domingo, 13 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3056: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (3): Slides (de 5 a 9): Comparando os armamentos

"Comparação dos armamentos português e do PAIGC (1). De salientar: 

(i) Lança-granadas foguete (LGFog=: a granada portuguêsa era anti-carro, enquanto que a do PAIGC não era só anti-carro como anti-pessoal, já que a carga explosiva continha estilhaços. 

(ii) O Morteiro de 120mm era muito mais potente do que os de 81mm e 10,7cm, dispondo ainda a sua granada uma espoleta de duplo efeito ( instantânea ou com atraso ), própria para penetrar em abrigos cobertos" (NR).


1. Continuação da apresentação dos slides referentes à comunicação do Cor Art na situação de reforma, Nuno Rubim > Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Dia 5 de Março de 2008 > Painel 3 > O pós-Guiledje: efeitos, consequências e implicações político-militares do assalto ao aquartelamento. Moderador: Mamadú Djau (Director do INEP) > Comunicação de Nuno Rubim, português, Cor Art Ref > 17h30 – 18h00 > "A batalha de Guiledje: uma tentativa de reconstituição histórica em dioramas" (*)




Comparação dos armamentos português e do PAIGC-2. De salientar: 

(i) Quanto à artilharia pesada a Peça de 130mm (do Exército da República da Guiné-Conacri, cedida temporariamente ao PAIGC ) tinha um alcance muito superior aos materiais portugueses ( Obus de 14cm e Peça de 11, 4cm ). 

(ii) Por outro lado a determinação dos dados de tiro pelos artilheiros do PAIGC foi feita por triangulação, de onde resultou uma grande precisão no fogo durante o ataque a Guileje. 

(iii) A artilharia ligeira do PAIGC (canhão sem-recuo B-10 e peça de 57mm ZIS-2 ) dispunha de materiais de grande mobilidade, com rodado e alguns desmontáveis para transporte" (NR)

Comentário de L.G.: 

Comparação entrre o canhão s/r 106 mm , que era utilizado pelas NT, com o Badora, o canhão s/r 82 mm B-10, do PAIGC: 

o primeiro tinha um alcance máximo de 1350 metros (em tiro directo) e 7800 m (em tiro indirecto); peso da granada: 8 kg... 

por sua vez, o Badora tinha um alcance, directo e indirecto, de 1000 metros e de 4500 m, respectivamente. Peso da granada: 4,5 kg.


Artilharia das NT: a peça 11,4 e o obus 14...

Artilharia do PAIGC: a peça de 130 mm M-46, que disparava do outro lado da fronteira, no sul...


"Além da artilharia convencional o PAIGC dispunha ainda de foguetões de 122mm, a Arma Especial GRAD, preparada para intervir contra Guileje se necessário, o que não veio a acontecer. Mas mais tarde foi utilizada contra Gadamael" (NR).

Comentário de L.G..: O famoso Jacto do Povo, o foguetão de 122 mm, que terá sido utilizado pela primeira vez em Novembro de 1969, numa flagelação contra Bolama... Segundo Nuno Rubim, não foi em Bolama mas em Bedanda que se terá verificado a utilização, pela primeira vez, desta arma, que - felizmente para nós - era pouco precisa e fiável... (Vd. slide a seguir).


"Retracção do Dispositivo português : uma questão polémica, que referi no Simpósio, sobre o não ter ainda obtido suficientes elementos que me permitam compreender totalmente as razões objectivas para as decisões que então foram tomadas" (NR).

Comentário de L.G.: Lista dos aquartelamentos e destacamentos das NT, no scetor sul, que foram abandonados em 1968 e 1969: 

  • Beli (Junho de 1968); 
  • Sangonhá e Cacoca (Julho de 1968); 
  • Mejo (24 de Janeiro de 1969); 
  • Gandembel e Ponte Balana (28 de Janeiro de 1969); 
  • Madina do Boé e Cheche (6 de Fevereiro de 1969).




"Guileje. Alterações sofridas a patir de 1969, certamente devido ao emprego dos morteiros de 120mm em Gadembel, desde Agosto de 1968. De salientar: Construção de 7 ( algumas fontes referem 8 ) abrigos em betão armado; intalação de 3 espaldões de artilharia para o material pesado" (NR).

(Continua)
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Nota de L.G.:

(*) Vd.postes anteriores:

13 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3054: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (1): Como dar a volta aos Strella ?

13 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3055: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (2): Slides (1 a 4): O sector sul


Por imperativos de resolução os slides enviados pelo Nuno Rubim (total: 18), foram convertidos em imgens em formato jpg e, em geral, tiveram que ser desdobrados.

Guiné 63/74 - P3055: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (2): Slides (1 a 4): O sector sul

Guiné > Regiões de Quínara e Tombali > Agosto de 1962, antes do início da guerra > Dispositivo das NT > "Um Batalhão em Tite, BCaç 237, com 3 Companhias destacadas em Buba, Fulacunda e Catió, por sua vez com vários destacamentos de nível Pelotão" (NR).


Comentário de L.G.: No sul, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, não havia praticamente tropas... Não havia tropa em Guileje, apenas en Cacine, Catió, Bedanda e Aldeia Formosa... A sul de Bissau, assinala-se a presença de tropa portuguesa em Tite, Fulacunda, Bolama, Empada e Buba... Nuno Rubim utilizou, como fonte, na elaboração deste mapa, o Arquivo Histórico-Militar.


1. Apresentação dos slides (*) referentes à comunicação do Cor Art na situação de reforma, Nuno Rubim > Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Dia 5 de Março ded 2008 > Painel 3 > O pós-Guiledje: efeitos, consequências e implicações político-militares do assalto ao aquartelamento. Moderador: Mamadú Djau (Director do INEP) > Comunicação de Nuno Rubim, português, Cor Art Ref > 17h30 – 18h00 > "A batalha de Guiledje: uma tentativa de reconstituição histórica em dioramas" (**)




"O Sub-sector de Batalhão S2, com o Comando em Buba, a partir do final de 1963" (NR).

Ocupações no sul por otdem cronológica, junto à fronteira com a Guiné-Conacri (sector S2), como resposta à acção do PAIGC e à evolução da guerra:

25 de Outubro de 1963 > Colibuía
17 de Dezembro de 1963 > Gadamael Porto
4 de Fevereiro de 1964 > Guileje
23 de Fevereiro de 1964 > Cumbijã
25 de Fevereiro de 1964 > Gantué
30 de Março de 1964 > Mejo
21 de Maio de 1964 > Sangonhá
24 de Junho de 1964 > Cacoca
(?) de Dezembro de 1964 > Cameconde





"A área de responsabilidade do Sub-sector da Companhia sedeada em Guileje, a partir de Fevereiro de 1964" (NR).



"Dispositivo das NT no sector sul (S1, S2 e S3), em Abrfil de 1966. Comando em Bolama". Fonte: Nuno Rubim (2007) (**).

(Continua)

Imagens (e legendas): © Nuno Rubim (2008) . Direitos reservados.


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Notas de L.G.:

(*) Por imperativos de resolução os slides enviados pelo Nuno Rubim (total: 18), foram convertidos em imgens em formato jpg e, em geral, tiveram que ser desdobrados.

(**) Vd. poste anterior > 13 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3054: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (1): Como dar a volta aos Strella ?

Guiné 63/74 - P3054: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (1): Como dar a volta aos Strela ?

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > O Cor Nuno Rubim, entre o Cor Carlos Matos Gomes e o Gringo de Guileje, o ex-Fur Mil Zé Carioca, da CCAÇ 3477 (Guileje, Nov 1971/Dez 1972), explicando pormenores da sua obra-prima que foi o diorama de Guileje...


Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Dia 5 de Março ded 2008 > Painel 3 > O pós-Guiledje: efeitos, consequências e implicações político-militares do assalto ao aquartelamento. Moderador: Mamadú Djau (Director do INEP) > Comunicação de Nuno Rubim, português, Cor Art Ref > 17h30 – 18h00 > "A batalha de Guiledje: uma tentativa de reconstituição histórica em dioramas" >

Fotos e legendas: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados




Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Dia 5 de Março ded 2008 > Painel 3 > O pós-Guiledje: efeitos, consequências e implicações político-militares do assalto ao aquartelamento. 

Moderador: Mamadú Djau (Director do INEP) > Comunicação de Nuno Rubim, português, Cor Art Ref > 17h30 – 18h00 > "A batalha de Guiledje: uma tentativa de reconstituição histórica em dioramas" > Neste excerto da sua comunicação, Nuno Rubim aborda sobretudo a ameaça que representou, para as NT, o aparecimento dos mísseis terra-ar Strela, sob os céus de Guileje... O resto da comunicação será apresentado sob a forma de slides que ele teve a gentileza de nos disponiblizar, para divulgação no blogue. O pequeno vídeo foi feito em más condições de som e luz.

Recorde-se que
Nuno Rubim comandou duas das unidades que passaram por Guileje: a CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) e a CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966) (*).

Vídeo (4' 58''): ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojados em: You Tube >Nhabijoes

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Nuno Rubim - CV abreviado 

1- Chefe da Secção de Estudos do Museu Militar de Lisboa, 1981-1984.

2- Organizou a Exposição “Armas em Portugal – Origem e Evolução”, no Museu Militar de Lisboa, tendo elaborado o respectivo catálogo.

3- Fez parte do grupo restrito que planeou e instalou a “Exposição Nacional Comemorativa do 6º Centenário da Artilharia Portuguesa”, que esteve patente ao público no Museu Militar do Porto, de Julho a Setembro de 1982, elaborando parte do respectivo catálogo.

4- Adjunto do Centro de Estudos da Direcção do Serviço Histórico - Militar, 1984 -1986.

5- Organizador do 1º Curso de Museologia Militar, no ambito da DSHM, 1985.

6- Planeou e dirigiu a execução da exposição “Artilharia Histórica Portuguesa Fabricada em Portugal”, patente ao público no Museu Militar de Lisboa, desde Junho de 1985, sendo autor da respectiva memória histórica .

7- A convite do Exmo. Presidente da respectiva Comissão, realizou trabalho de investigação e posterior instalação da artilharia embarcada a bordo da Fragata “D. Fernando II e Glória”, tarefa iniciada em 1991 e que se prolongou até 1998.

8- De Dezembro de 1991 a Junho de 1993, a convite do então IPPAR, desenvolveu um estudo técnico-militar sobre a Torre de Belém, abrangendo o período que decorreu desde a sua construção até à data da sua desactivação como fortaleza de defesa costeira, entregando nessa última data um pormenorizado relatório.

9- Proferiu, no ano lectivo de 1991-1992 e a convite da Comissão Científica de História da Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, uma série de 16 conferências, no âmbito do Mestrado sobre “Os Descobrimentos e a Expansão Portuguesa”, que abordaram disciplinas como a Náutica, a Construção Naval, a Artilharia, a Fortificação, a Organização e Táctica militares.

10- Em conjunto com uma equipa, englobando Oficiais de Artilharia e Docentes Universitários, planeou, coordenou e participou nos trabalhos que levaram à criação do Museu da Escola Prática de Artilharia, aberto ao público em Vendas Novas no dia 4 de Dezembro de 1992. Tem continuado aí a sua colaboração, dirigindo a implementação das seguintes Exposições: (i) Operações; (ii) A Defesa Costeira antiga (Portugal, sécs. XV-XVI)

11- Conferencista convidado, no âmbito do 1º Curso de História Militar, Fórum da Maia, Fevereiro de 1993.

12- Comissário Técnico, convidado pela “Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses”, para os aspectos militares da Exposição “A Paz e a Guerra na Época do Tratado de Tordesilhas”, realizado em Burgos, Espanha, em Setembro de 1994, tendo elaborado a notícia histórica, o desenho à escala de un Galeão que possibilitou a feitura de um modelo, em corte, à escala 1:10, e executando ainda os modelos, também à escala, do tipo de peças que guarneciam esse navio, São Diniz, Almirante no Índico na 2ª década do Séc. XVI. Realizou ainda todos os estudos técnicos, englobando desenhos, que possibilitaram a feitura de um filme de animação, em vídeo, sobre o tiro de artilharia na transição dos Sécs. XV / XVI.

13- Professor convidado, Regente da Cadeira de História Militar, Academia Militar, no ano lectivo de 1998 – 1999.

14- Colaborador científico convidado, para os aspectos relacionados com as armas de fogo no período medieval, Exposição “Pera Guerrejar”, no âmbito do Simpósio Internacional sobre Castelos, que decorreu em Palmela de 3 a 8 de Abril de 2000.

15- Responsável pela reconstituição histórico-militar do Forte de Oitavos, à data de 1796, (CM-Cascais), cujos trabalhos decorreram entre 1999 e 2001.

16- Tem proferindo comunicações, conferencias e palestras, sobre temas relacionados com a história militar (incluindo a naval ) nas Universidades de Lisboa e Coimbra (no âmbito de Mestrados ), Escolas Secundárias e outros organismos nacionais.


Tem publicados os seguintes trabalhos:-

- “As origens da Artilharia Piro-Balística”, Revista de Artilharia, Nov-Dez 1977
- “Falcões Pedreiros”, Bulletin, Early Sites Research Society, Vol. 10, Nº 2, Dec 1983, Mass., USA.
- “Sobre a possibilidade técnica do emprego de Artilharia na Batalha de Aljubarrota”, Revista de Artilharia, Jan-Fev 1986
- “A Artilharia Portuguesa nas Tapeçarias de Pastrana –A Tomada de Arzila em 1471”, Separata da Revista de Artilharia, 1987.
- “Algumas Questões sobre as Munições de Artilharia de Alma Lisa”, in “Bombardeiro, Boletim Nº 15 do RAC, Nov 1989
- “D. João II e o Artilhamento das Caravelas de Guarda-Costas-o Tiro de Ricochete Naval”, Separata da Revista de Artilharia, 1990
- “A Investigação Histórico-Militar Contemporânea em Portugal –Algumas achegas”, Revista de Artilharia, Nov- Dez 1990
- “A Artilharia em Portugal na segunda metade do século XV in “A Arquitectura Militar na Expansão Portuguesa”, CNCDP, Porto, 1994
- “Estudos sobre Artilharia Antiga –I / A Torre de Belém, Revista de Artilharia, nos 835-836, Mar-Abr 1995
- “Estudos sobre Artilharia Antiga –II / Uma Experiência Artilheira ‘Sui Generis’”, Revista de Artilharia, nos 878 a 880, Out a Dez 1998
- “A Artilharia antes da Utilização da Pólvora”, em colaboração com o Engenheiro Tércio Machado Sampaio, Separata da Revista de Artilharia, Jul 2000
- “Novo conjunto de Tapeçarias de D. Afonso V na Igreja de Pastrana em Espanha “, edição do autor, Lisboa 2005
- “Notas sobre os Armamentos Marroquino e Português nos Séculos XV e XVI”, Boletim do Arquivo Histórico Militar nº 66, 2004 – 2005 Em vias de publicação dois artigos:Um, em colaboração com o Dr. Carlos Guímaro, sobre peças de artilharia portuguesa do início do Séc. XVII que foram encontradas no Butão, a publicar na Revista de Artilharia.

Outro sobre a primeira bateria automóvel operacional existente no mundo, 1903-1905, um projecto luso-francês, a publicar no Boletim do Arquivo Histórico-Militar.

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Título da comunicação no Simpósio Internacional de Guiledje:

Guiledje 1963-1973, uma tentativa de reconstituição histórico-militar

Sinopse da comunicação > O autor tenta estabelecer resumidamente o percurso das unidades do Exército Português que estiveram sedeadas no Sector de Companhia de Guiledje desde 1963 até 1973.

O sector envolveu duas localidades, Guiledje e Medjo, mas também interessa focar outros dois aquartelamentos, Gadembel/Balana e Gadamael que, devido à sua proximidade, tiveram influência no desenrolar das operações militares nessa zona.

Guiné 63/74 - P3053: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (15): Instrutor de milícias em Bambadinca (Out 1971)

Guiné > Zona Leste > Saltinho > Outubro de 1971 > Equipa de futebol: de pé, da esquerda para a direita: 1ºcabo Cosme(Pel Caç Nat 53, Fur Mil Bernardes(CCAÇ 2701) Fur Mil Moreira (CCAÇ 2701), Alf Mil Santiago(Pel Caç Nat 53), Alf Mil Julião e Cap Clemente (CCAÇ 2701); de joelhos, Alf Mil Mota (CCAÇ 2701), soldado Bobo(Pel Caç Nat 53), Alf Mil Oliveira, Rocha e Martins Faria (médico), todos da CCAÇ 2701. Reparem nos calções....

Detalhe de uma das páginas do manual de instrução de milícias

Fotos: ©
Paulo Santiago (2008). Direitos reservados

1. Mensagem do Paulo Santiago, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 53, Saltinho (1970/72), enviada a 8 de Julho

Assunto - Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (15 )

Camaradas Luís, Briote e Vinhal
Há longos meses interrompi as memórias, recomeço hoje em Outubro de 1971 (*).

A época das chuvas estava a terminar, estamos em Outubro de 71, estava quase a concluir um ano de comissão, mas... faltava ainda tanto tempo.

Organizou-se um campeonato de futebol de onze no Saltinho,com as equipas devidamente fardadas. A minha distinguia-se pelos calções,magnificamente executados pelo meu soldado Fodé Sané, e era a melhor, sendo eu o pior jogador, aquela bola redonda não atinava com os meus pés, bola para mim era oval e jogava-se, de preferência, à mão. Também só fiz um jogo,o Clemente achou que deveria ir para Bambadinca ormar uma Companhia de Milícias.

Em meados do mês segui para Bambadinca, acompanhado pelo meu soldado Amadú Baldé e pelo Celo,milícia de Cansamange.

Naquela sede de Batalhão[ na altura o BART 2917,] , apenas conhecia duas pessoas, ambas tinham estado no Saltinho quando de uma coluna de reabastecimentos. Eram o Alf Mil Vacas de Carvalho e o Ten-Cor Polidoro Monteiro. O médico Vilar, de alcunha Drácula,conhecia-o de vista de Coimbra.

Quem ía do Saltinho para Bambadinca, como eu fui, notava grandes diferenças. No Saltinho era tudo militar, em Bambadinca já existia estrada com alcatrão, já existia uma tasca civil, até se podia ir a Bafatá, a grande cidade, ao Sábado. Só faltava o rio, que era e continua sendo a grande atracção na estrada Xitole-Quebo. [Enfim, havia o Geba Estreito...]

A companhia de milícias, que ía formar, era composta por três pelotões, a quarenta instruendos cada, sendo todos de etnia fula. Cada pelotão era comandado/instruído por um Fur Mil, coadjuvado por um monitor, soldado ou milícia. Lamentavelmente esqueci completamente o nome dos três Fur Mil, comandantes dos pelotões, assim como apenas recordo a proveniência de um dos pelotões: o de Cansonco, tabanca onde a CCAÇ2701 tinha um pelotão destacado.

Sei que um dos Fur Mil pertencia à CART do Xime, mais nada. Os outros pelotões eram da zona de Nova Lamego (Gabu ). No início da instrução tive um problema com o pelotão de Cansonco,um problema quase tribal. O meu soldado Amadú tinha ido como monitor e como futuro comandante daquele grupo de milícias. Acontece que um dos instruendos, por acaso,o mais sorna, o mais desajeitado, o pior em tudo, era o chefe de tabanca, o Buba, que,nesta condição, deu a volta aos outros instruendos, reclamando para ele o futuro comando do pelotão. A idade, também mais avançada, aliada às outras características não o recomendavam para o comando. O Polidoro também não via aquele chefe de tabanca como comandante de pelotão, e andámos nesta história de comando ou não comando, meia dúzia de dias até chegar uma mensagem do Batalhão de Galomaro e da CCAÇ 2701,impondo o Buba como comandante do pelotão de milícias de Cansonco.

