segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5328: Blogoterapia (131): Sobe a calçada, camarada, sobe (Luís Carvalhido, CCS/BART 3873, Bambadinca, 1972/74)

O Luís Carvalhido, membro e ex-dirigente da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra (APVG),  com sede em Braga, foi soldado de transmissões da CCS do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74). É natural de (e residente em) Barcelos. Pertence à nossa tertúlia desde Abril de 2005, tendo entrado pela mão do Sousa de Castro, do mesmo batalhão (CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74), e que é o nosso tertuliano nº 2.

1. Mensagem do Luís Carvalhido:


 Ao receber este texto (*), tenho que reflectir, acerca daquilo que em baixo fica escrito. É que às vezes eu também me canso de não entender certas coisas, certas atitudes. E se é certo que começo a perder algumas capacidades do meu modesto intelecto, também é certo que conheci muitos FIGURANTES, nas minhas andanças, alguns dos quais fazem parte desta tua cadeia. E se a memória não perdeu de vez a lucidez, anda por aí gabiru.



Às vezes, e porque penso que começo a não ter interesse, penso abandonar, mas outras vezes lembro-me daqueles que cairam e que lá no alto olham com afecto para nós pelo simples facto de ainda os recordarmos e isso motiva a continuação. Sabes: é um bocado o "sobe a calçada, Luísa, sobe".


Já agora e se possível, diz ao Vasco [da Gama] que há mais olhos abertos, perscrutando as sombras desenhadas pelos abutres que teimam em aparecer sempre que há despojos.


Por isso,  e sabendo que às vezes furo barreiras, não com o intuito de ganhar primazias, mas antes pelo meu espírito de inquietação permanente, naquilo que aos nossos camaradas toca, deixa dizer-te o seguinte:

  • faço sempre as coisas com sentido altruísta;
  • tive desde sempre intuitos firmes e sérios que paguei bem caro;
  • lutei durante muitos anos numa luta desigual, sem nada pedir em troca;
  • gosto de alertar aqueles de nós, (muitos), que apenas dormem;
  • por isso às vezes sou incómodo, sobretudo se sinto ou pressinto alguma coisa que me fira a alma;
  • por isso e se por acaso alguma minha atitude num passado recente te incomodou, não peço desculpa porque nunca faço nada com o intuito de ofender, ultrapassar ou obter qualquer benefício pessoal.


Apenas e simplesmente fiquei chocado com algumas notícias, que aqui chegaram e fiz o que a minha consciência me ditou, ou seja: disse o que penso de uma determinada notícia, dando a perceber ó outro lado da moeda [Vd. mensagem a seguir, ponto 2]

No meu conceito, os participantes do teu blogue, entre os quais me incluo, devem e têm que obedecer a regras, mas - e porque para mim isto é muito mais que um local de encontro -, os responsáveis do mesmo, antes de informarem, devem fazer uma viagem histórica por forma a não ofenderem aqueles que conhecem por dentro outras Histórias.


Estive para não comentar os teus poemas, que para mim merecem todo o respeito, independentemente da abrangência que lhe quiseste dar, mas depois, uma vez mais, este Luís resolveu subir a calçada.


Como nota final, deixa-me dizer-te, com o tal espírito de homem da Guiné, que por vezes é necessário que as águas sejam cristalinas, por forma a que cada um assuma o seu lugar.


Deixo-te um abraço e,  se um dia for possível, acredita que terei contigo uma conversa de Homens, para que percebas melhor e entendes o outro lado da barreira.


Até lá
Luis Carvalhido


2. Mensagem de 13 do corrente, dirigida aos camaradas da Guiné, em geral, e que não chegou a ser publicada, na altura:

Caro Companheiro:

Acabo de receber o teu e-mail, no qual referencias a notícia de que os corpos dos companheiros, ou o que resta deles, acabam de ser transladados de terras da Guiné para solo Português. (**)


Naturalmente que essa notícia me comoveu e me encheu de uma alegria triste. Acompanhas a notícia, com algumas considerações pessoais, entre as quais salientas o dia 14 de Novembro e as comemorações nele contidas.

Vou tentar ser breve, mas antes deixa-me retirar do contexto os restos mortais dos nossos companheiros de armas, a quem deixo um minuto do meu silêncio. Depois passo a perguntar-te o seguinte:

  • Porque estão os corpos, ou aquilo que resta deles em mais um dia dos Generais?
  • Será para darem uma medalha de ferro às famílias e ficarem bem na fotografia?
  • Porque é que tu, companheiro, que presumo seres de boa formação, não incentivas a que a própria Liga [dos Combatentes] pague as despesas dos que já vieram, bem como as do outro corpo que por lá ficou, uma vez que eles também se aproveitam da memória e da presença física dos nossos companheiros mortos?
Deixa-me dizer-te que me sinto incomodado com essa notícia, porque esse dia é um dia morto para nós. Ele não consubstancia qualquer ideia séria, qualquer projecto, qualquer sentimento de solidariedade quer para os vivos, quer para a família dos mortos.

Sinto-me triste por saber que esse dia é uma farsa para povo ver e por isso deixa-me dizer-te que a culpa é dos interesses maiores que movem muita gente que se arvora em defensor dos reais e legítimos valores de todos aqueles que suaram a bandeira.

É culpa das várias pessoas, associadas e dependentes de pequenos tachos e da valorização da imagem que alguns teimam em conseguir.

É culpa daqueles que,  devido a uma antiga ruralidade, ainda se aninham ao poder corporativo, seja ele fardado ou não.

É culpa da presença daqueles que “pseudamente” se dizem muitas coisas e são outros dos tais.

Sabes,  companheiro, a culpa não é das Associações, mas sim culpa das “presidenciações” que apenas vivem para os seus próprios interesses.


