sexta-feira, 15 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4352: História do BCAÇ 4612/72 (Jorge Canhão) (1): Mobilização para o C.T.I.G.


CAPÍTULO I 
MOBILIZAÇÃO, COMPOSIÇÃO E DESLOCAMENTO 
 PARA O C. T. I. G 
A nota circular nº 1312/PM de 29 de Março de 1972, da 1ª Repartição do Estado Maior do Exército, indica os quadros constituintes do Batalhão de Caçadores 4612, que é nomeado para intervenção no Ultramar como Unidade de reforço do C. T. I. G., em rendição do Batalhão de Caçadores nº 3832 sendo a Unidade mobilizadora, o R. I. 16, aquartelado em Évora. 
No dia 10 de Julho de 1972, tem início em Évora a instrução de especialidade com a duração de sete semanas, para a grande maioria dos praças atiradores, vindos de diversos centros de instrução. Nas duas semanas anteriores e sob a orientação do Comandante do futuro Batalhão, teve lugar uma escola de quadros, destinada a oficiais e sargentos com o fim de obter o melhor aproveitamento possível da instrução que iria começar dentro de dias. 
No dia 27 de Agosto de 1972, termina a instrução de especialidade, com resultados satisfatórios, tendo-se cumprido os programas superiormente aprovados. Tem então início a organização definitiva do Batalhão, com a chegada de novos elementos de várias especialidades, não atiradores. 
De uma maneira geral, o efectivo do Batalhão é oriundo do Sul e Centro do País, embora como é natural possua elementos naturais de todas as regiões. 
Com o Batalhão já formado e após as operações de vacinação e rádio rastreio, todo o pessoal começou a gozar em 05SET72, a licença das NNCC MU. 
No dia 20SET72, com a presença de Sua Ex.ª o Brigº José Augusto Car­rinho, 2º Comandante da Região Militar de Évora e perante formatura geral do Batalhão, tem lugar na parada do R. I. 16 a cerimónia de entrega do Guião à Unidade recém formada. Esta cerimónia, foi seguida de missa celebrada pelo Sr. Major Capelão do Q. G. da R. M. de Évora e a ela assistiram todos os militares do Batalhão. 
Na madrugada de 28SET72, utilizando autocarros, deixam Évora em direcção ao A. B. n°1 em Lisboa, o Comando de Batalhão e a Companhia de Comando e Serviços, onde cerca das 08h45 embarcam em aviões dos TAM pa­ra Bissau. Após 4 horas de viagem sem escala, desembarcam no aeroporto de Bissalanca, onde são recebidos por um delegado de Sua Ex.ª o CMDT. CHEFE, partindo de seguida em viaturas militares, para o Campo Militar de Instrução do Cumeré, onde iria ter lugar a Instrução de Aperfeiçoa­mento Operacional. 
Nos dias 29 e 30 de Setembro e 05 de Outubro, seguindo a mesma via embarcaram respectivamente a 1ª,2ª e 3ª Companhia ficando igualmente instaladas no Campo Militar de Instrução do Cumeré. 
_______________________
Unidade Mob: RI 16 - Évora 
BCaç 4612/72 
Identificação 
Cmdt: TCor Inf Eurico Simões Mateus 
2ºCmdt: Maj Inf António Rebelo Simões 
Of.Op/Adj: Cap Inf Fernando Pereira Vicente 
Comandantes de Companhia 
CCS: Cap SGE Adelino António Gomes 
1ª Compª: Cap Mil Cav João António Dias Pereira 
2.ª Compª: Cap Mil Cav Álvaro Almada Contreiras 
3.ª Compª: Cap Mil Inf João Manuel de Matos e Silva Mendonça  
Cap Art José Manuel Salgado Martins 
Cap Mil Inf Fernando Correia da Silva Cardoso 
Divisa: Dignos e Leais 
Partida: 
Embarque 
         28 Set 72 (Cmd e CCS) 
         29 Set 72 (1ªComp) 
         30 Set 72 (2ªComp) 
         05 Out 72 (3ªComp) 
Desembarque em 28, 29, 30 Set e 05Out72 
Regresso: 
Embarque 
         26 Ago 74 (1ª e 3ª Comp) 
         27 Ago 74 (Cmd e CCS) 
         28 Ago 74 (2ª Comp) 
Síntese da Actividade Operacional 

Após realização da IAO no CMI, em Cumeré, de 06Out72 a 02Nov72, seguiu, em 03Nov72, para o sector de Mansoa, com as suas companhias, a fim de efectuar o treino operacional e sobreposição com o BCaç 3832. 
Em 28Nov72, assumiu a responsabilidade do Sector 04, com a sede em Mansoa e abrangendo os subsectores de Mansabá, Mansoa, Jugudul e Porto Gole e, a partir de 290ut73, o subsector de Polibaque, então criado para assegurar a protecção e segurança dos trabalhos da estrada Jugudul-Bambadinca. 
Desenvolveu intensa actividade operacional, desencadeando diversas acções e operações, orientadas para as zonas de maior actividade do inimigo, nomeadamente nas áreas do Morés, Cubonge, Sara e Changalana. Simultaneamente, comandou e coordenou a actividade das subunidades do sector com patrulhamentos, reconhecimentos, batidas e emboscadas, com vista à execução dos trabalhos de construção, manutenção e controlo dos itinerários e dos reordenamentos das populações e seu desenvolvimento sócio económico. 
 De entre o material capturado mais significativo, salienta-se: 1 metralhadora ligeira, 4 espingardas, 1 lança-granadas foguete, 42 granadas de armas pesadas e a detecção e levantamento de 57 minas.  
Em 21Ago74, foi rendido no Sector 04 pelo BCaç 4612/74, recolhendo depois a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso .

A 1ª Compª, após efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CCaç 3303 na região de Porto Gole, assumiu, em 29Nov72, a responsabilidade do referido subsector de Porto Gole, com um pelotão destacado em Bissá, ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão e depois do BCaç 4612/74. 
Em 26Ago74, já na fase de retracção do dispositivo, foi substituída em Porto Gole e Bissá por pelotões da 1ª Comp/BCaç 4616/73 e recolheu a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso. 

A 2ª Compª, após efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CCaç 3304 na região de Jugudul, assumiu, em 28Nov72, a responsabilidade do respectivo subsector, com pelotões destacados em Rossum, Uaque e Bindoro, ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão. 
Em 23Ago74, efectuou a desactivação e entrega ao PAIGC do destacamento de Bindoro e foi substituída por efectivos da CCaç 4745/73 nos restantes aquartelamentos em 27Ago74, com a extinção do subsector de Jugudul e consequente integração da respectiva área no subsector de Mansoa, após o que recolheu a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso. 

A 3ª Compª, após efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CCaç 3305 na região de Mansoa, assumiu em 28Nov72, a responsabilidade do respectivo subsector, com destacamentos em Infandre e Braia, ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão. 
Em 18Jun73, foi substituída pela CCaç 4641/72 e foi atribuída em reforço temporário do COP 5 seguindo para Gadamael e onde se manteve até 13Jul73. 
Em 20Jul73, foi novamente colocada em Mansoa, agora na função de subunidade de intervenção e reserva do sector, ficando na dependência do COT 9 e, após a extinção deste, do seu batalhão. 
Em 26Jun74, substituindo a CCaç 4641/72, assumiu a responsabilidade do subsector de Mansoa, com pelotões destacados em Infandre e Braia. 
Após desactivação e entrega ao PAIGC em 23Ago74, do aquartelamento de Infandre, foi rendida no subsector de Mansoa em 25Ago74, pela CCaç 4745/ 73 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso. 
Observações 
Tem História da Unidade (Caixa nº 114 – 2ªDiv/4 Sec.do AHM).  
BAIXAS MORTAIS  (6) 
CCS   (1) 
01 Novembro 1973 
Soldado maqueiro nm 03226972, António Emídio Ribeiro da Silva (natural de Povoa de Cadaval, freguesia de Lamas, concelho de Cadaval). 
Morto em acidente de motorizada em Mansoa 
1ª Cª Caçadores  (3) 
14 Setembro 1973 
Soldado atir. inf.nm 00483872, Fernando Manuel Correia Rodrigues (natural de Sobrado, freguesia Mire de Tibães, concelho de Braga). 
Soldado apont.morteiro nm 18169071,José de Almeida (natural da freguesia Ucanha, concelho de Tarouca). 
Soldado radiotel.nm 00871072,Miguel de Sousa Vieira (natural do Arrepiado, freguesia de Carregado, concelho de Chamusca). 
Mortos em combate em Porto Gole.   
3ª Cª Caçadores   (2) 
11 Maio 1974 
Furriel Miliciano atir.inf.nm 02449871,José Fernando Felisberto Pinheiro (natural da freguesia de Santo Condestável – Lisboa). 
Morto em combate na região do Sara/Mansoa. 
18 Outubro 1974 
Soldado atir.inf.nm 08826772, Oldegário Alberto da Cruz Libório (Faro). 
Morreu em Lisboa, por acidente com arma de fogo em Mansoa.  
Louvores e Punições 



POSTO
LOUVORES
PUNIÇÕES
DETENÇÕES
PRISÕES
DIV
CCS
1ª Cª
2ª Cª
3ª Cª
CCS
1ª Cª
2ª Cª
3ª Cª
CCS
1ª Cª
2ª Cª
3ª Cª
2ª Cª
OF. Q. P.
04
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
OF. MILº
04
01
04
02
-
-
-
-
-
-
-
-
-
SARG. Q. P.
04
01
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
FUR. MILº
05
02
03
01
01
04
01
01
01
-
01
-
-
1º CABO
13
03
11
-
06
01
01
-
05
-
04
-
01
SOLDADO
08
03
12
-
23
09
09
-
11
02
09
04
-
TOTAL
38
10
30
03
30
14
11
01
17
02
14
04
01

DETENÇÕES + PRISÕES + OUTRAS E LOUVORES 
Companhia
DETENÇÕES +PRISÕES + OUTRAS
LOUVORES
C.C.S.
47
38
1ªCCAÇ
16
10
2ªCCAÇ
26
30
3ªCCAÇ
05
03
TOTAL
94
81
 (Jorge Canhão – Ex-Fur. Milº da 3ª Cia do BCAÇ 4612/72) 

Guiné 63/74 - P4351: Blogpoesia (47): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (IV Parte): II Dinastia (De D.Manuel, O Venturoso, até ao fim)




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Cafal Balanta > Destacamento da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (1972/74) > O apartamento de Cafal Balanta, na zona turística do Cantanhez... Publicidade, para quê ? ... Pode-se perguntar: E preço (s) ?... Não vinha nos prospectos da época...


Fotos: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados.


IV parte da História de Portugal em Sextilhas, escritas pelo épico do Cantanhez (O Manuel Maia, formado em história, foi Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74) (*).