A instrução diária começava às 07.00 com formatura da companhia,com a presença do Polidoro Monteiro e do Major Anjos de Carvalho. Este não ía muito com a minha cara, não sei a razão. De seguida cada instrutor levava o seu pelotão para o local apropriado à instrução daquela hora e daquele dia.

Levei uma vida folgada durante as oito semanas de formação dos milícias. Tinha as formaturas, dava a Educação Física, a GAM (ginástica de aplicação militar) e Ordem Unida a toda a Companhia. Gostava de OU (ordem unida), achava que era das instruções mais importantes, sob todos os aspectos, para um militar ou milícia. Penso será válido ainda hoje, que a OU está para o militar como o Kata está para o praticante de Karaté (também andei nesta), nenhum karateca conseguirá atingir o pleno se não dominar os katas, é neles que se encontra a disciplina e toda a essência da arte marcial, a defesa e o ataque.

Via um pouco disto na OU. Os instrutores,Fur Mil, davam as restantes alíneas que constavam das normas, escritas, conforme exemplo junto, visando a formação do milícia. Havia também um Oficial de Tiro, primeiro o Alf Mil Vacas de Carvalho, mais tarde o Alf Mil Vilaça.

(Continua)
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Nota:

(*) Vd. post de 25 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2302: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (14): Ilustres visitantes no Saltinho

Guiné 63/74 - P3052: Memórias de Mansabá (9): Os cães da CART 2732 (Carlos Vinhal)

Por o nosso camarada Artur ter falado em cães e no seu sofrimento durante a nossa guerra, não posso deixar de falar de duas cadelas que existiam em Mansabá e que herdámos da CCAÇ 2403.

Uma, a Diana, era amarela, alta, elegante, um tanto aparentada com um galgo, mas mais corpolenta. Era muito independente, logo pouco sociável. Andava sempre distante da nossa Messe, embora nunca abandonasse o aquartelamento.

A outra, a Nina, era mais baixota, mais peluda, mais sociável e, pasme-se, acompanhava-nos nas patrulhas mais próximas do aquartelamento e nas colunas auto.
Qaundo via os carros a formar na parada, escolhia logo um deles para se fazer transportar. Foi inúmeras vezes a Mansoa, sempre voluntariamente, ao contrário de nós que íamos obrigados.

Quando nos acompanhava no mato, fazia-o com cuidado, não ladrava e nunca saía de junto de nós.

Ambas nos faziam jeito para ajudar a consumir as inúmeras salsichas que o Costa (Fur Vaguemestre) nos fazia o favor de servir quase todos os dias, às refeições, intervalando com o polvo e o atum.

A Nina um dia ao saltar de uma viatura, por ventura ainda em andamento, partiu uma das patas traseiras. Por infelicidade ficou também prenha na mesma altura.

Embora nunca tenha conseguido soldar a pata, levou até ao fim, com algum sofrimento, a gestação dos seus cachorrinhos, principalmente na fase final, quando já mal se arrastava.

Na hora de parir, escolheu o quarto do Branco e do Carneiro para se aliviar.
Fomos assistir ao nascimento dos cachorros e começámos a contar: um... dois... três... quatro... cinco... seis... e sete.

A fase da amamentação foi também dolorosa para ela, porque os cachorros, por serem muitos, se amontoavam por cima da pata partida e ocasionavam dores que a pobre bicha suportava com paciência.

Os cachorrinhos foram todos adoptados e a Nina foi abatida porque já deitava um cheiro pestilento. Estaria com uma doença maligna.

Ficamos só com a Diana que não era nem de longe tão afectuosa como a pobre Nina, mas na hora da refeição sempre nos fazia companhia.

Mansabá > Nesta foto o Fur Mil Trms Lourenço, o primeiro a contar da esquerda e o Fur Mil Enf Marques, o terceiro, seguram os cachorros, filhos da Nina, que adoptaram. O segundo camarada é o Fur Mil Correia e o quarto eu mesmo.

Todos os cachorros foram crescendo normalmente, mas a determinada altura começaram os acidentes. Um deles foi atropelado na parada por uma das viaturas e teve morte imediata. Outro morreu vítima de uma armadilha montada pelos Sapadores, algures nas imediações do arame farpado.

Alguns dos camaradas devem lembrar-se do surto de cólera que atingiu aquela zona da África. Tivemos que ser todos vacinados e veio ordem expressa dos Serviços de Saúde de Bissau para abater tudo o que fosse animal doméstico ou domesticado. O próprio Fur Enf tomou a seu cargo a eliminação de todos os animais, começando pelo seu próprio cachorro que como sabem era filho da Nina.

O Lourenço escondeu o dele dentro do Posto de Rádio onde o Marques não podia entrar. O pessoal da Mecânica escondeu um macaco domesticado que tinham, no fundo da pista.

Mas o Marques, implacável, ou debaixo da responsabilidade de manter a nossa saúde, acabou por matar tudo a tiro de Walter, apesar de o acusarmos de não ter piedade dos animais.

sábado, 12 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3051: Estórias de Jorge Picado (4): Como cheguei a Comandante da CART 2732 (Jorge Picado)




Jorge Picado
Cap Mil
CCAÇ 2589 e CART 2732,
Guiné,
1970/72)



1. Recebemos do nosso camarada Jorge Picado uma mensagem, no dia 10 de Julho, onde ele relata como foi parar a Mansabá, onde teve a elevadíssima honra (digo eu) de comandar a CART 2732. Por pouco tempo, para sua sorte, dirá o Jorge.

Caro Luís
Envio um pequeno trecho que acabei por fazer a que junto algumas fotos de Mansabá, mas se não for considerado de valor para editar não o publiquem.

Acedendo ao pedido do amigo Carlos Vinhal vou fazer-lhe a vontade de explicar como me transformaram em Capitão da sua CART 2732, que nunca foi minha, uma vez que lá estive de passagem apenas durante 52 dias (cheguei a 6 de Março de 1971 e abalei a 29 de Abril).

Um abraço
Jorge Picado


2. Cumprindo ordens superiores, vou legendar as fotos que o meu Cap Jorge Picado enviou.


Foto 1 > Mansabá > Vista aérea do lado da pista de aviação

Foto 2 > Porque será que nesta foto não consigo identificar ninguém? Será das fardas ou dos barretes? Por isso o espumante nunca chegava ao Bar de Sargentos! (CV

Foto 3 > Mansabá, 13 de Abril de 1971 > Nesta foto estão, da esquerda para a direita: A Professora Primária de Mansabá, a Esposa do Chefe de Posto, o Chefe de Posto, o senhor José Leal e o Cap Mil Jorge Picado

Foto 4 > Mansabá, 13 de Abril > O pai babado segura a filhota, que foi batizada neste mesmo dia, ajudado pelo Cap Picado e sob o olhar atento do Alf Mil Casal

Foto 5 > A mesma festa vista de outro ângulo, onde me reconheço à civil, seguido do Alf Mil Bento, Alf Mil Med Rolando, Fur Mil Enf Marques e Alf Mil Op Esp Rodrigues. Ao fundo a, mesa de honra que se vê empormenor nas fotos 3 e 4.

Foto 6 > Aqui reconheço, de pé, da esquerda para a direita, o primeiro é o Alf Mil Bento (CMDT do meu Pelotão), o quarto é o Alf Mil Médico Dr. Rolando, seguido do Cap Mil Picado e os dois últimos, são respectivamente, o 1.º Sarg Santos, hoje Ten Cor na Reforma e o 1.º Sarg Rita também já na situação de Reforma. Sentados. Destacado, o 1.º Cabo João Carlos (impedido da Messe de Oficiais), depois em baixo o Alf Mil Casal, a seguir desconheço quem é, depois um dos miúdos que ajudavam nas duas Messes (onde comiam e estudavam) e finalmente o Alf Mil Op Esp, Rodrigues.

Fotos: © de Jorge Picado (2008). Direitos Reservados
Legendas de Carlos Vinhal


Foto 7 > Mansabá, Outubro de 1971 > Já agora, se me permites caro Jorge, aqui fica uma foto da festa do 1.º aniversário da pequenita do senhor José Leal, onde aparece a mãe, que se bem me lembro se chamaria D.Olinda. Espero que tanto ela como o marido ainda gozem de boa saúde. Bem merecem pelos prazeres de mesa que nos proporcionaram.

Foto: © de Carlos Vinhal (2008). Direitos Reservados


3. Como cheguei a Comandante da CART 2732
Por Jorge Picado

Sendo um individualista naquela guerra, uma vez terminada a Comissão do BCAÇ 2885 e, por conseguinte ter deixado o comando da CCAÇ 2589, esta sim a minha CCAÇ (ainda que tivesse ficado com a dúvida se os seus nativos me adoptaram ou não) em que permaneci durante 356 dias (24FEV70-15FEV71), apresentei-me no QG em Bissau com uma virtual corda ao pescoço a aguardar o enforcamento.

Ingénuo como sempre, sem conhecimentos pessoais naqueles corredores, quer do QG do CTIG quer do COMCHEFE, mas também sempre avesso a situações de favor (leia-se cunhas), nem o facto de ter encontrado no Clube de Oficiais um Major do EM mais velho, mas que reconheci por ter feito os estudos secundários no velho Liceu José Estêvão de Aveiro e creio que natural de Albergaria-a-Velha, colocado não sei em qual das Repartições desse QG, nem a ele resolvi recorrer para qualquer arranjinho na minha colocação. Aguardava serenamente que se apiedassem de mim por já ter experimentado um ano de mato e me concedessem o resto da comissão como férias em Bissau.

Mas durante esse período acabei por perder a ingenuidade e expurgar-me das razões éticas ou moralistas sobre as ditas situações de favor. Não tinha aprendido nada com a mobilização de 2 camaradas (do CPC e do ISA) que foram colocados em Bissau, que sempre me deixaram na dúvida, mas com o que ocorreu a seguir, aprendi.
Não tenho qualquer pejo de fazer estas afirmações, porque era o que sentia. O destino obrigou-me a vaguear por aquelas paragens contra a minha vontade. Obrigou-me a desempenhar papéis para os quais nunca senti o mínimo de preparação e muito menos vocação.

Apenas para que possam avaliar estas minhas confidencias acrescento esta nota muito particular. O meu saudoso sogro gastou dois anos a tentar fazer de mim caçador (arte lúdica de que ele tanto gostava, fornecendo-me todo o material em troca apenas da minha companhia nessas andanças) e teve de desistir antes de há terceira aselhice ficar com a filha viúva, mas que ironia, o Governo de então fez-me não só caçador, mas mais… comandante duma Companhia de Caçadores! E esta, hem? Como diria o falecido e conhecido Fernando Peça.

Quem tem amigos assim, não precisa de inimigos

Mas voltemos a Bissau.
Fiquei aboletado, não sei se era este o termo usado, num quarto (daqueles destinados aos oficiais em trânsito, como aliás tinha acontecido quando da minha chegada ao TO) das instalações do Clube de Oficiais.

Nesse mesmo quarto onde pernoitava, por infelicidade… ou talvez não, instalou-se igualmente pouco tempo depois o Capitão X (não me fica bem mencionar o seu nome, ainda que seja daqueles que até hoje nunca esqueci), do Quadro Permanente e Comandante da CART 2732. Como já éramos conhecidos em virtude da actividade do meu período anterior (fundamentalmente desde Novembro de 1970 com a protecção das colunas para Mansabá), naturalmente se estabeleceu o diálogo entre ambos.

Tinha vindo, não para tratar de assuntos da sua unidade, mas para consultas ao HM 241, no intuito, como honestamente me confessou, de tratar da sua saúde.

Assim, pela sua conversa e pelos cantos do Clube lá fui sabendo que havia vagas e até mesmo fora da capital mas num lugar calmo, como naquela época era o CAOP 1 em Teixeira Pinto onde faltava pelo menos 1 Capitão, admitindo eu não ser descabido mais uma vez sonhar com a fuga aos lugares de sofrimento. E o meu camarada de quarto ia-me animando.

Depois de regressarmos das nossas tarefas diárias matutinas, ele da sua deslocação ao Hospital Militar e eu da minha visita ao QG para receber novas sobre o futuro ou acompanhando o Alferes que me tinha substituído na Comissão Liquidatária (CL) da CCAÇ para o ajudar sempre que preciso (a esta distância ainda me causa uma certa indignação a forma como o Exército tratava os individualistas como eu.

Deixei de pertencer à CCAÇ no cruzamento da estrada Mansoa-Nhacra para o Cumuré, onde todo o BCAÇ se instalou até ao embarque, enquanto eu fui directamente para o QG, mas a responsabilidade até ao encerramento da CL continuava a ser minha, como já em Mansabá acabei por constatar!!! Foi outra guerra que tive de travar quase até ao fim da Comissão), era habitual encontrarmo-nos no quarto para uma banhoca antes do almoço e invariavelmente questionava-me:

- Então já tem colocação?
- Não. - Ia sendo a minha resposta.
- E o seu caso? - Indagava eu.
- Vai correndo bem…

A certa altura anunciou-me que para já… seria uma licença para tratamento… não regressando por enquanto ao seu posto…

Enfim, os dias iam correndo, mas como atrás referi esta minha Companhia tinha-me finalmente aberto os olhos, à cautela, e depois de saber quem comandava o CAOP 1 e que se encontrava de férias na Metrópole, abordei o assunto num telefonema para casa. Havia uma possibilidade, desde que um certo intermediário quisesse, de obter aquele lugar em Teixeira Pinto e dessa vez deitei fora todos os escrúpulos do recurso às cunhas.

Afinal não passava dum mero miliciano e sem vocação para tais artes militares e o exemplo do meu camarada de caserna liquidou a minha moralidade.

O Cap Domingos fica a conhecer o seu subtituto

O pior foi no dia 5 de Março, uma má sexta-feira, quando no QG me informaram que tinha sido colocado no DA, além do QO, indo em diligência para a CART 2732 substituir, durante o seu impedimento o respectivo Comandante.

Iam-me caindo os ditos cujos aos pés ao receber logo a respectiva Ordem de Marcha que me meteram nas mãos, para que não houvesse dúvidas.

E eu, que naquela altura já tinha recebido um feed back positivo de que a lança tinha sido metida e a resposta era favorável a uma ida para o CAOP 1, como depois se confirmou. Nem calculam o que mentalmente lhe chamei...

Ao chegar ao quarto e perante a cena do costume, quase sem o encarar só lhe respondi:

- Fui colocado na CART 2732. Sigo amanhã para Mansoa.

Fez-se silêncio. Nem sequer um pedido de desculpa ouvi. Saiu imediatamente como um foguete.

Desapareceu, nunca mais o vi, porque nessa noite não foi dormir ao quarto...

E assim fui comandar durante uns dias a CART do Carlos Vinhal.

Junto algumas fotos dessa estadia, para publicarem se assim entenderem, mas peço ao Carlos que identifique os intervenientes já que, como ele sabe só reconheço poucos.

Um abraço
Jorge Picado

4. Comentário de CV

Caro Jorge, como sabes há quem tenha amores comuns, o que é um aborrecimento e o que leva à competição feroz e, de onde sai sempre alguém magoado.

No nosso caso, temos um inimigo comum de estimação.
Estou a exagerar, porque o Cap Domingos não era inimigo de ninguém, apenas procurava o seu bem estar, não se importando se, por sua causa, alguém ficava mal na fotografia.
Na verdade porque haveria ele, Oficial do Quadro Permanente, de chatear-se muito, se havia por aí, em algures, um Miliciano para o substituir?

Ele de mim exigia pouco.
Gerência dos Bares (Oficiais, Sargentos e Praças) que eu, por não ter outra solução, delegava nos respectivos impedidos; colaborar no expediente normal da Secretaria; colaboração na actualização, de tempos a tempos, do Plano de Defesa de Mansabá, não fosse o Gen Spínola aparecer por lá e exigi-lo; servir de Sargento Escrivão para todos os Alferes que por lá andavam (CART, Pel Caç Nat 57, Trms, etc) e que tinham a seu cargo um sem fim de Autos de tudo e mais alguma coisa; manter em ordem as minas e armadilhas nos carreiros que eles queriam armadilhados (croquis actualizados); acompanhar os Furriéis Sapadores do Batalhão de Mansoa (BCAÇ 2885) no armadilhamento e posteriores vistorias dos pontões da estrada Mansabá/K3, que eram mais que muitos e, como é lógico ir para o mato com o meu Pelotão. Por vezes ainda tinha de ir como guia com os outros Pelotões da CART, quando estes iam passar perto das zonas por mim armadilhadas.

Quando Sua Senhoria se cruzava comigo, exigia que lhe entregasse imediatamente os mapas com os Balancetes dos Bares com as vendas das bebidas, tabacos e outras porcarias. Eu respondia-lhe que ainda não tinha tido tempo de fazer o que ele queria, porque, quando vinha do mato, tinha direito a descansar como os meus camaradas. Ele invariavelmente me ameaçava com uma porrada.

Se aquela alminha não se finjisse de doente e não fosse evacuado para o HM Principal, teria certamente na minha Caderneta Militar não um Louvor, como tenho, mas um castigo qualquer.

Para meu descanso, o Cap Domingos foi evacuado definitivamente para o HMP (Lisboa) em Agosto de 1971.

Não seria honesto se não reconhecesse que após a era Domingos, a vida me foi mais facilitada em termos de saída para o mato, mas nunca de todo abandonei a actividade operacional.

OBS: - Título e subtítulos da responsabilidade do editor
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Nota de CV:

Vd. Último poste da série de 31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2906: Estórias de Jorge Picado (3): Cutia, II Parte (Jorge Picado)

Guiné 63/74 - P3050: A Guerra estava militarmente perdida? (25). Vou pensando em voz alta (I) (A. Marques Lopes)

Não entro nessa polémica... (I)

A. Marques Lopes (1)



Caros camaradas


Tenho lido o terçar de razões sobre se a guerra na Guiné estava perdida ou se podia ser ganha.

Não entro nessa polémica. Mas fui espevitado pelo Vítor Junqueira, homem de concretos, e pelo Jorge Belo, habitante nórdico de raciocínio frio, e deu-me, só por razões de curiosidade pessoal, para fazer umas pesquisas, ler uns livros, consultar quem tem escrito sobre a Guiné.

Vou pensando em voz alta, faço comentários para mim mesmo. Coisas da velhice... já falo sozinho. Este livro do António Graça Abreu, "Diário da Guiné – Lama, Sangue e Água Pura", é um livro notável que já tinha lido, mas que tornei a ler agora com mais calma.

Acho que o René Pélissier tem razão quando diz dele:

"Um assunto verdadeiramente angustiante é tratado num excelente livro do género 'memórias de uma derrota anunciada'. Este Diário da Guiné é a via-sacra, a derrota lúcida e frouxa de um exército desmoralizado e ultrapassado. O autor, alferes de Junho de 1972 a 17 de Abril de 1974, redigiu a sua obra a partir do seu diário pessoal e dos aerogramas que enviou à família.

"Teixeira Pinto, Mansoa, Cufar (no Sudeste) foram as etapas desta derrocada, à qual assiste sem, no entanto, participar nas operações, pois pertencia à sacrossanta Administração Militar. Graça de Abreu observa a política contestada de Spínola e permanece duvidoso quanto às pretensões do PAIGC em dominar todo o território, mas cedo se apercebe de que, pelo menos entre os manjacos, décadas de exploração colonial não podem ser apagadas por tardias reformas materiais. Apesar da calma na zona de Teixeira Pinto, as emboscadas na estrada de Bissau intensificam-se. A partir de Fevereiro de 1973, quando chega a chão Balanta, os guerrilheiros encontram-se a 4 ou 5 quilómetros. Os guerrilheiros e o exército português bombardeiam-se à distância, mas acotovelam-se no cinema local. Em Março são abatidos os primeiros aviões por mísseis e as operações terrestres portuguesas diminuem, pois os helicópteros já não descolam com frequência para evacuar os feridos. O PAIGC reforça o seu armamento e multiplica as suas picadas de vespa. Em Junho uma parte do batalhão do autor é transferida para Cufar (nas rias do Sul), reconquistado por Spínola. À medida que a data da desmobilização se aproxima, a indisciplina dos soldados aumenta. No final de 1973, Cufar e todas as guarnições em redor são bombardeados pelos 122, 'órgãos de Estaline' do PAIGC. As tropas sabem que vão para a morte na ofensiva contra o Cantanhez e as minas que os esperam. Os 'sábios' de uniforme escrevem poemas que Camões não teria imaginado, mas todos mergulham no álcool para adormecerem os seus medos. O estado-maior e os serviços de saúde pública terão elaborado, posteriormente, estatísticas sobre a dependência alcoólica dos antigos combatentes portugueses? A água pura era rara na Guiné no início de 1974. Sabemos a que é que tudo isto conduziu o exército e o Estado Novo."

Li isto há dias num texto seu intitulado "Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos", e publicado nas páginas 1107 e 1108 da revista Análise Social, vol. XLII (185), 2007).
Acho curioso que ele tenha visto os filmes "O Milagre dos Lobos", com Jean Marais, e "Mr. Solo" no cinema de Canchungo e, no Clube de Oficiais em Bissau, as "Duas Raparigas da Cortina de Ferro".

Bem, acho curioso porque eu também vi esses filmes. Quando já estava no "puto", claro. Eu era para esquecer a guerra e ele era para desopilar, certamente, e, como ele diz, era óptimo desopilador "o bem-bom das mordomias do Clube de Oficiais". Ah, mas ganhei-lhe numa coisa! Ele escreveu "Ontem fui às putas", em Bissau, a 15 de Dezembro de 1973... mas eu, quando regressei da guerra, fui às putas ontem, anteontem, amanhã e depois de amanhã! Para me ressarcir de todo o tempo em que nunca "lá fui" quando estive no mato.

...Deixa-te de brincadeiras. Ele teve conhecimento, em Mansoa e, sobretudo, em Cufar dos percalços da tropa, dos feridos, dos mortos, dos ataques e bombardeamentos, da loucura... sim, da loucura, quando escreve, em 13 de Agosto de 1973, que viu em Cufar o 1.º Cabo cripto que se embebedou e gritava que odiava a guerra e que matava todo o "rebanho de carneiros sem cornos" que não se rebelavam contra a humilhação da guerra. E também diz, a certa altura, que "custa muito ver tanta gente destruída, de ambos os lados."

O que me espanta é que, agora, a mais de trinta anos de distância, ele tenha as certezas que então não tinha.

"O Spínola retirou-se estrategicamente da guerra da Guiné. É fácil de entender porquê. Com o agravamento do conflito, não quis assumir derrotas. Foi a Lisboa, falou com o Marcello Caetano, pediu mais meios, mais tropa, mais aviões, e disseram-lhe que não havia, não era possível. O general pediu a exoneração e acho que fez bem. Para os guineenses acabou o 'mito Spínola'. O novo governador, General Bettencourt Rodrigues, parece ser um homem com um curriculum notável, mas que pode fazer na Guiné? Vai-se meter em grandes assados. Há muita descrença, cansaço, passividade a povoar o quotidiano da tropa portuguesa. E, de certeza, haverá mais feridos e mortos. De que aspectos se revestirá a fase final da guerra na Guiné? Ninguém sabe (negrito meu)”. (Cufar, 4 de Setembro de 1973).

Mas o António Graça de Abreu sabe, agora, que a guerra não estava militarmente perdida. É o que depreendo daquilo que tenho lido. Não sei, se calhar terá mais elementos do que tinha antes, repensou. Ou não se aplicará aqui que "As grandes revoluções vitoriosas, fazendo desaparecer as causas que as haviam originado, tornam-se desta forma incompreensíveis graças aos seus próprios êxitos", como disse Charles Alexis de Tocqueville?... Sei que isto se aplicará mais ao nosso 25 de Abril, mas acho que, embora mantendo algumas nuances, talvez possamos aplicá-la ao que se pensa agora sobre o desenlace da guerra.

Como vou agarrar a questão da evolução da guerra e o seu fim?... Não é fácil para quem, como eu, tem conhecimentos restritos de toda a situação da guerra passada na Guiné.

Estive na Guiné em 1967, 1968 e princípios de 1969, e andei sempre pelo mato, em operações, emboscadas, reconhecimentos, patrulhas, colunas de abastecimento, e outras que tais, à excepção de algum tempo em Bissau, e mesmo aí tive de ir montar uma emboscada perto do aeroporto... Além do tempo que estive no hospital, ferido.

Por um lado nunca tive conhecimento dos meandros e esquemas globais da guerra, apenas a prática na mata, por outro lado, mesmo no terreno, não tive a experiência, de certeza mais rica, que outros tiveram nos anos subsequentes até 1974.

É claro que tenho de me socorrer de alguma obras. Mas elas já são tantas, não é possível lê-las todas, e nem sequer as tenho todas...

Vou agarrar-me a uma que tenho mesmo aqui à mão: "Guerra Colonial", de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes (Editorial Notícias, 1972).

O Aniceto foi da Comissão Coordenadora do MFA em Moçambique e era Director do Arquivo Histórico Militar quando a obra foi escrita. É considerado um dos oficiais mais cultos do Exército; o Matos Gomes foi da Comissão Coordenadora do MFA na Guiné e foi um grande operacional e conhecedor dos meandros do Estado-Maior do Comando-Chefe do CTIG. Merecem-me toda a consideração e credibilidade.

E vou também à internet, onde me parece que o V. Briote e o Carlos Fortunato, nomeadamente, têm elementos de interesse nos seus Guiné, ir e voltar e Portalguine.

Os meus agradecimentos a todos eles. E fica claro que alguns dos meus pensamentos em voz alta são, ipsis verbis, o que eles escreveram, Porque é o que eu acho e, confesso, não tenho pachorra para glosar (ou embaralhar...) o que eles já escreveram.

A. Marques Lopes
__________

Notas de vb:

1. A. Marques Lopes, ex- Alf Mil Inf ( hoje Cor DFA, reformado), CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro

2. Adapatação do texto da responsabilidade de vb;

3. Artigo relacionado em:

9 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3042: A Guerra estava militarmente perdida? (24). Comentário do J. Mexia Alves.

Guiné 63/74 - P3049: Estórias Avulsas (17): As cadelinhas de Jumbembém (Artur Conceição)

Artur Conceição
Sold Trms Inf e Cond Auto
CART 730
Bissorã, Farim e Jumbembém
1965/67


Na foto > O Loke, um Golden Retriever que estava num canil da Holanda por ter sido abandonado, foi adoptado pelo meu sobrinho Rui, temporariamente a viver naquele país, vive hoje em Portugal rodeado do maior carinho. (C.V.)
Foto: © Rui Pereira (2008). Direitos reservados


As cadelinhas de Jumbembém
(Até os animais sofriam)
Por Artur Conceição

Uns camaradas da minha Companhia apanharam durante uma saída, duas cadelinhas que haviam ficado órfãs. Como eram ainda bebés foi preciso alimentá-las com muito cuidado para que resistissem.

Eram a alegria do pessoal, porque como qualquer mamífero brincavam o dia inteiro mesmo com aquela temperatura. A pelagem era igual à dos Golden Retriever e era muito brilhante porque de vez em quando as bichas tinham direito a ração de combate, e a conserva torna o pelo dos cães mais luzidio.

Um certo dia, ou melhor uma certa noite, veio um cachorro vadio dos que andavam no mato, cheios de fome e doença, e ferraram as duas cadelinhas, transmitindo-lhe raiva. Tiveram de ser abatidas e queimadas perante a tristeza de todos.

Em ataques de surpresa, com cães pelo meio, não dava jeito a nenhuma das partes em conflito, e daí que os cães não fossem animais muito simpáticos, principalmente fora do nosso acampamento, embora houvesse animais bem mais perigosos.

A partir desta situação, embora continuasse a gostar de animais, fiquei com muito receio de ser mordido e apanhar raiva.


Vista aérea de Jumbembém
Foto: © Alf Mil Roda da CCAÇ 14 (2008). Direitos reservados


Quando fui para Guiné a bordo do Timor as Companhias que iam no barco, 762 e 763, já iam com farda verde. Como eu ia com destino à 730 que ainda tinha ido de amarelo eu ia também de amarelo. Isto levou a que no final da comissão eu andava a destoar de todos os outros, e fui alvo dos mais variados comentários principalmente dos que chegavam, tais como: - Deve estar mesmo a ir embora, outros diziam, deve ter levado uma “porrada” e nunca mais daqui sai, terá metido o Chico ? e outros parecidos. Mas era também uma foram de ser respeitado uma vez que a antiguidade também era um posto.

Sensivelmente a um mês do regresso, vinha eu com o meu amigo Manuel Carvalho de uma taina num Restaurante de um Casal de Alentejanos, que tinham uma filha bem bonita, e que ficava na estrada que ligava o QG ao Hospital Militar, logo a seguir à Granja Agrícola mas do lado contrário.

Era já meio da tarde; vínhamos bem comidos e melhor bebidos, quando de repente aparece pela frente e direito a mim um cão com um aspecto assustador. A minha primeira reacção foi apanhar uma pedrita para lhe atirar no sentido de lhe mudar a direcção. Só que tive azar e acertei-lhe numa orelha. O animal estava de tal maneira mal tratado que gritou como se tivesse levado uma grande pedrada.

No mesmo sentido, e logo atrás de nós vinha um carro civil que transportava o Senhor Director da Granja Agrícola, que de imediato saltou da viatura e me ordenou que entrasse. Argumentei que estava fardado e que não me era permitido entrar num carro civil.

O argumento foi aceite, mas tive de ir de imediato para o QG, que era a minha morada, para onde o Senhor Director se dirigiu. Quando lá cheguei já o encontrei a falar com o Oficial Dia a quem já tinha apresentado a queixa verbal. Depois de uma repreensão, ordenou-me que no dia seguinte pelas 9 horas estivesse na Granja para falar comigo. Ainda disse ao Senhor Oficial Dia que não punha lá os pés, mas o Senhor Capitão disse-me que era melhor não fazer isso porque ele era unha com carne com o Governador e que com um bocadinho de sorte eu ficava na Guiné mais uns tempos.

Em Bissau estava-se bem protegido de ataques, mas devo dizer que não foi das noites que dormi melhor.

Pelas 9 da manhã do dia seguinte, fardado a rigor, lá fui direito à Granja sem saber muito bem o que me ia acontecer.

Fui recebido no Gabinete do Senhor Director, mandou-me sentar, e após um longo interrogatório sobre a minha vida militar, sobre os locais por onde tinha andado na Guiné, onde não me esqueci de frisar de que os cães nos denunciava especialmente em saídas nocturnas e também a história das cadelinhas de Jumbembem, também algumas perguntas relativas à parte da vida civil até à idade do sarampo, até que chegou a pergunta sobre a minha naturalidade.

Quando lhe disse que era de Vouzela logo percebi que nada de muito mau me iria acontecer.

Nunca cheguei a saber qual a naturalidade do Senhor Director, mas que tinha muita admiração pelas pessoas de Vouzela isso era verdade, só não compreendia como é que alguém de Vouzela, que era terra de tão boa gente, tinha tido aquela atitude. Apenas argumentei que analisar o carácter de alguém só por atirar uma pedra a um cão ao fim de dois anos de guerra não seria a melhor forma.

Ao fim de uma hora de moral, e depois de me desejar um bom regresso, mandou-me em paz depois de oferecer um cartão dos seus, para se um dia na vida civil necessitasse de ajuda o poderia procurar.
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Nota de CV:

Vd. último de poste de Artur Conceição de 10 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3045: Convívios (72): Em Campia, Vouzela, homenageando os esquecidos da guerra (Artur Conceição / José Manuel Lopes)

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3048: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (38): No HM241, em Bissau, voando sobre um ninho de jagudis

Guiné > Bissau > Abril de 1970 > "A Cristina em Bissau... A Cristina chegou a 15 de Abril [de 1970],vivemos em Bissau cerca de três semanas, incluindo a minha baixa à neuropsiquiatria, no HM241. Passeámos, fomos muito bem acolhidos, jantámos em todos os tasquinhos da Península. Bissau, confirmo por estas fotografias, tinha um cosmopolitismo de guerra, era um crescimento articial de bem-estar em torno da presença das tropas" (BS).


Guiné > Bissau > Maio de 1970 > "A Cristina chegou a 18 de Abril [de 1970] e praticamente nunca saiu de Bissau a não ser umas curtas visitas a Safim, Nhacra e Quinhamel. Não podíamos, evidentemente, ir passear a quaisquer teatros de operações. Durante os praticamente 20 dias que ela aqui viveu, visitámos as amizades feitas em Bambadinca e Bissau e fomos recebidos regularmente pelo David Payne, Emílio Rosa e mulheres. Não resistíamos à curiosidade de andar pelos mercados, ver artesanato e pequenas festas locais. Muitas vezes, o Cherno acompanhou-nos, insistia que não havia pausas no seu papel de guarda-costas.

"À volta do mercado velho havia uma excitação entusiasmante, era o colorido, os pregões, os encontros imprevistos, a discussão dos preços, os odores de África. Depois da lua de mel no Grande Hotel (nome sofisticado para uma pensão onde se comia razoavelmente) fomos viver em casa do Emílio Rosa e começaram aqui as idas à praça. Recordo a fruta, o peixe e alguns legumes. Fugi sempre da carne na Guiné e nunca esqueci os meus 19 dias a pé de porco com feijão verde enlatado, tudo acompanhado com leite achocolatado holandês" (BS).

Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.

Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 11 de Abril de 2008:


Meu caro Luís, Segunda-feira mandar-te-ei imagens dos livros aqui referidos. Não te esqueças que tens fotografias da Cristina em Bissau e há igualmente imagens do HM 241. Vê se nos podemos encontrar sexta-feira , 21, para mim era o ideal. Gostava que a nossa reunião de Monte Real aprovasse novos projectos e eu estou disponível para continuar a contribuir com a minha dedicação ao blogue.

Um abraço do Mário



Operação Macaréu à vista > Episódio XXXVIII > NOS LABIRINTOS DA FEBRE CEREBRAL (*)
por Beja Santos



(i) Os duelos entre o capitão Oliveira e o furriel Alves


O capitão Oliveira, para quem o ouve, repete a todo o instante que quer ver clarificada a razão do seu internamento compulsivo, pretexta em tom muito alto que as evacuações Y eram um dever para quem tem uma mãe tão frágil e só como a sua.

O furriel Alves, que não pára de mexer as mãos, e que também fala em tom muito alto, continua incrédulo por não ter perdido uma grama do seu corpo nas minas que pisou, por não ter uma só fractura, um simples hematoma, lança-lhe um riso escarninho, chama-lhe tarado, um capitão que pede por duas vezes uma evacuação Y para mandar aerogramas à mãe e não percebe a gravidade do seu gesto, insiste ele com o dedo em riste, ou perdeu o siso ou então (aí a sua voz ganha uma cor escura, e vai silabando e escorrendo a insinuação em tom lento) não passa de uma comédia ardilosamente montada para regressar à metrópole. E resmoneia entre dentes:
- Apanhado pelo clima, o tanas!”.

Estes duelos tinham a particularidade de se tornarem mais dramáticos num momento crucial para o meu sono. Passo a explicar. Com o toque de alvorada, o primeiro cabo Morais entrava na enfermaria e ferrava as injecções em três rabos, pondo em cima da mesa da cabeceira os respectivos comprimidos multicolores. Dóceis, seguíamos para o refeitório onde nos aguardava uma cafeteira de alumínio, havia pão e marmelada à disposição. No regresso à enfermaria, o 1º cabo Morais apontava para os comprimidos e seguia a trajectória dos mesmos até às nossas bocas. Dóceis, ingurgitávamos as cápsulas, mecanicamente.

Quando era esperável que serenassem os ânimos e fizéssemos o primeiro sono do dia, o Alves subvertia os efeitos da química, excitava o Oliveira. Em quinze minutos estava armada a cena, eu deitado na cama do meio com vontade de dormir, sujeitava-me à gritaria infrene e quando tenho o corpo já mole e o cérebro noutro sítio, voavam cadeiras, caiam as mesas, soltavam-se os impropérios mais soezes.

No terceiro dia, ainda a tentar adaptar-me a este espectáculo ensurdecedor, vejo os dois em cima das respectivas camas, pegam nas facas da marmelada e ameaçam-se. À cautela, gritei por socorro, já com a voz empastada, foi bom assim, descobri que a loucura é democrática, da enfermaria das praças acorreram dois calmeirões de olhar embrandecido pelos comprimidos, Oliveira e Alves foram separados e levados não sei para onde, respirei de alívio, adormeci até à hora do banho.


(ii) A visita das ilustríssimas senhoras


Enquanto almoçamos comida intragável com o corpo a cheirar a sabonete, o nosso zelador informa:
- Agora vão descansar, atrevam-se a desobedecer-me e verão. Pelas 15h30, vem a esposa do nosso brigadeiro e as senhoras do Movimento Nacional Feminino. Como é a primeira visita que vão ter, digam às senhoras do que é que precisam, elas são prestáveis e trazem umas revistas até em línguas estrangeiras. Vão estar deitados, ai de quem usar de maus modos com as senhoras, carrego-vos na dose dos comprimidos, vocês quando saírem daqui nunca mais serão gente!.

Lá fomos para a deita, tomámos nova porção de comprimidos multicolores, o 1º cabo Morais, à hora aprazada, depois de confirmar a decência da nossa postura, deu passagem a um conjunto de senhoras capitaneadas pela mulher do comandante militar da Guiné, trazia uma bata com as insígnias do Movimento e uma braçada de revistas encostadas ao peito. Sorriu, vinha muito bem penteada e falou suavemente:
- Boas tardes aos três. É muito triste estar doente, viemos para vos fazer companhia, tomar nota se precisam dos nossos préstimos, trazemos aqui algumas revistas para vos aliviar o sofrimento. As vossas mães, as vossas irmãs e namoradas estão certamente intranquilas. Peçam, nós contactamo-las. Façam o possível por ler. Ler promove o espírito.

Eram de facto revistas estrangeiras, Paris Match, Jours de France, havia até uma revista que falava de casamentos e baptizados da realeza europeia. A visita foi confrangedora para quem trazia tanta cordialidade, tiveram que enfrentar o nosso silêncio glacial, nada havia a pedir às senhoras, o 1º cabo Morais recolhia as revistas e agradecia por nós aquela prova de tanta bondade. As senhoras saíram, o 1º cabo Morais felicitou o nosso comportamento.

Uma hora mais tarde, de novo com as mãos fora do lençol, devidamente esticadas, foi a vez de recebermos a mulher do comandante-chefe das forças armadas e a sua comitiva, todas com a indumentária da Cruz Vermelha Portuguesa. Igualmente bem penteada e portadora de um sorriso doce, D. Maria Helena Spínola revelou-se solícita, perguntou se queríamos escrever para a família e foi aí que o capitão Oliveira estragou tudo, contou a história da mãe com a tensão alta e diabética, a simplicidade tocante do seu gesto em querer mandar-lhe um aerograma, a brutalidade das leis militares, ele sabia muito bem que uma evacuação Y não era para uso comum, desviar uma avioneta ou um helicóptero pode ceifar vidas, mas ele era filho único, aquele grupo de seis senhoras avançava para a cama dele, ouviam-no atentamente, o olhar era de puro pesar, alegaram nada poder fazer mas se o senhor capitão entendesse que deviam contactar a mãe, elas fariam isso prontamente.

Com o tronco soerguido na cama, agitando as mãos, o capitão Oliveira, de olhar súplice, lançou um apelo dramático:
- Minhas senhoras, perdi a reputação, sou um homem desonrado, imagino o que me vão dizer quando regressar ao meu quartel, vêem-me aqui rodeado destes dois doentes mentais, o da ponta se as senhoras lhe derem trela não engana ninguém, tem o juízo despachado, pisou umas minas e não pára de falar, este aqui ao meu lado tem a calma fria dos assassinos, até me arrepio quando penso que ele andou a fazer atrocidades lá no mato, quem vê caras não vê corações. Por favor, tirem-me daqui, eu não quero ficar doente, eu sou um bom filho.

Foi aqui que o furriel Alves começou a disparatar, a chamar tratante ao capitão Oliveira, os ânimos aqueceram, as senhoras recuaram com olhar atónito, o 1º cabo Morais atropelou uma explicação dizendo às senhoras que o senhor capitão sofria de um forte distúrbio, pediu-lhes para abandonar imediatamente a enfermaria, à saída de um grupo atarantado e compungido apanhámos com o olhar furibundo do nosso zelador. O 1º cabo Morais regressou momentos depois e deu-nos notícia do castigo: estavam proibidas as visitas às enfermarias, hoje e amanhã. Olhou-me depois da sua sentença e disse-me:
- Um dos médicos psiquiatras, o nosso alferes Payne, quer vê-lo daqui a um bocado. Arranje-se e venha comigo.

(iii) A minha confissão a David Payne


Depois de inúmeras lavagens em autoclave, visto um pijama descolorido, entre o azul desmaiado e o cinzento cor de rato, uso sandálias de plástico e inexplicavelmente apresento-me na consulta com dois livros, na presunção de que vou ter muito tempo para ler. O David Payne gaba-me o ar repousado, o ar bem dormido, os movimentos sem nenhuma tensão. Refere que já falou com o psiquiatra de serviço, saio feita uma semana de enfermaria, fico ainda uma outra semana em consulta externa. Ainda hoje não sei o que se passou, mas senti que me estava a confessar a este grande amigo:
- David, nunca te poderei agradecer esta possibilidade que me deste de estar com a Cristina, o que era impossível aconteceu, senti-me muito feliz por ela ter vindo. Não medi as consequências de um casamento com internamento psiquiátrico forjado, tens que me ajudar a esclarecer esta terrível sensação de estar feliz por ter a Cristina em Bissau e ao mesmo tempo sentir que isto é um estado que me divide e dificulta a exteriorização de sentimentos. Não paro de pensar que tenho que regressar mais uns meses a Bambadinca, ainda ontem aqui esteve o Teixeira das transmissões a despedir-se, regressa dentro de dias à metrópole, falei com o Teixeira como se estivéssemos operacionais activos, houve um momento em que lhe estendi a mão como se fosse receber uma mensagem para ir a Mato de Cão. Não devo ser caso único, mas sinto que este estado não me faz bem nem à Cristina. Vou propor-lhe que cada um regresse ao seu ponto de partida, aceito esta tua ideia de ficarmos mais uns dias juntos, vê lá o que é que me aconselhas como boa comunicação para a nossa despedida temporária.

O David olhava-me com o seu olhar penetrante, fazendo circular a língua nos seus lábios finos, de próximo e centrado na minha cara passou a divagar pelos móveis e paredes da sala, voltou a olhar-me e serenou-me sobre tudo quanto se estava a passar, concordou que o prolongamento da situação poderia ser danoso para os dois, ele próprio iria falar com a Cristina, hoje ou amanhã. E recomendou-me que tirasse partido destas férias à força, não valorizando as tensões que eu presenciava na enfermaria. Mais me informou que a redução dos medicamentos iria permitir-me regressar a Bambadinca numa quase perfeita desabituação terapêutica.


(iv) Um telefonema para Cherno Suane


É quando arrumo o correio enviado à Cristina a partir de Bambadinca, a partir de fins de Maio de 1970, que me assaltam dúvidas e sou instado a telefonar ao Cherno: ele acompanhara a Cristina em Bissau enquanto eu estava hospitalizado, que visitaram, por onde passearam?

Estava eu ainda em Bissau quando a 7 de Maio ocorreu um patrulhamento ofensivo em Sinchã Corubal, a operação “Gato Irritado”, em que participara o Pel Caç Nat 52, e um grupo de combate da CCaç 12, o que é que acontecera? Numa carta datada do início de Junho, referia uma operação que começara por um patrulhamento entre Amedalai e Moricanhe e numa emboscada em Madina Colhido houvera um contacto com uma coluna do PAIGC em que Mamadu Camará alvejara uma mulher, o que é que realmente se passara?

Ele que me desculpasse o inusitado das perguntas, tinha ainda uma outra dúvida sobre a Sociedade Agrícola do Gambiel, sucessora da antiga Companhia de Fomento Nacional, fundada em 1921, ele que tinha trabalhado na Socotran, ali para os lados de Biassa, a partir de 1978, lembrava-se de ter visto alguma vez vestígios dessa empresa no regulado do Cuor?

Do outro lado do telefone, Cherno não se fez rogado: como se estivesse a gargalhar, referiu que ia buscar a “senhora” ao Grande Hotel, primeiro, e, depois, à pensão da D. Berta, junto da igreja dos cristãos. Que iam aos mercados e passeavam pelo cais e depois sentavam-se no café da Associação Comercial; completamente a despropósito, lembrou-me que passámos a levar o morteiro 81 para Mato de Cão a partir de Junho e até Novembro de 1969, e precisou:
- Era Jam Djaló, milícia de Missirá, quem fazia questão de levar o tubo do morteiro em cima do ombro, o Queirós levava um colar de granadas.

Mais informou que um dia saímos numa coluna com um Unimog 404, ia no seu interior sentada Cadi Soncó, mulher de Mussá Mané, chefe de tabanca de Missirá, com um bebé ao colo, ficou aterrorizada quando o Unimog virou em Canturé a caminho de Gambana, ninguém a avisara que íamos primeiro a Mato de Cão e só depois a Bambadinca, sarilhos destes com população civil tinham sido muitos; que o patrulhamento ofensivo de Sinchã Corubal fora uma grande canseira, sim, continuava a haver indícios de presença da gente de Madina no velho trilho, que fora usado diariamente antes da guerra mas não se encontraram canoas; que nos iríamos reunir em breve para se falar da emboscada de Madina Colhido onde se ficara a saber que os do Buruntoni vinham nas calmas abastecer-se na tabanca do Xime, o que não era novidade para ninguém, era pena não se falar com os soldados africanos sobre aquela situação em que os do mato falavam regularmente com as populações que viviam junto dos nosso quartéis; e surpreendeu-me lembrando que eu nunca lhe fazia perguntas sobre as aulas que dava na escola de Bambadinca e as aulas de ginástica nas imediações do quartel, quando eu regressara de Bissau. Agradeci tudo e finalmente fazia-se luz quanto às referências insistentes que eu encontrara no correio dos últimos três meses acerca das actividades escolares e de um estranhíssimo programa de ginástica que metia manutenção e marcha, tudo em calção, para gáudio do BCaç 2852, que partiu no início de Junho, e do BArt 2917, que o viera render.


Nº3 da Colecção Contemporânea, Portugália Editora,1966.Tradução de Marília Guerra de Vasconcelos, capa de João da Cãmara Leme.É, acima de tudo, um romance inesquecível,perdura na lembrança pela originalidade da trama, mensagem, arquitectura da escrita.1943, Londres, bombardeamentos,uma atmosfera de intimidação e resistência.Um homem naufragado,Arthur Rowe,é apanhado numa estranha conspiração,tudo começa na banalidade de ter ganho um bolo posto a prémio numa quermesse.Segue-se uma perseguição, um encarceramento e depois uma redenção ao serviço da pátria.Mais que a intiga atabafante num enredo kafkiano,é o cheiro de um medo sem direcção que perpassa toda a obra e vai ficar quando tudo ,parece, teve um desfecho favorável à salvação do Reino Unido.Só há redenção depois de se sofrer muito com e pelos vivos...


(v) Uma semana de suculentas leituras britânicas

Os livros que sobraçava quando fui à consulta do David Payne proporcionaram-me momentos de grande satisfação. Começando por “O Ministério do Medo”, de Graham Greene, fui reconduzido ao universo kafkiano, uma mistura de espionagem e intriga, havendo a redenção do herói depois do seu profundo abatimento e desorientação.

É uma história estranha. Estamos em plena guerra, em Londres. Arthur Rowe, que se supõe estar a viver um drama por uma acusação de ter assassinado a mulher, vai a uma quermesse, entra numa barraca de uma quiromante, segredam-lhe o peso exacto de um bolo posto a prémio, e é graças a este bolo que começa uma aventura do medo, feito de sucessivos equívocos. A quermesse tinha a ver com as mães livres (isto é, as mães de todas as nações livres), uma estranha associação de que Rowe nunca tinha ouvido falar. Rowe regressa a casa com o bolo, aparece um desconhecido que adopta um comportamento também bastante bizarro, eis quando um bombardeamento alemão destrói a casa. Rowe procura um detective privado com o objectivo de apurar o que está por detrás da ansiedade daquela associação em reaver o bolo que ele, tudo indica, tinha ganho legitimamente. Recebido na associação das mães livres, descobre que um grupo no seu interior persegue outro, também da associação, pretende-se enviar para fora de Inglaterra um segredo importantíssimo. Está estabelecida a atmosfera de intriga, o irracional ganhou plausibilidade, Rowe vive em fuga, um vendedor de alfarrábios vai conduzi-lo a uma clínica que é um universo concentracionário, sob o pretexto de que é necessário reganhar a memória de tudo quanto Rowe esquecera no passado.

A charada não se consegue esclarecer completamente, quem é inimigo de quem, qual a natureza daquele segredo que pode abalar a Grã-Bretanha pelos alicerces. O medo viera para ficar, mesmo na relação amorosa que une o herói e a sua amada: “Durante largo tempo ficaram sentados, imóveis e silenciosos; acabavam de alcançar a orla da sua provação, semelhante a dois exploradores, que do cume da montanha, contemplam a vasta e perigosa planície. Durante uma vida inteira teriam de caminhar cautelosamente, pensar duas vezes antes de falar; e porque se amavam tanto, teriam de espiar-se mutuamente, como dois adversários. Nunca saberiam o que era viver sem o temor de serem descobertos”.

Romance notável, que comprova o elevado talento de Greene, quando falada da traição e da iniquidade, e como a partir do grotesco e do sórdido se alcança a face de Deus.

Nº162 da Colecção Vampiro,tradução de Lima da Costa,capa de Lima de Freitas.Não é a primeira vez que o potencial assassino se revela imediatamente ao leitor, mas a configuração é original.O único filho de um escritor de livros policiais é mortalmente atropelado à porta de casa.Começa uma investigação metódica em estado de vingança por parte do pai que tudo perdeu, à margem da polícia.Rapidamente se descobre quem e como atropelou a vítima inocente. Começa a congeminação de um plano para executar um motorista imprevidente. É como se o leitor estivesse no cinema, os olhos vêem e lêem o sofrimento de alguém, na maior expectativa. Depois, executor e vítima confrontam-se verbalmente, é a ruptura e, imprevistamente, a vítima aparece morta por envenenamento. Um detective é convocado e descobre que todo o diário que lemos inicialmente do potencial executor está ardilosamente forjado. É uma pedra preciosa do romance policial, assinado por um dos maiores nomes da literatura britânica.

Não menos valiosa foi a leitura de “A Fera Tem de Morrer”, de Nicholas Blake. A trama é original. A primeira parte gira à volta de um diário em que um conceituado escritor de obras policiais pretende vingar-se de um motorista desconhecido que lhe matou o filho, Martie, à porta de casa. Diário intimista de Frank Cairnes, aliás Felix Lane ou vice-versa. Por sua iniciativa, acaba por descobrir quem ia na viatura que dera morte imediata a Martie, o filho que era a sua razão de viver. É ele, e não a polícia, quem descobre a jovem que acompanhava George, o motorista imprevidente que fugira cobardemente. Insinua-se perante a jovem e entra assim na vida de George. Escreve metodicamente no diário os preparativos do assassínio de George.
Na segunda parte do livro, dá-se o frente a frente de Felix Lane com George Rattery, ambos estão informados da morte de Martie, ocorre uma discussão brutal, Felix não tem condições para executar a sua vingança. Na terceira parte, entra em cena um detective que é contactado por Felix depois de George ter aparecido morto por ingestão de estricnina. Julga-se ter sido o filho de George a procurar assassinar o pai, o detective, que entretanto teve acesso ao diário de Felix, vai desvendar a maquinação espantosa de um diário concebido para provocar uma grande ilusão. A despeito de uma vivência na enfermaria psiquiátrica, li assim do bom e do melhor.

Em breve, serei restituído a Bissau. Estou emocionalmente dividido e sem escolhas possíveis. A Cristina regressa a Lisboa e eu parto para Bambadinca. Apanho nova transição de batalhões, o pesadelo da ponte de Udunduma, as últimas operações, acompanharei o dia a dia do alcatroamento da estrada Xime-Bambadinca. Mais tarde, para o fim de Julho, converso com o deputado José Pedro Pinto Leite, da ala liberal, em Bambadinca, pouco antes de ele morrer num acidente no rio Mansoa. E, de repente, chega o meu substituto, fonte de grandes preocupações. Tudo isto será aqui contado.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3027: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (37): Com baixa psiquiátrica, no Hospital Militar de Bissau

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3047: Os nossos regressos (9): Uma viagem tranquila...(Belarmino Sardinha).

1. Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau


Bilhete? Ida e Volta

A ida

Sem fugir aos factos concretos, vou procurar dar um pouco de cor ao texto para não se tornar uma coisa chata e enfadonha. Pode servir para intercalar com relatos mais dolorosos que chocam e colocam no local aqueles que os viveram.
As guerras não são feitas por homens sábios, são feitas por bestas, apoiadas por interesses de pessoas sem escrúpulos e alimentadas com juventude.

Não posso começar a dizer, fui para o aeroporto …
Decorridos 14 meses de serviço militar e quando, pensava eu, estavam já habituados à minha presença, eu por mim estava habituado a estar por cá, ofereceram-me como prenda de aniversário, presumo, tinha completado 22 anos havia uma semana, uma ida para a Guiné. Propuseram-me que estivesse no aeroporto, no terminal militar, eu e mais 14 ou 15, não me recordo com exactidão se éramos 15 ou 16 no total, mas adiante, pelas 22H00 do dia 15 de Junho de 1972, para embarcarmos num voo às 00H00.
Como nunca tinha andado de avião aceitei.

Não foi lá ninguém levar-nos, nem apareceram a ver se tínhamos comparecido, tal era a confiança que tinham em nós, só fazíamos parte da lista de passageiros. Ainda hoje continuo sem saber o que teria acontecido se não aparecêssemos. Mas não, fomos todos exemplares, o nosso exército sabia-o, embora sem presidentes na despedida, nem o do meu clube, ou ministros de estado ou mesmo só de nome, lá estivemos acompanhados pelas famílias.

Passada a hora das lágrimas e depois de acomodados dentro do DC6 (?), para quem queria ter sido piloto, uma prenda de aniversário destas era o máximo, ir de avião passar dois anos numa terra que ainda não conhecia, que diziam ser ecológica devido à muita vegetação, portanto boa para o ambiente, com cama mesa e roupa lavada (desde que alguém a lavasse), quem é que recusava?

Mas, o avião que levado do terminal militar para a pista da TAP decidiu não levantar

Volta tudo para trás e há que esperar, ninguém sai do avião, são só 15 minutos para ver uma coisa e vamos já seguir. Passada meia hora começámos a ver desmantelar o avião, a impaciência dos 65 ou 75 ocupantes, oficiais, sargentos e praças todos em rendições individuais, a crescer e a vontade de fumar etc., veio a ordem de podermos descer à pista para desentorpecermos as pernas, fumar e aguardarmos, que estava quase.

Passada mais meia hora na pista, era só vir a peça que tinham ido buscar a Alverca e embarcávamos. Claro que já começávamos a ver que indo naquele objecto tínhamos certo o embarque, só não sabíamos era quando e onde íamos desembarcar e de que maneira.

Pelas 02H00 horas da manhã, ou a peça não chegou ou o mecânico já não sabia de onde eram as peças e como o avião tivesse a carcaça cada vez mais à vista, foram levar-nos ao terminal civil do aeroporto com a indicação para estarmos de volta nesse dia à noite, pelas 00H00.

Às 02H00 da manhã só de táxi podíamos ir para o centro de Lisboa. Além de gastarmos o pouco que tínhamos voltávamos para casa e dizíamos o quê à família, que já tinham passado dois anos? No dia seguinte dizíamos ir fazer nova comissão? Ficávamos um dia inteiro em Lisboa a andar de um lado para o outro até às 00H00?

O certo é que assim aconteceu e cada um desenrascou-se como quis e no dia seguinte lá estávamos todos de novo para ver se era mesmo verdade. E não é que foi mesmo?

Que maravilha, ver despontar o dia pelas janelas do avião.

Eram aproximadamente 08H00 quando aterrámos e se abriu a porta. Perante a baforada de ar quente, ficámos todos molhados, parecia termos aterrado no Alentejo em pleno sol de Agosto, não fosse alguém ter gritado "eh pá, é só grilos", o que como alentejano habituado a anedotas não estranhei. E os cheiros? Incómodos mas só até os interiorizarmos. Não serão eles que inconscientemente recordamos hoje e nos ligam e aproximam daquela terra?

Desembarcado e a caminho do quartel, Regimento de Transmissões, situado dentro da parte que englobava também o QG, julgava eu ter uma suite à minha espera, mesmo que o não fosse ou não fosse só para mim, já calculava, pelo menos devia ter ar condicionado e outras mordomias para estarmos sempre prontos e em forma.

Surpresa das surpresas, pelo calor que estava devia ser período de férias, como no Algarve, estava tudo superlotado e tivemos que fazer campismo. Deram-nos três tendas cónicas e mandaram-nos para um sítio ainda por construir e nem nos avisaram que se não tivéssemos cuidado, durante a noite, éramos comidos pelos mosquitos. Como bons militares, sempre prontos e preparados para tudo descobrimos depressa.

Passámos 5 ou 6 dias naqueles aposentos até sermos despachados cada um para seu sítio.
Eu fui para Mansoa, outros para Bafatá, Nova Lamego e os outros não me recordo para onde.

A estada ou estadia, já que também andei de barco e estive a bordo de patrulhas como o "Orion" ou do Navio Hidrográfico "Pedro Nunes", onde tinha colegas de secundário, e os comes e bebes eram diferentes e melhores que na unidade. O meu abraço e agradecimento para o Francisco Correia dos Santos e para o Etelvino Ribeiro Alves.


O regresso

O regresso, esse foi mais simples e sem complicações, tranquilo diria mesmo, passavam 20 dias de ter completado os 24 meses quando embarquei, num 707 ou 727 da Força Aérea. Como não trazia bagagem, apenas aquele saco tipo chouriço que a TAP utilizava para os seus passageiros que tinha guardado das últimas férias à Metrópole, haviam passado apenas três meses, foi sair do aeroporto com destino a Odivelas e aparecer em casa a dizer agora já vim definitivamente, não volto mais, acabou-se. Mas confesso ter sonhado várias vezes, durante algum tempo, que tinha voltado a ser chamado e estava a fazer uma outra comissão.

Depois do regresso tem sido a conversa de ocasião, até que este Blog veio reavivar tudo de novo, mas ainda bem, está vivo e tem sido a forma de os relembrar a todos, sem excepção, embora com muita emoção. Afinal tínhamos apenas vinte e poucos anos e a esperança de toda uma vida pela frente. O que dói e corrói não é o exterior.

Um abraço para todos,
Belarmino Sardinha
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Notas:

1. fixação do texto e sublinhados de vb;

2. Artigos relacionados em

1 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3009: Com sangue na guelra: Nós e a mística dos comandos da 38.ª, em Mansoa (Belarmino Sardinha)

8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos. Luís Dias.