Por isso deixa-me dizer-te que pessoalmente o 14 [de Novembro] dos Generais,  nunca. Nem desses nem de outros que se digam defensores dos Veteranos de Guerra e que depois se associam para que a água corra pró seu moínho.


EU, NÃO ESTAREI PRESENTE!

A memória dos restos mortais desses e de tantos outros que tombaram, assim mo exigem.

Saudações

Luís Carvalhido (***)
Barcelos 2009/09/12

3. Comentário de L.G.:

Há muito que não sabia de ti, camarada de Bambadinca (desencontrámo-nos lá por uma diferença de um ano...).  Também, é verdade, não nos tens escrito, mas seguramente que vais acompanhando o nosso blogue, nem que seja à distância, e nem sempre concordando, necessariamente,  com a nossa linha editorial. Não quero, nem devo, comentar o teu poste, e muito menos responder às tuas críticas. Quero  apenas contextualizar as tuas duas mensagens.

A maior parte dos camaradas do nosso blogue não sabe que já foste dirigente (vice-presidente, em 2003) da APVG, e que deste o melhor do teu esforço à causa da dignificação de todos nós enquanto antigos combatentes. Está escrito, na coluna do lado esquerdo do nosso blogue, que "somos sensíveis aos problemas (de saúde, de reparação legal, de reconhecimento público, de dignidade, etc.) dos nossos camaradas e amigos, incluindo os guineenses que combateram, de um lado e de outro. Mas enquanto comunidade (virtual) não temos nenhum compromisso para com esta ou aquela causa por muita justa ou legítima que ela seja"... Isto não significa que cada um de nós, individualmente,  não possa tomar posição sobre estas e outras questões. Não queremos, no entanto, substituir-nos à Liga dos Combatentes, à APVG e às demais associações.

Quanto ao teu protesto em relação às comemorações do dia 14 do corrente, não o publicámos na altura por manifesta incapacidade material... A efeméride, entretanto,  passou e a própria notícia que originalmente publicámos sobre as trasladações não era verdadeira, era falsa (não há notícias parcialmente falsas ou parcial mente verdadeiras, há apenas notícias falsas e notícias verdadeiras).


Aprecio a tua frontalidade: de  facto, não temos quaisquer ajustes de contas a fazer um ao outro. Nem eu sou pessoa de susceptibilidades, nem tu és menino de desculpas e salamaleques... (Se me devesses alguma coisa, era uma foto e uma história de Bambadimca, que nunca chegaste a mandar, pela tua entrada na nossa tertúlia em Abril de 2005. Como já passaram duas comissões, estás perdoado!).

 Um Alfa Bravo. E não desistas, nunca desistas de continuar a subir a calçada da vida... Oxalá, ao menos, que seja menos íngreme e poeirenta que a rampa do quartel de Bambadinca (foto acima). Luís
____________

Notas de L.G.


(**) Vd. postes de:

12 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5261: Efemérides (29): Às custas dos seus familiares (Magalhães Ribeiro)

17 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5284: Dando a mão à palmatória (24): Os editores do blogue têm que ter rigor e espírito crítico em relação às suas fontes (Luís Graça)




21 de Julho de 2006 >  Guiné 63/74 - P977: Antologia (52): A guerra que Portugal quis esquecer (Luís Carvalhido, ao Jornal de Barcelos)

(...) Entrevista a Luís Carvalhido, por Zita Fonseca e José de Coelho. Jornal de Barcelos. 9 de Julho de 2003 (com a devida autorização)

Alguns excertos:

(...) JB - O país foi ingrato para convosco?


LC - O país foi ingrato! O país não teve a capacidade de reconhecer isso e fez uma coisa ao contrário que foi tentar ocultar. Quando um povo não é capaz de reconhecer o seu próprio mérito, mesmo na adversidade, fraco é este povo ou fraco é quem o lidera. Actualmente, as coisas estão a vir ao de cima, o movimento está a crescer. A prova disso é esta Associação que é a maior com 40 mil membros, mas há outras com alguns milhares. Isso quer dizer que este movimento não vai parar. Isto assumiu proporções de bola de neve.


JB - As consequências mais visíveis da guerra colonial eram, para além dos mortos, os soldados que voltavam estropiados. Nos outros, as consequências não se viam, a não ser às vezes, quando a família de algum comentava que veio de África...

LC - Que veio marado, cacimbado, ninguém o pode aturar.

JB - Isto eram coisas que as famílias viviam dentro das quatro paredes e passavam despercebidas. Agora, a ideia que se começa a implantar é que as consequências psicológicas da guerra têm uma dimensão muito grande.

LC - Enorme. Há dois tipos de feridos e de feridas. Há os chamados deficientes das forças armadas, que estão à vista, e há os deficientes encobertos. E a própria família, sendo vítima do sistema - e o sistema era de encobrimento - tinha de acobertar os seus doentes suportando tudo à luz do modelo duma pretensa família católica. Ou seja, se o marido era um stressado, um indivíduo cacimbado como se diz na gíria, batia na mulher ela, porque era uma boa católica, tinha de aguentar. Se o marido batia nos filhos pedia-lhes que tivessem paciência. Durante muito anos foi assim. Finalmente, há cerca de meia dúzia de anos, fruto das lutas de pessoas mais atentas, está reconhecido o stress pós-traumático de guerra. Isto veio ajudar a quebrar os tabus. Começou a encarar-se com naturalidade a possibilidade de cada um transmitir ao seu psiquiatra ou psicólogo um fenómeno que estava associado a efeitos recorrentes.  (...)

Guiné 63/74 - P5327: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (17): Apanhado pelo clima

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 21 de Novembro de 2009:

Caro Carlos:
Mais uma estória, desta vez pequena e de pouco interesse, mas foi o que se pôde arranjar de momento.

Aproveito para dizer que acompanhei as sessões, no Clube Literário do Porto, (anúncio postado no Blog), de que gostei muito.
Aprendi mais umas coisas sobre a Guiné, através de alguns estudantes guineenses lá presentes.
Já tinha ouvido tocar cora várias vezes na Guiné mas num ambiente fechado e sem ruidos é simplesmente divinal.
Ontem assisti à projecção do filme Nha Fala, que achei de nível internacional, comparável a muitos outros filmes que tenho visto nas salas de cinema. Achei-o com certos ares do filme Gato Preto Gato Branco do Kusturica.

Um abraço
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

17 – Apanhado pelo clima



À saída de Bafatá em direcção a Geba ficava a tabanca da Ponte Nova, onde tirei esta foto. (dois segundos depois só fotografaria a janela!)

Foto e legenda: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.



Nasci ainda durante a 2.ª Guerra Mundial e comovo-me ainda hoje ao saber, por mo terem contado pois tinha dois ou três anos de idade, que o meu pai ia propositadamente ao bar da esquina, tomar um café sem açúcar, para o poder trazer ao filho, dado que nessa altura tudo estava racionado.

Quando fui estudar para o liceu em Coimbra, tinham passado uns escassos oito anos do fim da dita guerra. Lembro-me de ver em algumas janelas de edifícios públicos cruzes de papel colado, para os vidros não estilhaçarem muito no caso de um ataque aéreo, isto apesar de o nosso país ser neutral.

Tudo isto para dizer que quando fui mobilizado para a Guiné, só ainda tinham passado também uns escassos vinte e poucos anos do fim daquela guerra. Se ainda agora, passados quarenta anos, discutimos a nossa guerra, nessa altura, pelo menos em mim, ainda estava muito presente a guerra de 39/45.

Em Bafatá cedo fiquei a saber que na tabanca de Geba havia um comerciante alemão. Haveria por toda a Guiné muitos comerciantes metropolitanos e talvez muitos mais libaneses, mas existir um alemão metido em semelhante buraco logo me cheirou a esturro. Seria que era um fugitivo nazi?

Durante toda a comissão fui pensando no assunto, principalmente quando regularmente Geba era atacada e o nosso senhor Landorf aguentava firme no seu posto.

Como já várias vezes referi, muita sorte tive na Guiné. Em matéria de ataques fui um privilegiado. Em Bafatá era o que se sabia, paz. Em Bambadinca dormi lá uma noite mas o ataque foi no dia seguinte. Madina Xaquili, onde estive quinze dias, só começou a ser atacada passado um mês de ter saído de lá. Quando muito, de Bafatá via muito bem os ataques a Geba que, como era costume, eram sempre ao princípio da noite.

Estando eu a um mês ou dois do fim da comissão, apanhado pelo clima quanto bastasse, resolvi, no dia seguinte a um desses ataques, ir com a coluna de reabastecimento a Geba. Dois propósitos se impunham: Um era ver como tinha ficado a tabanca depois daquele fogachal todo, o outro era ver o Sr. Landorf e perscrutar, se possível, se realmente tinha ar de nazi ou de um simples civil alemão que teria vindo para aquele buraco refazer a sua vida.

A coluna de reabastecimento, feita pelo Esq. Fox. aquartelado à nossa beira, partiu só ao fim da tarde contando regressar no mesmo dia. Eram pouco mais de 10 Km e a picada era muito boa.

Pedi autorização aos meus superiores e lá salto para cima de um Unimog com a farda que trazia vestida e completamente desarmado. Um autêntico turista. O que aquele clima provocava! É certo que sabia que além dos ataques nunca tinha havido problemas no itinerário Bafatá/Geba, nem emboscadas nem minas.

Em determinada altura do percurso, a uns 2 ou 3 Km de Geba, o Furriel que comandava a coluna mandou-a parar, ao que foi dito, por alguém se sentir indisposto ou coisa parecida. Quase todo o pessoal desceu das viaturas, tendo eu ficado em cima do Unimog. Já estava a anoitecer mas ainda deu para ver, a uns 200 ou 300 metros da cabeça da coluna, um elemento africano atravessar a correr a picada de um lado para o outro. De imediato dei conhecimento disso ao Furriel mas ele não valorizou o ocorrido. Poderia muito bem ser o abortar da primeira emboscada IN no percurso Bafatá/Geba à coluna de reabastecimento. Eu estava no fim da comissão mas os camaradas do Esquadrão, que ainda ficaram por lá muito tempo, é que podem confirmar se passou, ou não, a haver aí emboscadas ou minas a partir Junho de 1970.

Termino referindo que, pelo atraso provocado pela paragem da coluna, chegamos já noite a Geba e foi só descarregar os géneros e as munições regressando de imediato a Bafatá. Não tive pois oportunidade de ver os estragos e tão pouco o Senhor Landorf. Foi uma tremenda desilusão mas ainda hoje penso que, já no fim da comissão, não devia ter feito o que fiz. Muitos camaradas tiveram o azar só nos últimos dias.

Na próxima estória, e de regresso a Bafatá, vou falar de algumas figuras típicas da cidade.

Até para a semana camaradas.
Fernando Gouveia
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Novembro de 2009> Guiné 63/74 - P5262: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (16): O baptismo de fogo da Regina, ou um Capitão não é um Capitão

Guiné 63/74 - P5326: Notas de leitura (35): A Geração do Fim, memórias de um Curso de Infantaria de 1954 (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos *, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2009:

Malta,
Está-me a saber bem vadiar nestas leituras espúrias, tenho agora para ler o resto álbum fotográfico do José Henriques de Mello, o livro do Alpoim Calvão e o trabalho do José Luís Castanheira “Quem mandou matar Amílcar Cabral?”.
É uma maneira de descansar das minhas agruras nas marchas finais deste livro que não há meio de chegar a bom termo.