Mensagem de 5 de Maio de 2009


Antes de me debruçar sobre a matéria em questão, gostaria de agradecer a todos quantos fazem o subido favor de me ler, honrando-me com os seus comentários.

Quando te enviei o excerto deste trabalho, fi-lo na esperança de que pudesses tecer
alguns comentários quanto ao seu interesse, e também, porque não revelá-lo, na expectativa de haver entre os camaradas alguém ligado a editoras gráficas, pressupondo uma hipotética publicação, uma vez que "em se tratando de poesia" o acesso é bem mais difícil que a prosa ...

Manuel Maia

Comentário de L.G.:

Manel: Portugal é um país de poetas e de soldados onde a poesia não enche a barriga do pobre e o soldo do soldado não dá para a caneta, a tinta e o papel... Mesmo assim a malta escreve, e canta, até o dedo doer, até a voz doer...É o teu fado, meu vate, nosso bardo, nosso épico...Alegras-nos a alma, enriqueces a nossa cultura e a nossa história, dás um bela lição aos tabanqueiros... Sabes que a malta conhece mal (e porcamente) a sua própria história, por que se calhar a escola, a nossa escola, não nos ensinou amar os nossos poetas, os nossos heróis, os nossos santos, a amar e a criticar os nossos reis, os nossos comandantes... É poesia, é pedagogia, é amor às nossas coisas... São as nossas raízes, é a nossa idiossincrasia, é a nossa identidade... Não tenhamos pejo nem pudor de sermos tugas! (LG).


História de Portugal em Sextilhas - IV Parte

101-Tratado em Tordesilhas põe travão
às lutas desabridas, ambição
p´las terras que havia a descobrir...
Falece D. João de Portugal,
faltando um seu herdeiro natural,
cunhado Manuel lhe vai seguir...


102-Brindado O Venturoso pela sorte
por Gama do Oriente encontrou norte,
trazendo mil riquezas de presente.
À Terra Nova vai Corte-Real
depois será Brasil, já com Cabral
padrão das quinas ´stá no mundo assente ...


103-Foi Vasco, um bravo luso, a comandar
ousada expedição Índia por mar
que trouxe mil riquezas p´ra Lisboa.
Nascido em Silves, bom navegador,
serviu O Venturoso com rigor
e engrandeceu seu nome e o da c´roa...


104-Dos temporais saído triunfante
o bravo Gama, intrépido almirante,
travou rebelião da marinhagem.
Piloto em Moçambique fez trapaça
visando a entrega aos mouros, em Mombaça,
da frota lusa a meio da viagem...


105-Acaso alerta Vasco p´ra cilada,
daí matar o cafre à cutilada,
seguindo até Melinde que é fiel.
O rei lhe dá piloto experimentado
que cumpre acordo pré-determinado,
levá-lo a Calecute o seu papel...


106-Ainda na baía de S. Brás,
queimada S. Miguel ficou p´ra trás,
das quatro naus só três cumprem missão.
Fundeia a esquadra junto a Calecute
certeira fora a escolha do azimute
rajá lhes fez pomposa recepção...


107-De Angra, donatário João Vaz,
vogando em mare nostrum, sempre audaz,
tem mar nas veias clã Corte-Real.
Gaspar, seu filho, aporta ao Canadá,
no ano em que o Brasil, Cabral nos dá,
morrendo ano seguinte p´ra seu mal...


108-P´ra Índia vai Cabral mais seus valentes,
com treze naus pejadas de presentes,
p´ra dar ao Samorim de Calecute.
Os ventos desviaram-no da rota,
para avistarem terra em zona ignota,
mudando assim depressa de azimute...


109-Enorme cordilheira é avistada,
coberta de arvoredo e encimada
por crista montanhosa que seduz.
Surpreso face ao belo litoral,
experimentado nauta que é Cabral,
à terra dá por nome Vera-Cruz...


110-Buscando ancoradouro o encontrou
dez léguas adiante e o baptizou
do nome que hoje tem, Porto Seguro.
Padrão e cruz enorme é colocada
p´ra missa pascoalina celebrada
ante índio curioso, ´inda tão puro...


111-Herói Bartolomeu que já dobrara
as tormentosas águas e ganhara
grã fama ante a gente marinheira.
Mau grado ataque à zona com prudência
soçobra face à enorme violência
daquela tempestade traiçoeira...


112-Das treze que zarparam de Belém,
em Calecute seis atracam bem,
com recepção honrosa ao capitão.
Montada foi então a feitoria
que lucro para o reino aportaria,
Cabral, só com trê naus, regressa então...


113-Seu pai Fernão Cabral, alcaide-mor,
Gouveia, a mãe, de nome Leonor,
em terras de Belmonte foi nascido.
Lisboa o recebeu junto da corte
a capitão d´armada o leva a sorte,
p´ra achar Brasil, Cabral foi escolhido...


114-Foi Pêro Vaz Caminha, cavaleiro
da casa da balança, mestre herdeiro
d´armada de Cabral, o escrivão.
Fez carta de achamento do Brasil
onde informava el-rei de novas mil
com pormenor, rigor, exactidão...


115-Um pensador profundo, inteligente,
ourives consagrado(?), Gil Vicente,
custódia de Belém foi(?) sua lavra...
Cosrumes, língua, vida social
espelha em sua obra teatral,
burilador do ouro(?) e da palavra...


116-Na Índia se fundaram feitorias,
defesa para as ricas especiarias,
garante p´ro negócio lucrativo...
Mais tarde, vice-reis serão criados,
cidades e mil portos ocupados
que o lucro vale o esforço dispendido...


117-Servindo interesses desta lusa grei,
partiu p´ra Índia como vice-rei,
Francisco Almeida um bom perito em mar...
Chefia quize naus, seis caravelas,
milhar e meio d´homens dentro delas,
querendo novas terras conquistar...


118-Tomou Quiloa e lá fez fortaleza,
Mombaça transformou em pira acesa,
jurou vingança à morte de seu filho.
Acossa Mor-Hocém, destrói-lhe armada
prendendo Albuquerque, gera alhada,
que ofusca o seu passado todo brilho...


119-Carece a Cruz de urgência em controlar
os mares da Ásia, até poder tomar,
a Terra Santa há muito desejada.
Afonso de Albuquerque tem missão
de conquistar Malaca, Ormuz, Ceilão,
numa estratégia bem delineada...


120-Tributos passa a impor aos seus vencidos
p´ra encher os lusos cofres exauridos,
Lisboa é incontrolada e despesista
Mau grado ouro da Mina em profusão,
pimenta a abarrotar as naus de então,
não há riqueza grande que resista...


121 - Regressa ao reino após longa viagem
trazendo mil sucessos na bagagem,
daí grande importância o rei lhe dá.
Agora com Tristão da Cunha, ao lado,
partiu p´ra iniciar vice-reinado
mal chegue ao fim triénio de quem está...


122-Do mar da Arábia então capitão-mor
foi preso por Francisco, em Cananor,
que a governança nunca quis largar.
o rei, Marechal Coutinho, envia urgente
p´ra dirimir, de vez, questão candente
fazendo a entrega a Afonso do lugar.


123-Fernão de Magalhães, um transmontano,
de fidalguia baixa, não mundano,
nas armas vai catar sua ascensão...
Com D. Francisco Almeida vai zarpar
p´ra Índia em sua armada p´ra ganhar
saber consolidado, p´ra missão...


124-Castela leva ao mastro por bandeira,
da nau, a abarcar mundo, volta inteira,
vincado o desinteresse lusitano.
El-rei D. Manuel não entendera
alcance da proposta que fizera,
Fernão de Magalhães, um transmontano...


125-Negando a Magalhães, que era Fernão,
apoio p´ra circum-navegação
que Elcano haveria de acabar.
Deixou à Espanha glória pioneira
de dar a volta ao mundo, vez primeira,
que à História caberia registar...


126- Mercê do muito lucro acumulado,
estilo manuelino ´é então mostrado
na Pena, nos Jerónimos, Belém...
Riqueza e arte andaram de mãos dadas,
pois D. Manuel as quis perpetuadas,
memórias que hoje a História ´inda retém...


127-Enorme militar, Pacheco Pereira,
na Índia evidencia a dianteira,
do Portugal de então, desse momento.
Cosmógrafo de grã categoria,
esmeraldo de situs orbis, cria,
legando ao mundo seu conhecimento...


128-De Grão Pacheco e Aquiles Lusitano,
Camões o rotulou, honesto, lhano,
fautor de mil façanhas pela grei.
D´el-rei D. Manuel ganha honrarias,
do sucessor mais torpes vilanias,
injustamente o prende, João, rei...


129-Depois deste reinado glorioso
virá João Terceiro, O Piedoso,
monarca com as Letras por destino.
Colégio das Artes lhe é devido,
aos Jesuítas faz formal pedido
p´ra propagarem Fé, bem como ensino...


130-Atento à francesa vil cobiça
que o lucro da pilhagem corso atiça
el-rei colonizar irá enfim...
Impõe em Vera Cruz capitanias
que p´ra Madeira deram garantias
de ali ir implantar sistema afim...


131-Dos vice-reis da Índia, evocados,
heróicos governantes tão honrados
João de Castro é vulto relevante.
Com meia dúzia de homens corajosos
defende Diu dos Turcos belicosos
até expulsar a força sitiante...


132-Por terra estão muralhas defensivas
após as otomanas investidas
de assalto à lusa praça em DIU erguida.
Restauro é pois urgente ante a ameaça
dinheiro não tem Castro, por desgraça,
a Goa pede ajuda de seguida...


133-Em carta comovente, o vice-rei,
uns trinta mil pardaus pediu à grei,
as barbas enviando de penhor...
Edis Goeses sensiblizados,
dinheiro emprestam muito emocionados,
perante tal grandeza e pátrio amor...


134-De Montemor o Velho oriundo,
fugindo da miséria, fez-se ao mundo
na esperança de futuro por Lisboa.
Depois dos dissabores da capital,
procura o exotismo oriental
partindo em trinta e sete rumo a Goa...


135-Percorre a Índia, a China e o Japão
conhece p´rigos, medos, aflição,
perpassa cativeiros, vida dura.
Regressa para Goa decidido,
dali para Lisboa, enriquecido,
p´ra se instalar de vez, finda a aventura...


136-Do Tejo, a outra banda foi seu norte,
ali criando a prole co´a consorte
escrevendo mil viagens que encetou...
A Peregrinaçam, estranhamente,
peregrinou no prelo duplamente
os anos de Oriente que passou...

137-Na Peregrinaçam a fantasia
combina co´a verdade e a magia
para agarrar leitor que sorve as linhas...
De Fernão Mendes Pinto, há detractores
roídos por invejas, desamores,
capazes das mentiras mais mesquinhas...


138-Enorme historiador renascentista,
João de Barros seu lugar conquista,
no galarim das mais ilustres gentes...
Feitor e tesoureiro são funções
que ocupa por diversas ocasiões
com desempenhos fortes e prudentes...


139-Prudência que não tem no Maranhão,
tentado a donatário capitão,
negócio ruinoso foi desdita...
Buscava ouro amarelo, vil metal,
azar bateu-lhe à porta p´ra seu mal,
pois de ouro nem sinal de uma pepita...


140-Ao rei que acatou a Inquisição
sucede o neto D. Sebastião,
a quem a história chama Desejado.
Razão pr´o cognome está na morte
do pai pr´a quem madrasta foi a sorte,
deixando a um feto um fardo bem pesado...


141-E o velho Portugal, argamassado
com brios, honras, sangue derramado,
irá perder em breve a identidade.
El-rei Sebastião não dá ouvidos
a velhos conselheiros que aturdidos
em vão tentam travar sua vontade.


142-Fogosa juventude e galhardia,
a ânsia de mostrar a valentia,
retratam bem o seu altivo porte.
Batalha dos três reis, registo triste,
ferido o jovem tomba, não resiste,
Alcácer-Quibir foi leito de morte...


143-Camões lhe dedicou sua grande obra
que mostra o peito luso ter de sobra
a força, a coragem e ousadia
que afasta, de uma vez, velhos temores
ao galgar mar, vencer Adamastores
que o mito popular, criara um dia...


144-Nobreza empobrecida por linhagem,
as Letras de Coimbra na bagagem,
estúrdia e boémia por opção.
Das armas foi amante quezilento
Camões que causou grave ferimento,
no paço, a pajem grande rufião...

145-Não teve berço d´oiro Luis Vaz,
tão pouco a burguesia lhe subjaz,
mas Letras almejava ter por meta.
Coimbra lhe abriu portas do saber
mercê do tio Bento, chanceler,
que nele vira a aura de poeta...


146-P´ra corte se encaminha o grande vate
que cego fica em Ceuta num combate,
e é preso por ferir pajem real...
Na armada de Cabral arriba a Goa
serviu no Calabar, volta a Lisboa,
ali perece e deixa obra imortal...


147-Mau grado esta vivência desregrada,
(artista é mesmo assim, tão preso a nada...)
só Letras cultivou com forte apego.
Privou em Goa com Garcia de Horta
escrevendo-lhe uma ode onde o exorta,
na lírica atingiu grande relevo...


148-Boémia juventude do poeta
a punição na Índia lhe acarreta,
catorze anos de errância no Nascente...
Naufraga no Mekong, vadia em Goa,
esmola em Moçambique, quer Lisboa,
regresso lhe custeiam de presente...


149-Ao editar a obra genial
granjeia o estatuto d´imortal
no galarim das Letras instalado...
Partindo p´ro etéreo foge à ofensa
d´abjecta filipina vil presença,
no trono luso por si tão amado...


150-Cristovão Moura, o tal luso traidor,
irá comprar ajudas de favor
(junto à nobreza e clero português)...
Apoios p´ra Filipe que é segundo
p´ra que este venha a ser senhor do mundo,
gerindo os dois reinos de uma vez...


151-E morre o cardeal, velho regente,
ao trono é o castelhano um pretendente
por ser neto d´el-rei O Venturoso.
Receios são sentidos pela grei
que vai querer Prior do Crato a rei,
mas sai o espanhol vitorioso...

Manuel Maia

[Fixação / revisão de texto: L.G.]

__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

2 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4274: Blogpoesia (43): A história de Portugal em sextilhas (Manuel Maia)

3 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4278: Blogpoesia (44): A história de Portugal em sextilhas (II Parte) (Manuel Maia)

6 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4290: Blogpoesia (45): História de Portugal em Sextilhas (Manuel Maia) (III Parte): II Dinastia, até ao reinado de D. João II

Guiné 63/74 - P4350: Tabanca Grande (141): José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73)

1. José da Câmara (*), ex-Fur MIl da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73, um novo camarada que se apresenta à Tertúlia, um açoriano a residir nos EUA.

Caro editor,
Em anexo encontrará a minha apresentação, e a primeira história. A minha escrita não é muito famosa. São cerca de 35 anos fora do país, usando outra língua, e com poucas possibilidades de acesso a livros e revistas. Fico-me pelo jornal semanal de New Bedford. Mas sinto que devo contribuir com algo para a história da guerra na Guiné.

Com os meus cumprimentos
J Câmara


2. Caro Luís Graça e demais editors do blogue,

Muita saúde para vocês, e para todos aqueles que empregam o seu tempo a narrar a história de que fomos protagonistas. Passo muito do meu tempo a ler o que os outros escreveram, e à procura de amigos, conhecidos. Julgo que chegou a hora de contribuir.

Com o devido respeito apresento-me aos editores e camaradas deste Blogue:

José Alexandre da Silveira Câmara, ex-Furriel Miliciano Atirador de Infantaria

Naturalidade: Fazenda, Lajes das Flores, Açores

Curso de Sargentos Milicianos – Recruta e Especialidade – CISMI, Tavira

Colocação: BII19, Funchal, Ilha da Madeira

Mobilização: Guiné

Companhia de Caçadores 3327, do BII17, Angra do Heroísmo, Terceira, Açores

Pelotão de Caçadores de Nativos 56

IAO – Santa Margarida

Lugares na Guiné: Bissau, Mata dos Madeiros, Teixeira Pinto, Bassarel, Bolama, São João, Tite

Profissão: Agente de Seguros

Estado Civil: Casado

Residência: Stoughton, Massachusetts, E.U.América


3. Comentário de CV:

Caro José Câmara

É sempre com alguma alegria que recebemos novos camaradas que se propõem contribuir com as suas histórias para dar a conhecer um pouco mais do que foi a guerra na Guiné. Como diz o nosso editor, não podemos deixar que sejam os outros a contar as nossas histórias.

Por outro lado, recebemos ainda com mais alegria aqueles que, por opção, refizeram as suas vidas longe da Pátria, entre os quais se contam os nossos queridos ilhéus dos Açores, que por tradição parecem não caber nas suas ilhas, quase todos espalhados pelo continente americano.

Caro José, saberás quase tudo sobre nós, mas saberás muito mais se leres o lado esquerdo da nossa página, onde encontrarás algumas respostas a eventuais perguntas, como por exemplo, o que queremos com este Blogue, o que queremos ser e o que não somos.
Como camaradas com o mesmo percurso de vida militar, que calcorreamos o mesmo chão da Guiné, que tivemos os mesmos sentimentos de saudade, que sofremos as mesmas privações, tratámo-nos todos por tu. Assim nos sentimos ainda mais unidos.

Cá ficamos à espera da tua contribuição. Deste dois passos importantes ao apresentar-te e ao mandares já a tua primeira história.

Em nome da Tertúlia e dos editores deixo-te o primeiro abraço virtual de boas-vindas.

Carlos Vinhal
Co-editor do Blogue
__________

Nota de CV:

(*) Vd. postes de:

22 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3777: O Nosso Livro de Visitas (54): Um camarada da diáspora, José Câmara, da açoriana CCAÇ 3327 (1971/73)
e
7 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4153: Bur...akos em que vivemos (3): Acampamentos de apoio à construção da estrada T.Pinto/Cacheu (Jorge Picado/José Câmara)

Vd. último poste da série de 14 de Maio de 2009 >
Guiné 63/74 - P4338: Tabanca Grande (140): Vítor Oliveira, ex-1.º Cabo Especialista da FAP, BA 12, 1967/69

Guiné 63/74 - P4349: Convívios (131): Pessoal do BCAÇ 2884, em S. Pedro do Sul, no dia 9 de Maio de 2009 (José R. Firmino)

1. O nosso camarada José Rodrigues Firmino, ex-Soldado Atirador da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884, Jolmete, 1969/71, em 11 de Maio, enviou-nos estas notícias do Encontro do Pessoal do seu Batalhão:


ALMOÇO CONVÍVIO DO BCAÇ 2884 "MAIS ALTO"

Teve lugar no passado dia 2009-05-09 em S.Pedro do Sul o XIX Convívio Anual com recepção no Largo da Câmara Municipal, por volta das 11h00. Uns e outros chegados com cabelos já brancos, e alguns quilitos a mais, após os cumprimentos da praxe, do contar de algumas histórias que são muitas nos tempos vividos naquela ex-Povíncia Ultramarina da Guiné enquanto militares, sempre valentes e corajosos tantas vezes ignorados jamais esquecidos.

Por volta das 12h30 já com parte da conversa em dia, rumamos à Igreja de Bordonhos no local atrás citado, onde todos assistimos à celebração da Santa Missa por alma dos camaradas já falecidos.

Tratadas que estavam as almas, convite para cuidar os estômagos com o almoço convívio servido e bem na Casa do Paço de Bordonhos, em S. Pedro do Sul, onde nada faltou, até a boa disposição que sempre deve reinar em nossos corações.

Depois dos estômagos aconchegados as gargantas regadas com tinto, branco, sumos, ou mesmo água, seguiu-se a escolha do local para o XX convívio que será na Cidade da Guarda, onde esperamos todos poder estar novamente com saúde paz e alegria.

Termino com um bem haja ao organizador Pinto da Costa.

Da minha parte fica aquele abraço.
Firmino

Para mais tarde recordar

Bolo Comemorativo

Ex-Fur Mil Lino ladeado pelo Zé Carlos (Famalicão).

Pascoal, Régua e ex-Alf Mil Ferreira

Vieira Pinto e o Lima

Vieira Pinto e o Montemor
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4343: Convívios (128): Pessoal da CCS/BCAÇ 2845 no passado dia 9 de Maio, em Sintra (Albino Silva)

Guiné 63/74 - P4348: Questões politicamente (in)correctas (38): Os nossos queridos nharros (José Teixeira)

1. A propósito do vocábulo nharro (que tinha no passado colonial e ainda tem hoje, para alguns falantes da língua portuguesa, uma conotação racista, pejorativa, ofensiva) (*), não resisto a recuperar um velho texto do nosso querido camarada e amigo, o Zé Teixeira, já publicado na I Série do nosso blogue (**).

É um belíssimo texto, hoje esquecido, de difícil acesso, mas que eu continuo a subscrever de alma, coração e mente abertos... (Eu, editor L.G., aqui com dois queridos nharros, da CCAÇ 12, na foto à esquerda, em Finete, Cuor, no 2º semestre de 1969)...

Não é preciso lembrar - a não ser eventualmente para os periquitos da Tabanca Grande - que o Zé foi talvez dos poucos que, graças ao seu papel de enfermeiro (e também por mérito pessoal, pela sua generosidade, coragem, inteligência emocional e demais qualidades humanas), conseguiu saltar a barreira da espécie: ele, tuga, foi aceite e amado pela população fula, e ainda hoje tem verdadeiros amigos, fulas, lá Guiné-Bissau profunda... Ele é amado, mimado, adorado quando lá volta (e, segundo creio, já voltou duas vezes, em 2005 e 2008)...

Devo acrescentar que o termo nharro, que nós usávamos no nosso calão de caserna, na Guiné, e nomeadamente na zona leste, não tinha propriamente uma conotação racista... Minto: cheguei uma vez por outra a ouvir o termo como sinónimo de preto, barrote queimado... Rascistas, puros e duros ? Com certeza, que os havia, embora minoritários, na Guiné de Spínola... No meu tempo, não se pode dizer que eles se manifestassem abertamente, bem pelo contrário... Conheci alguns, em Bissau, que não perdoavam a Spínola a sua política da Guiné Melhor...

O que posso acrescentar é que o significado da palavra dependia dos interlocutores, do contexto da comunicação, do tom de voz, da entoação... Tal como os palavrões, bem duros para a sensibilidade auditiva das gentes do sul, que ainda hoje se ouvem no Norte duriense e minhoto, puro e duro... (onde, de resto, o palavrão é sempre uma manifestação de ternura e de afecto, no círculo familiar e de amigos).

Não sei qual é a origem do termo, provavelmente é crioulo da Guiné. Ele ainda não consta do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, mas continua a fazer parte da língua portuguesa viva, uma língua fêmea, uma das línguas mais abertas, plásticas, generosas, criativas e procriadoras que eu conheço... Já o vi traduzido por gandarro, massaro, pessoa ignorante, sem conhecimentos, num sítio brasileiro ...

Continua, por outro lado, a fazer parte do calão dos nossos jovens urbanos e suburbanos... Já vi inclusive a utilização do termo, num blogue, como adjectivo: tuga nharro (ou português ignorante)...

Em suma, que me perdõem os puristas, os ortodoxos, os politicamente correctos, mas vou continuar a utilizá-lo, nomeadamente em (con)textos literários e poéticos, embora sempre em itálico, como por exemplo quando evoquei a morte do meu primeiro soldado, justamente a meu lado, na zona da Ponta do Inglês, Xime, no dia do meu baptismo de fogo, em 7 de Setembro de 1969:

(...) O que interessa é que chorei por ti,
Confesso que chorei por ti,
Que morreste a meu lado,
E que levavas um prisioneiro,
Teu irmão,
Pela mão.
E que não eras meu irmão.
Nem grande nem pequeno.
Nem tinhas a mesma cor de pele.
Nem a mesma religião.
Nem a mesma língua.
Nem a mesma pátria.
Nem o mesmo continente.
Não comias carne de porco
Nem bebias água de Lisboa.
Eras apenas um guinéu,
Um nharro,
Soldado-atirador
De 2ª classe.
Ganhavas 600 pesos de pré.
Um saco de arroz por mês
Para alimentar a tua família.
Para mim, eras apenas um homem,
Da espécie Homo Sapiens Sapiens.
A única que chegou até aos nossos dias.
O primeiro que eu vi morrer a meu lado.
Nunca mais chorei por ninguém.
Chorei por ti, Ieró Jau.
Chorei de raiva. (...)

Luís Graça


Mas voltemos ao Zé Teixeira, o nosso Esquilo Sorridente, o nosso tabanqueiro das primeiras horas, um dos fundadores e animadores da Tabanca de Matosinhos, o talentoso colaborador do nosso blogue (cujos textos já mereciam um livro!), o homem sensível e solidário, o nharro mais nharro de todos os tugas que passaram pela Guiné...

Não é um texto qualquer, é uma página de antologia, arrancada do coração onde se faz um sentida homenagem aos órfãos de Pátria, aos nossos queridos nharros... É também um dedo acusador, apontado ao Estado português...

Obrigado, Zé, ninguém saberia dizer isto melhor do que tu!

O José Teixeira foi 1.º Cabo Enfermeiro na CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70.

Ei-lo aqui, no Saltinho, trinta e cinco anos depois, em 2005, com a mulher, Adada, do actual Régulo de Sinchã Shambel, Suleimane Shambel Baldé, filho do Régulo Shambel, de Contabane (em 1968/70).

Um belo exemplo do que é a hospitalidade fula: " A Adada, filha do Aliu de Mampatá, a oferecer-me um ronco para nha mindjer, um lindo colar que tirou do seu pescoço". (LG)


Aos nossos queridos nharros...

por Zé Teixeira


Tropa africana, que connosco deram o seu sangue suor e lágrimas, por Portugal, com toda a carga emotiva, de carinho e afecto que a palavra nharro possa conter.

O programa aparecido na TV (***) teve pelo menos o condão de nos pôr a reflectir, a nós que durante cerca de dois anos convivemos diariamente com a tropa africana, fiel a Portugal e não ao regime, como alguns tentam deixar passar.

O conceito de mãe-pátria, Metrópole, Lisboa, estava arreigada naquela gente, não pelos políticos, mas pelos portugueses brancos que por lá foram passando, muitos dos quais para cumprir penas de índole criminal e quantas vezes por estarem em desacordo com os políticos e as políticas exercidas em Portugal.

Era um conceito forte, de esperança e de orgulho. Foi com eles que eu aprendi quanto se deve respeitar a bandeira do meu País. Com que orgulho eles a saudavam (e toda a população) no hastear e arrear diário. Gesto que ainda hoje se repete. Há um ano em Bissau, [em 2005, ] pude testemunhar o toque de hastear no quartel da Amura e a reacção de toda a população na rua exterior, até onde era possível ouvir o toque.

Era este conceito de filhos de Portugal, aliado naturalmente à propaganda da época e aos benefícios financeiros que os faziam alinhar ao nosso lado com a sua experiência e conhecimento de logística local, dos carreiros das tabancas inimigas, dos perigos desconhecidos para um europeu ingénuo, para quem tudo era estranho, desde o clima ao modo de estar em sociedade, à floresta com os seus segredos e perigos, às técnicas de guerrilha usadas pelo adversário.

Pergunto:

- Quem de nós, periquitos, não sentiu ao chegar, uma mão amiga, um sorriso e um alerta para um eventual perigo ?

- Quem nos orientava na Tabanca, na busca de uma lavandera bonita e jeitosa ?

- Quem nos avisava dos perigos da floresta, abelhas, formigas, cobras ? (Aos bloguistas que se deram ao trabalho de lerem o meu diário (****), recordo a cena do ataque de abelhas e a forma como um milícia cujo rosto não fixei que me agarrou por um braço, me escondeu atrás de uma árvore e me aconselhou a ficar rigidamente quieto até elas, as abelhas, se irem embora. Foi assim que aprendi a não ter medo de abelhas e tanto jeito me fez no segundo ataque que sofri mais tarde.)

- Quem nos indicava à chegada o melhor sítio para tomar banho, no rio para tomar banho sem correr perigo ?

- Quem nos arranjava os frangos e os cabritos para as tainas, para esquecer as mágoas ?

- Quem se prontificava a ajudar o colega do morteiro, o enfermeiro (Bons amigos que tive e recordo com saudade), no transporte do equipamento, etc. ?

- Quem ainda hoje apesar de tão desprezados pela mãe-pátria, como costumavam dizer, nos recebem com um carinho e afecto, que só quem lá foi consegue entender e apreciar ? (Vi e senti lágrimas, recebi abraços longos e quentes, passados 35 anos de separação).

- Quem servia o meu País e desprezava o seu país, deixando mulheres e filhos da outra banda (Kebá de Empada, meu querido amigo, recordo as conversas que tive contigo, sobre as tuas duas mulheres e os teus filhos que optaram pelo outro lado, quanto tu sofrias quando eras atacado! Porque te recusavas a ir comigo para o mato!).

- Quem, debaixo de fogo, avançava de peito aberto para o Inimigo (eu testemunhei), protegendo-nos (quantos de nós tão acagaçados, que não cabia um feijão no buraquinho) convencidos que era esse o caminho certo para o seu País ?

- Quem vergonhosamente os abandonou, deixando que tantos fossem assassinados pelos seus conterrâneos, só porque estavam do lado errado, quando politicamente correcto Portugal admitiu que não tinha saída, a não ser dar a oportunidade a um povo de construir e seguir o seu próprio destino ?

- Quem a partir desse momento os deixou órfãos de Pátria, obrigando-os a irem procurar a sua pátria que até então lhe garantiam não existir, sem qualquer preocupação de lhe dar o prémio merecido por tudo quanto fizeram em nome e para Portugal ?

- Quem lhe traiu todas as promessas de uma Guiné melhor, com Portugal ?

Sinto vergonha. Estão-me na memória os Sambá, os Adbulai, os Ussumane, os Amadu, os Aliu, os Braima, os Mamadu, tantos outros, que conheci e com quem convivi sadiamente, que me acompanharam em tantos encontros com o adversário e que merecem ser considerados filhos de Portugal, pelo que fizeram, pelo que sentiam e ainda sentem, pela alegria que expressam quando nos vem chegar.

Quantos deles assassinados por incúria de Portugal, quantos andaram anos fugidos no mato, deixando a família nas mãos dos adversários, quantos ainda não reconstruíram as suas vidas, quantos sofrem o stress de guerra, quantos morreram à fome, quantos passam fome, por falta de trabalho. Não sabiam fazer mais nada a não ser guerra.

Telefonou-me há dias o Quintino Procel, de Empada. Esse conseguiu fazer no meu tempo a 4ª classe e seguiu a carreira de enfermeiro, sendo hoje o enfermeiro-chefe em Canjadude. Quando em 2005 passei por Empada, procurei-o.Alguém o informou da minha presença e o seu telefonema chegou um ano depois:
- Tissera, tu vai na Guiné e não fala comigo ? Eu na tem casa em Canjadude. Bó na vem e firma lá. Eu fico triste, manga dele, por não ver Tissera. - Foram estas palavras que guardei no coração passados 35 anos.

Creio que ainda há algum tempo para Portugal olhar para esta gente. Não pode desperdiçar esta oportunidade.

Creio que nós, antigos combatentes, ainda podemos fazer algo por eles. No mínimo ir visitá-los(os que puderem), testemunhar-lhes a nossa amizade, tanto quanto eles nos deram a deles. Permitir que sintam e vivam essa alegria de não sentirem que foram esquecidos, por aqueles que, como eles, deram sangue, suor e lágrimas, por uma Pátria que, não sendo actualmente a deles, se deve sentir orgulhosa de os ter tido como filhos, embora de 2ª...
Zé Teixeira

[Revisão / fixação de texto: L.G.]


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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIII: Aos nossos queridos nharros (Zé Teixeira)

(**) Vd. poste de 14 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4341: Questões politicamente (in)correctas (38): Abuso e abuso do termo 'nharro' (Zeca Macedo / Henrique Matos)

(***) Vd. post de 6 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXX: Ex-comandos africanos, 'órfãos de Pátria', reportagem na RTP 1 (José Martins)

(****) Vd. post de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi