é a Guiné, o seu território: presídio de Zeguichor, praça de Cacheu, presídio de Farim, vila de Bissua, ilhéu do Rei, presídio de Geba, ilha de Bolama e Rio Grande. E nada mais”. O autor fala na criação recente de Sambel-Chior, na margem direita do Geba, onde não há bandeira nem autoridade portuguesa.

Leitura empolgante é a que permite Frederico Pinheiro Chagas em A Guerra da Guiné, vejo que são textos muito sumidos dos Anais do Club Militar Naval, um relato publicado em 1909. Anoto o seguinte:

“Houve há pouco tempo uma guerra entre os biafadas do Cuor, região da margem direita do Geba, e os balantas seus vizinhos, causada, como sempre, pelas incursões destes últimos no território dos primeiros, a fim de roubar mulheres e gado, constante origem das discórdias”.

Confirma-se, pois, o que já lera algures. As ofensas às autoridades começam quando o 2ª tenente da armada José Proença Fortes fora de Geba a Sambel Nhantá, tabanca de Infali Soncó e aqui humilhado. No entretanto, Infali intrigava, arranjara uma inventona sobre a cessão de Badora. Pinheiro Chagas observa que Infali fora imposto pelas autoridades portuguesas aos biafadas. Ele tinha-se revelado um precioso auxiliar na primeira guerra do Oio, mas depois bandeara-se para o inimigo, apoiando os oincas contra os portugueses. Os homens de Infali deram luta.

Quando a lancha-canhoneira Cacheu subia o Geba depois do Xime, para trazer os cristãos de Geba, “mal entrou na parte do rio onde começa a região do Cuor, foi atacada violentissimamente de entre o mato que esconde a margem direita... O fogo do inimigo era constante e a ele respondia a Cacheu com a fuzilaria dos seus marujos e com os tiros de duas metralhadoras Nordenfeld e de uma peça Hotchkiss...

Durava o combate havia horas, a canhoneira seguia devagar, serenamente, para serem os tiros eficazes. Numa volta apertadíssima, junto de Sambel Nhantá, de repente, apareceu um cabo muito grosso de arame farpado. Infali Soncó, que esperava assim impedir completamente a passagem à canhoneira, concentrara aí toda a gente que dispunha, e na ocasião em que a Cacheu aparecia na volta do rio, rebentou da margem direita uma fuzilaria medonha que fez numerosos feridos”.

Eu leio tudo febrilmente, tenho que contar tudo isto ao régulo Malã, vou aproveitar as horas vazias da noite, aqui no Udunduma, para contar estas histórias aos soldados. Durante a leitura, vou anotando dúvidas: fala-se aqui da Ponta Joaquim da Costa, a seguir ao Xime, na margem direita do Geba. Para mim é forçosamente Mato de Cão. Mas será?

Mais adiante escrevo: “Nesta época o régulo mais rico da Guiné era o do Gabu, o regulado tem uma população muito densa e só em imposto de palhota rende anualmente ao governo dezoito contos de reis”. Sambel Nhantá não devia ser uma povoação muito pacifica, em 11 de Outubro de 1885 tinha havido um ataque a esta tabanca comandado pelo capitão Caetano Alberto da Costa Pessoa, também por motivos de desobediência.

Continuo a ler a campanha do Cuor, tenho que devolver amanhã estes documentos à D. Violete, ela vai visitar Fatumana e promete trazer mais papéis. A campanha do Cuor envolveu soldados de Infantaria 13, que vieram de Vila Real. Tudo decorreu em Abril de 1908, sem artilharia, sem cavalaria, sem engenharia, sem material rolante. O governador Muzanty decidiu cambar em Bambadinca numa grande lala (pensei para mim que ele estava a falar de Finete), daqui as tropas marcharam para Ganturé (certamente a Canturé actual) e incendiaram Sambel Nhantá.

Em Gã-Sapateiro (mais tarde chamada Caranquecunda, por onde eu passava praticamente todos os dias) construiu-se um posto militar. Entretanto, Infali Soncó fugiu para Madina, a quinze quilómetros de Caranquecunda, as tropas foram no seu encalço e incendiaram a tabanca. O narrador escreve que então se ergueu no Cuor a bandeira portuguesa ao som de vinte e um tiros de peças de artilharia, os régulos revoltados pediram perdão, que lhes foi concedido.

O posto de Caranquecunda ficou guarnecido por 60 macuas (soldados moçambicanos) comandados por um tenente e por um alferes. E o relato termina assim: “O imposto que os habitantes destas paragens estavam com relutância em pagar começou a entrar rapidamente nos cofres da Província, cobrando-se logo em pouco tempo nas residências de Geba quarenta e seis contos de réis”.

Procuro adormecer, imagino o que foi aquela campanha do Cuor, os soldados de Vila Real a caminhar pelas matas, os macuas em Caranquecunda. O meu caderninho vai-se enchendo com coisas que me entusiasmam. Quando encontrar Gibrilo Embaló vou dizer-lhe que o seu nome Djibril tem a ver com o anjo Gabriel que revelou a Maomé a vontade de Alá. Que uma jibóia na Guiné é conhecida por irã-cego. Que no registos das espécies aladas me esqueci do maçarico, da andorinha do mar, do frango de água, da viuvinha, do noitibó balanceiro e do papa-figos dourado. Que tinha em falta, na minha relação de mamíferos, o rato da bolanha, o macaco do tarrafe e a cabra cinzenta.

Agora estou mesmo exausto, o Lion Brand já está aceso, vou procurar adormecer, mesmo com o zumbido permanente dos mosquitos.


Capa de A Fronteira de Deus, de Martìn Descalz

A Colecção Atlântida, da Editora Ulisseia,incluíu títulos importantes de Vergílio Ferreira,Manuel da Fonseca,Graciliano Ramos,Dinah Silveira de Queroz e Miguel Delibes, entre outros.O capista foi um grande artista do seu tempo, Marcelino Vespeira, como aqui se pode verificar.Não indica tradutor nem ano da edição.

Martín Descalzo recebeu com este livro o Prémio Nadal 1956. Temos a história de fazedor de milagres que vai suscitar anticorpos sociais,políticos e religiosos, a tal ponto que o liquidam.Ele,um simplório guarda de passagem de nível que fora chamado pela população para fazer chover,ao ser assassinado vai convocar a misericórdia de Deus:o seu sacrifício é assinalado com a chegada da chuva.

Foto (e legenda): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.



(iii) Os preparativos da Pavão Real

Em 8 de Abril, um pouco antes do almoço no gabinete do major Herberto Sampaio, tem lugar a última reunião com os oficiais que vão participar na batida à foz do Corubal: CCaç 12, Companhia do Xime [CART 2520]e o Pel Caç Nat 52.

O oficial de operações começou por recordar os resultados das duas últimas operações, não deixando de referir as canoas que foram avistadas na outra margem do rio Corubal, as flagelações que sofremos, a tremenda dificuldade em surpreender as populações que trabalham e vivem cercadas por bolanhas e lalas extensíssimas. Pelas informações disponíveis, o inimigo dispõe de um bigupo a actuar entre a foz do Corubal e a Ponta do inglês. O incêndio das habitações na bolanha do Poidom, durante a operação Rinoceronte Temível, de modo algum intimidou os guerrilheiros (2).

Nesta batida, com a duração prevista de dois dias, um dos destacamentos sairia do Xime e iria buscar entre Madina Colhido e Gundaguê Beafada, o outro iria progredir de Ponta Varela flanqueando o Geba, em direcção à foz do Corubal. Com o apoio aéreo, ao amanhecer do dia 10, e de acordo com os itinerários previamente acordados, os dois destacamentos iriam convergir para a Ponta do Inglês, regressando em colunas separadas pelo rio de Buruntoni e passado por Gundaguê Beafada até chegar ao Xime. Acertaram-se pormenores quanto ao apoio de artilharia, transporte de morteiros e apoio de carregadores. Dada a pressão que o inimigo estava a exercer sobre o Xime, era importante partir imediatamente a seguir ao almoço, no dia seguinte, para a operação.


O apartamento fatídico, por A.A.Fair.

Está danificado,pois apanhou as chuvas e humidades das idas ao Xime e os maus tratos da ponte de Udunduma. Nº119 da Colecção Vampiro,uma bela capa de Lima de Freitas , tradução de L.de Almeida Campos.

A parelha Bertha Cool-Donald Lam em todo o seu fulgor: ela, pronta a cortar nas despesas supérfluas,sempre comilona,ele imaginativo,mentalmente ágil,uma outra abordagem de Perry Mason( A.A.Fair era o pseudónimo de Erle Stanley Gardner).Foto (e legenda): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.




(iv) Os ensinamentos da Pavão Real

Os dois destacamentos envolvidos abandonaram o quartel do Xime ao princípio da tarde de 9, os grupos de combate da CCaç 12 dirigiram-se para Gundaguê Beafada, nós e os grupos de combate da companhia do Xime partimos para Ponta Varela. Confirmámos a passagem recente de forças do inimigo, talvez as que tiveram a atacar o Xime no passado dia 2, talvez gente que andasse à procura de flagelar embarcações à entrada do Geba. Mais uma vez, beneficiando de uma noite enluarada, progredimos por um ponto alto da bolanha do Poindom e quando amanheceu avistámos repentinamente à distância dois cultivadores desarmados que vinham na nossa direcção, o que não constituía surpresa já que a bolanha estava cultivada. Fugiram e devem ter-nos denunciado junto dos outros cultivadores.

Saímos do trilho e a corta-mato entrámos nos palmeirais e depois dentro de uma mata densa onde descobrimos onze casas sobre estacaria com indícios de presença recente, e dois depósitos cheios de arroz, mais adiante um outro conjunto de casas. Nada de armas, nada de munições, eram certamente habitações de quem andava a lavrar a bolanha. Com toda a discrição possível, destruíram-se os víveres e prosseguiu-se a batida.

Pela uma da tarde, com auxílio do PCV, deu-se a convergência das forças e continuou a batida a toda a região até à Ponta do Inglês. O que já tínhamos assinalado na Jaqueta Lisa voltava a confirmar-se: uma ampla rede de trilhos, muito provavelmente utilizados pelos agricultores e seguramente as forças do bigrupo que lhes montava segurança.

Entrámos no aquartelamento da Ponta do Inglês, em completo estado de ruína e, mais adiante passámos pelas tabancas que tinham sido destruídas durante a operação Safira Única, pelas forças da CCaç 12 (3). Sem nenhum contacto e, estranhamente, sem termos sido sujeitos a qualquer fogo de reconhecimento, entrámos no Xime ao fim do dia.

Regressámos a Bambadinca a 11 de manhã, informei o comando que o Poindom estava para dar e durar, impunha-se procurar outros tipos de contacto, desde operações de pára-quedistas até a deslocação de tropas a partir de Moricanhe para pressionar os grupos à volta do Buruntoni. Ainda voltarei uma vez mais à região e para descobrir que o inimigo estava reforçado e possuidor de uma economia própria.

A Toca do Lobo, de Tomaz de Figueredo

2ª Edição, 1964. A capa denota a influência do maior designer gráfico do seu tempo, Sebastião Rodrigues. Impressionou-se a riqueza deste português castiço,ímpar e sincero,nada alquímico.

Diogo Coutinho não tem paralelo naquela literatura fabulosa de Aquilino ou Ruben A. Refugiado na Toca, cercado de memórias, é um morgado de estilo, incapaz de conviver com as burguesias petulantes. Por amor da terra, por amor da tradição, apaga-se na sua inteireza,fidalgo que não capitula nos princípios. Comovem as conversas com os familiares, os criados,os amigos de infância. O arranque do romance tem a magestade rural que permanece até ao fim: «Acima do portão,na verga quase vestida pela hereira que já amortalhara a pedra heráldica, a valer de baetão que a amantasse de lutos,ainda lá se lia uma data,1654, avivada pelo caseiro,por mimo,no tempo da poda a riscos de caco.» É um dos meus livros obrigatórios, quando ponho em dúvida que possuímos uma língua sublime.

Foto (e legenda): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.(
)


(v) A Fronteira de Deus e A Toca do Lobo

É um tempo de boas e suculentas leituras, ler é indispensável para quem tem os pés muito feridos, preenche as pausas entre as cansativas operações a Belel e à Ponta do Inglês. Li sobretudo dois livros inesquecíveis: A Fronteira de Deus, de Martín Descalzo, e A Toca do Lobo, de Tomaz de Figueiredo.

O primeiro tem a ver com um milagre que surpreende as poucas centenas de habitantes de Torre de Muza. Um milagre que desencadeia outros milagres, operados por um guarda de passagem de nível, a pedido de uma população que suplica chuva quando todas as colheitas parecem perdidas. O guarda, Renato, é um homem simples que vai sentindo as mudanças operadas na Torre como um pesadelo. Os milagres alteram os comportamentos das pessoas, vai chegar o turismo religioso, Renato torna-se incómodo e será assassinado.

O que há assim de tão poderoso neste livro? A simplicidade que roça a sinceridade. As descrições e os diálogos são plausíveis, o entramado de diálogos é vital para entendermos o estado de espírito do cacique, dos inocentes, dos desesperados, dos que têm sede de justiça. Depois, Martín Descalzo burila vigorosamente o pesadelo de fazer milagres e o incómodo político, religioso e social que eles acarretam. Não chove, os milagres sucedem-se, só se fala do guarda da passagem de nível, os ódios sobem em espiral. Ele será assassinado e Deus parece ter misericórdia do povo da Torre, sobre a aldeia começou a chover quando uma criança fechou os olhos do mártir.

A toca do lobo, de Tomaz de Figueiredo, é assombroso no seu português castiço, na sua incursão pela ruralidade minhota, pela criação de um morgado exilado na sua quinta, incompatibilizado com as vaidades dos políticos e burgueses da vila. Diogo Coutinho vive rodeado de sombras do passado e dos últimos criados fiéis, volta à Toca e aviva todas as suas lembranças: dos pais, das tias, da malta com quem brincou, da prima Aninhas, das caçadas, dos animais, dos livros, das músicas.

É um grandioso português castiço, é um ensaio antropológico ímpar, são recordações forçosamente afectivas, um ajuste de contas com a incompreensão das novas classes face aos morgados de cepa. Leio e releio, reparo que Tomaz de Figueiredo tem mais livros, vou já pedir á Cristina que me traga Uma noite na toca do lobo. Mal sabia eu que iria ficar enfeitiçado para sempre por tão grande escritor.

E li também O apartamento fatídico de A.A. Fair, pseudónimo de Erle Stanley Gardner. Apresenta uma dupla de detectives, Bertha Cool e Donald Lam, ela ávida de dinheiro e comilona, ele imaginativo e tão ágil e cerebral com Perry Mason. São contratados para descobrir uma rapariga desaparecida, o pretexto dado é de que o marido abandonado quer o divórcio. Tudo se passa em Nova Orleães. Afinal não há uma rapariga há duas, a teia torna-se complexa com um assassinato em casa de uma delas. Uma menina de cabaré sabe mais do que diz, e o mesmo se pode dizer do marido que procura a sua esposa desaparecida. Por detrás de tudo isto, está muito dinheiro e um crime praticado há alguns anos atrás. No final, tudo se desembrulha e Donald Lam parte para a guerra. É uma dupla divertida, uma ambiciosa e um observador exímio.

Escrevo e procuro deixar meticulosamente organizada a vida do Pel Caç Nat 52 para as próximas semanas. Vou partir a 14, a Cristina chegará a 15. Cheio de ufania, como se fosse o primeiro homem a deslumbrar-se por uma mulher, confidencio a minha alegria aos outros. De repente, descubro que falo da Cristina, de Lisboa, dos meus estudos, nos serões às escuras na ponte de Udunduma. É uma sensação inexplicável, estou a misturar dois mundos, aquele em que vivi e em que sonho para depois da guerra, tudo dentro deste teatro de operações. Mal sabia eu que ia viver esse paradoxo nas semanas seguintes, ao lado da mulher amada, em Bissau.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. poste anterior, desta série > 10 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2831: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (31): Tigre Vadio: Um banho de sangue no corredor do Oio

(2) Vd. poste de 18 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2771: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (28): A euforia de comandar cem homens na Op Rinoceronte Temível

(3) Vd. poste de 19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXLI: Ponta do Inglês, Janeiro de 1970 (CCAÇ 12 e CART 2520): capturados 15 elementos da população e um guerrilheiro armado (Luís Graça)

(...) "Seguindo um dos trilhos, avistou-se um homem desarmado que seguia em direcção contrárias às NT. Capturado, informou que ia recolher vinho de palma, que a tabanca ficava próxima, que não havia elementos armados e que a maior parte da população estava àquela hora a trabalhar na bolanha.

"Feita a aproximação com envolvimento, capturaram-se mais 2 homens, 5 mulheres e 6 crianças. Um dos homens capturados disse chamar-se Festa Na Lona, de etnia Balanta, estar alí a passar férias e pertencer a uma unidade combatente do Gabu. Foi-lhe apreendido uma pistola Tokarev (7,62, m/ 1933) e vários documentos" (...).