Um abraço do
Mário


Uma curiosa miscelânea dos cadetes do curso de 1954,
Inesquecíveis memórias da Guiné


Por Beja Santos

O livro tem um título equívoco: a geração do fim, até se pode pensar nos vencidos da vida, de gente a precisar de cuidados terminais, o que de mais lúgubre se possa imaginar. Afinal, “A Geração do Fim” tem a ver com memórias do curso de Infantaria de 1954, gente que chegou ao fim do Império, calcorreando as suas parcelas, entre a paz e a guerra. É uma miscelânea espantosa de memórias, impressões, vínculos, afectos. Os infantes constituíram uma comissão redactora e juntaram crónicas verdadeiramente descontraídas. O resultado desses 50 anos de cumplicidades merece aplauso: “A Geração do Fim, Infantaria, 1954 – 2004”, Prefácio, 2007).

Este livro do curso de Infantaria de 1954 – 1957 abarca múltiplas histórias, duas, pelo gigantismo da descrição humana ou pela natureza dos combates duríssimos, tem a ver connosco. A primeira, aquela que sem qualquer hesitação incluiria numa antologia dedicada à Guiné, contempla a memória da CCaç 555, a partir de 1963, por António Ritto. Que história, que profunda humanidade! Respigo alguns parágrafos: “O dia de embarque no Niassa foi muito chuvoso e num cruzamento um motociclista civil, vindo da esquerda em derrapagem, ficou com o crânio esmigalhado de baixo do pneu da primeira viatura da companhia de transportes. Mau presságio, disseram alguns”. Começava tudo com sangue derramado, mas esta CCaç 555 foi uma lição de solidariedade. Chegaram a Bissau sem nunca ter lidado com a G3. Depois do treino, partiram para Cabedu em plena mata do Cantanhês. Durante a viagem, houve tiroteio e tiveram o primeiro ferido grave. Escreve o narrador: “Cabedu resumia-se a quatro pequenas casas, sendo uma da casa comercial Gouveia, outra da Ultramarina e as duas restantes de dois libaneses que com a eclosão da luta armada tinham abandonado a região e a companhia ocupou. Os empregados das casas comerciais eram cabo-verdianos e o da Ultramarina retirou-se para Bissau quando chegámos. O da Gouveia ficou e manteve o comércio com a população que vendia o seu arroz, o coconote e a cola, em troca de panos, fósforos, loiça de alumínio e quinquilharias”.

E do pouco se fez muito: abriram-se poços para lavar, beber e cozinhar; criaram-se fossas sanitárias, um forno para pão com tijolos refractários, cortaram-se centenas de palmeiras para se fazer um campo de aviação, importante para as emergências e para receber correio, e de igual modo essas palmeiras serviram para criar abrigos, depósitos de munições, com elas se construiu um caminho de centenas de metros até ao local onde chegavam embarcações uma vez de 40 em 40 dias, com reabastecimentos.

No coração da luta, nesse temível Cantanhês, os Infantes aprenderam o jogo com um pau de dois bicos: a população não queria partir para o mato mas não deixava de dialogar com os que estavam no mato. Os Infantes de Cabedu tinham uma tabanca a três quilómetros com gentes das etnias Nalu e Sosso. Os homens dos 20 aos 30 anos tinham desaparecido, estavam com o Nino no interior da mata, aos mais jovens, os que ficaram, foram-lhes dadas aulas de português, carpintaria, mecânica-auto. A todos se prestou assistência médica e medicamentosa. Lê-se o relato de António Ritto e quem lá esteve e viveu situações afins comove-se com o registo genuíno, a ausência de auto-glorificação, o elogio do indefectível companheirismo, que permanece vivo. Para ler e para guardar para a história.

O coronel pára-quedista José Moura Calheiros, segundo comandante do BCP – Batalhão de Caçadores Pára-quedistas, relata a reocupação do Cantanhês a partir do COP4, em Cufar. Descreve a operação “Grande Empresa” que tinha como objectivos principais Cadique, Caboxanque e Cafine, em finais de 1972. Foi, como se sabe, uma reocupação temporária, o PAIGC desencadeou várias ofensivas no Norte e no Sul, apareceram os mísseis Strella, Guidage e Guileje estiveram cercados, a CCP 123 procurou aliviar a pressão sobre Guidage cercada, atacaram a base de Cumbamori, mas tiveram que ir mesmo que se confrontar com o PAIGC à volta de Guidage. Há muito pouco mais a dizer, é matéria que o blogue tem largamente desenvolvido, não há novidades a contar.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5317: Historiografia da presença portuguesa (32): O que José Henriques de Mello viu no Cuor e em Bissau (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5287: Notas de leitura (34): As Lágrimas de Aquiles, de José Manuel Saraiva (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5325: Agenda Cultural (46): Colóquio Internacional Representações de África na Universidade dos Açores (Carlos Cordeiro)

1. Mensagem do nosso tertuliano e camarada Carlos Cordeiro* (ex-combatente em Angola, onde fez a sua comissão como Fur Mil At Inf no Centro de Instrução de Comandos, nos anos de 1969/71), com data de 18 de Novembro de 2009, dando conta da sua participação, como orador, num Colóquio a ter lugar na Universidade dos Açores, Ponta Delgada:

Bom dia, Carlos e Luís.
Segue o programa das "Representações de África...". Talvez seja ainda cedo para colocar na "agenda cultural". Farão como for mais conveniente.

Um abraço,
Carlos


O nosso camarada Carlos Cordeiro é professor de História Contemporânea na Universidade dos Açores em Ponta Delgada, e vai ser um dos conferencistas no Colóquio Internacional "Representações de África e dos Africanos na História e Cultura (Séculos XV a XXI)", a ter lugar nos dias 26, 27 e 28 de Novembro de 2009, naquela Universidade. A sua intervenção tem como título "A Guerra do Ultramar em discurso directo: os blogues como fonte de pesquisa histórica".



Programa do Colóquio
Clicar nas imagens para ampliar


Ao Carlos Cordeiro desejamos que a sua comunicação sirva para alertar os presentes para o papel que nós, os ex-combatentes, desempenhamos ao expôr publicamente nos blogues, muitas vezes discordando entre nós, as nossas vivências e experiências mais ou menos dolorosas psicologicamente, e em muitos casos, demasiados, fisicamente, deixando assim para futuro massa crítica que servirá de base para os estudiosos poderem continuar a História de Portugal.

O Carlos prometeu dar-nos posteriormente notícia da forma como correu o Colóquio, principalmente da sua intervenção, que nos tocas mais de perto.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5068: As nossas placas de identificação (Carlos Cordeiro)

Vd. último poste da série de 15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5276: Agenda Cultural (45): Semana Cultural da Guiné-Bissau, 16 a 20 Novembro, no Clube Literário do Porto (Regina Gouveia)

Guiné 63/74 - P5324: FAP (37): TEVS a Aldeia Formosa e Buba (Jorge Félix)

1. O nosso Camarada Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil, BA12 - Bissalanca -, 1968/70, enviou-nos a seguinte mensagem, em 21 de Novembro de 2009:

Assunto: P5304 - Aldeia Formosa e Buba

Caro Luís,

Na impossibilidade de mandar imagens nos comentários, agradeço faças chegar estas informações ao autor do P5304, Arménio Estorninho.
Nas datas a que o A. Estorninho se refere, 4 de Janeiro de 1969, estive em Aldeia Formosa e Buba a fazer um TEVS.

A outra data, que ele refere 22 de Janeiro de 1969, eu tenho no dia 21 de Janeiro de 1969, quatro TEVS a BUBA.

Será que são outros acontecimentos?

Um abraço
Jorge Félix
Alf Mil Pil na BA 12
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

domingo, 22 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5323: Estórias avulsas (17): Reencontro de irmãos (Armandino Alves)



1. Em 21 de Novembro de 2009, recebemos uma mensagem do nosso Camarada Armandino Alves, que foi 1.º Cabo Auxilitar de Enfermagem na CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68):


Camaradas,

Hoje lembrei-me de uma história, passada em Bissau, de que, de vez em quando, me lembro com alguma nostalgia e tristeza, pois apesar de na altura ter constituído para mim uma grande surpresa, não me foi muito agradável e, depois de ter conseguido ultrapassar alguma hesitação pessoal, decidi contar-vos.

Serve esta assim, como a modos de uma pequena homenagem ao meu, entretanto, falecido irmão.

Reencontro de 2 irmãos

Como já vos contei fui em rendição individual, para a CCaç 1589, que, naquela altura, se encontrava aquartelada no 600 em Stª Luzia.

Um dia estava eu na secretaria da Companhia (porque apesar de ser enfermeiro, gostava de ajudar o 1º Cabo Escriturário, o qual aproveitava esta minha “fraqueza” para se desenfiar), quando entrou um 1º Sargento, já de uma certa idade, que me perguntou pelo Comandante de Companhia.

Eu disse-lhe que o mesmo não estava, mas que se me dissesse o que desejava, eu poderia indicar-lhe a quem se dirigir.

Então o 1º Sargento contou-me a história que o levou ali: “Um soldado tinha escrito à mãe, a solicitar-lhe que lhe enviasse uma certa quantia em dinheiro, pois tinha partido a coronha de uma G3, e se não a pagasse ia preso.”

A mãe havia entrado em contacto com ele pedindo-lhe, para a informar se a história era verídica, pois não possuía a quantia solicitada e tinha que pedi-la emprestada.

Eu disse-lhe que não conhecia nenhum soldado nessa situação, mas se ele me dissesse o nome do homem, eu veria a que pelotão pertencia e chamaria o alferes.

O sargento acedeu à minha ideia e, tal como tinha combinado, chamei então o Alferes, que lhe disse que nada tinha acontecido com a arma desse soldado e que, o mesmo, se encontrava detido devido a problemas de deserção.

Depois do 1º Sargento se ir embora, fui ver a sua folha de serviço do soldado em questão e reparei que ele já tinha sido punido, salvo erro na Bateria de Artilharia Anti-Aérea Fixa, situada em Leça da Palmeira, por abandono do seu posto de serviço.

Daquelas instalações foi transferido para Viseu, onde, novamente, abandonou o posto de vigia e o quartel, tendo deixado a arma à sua responsabilidade encostada à parede da guarita.

Daí foi “despachado” para a Guiné, só não sei se com uma Companhia, se em rendição individual.

Quando li com mais atenção o nome dele e depois o da mãe, fiquei petrificado.

Porquê?

Eu sabia que tinha um irmão extra-matrimónio (resultado de “brincadeiras” do meu pai), que era mais novo do que eu, e que apenas havia visto uma vez, quando ele tinha 4 anos, numa altura em que a mãe dele o levou a casa da minha avó paterna, que foi quem me criou. Desde aí, nunca mais o vi nem soube nada dele, pois antigamente os assuntos desta natureza não eram motivo das conversas intestinas, em família.


Como no registo do nome do pai figurava “pai incógnito”, fui ter com ele à cela (na casa da guarda) e perguntei-lhe se ele conhecia o pai, ao que me respondeu que sim.

Perguntei-lhe se ele sabia o nome do pai e ele disse-mo.

Foi a minha vez de lhe dizer que eu era irmão dele.

Entretanto ele foi transferido para a prisão do quartel dos Adidos, à espera de julgamento e a minha Companhia foi movimentada para o mato.

Quando regressamos a Bissau, fui aos Adidos e ele tinha sido punido com 3 anos de cadeia.

O motivo do seu castigo penal deveu-se a ele ter mais uma vez desaparecido, dessa vez por 5 dias e meio, tendo justificado em tribunal a sua ausência devido a ir viver com uma negra, junto do quartel da Amura.

Foi assim que conheci este meu incumpridor e aventureiro irmão...

Depois de regressar à Metrópole e ter passado à peluda, já depois de estar empregado, a PM foi à sua procura e levou-o para Viseu, afim de ser julgado pelo abandono quando ali esteve.

Valeu-lhe a mãe ter alguns conhecimentos que o livraram desse julgamento.

Este meu irmão faleceu entretanto vítima de cancro. Deus dê paz à sua alma.

Um abraço,
Armandino Alves
1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 1589
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

Guiné 63/74 – P5322: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (28): O COP4 (Mário Pinto/José Teixeira/Vasco da Gama/Carlos Farinha)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos uma mensagem com o seu 28º texto, que dada a complexidade da matéria abordada, a seu pedido pessoal, contou com as preciosas colaborações dos nossos Camaradas José Teixeira (1.º Cabo Enf da CCAÇ 2381 - Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), Vasco da Gama (Cap Mil da CCAV 8351 – Cumbijã -, 1972/74) e Carlos Farinha (Alf Mil da CART 6250 - Mampatá e Aldeia Formosa -, 1972/74):

Camaradas,

Iniciei um ciclo histórico do sector de Aldeia Formosa, Mampatá e Buba, nos anos 1969 a 1971.

Depois do abandono de Gandembel e Ponte Balana uma das frentes da guerra, ao Sul, que passou para este sector. Procurei ser o mais correcto possível, pois baseei-me em depoimentos de camaradas e Histórias das Unidades para o ultimar.

Esta primeira parte refere-se ao 1.º Semestre de 1969.

Também convidei os nossos Camaradas Vasco da Gama e o Carlos Farinha, que pertenceram a Unidades que precederam a minha, a dar continuidade a este historial até 1974 (fim do conflito).

Os mesmos já me enviaram respostas e estamos a aprontar a parte final deste trabalho.

2. Breves considerações

Do meu memorial descritivo ao longo das últimas décadas, compus uma síntese historial daquilo que foi o período do ano 1969, no Sector do COP4 (Buba e Aldeia Formosa).

Este estudo baseia-se em fatos reais vividos e descritos, por Camaradas nossos com suporte nas Histórias das Unidades por eles aqui incorporados.

3. Frente de guerra do COP4 - Buba e Aldeia Formosa – (entre Janeiro e Julho de 1969).

Com a retirada de Gandembel e Ponte Balana, por ordem do COMCHEF, em Fevereiro de 1969, as frentes de guerra ficaram confinadas em sectores mais recuados das fronteiras com a Guiné-Conakry, tendo o IN de se expor mais, no interior do território, para combater as NT.

Para esse efeito, teriam que percorrer mais terreno dentro de território por nós controlado e ficarem exposto às nossas acções ofensivas, caso que até ali não acontecia, pois os aquartelamentos perto das fronteiras eram constantemente flagelados e atacados e o IN, quando acossado pelas nossas tropas, refugiava-se para lá da fronteira, impedindo assim a nossa acção de resposta.

As Companhias que nesse período aquartelavam esses destacamentos fronteiriços foram reforçar os contingentes de Buba e Aldeia Formosa, tendo algumas, posteriormente, sido movimentadas para outros Sectores.

O COP4, foi formado sobre o comando do mítico Major Carlos Fabião, oficial de inteira confiança do Governador-geral - COMCHEF General António Spínola -, que imediatamente mandou reforçar as linhas da frente com as Companhias existentes e mais algumas "periquitos", que entretanto chegaram da Metrópole.

As ordens passaram a ser, fixar o IN às áreas junto da fronteira e não permitir a sua infiltração para o interior, através de corredores criados a partir de Salancur (base do PAIGC no Sul da Guiné), que por sua vez era abastecida pelo corredor de Guileje, que se tinha tornado crucial depois do abandono dos aquartelamentos de Gandembel, Ponte Balana, Medina do Boé e Mejo.

4. - Estrada Buba-Aldeia/Formosa

Sabendo o COMCHEF que os abastecimentos às Companhias, que se concentravam agora em Aldeia Formosa, Mampatá, Nhala e Chamarra, eram vitais, mandou abrir uma nova estrada Buba-Aldeia/Formosa, com um traçado de infiltração pelas linhas do IN, tentando com ela também cortar os abastecimentos do PAIGC, para o interior do país, nomeadamente para o sector de Xitole.

A nova estrada desviava em Sare Usso para Sare Dibane, seguindo em direcção a Samba Sabali, fugindo às linhas de água, que, nas épocas da chuva, nos isolava de Buba.

Mampatá passou a ser um ponto de relevância estratégica pois foi a partir desta tabanca, que as máquinas da TECNIL passaram a rasgar as matas, escoltados pelos militares estacionados em Aldeia Formosa e Mampatá, indo ao encontro dos nossos camaradas, que, vindos de Buba e Nhala, faziam o mesmo, abrindo a mata e dividindo o IN, em duas frentes.

O PAIGC para fazer frente a esta estratégia, colocou no sector 3 Bi-grupos de combate, sobe o comando de Nino Vieira, com o fim de impedir a construção da nova estrada e manter aberto o corredor de abastecimento para Xitole.

A nova estrada foi cortar o "corredor de Uane" fundamental para a passagem de material para o interior, criando condições para as nossas forças se deslocarem mais rapidamente, logo, se movimentarem de forma mais activa, o que, naturalmente, não interessava ao PAIGC. Por outro lado iria facultar uma melhor movimentação das nossas forças nas deslocações a Buba, para reabastecimentos da zona (agora recuada) da linha de fronteira).

A partir da construção da estrada a guerra neste sector subiu de intensidade, com ataques constantes, flagelações, emboscadas e minas, bem referenciadas nas diárias no teatro de operações, levando o COMCHEF a deslocar tropas especiais, (COMANDOS, PÁRAS e FUZOS), para a ZA.Em Maio e Junho de 1969, a guerra neste sector atingiu o seu ponto máximo, somando ambos os lados perdas humanas de grande significado.

Quando o centro nevrálgico da construção da estrada passou, primeiro para Samba Sábali e depois para Mampatá, a zona de Buba ficou um pouco mais liberta no que respeita a emboscadas e minagem no terreno, para se centrar em ataques violentos ao aquartelamento, que era a base de apoio logístico a toda a máquina de guerra na zona, pela posição estratégica e pelo seu "porto", onde eram desembarcados os mantimentos, materiais necessários aos trabalhos na estrada e materiais de guerra.

Os efectivos envolvidos eram significativos estimando-se cerca de 2 000 homens das NT, com todo o material bélico conhecido na altura ao nosso dispor, incluindo o Grupo de Panhard que se deslocou de propósito de Teixeira Pinto para Aldeia Formosa.

A pista de aviação de Aldeia Formosa, passou a ter T6 e Hélicópteros estacionados permanentemente, prontos para entrar em acção a qualquer momento. As baterias de obuses de 14 cm de Aldeia Formosa e a aviação, todos os dias flagelavam a zona de construção da estrada antes da chegada das máquinas para iniciarem os trabalhos, mas apesar disso, o IN, lá estava sempre á nossa espera a partir de Sare Usso em diante.

Em qualquer altura desencadeavam emboscadas. Manga de minas tanto na estrada, como nas bermas e nos flancos, o que veio causar imensas baixas a todas as companhias envolvidas.

Foi neste período que a minha Companhia teve as primeiras baixas (1 morto e 2 feridos) em Sare Dibane, quando fazia segurança aos trabalhos efectuados pelas máquinas.

No dia 31 de Maio de 1969, foi feita a primeira e única coluna pela nova estrada, no sentido Aldeia Formosa - Buba. Uma coluna enorme com cerca de 2 kms, com todas as forças no terreno empenhadas na sua segurança e, mesmo assim, tivemos 4 emboscadas de que resultaram 3 mortos e vários feridos.

Em 11 Junho de 1969, iniciou-se a descapinação da estrada com a vinda de 700 balantas da zona de Farim para o efeito, todos os dias as forças presentes faziam a segurança, aos mesmos, em locais estratégicos afim de assegurar o bom andamento dos trabalhos.

O PAIGC, com as forças no terreno agora reforçadas com mais 2 Bi-grupos, não davam tréguas às NT. Apesar das continuadas operações levadas a efeito pelos PÁRAS e pelos COMANDOS, ao longo da ZA, o IN continuou a flagelar, minar e a emboscar as NT.

As baixas foram-se sucedendo em todas as companhias envolvidas e, moralmente, chagamos a “quebrar”.

O receio começou a apoderar-se dos nossos soldados, dado que na falta de objectivos, e expostos perante o IN, não tinham a iniciativa, limitando-se a ripostar, simplesmente, quando atacados.O esforço físico exigido aos nossos homens era muito elevado.

Dois dias de saída pelas 6 horas da manhã, com regresso pelas 3/4 da tarde seguido de um dia de serviço á unidade, para se voltar à estrada no dia seguinte. Isto, aliado ao stresse de guerra vivido todos os dias, com passagem diária por lugares que nos recordavam emboscadas ou minas. Este esforço físico e psíquico teve as suas consequências, nas baixas contínuas. A CCaç 2381 chegou ao extremo de ter apenas 37 homens operacionais, o que perfazia apenas um grupo de combate.

Em 29 de Junho de 1969, chegou a ordem de interromper a descapinação e ordenar o regresso dos balantas a Farim. Foi assim decretado, pelo Alto Comando, o fim da “nova” estrada Buba - Aldeia Formosa.

O projecto de estrada ficou reduzido a um grande rasgo aberto na mata, que nunca chegou a ser concluída e que tanto sofrimento custou às NT, com vários feridos e mortos. Tudo em vão.

Em Julho de 1969, o COP4 foi transferido para Aldeia Formosa, dando inicio ao Plano de Operações "Orfeu Oriental", onde a minha companhia foi integrada ficando colocada em Mampatá.

Legendas das fotos:

1 - Parada em Mampatá
2 - General António Spínola em Mampatá
3 - Tabanca de Mampatá
4 - Patrulhamento das obras
5 - Picagem da estrada
6 - Descapinadores balanatas
7 - Evacuação helitransportada

Unidades envolvidas nesse período, de que me recordo:

CCAÇ 2317, 2381, 2382.

CART 2414, 2519, 2521.

Pel Nat 55, 60 e 68.

Pel Milª 137.

Pel Mort 2138.

Pel Fox de Aldeia Formosa.

Pel Art 14 de Aldeia Formosa.

15ª Cia de COMANDOS.

121ª Cia PARAQUEDISTAS.

8.º DESTACAMENTO DE FUZILEIROS.

ESQUADRILHA DE T6 da BA12.

ESQUADRILHA DE HELICÓPTEROS da BA12.

ESQUADRÃO DE PANHARD de Teixeira Pinto.

CCAÇ 1792 (Lenços Azuis).

Pel Mort 1242.

Pel Rec Fox 2022.

Estas são as unidades de que me lembro, que actuaram no sector durante o referido período. Se mais houveram, aqui ficam as minhas desculpas pela omissão.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: © Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5321: Memória dos lugares (57): Tabanca de Sucujaque na fronteira norte da Guiné-Bissau com o Senegal (Patrício Ribeiro)

1. Mensagem de Patrício Ribeiro, membro da nossa Tabanca Grande, empresário na Guiné-Bissau onde reside há mais de 25 anos, antigo fuzileiro em Angola, onde nasceu, com data de 21 de Outubro de 2009:

Boa noite

Obrigado pela morada do "Bissau Digital”.

Para actualizar a noticias deste blogue, junto algumas fotos de 2009 da tabanca de Sucujaque e da linha de fronteira no rio Sucujaque, a dois quilómetros da tabanca onde se apanha a canoa para o Senegal.
Esta fronteira tem bastante movimento de pessoas a pé, bicicleta e moto que é possível atravessar na canoa, junto ao marco de Cabo Roxo, (estrutura em ferro com alguns metros de altura) instalado pelos portugueses e franceses, há pouco mais de 100 anos.

Do lado do Senegal, existe a povoação de Cap Skirring, que tem dezenas hotéis e recebe milhares de turistas europeus por ano.

A linha de fronteira no GOOGLE, não está correcta.

Um abraço
Patricio Ribeiro
impar_bissau@hotmail.com

Localização da Tabanca de Sucujaque da Guiné-Bissau junto à fronteira com o Senegal




Vistas da Tabanca de Sucujaque

Fotos: © Patrício Ribeiro (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5316: Memória dos lugares (56): Reportagem fotográfica de Gadamael (Jorge Canhão)

Guiné 63/74 - P5320: Controvérsias (56): Direito de resposta (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem, com data de 20 de Novembro de 2009, do nosso camarada Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa) (1971/73):

Caros camarigos (Camaradas+Amigos) editores e caro António Matos,

Em todo este assunto do Lobo Antunes, (que eu já tinha deixado morrer, mas que renasce agora com o texto do António Matos, inserido no poste P5301), tentei ser o mais cordato possível e os editores bem o sabem.

Não posso deixar no entanto de salientar como me parece diferente o tratamento dado neste espaço a afirmações indignas, repito indignas, por parte de alguém que esteve na guerra do Ultramar, apenas porque é um escritor de nomeada, um intelectual de méritos firmados, uma figura de topo da nossa cultura.

É que nada disso ameniza as palavras que disse, e, António Matos, envolvem os ex-Combatentes, quer tu queiras quer não, e não dão boa imagem das Forças Armadas Portuguesas, pois não se refere a um homem ou dois, mas um Batalhão inteiro, que se pode extrapolar para o teatro de operações de Angola, porque a decisão de mudar um Batalhão para sítios “mais calmos” não depende do Batalhão mas do Estado Maior da Região Militar, pelo que logicamente, a prática seria universal, pelo menos em Angola, o que se sabe não corresponde à verdade.

E se as afirmações são uma figura de estilo, então são pobres e desonestas, e lembro que recentemente porque alguém escreveu que “saltava” de dentro do rio, qual rambo, para matar o IN, aqui neste espaço se fez o gozo necessário no qual eu colaborei também um pouco.
Ou quando um jornalista escreveu umas coisas quaisquer todos lhe caíram em cima e muito bem.

Não devo nada a Lobo Antunes, considero-o uma pessoa de bem e uma figura importante das nossas letras, mas isso não lhe dá o direito de dizer o que disse, ou o que lhe vem à cabeça no momento.

Quanto a ti, caro António Matos, escreves então esta frase:
«Caro Mexia Alves, receio que este texto te possa criar algum descontentamento mas crê que não é essa a intenção. Era só o que faltava!»

Não me causa descontentamento, mas causa-me estupefacção pelas palavras que usas e não é a primeira vez que o fazes, não comigo, mas com outros.

Escreves tu:

«Querer comparar os dois tipos de afirmações será por demais intolerante, descabido e ignorante!»

Não só me chamas intolerante, como me achas descabido, e pelos vistos ignorante!

Olha meu caro, até serei ignorante mas sou com certeza uma pessoa educada e nunca utilizaria tais adjectivos numa polémica qualquer para classificar a intervenção daquele com quem troco opiniões.

Quanto ao resto, tu tens a tua opinião e eu tenho a minha.
Respeito a tua e tu deves respeitar a minha, discutindo-as se quisermos, mas nunca te colocando num pedestal de superioridade que não te reconheço.

Ah, e não estou zangado nem um pouco, e quem me conhece sabe que não estou: Era o que mais faltava!

Aviso desde já que para mim esta polémica, que nunca o foi, acaba aqui e agora.

Um abraço camarigo para ti, António Matos, e para todos,
Joaquim M. Alves,
Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5319: Em busca de... (103): Procuro informações sobre… (José Martins)


1. Apelo enviado pelo nosso Camarada José Martins (1) (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos,Canjadude, 1968/70), com data de 20 de Novembro de 2009:


APELO

Camaradas,

Lanço-vos um apelo para encontrar camaradas de:

  • António Aldeia Soares, conhecido por "Aldeia", foi soldado da Companhia de Caçadores 2596 do Batalhão de Caçadores 2886, que esteve em Angola, no período 1969 a 1971, é natural da freguesia de Vila Nova de São Bento, concelho de Serpa. Está recenseado na freguesia de Loures, concelho de Loures. Segundo António Aldeia Soares, o Capitão Valente foi o comandante da Companhia de Caçadores 2596 e o comandante do seu Pelotão foi o Alferes Vale.

  • José Aldeia Soares, foi soldado na Guiné (não referenciou mais nenhuma informação). Sobre este camarada da Guiné, sabemos que foi mobilizado pelo Regimento de Cavalaria 7 em Lisboa, e que esteve em Bissau e Bafatá. Penso tratar-se de uma companhia operacional. Estes dados foram por mim recolhidos quando falei com o José Aldeia Soares, antes do envio da carta aberta. Vou continuar a investigação nos meus arquivos e no AHM.

A análise da história destas sub-unidades poderá ajudar o fio condutor para nos levar à fala com estes camaradas.

Qualquer informação agradeço que a enviem para o meu e-mail:

josesmmartins@sapo.pt

Com um fraternal abraço,
José Martins
Fur Mil Trms da CCAÇ 5
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, em: