sábado, 9 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 – P5615: Histórias do Eduardo Campos (4): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério, Cadique/Cantanhez (Parte 4): Ataques e flagelações do


1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos mais uma mensagem (a 4ª), em 7 de Janeiro de 2010:

CAÇ 4540 – 72/74
"SOMOS UM CASO SÉRIO"

PARTE 4

CADIQUE/CANTANHEZ

A actividade operacional de constante patrulhamento da Zona, incidiu sobremaneira no esforço desenvolvido pela CCAÇ 4540, com o começo da concretização do projecto de construção da estrada Cadique-Jemberém, na actividade de protecção aos trabalhos e segurança às máquinas.

Terminada que foi a construção da estrada, houve necessidade de continuar com a actividade operacional normal, agora acrescida com as necessárias escoltas às colunas, que se deslocavam no sentido de Cadique – Jemberém e vice-versa.

Além das referidas actividades, ainda se procedia aos reordenamentos e à contrução das instalações militares do aldeamento, que eram feitos também por militares. Imaginem o que estes homens passaram.

O facto de eu ser Rádio Telegrafista, originou que fosse poupado nas tarefas mais duras, podendo afirmar que fui um privilegiado.

FLAGELAÇÕES – ATAQUES - EMBOSCADAS:

13/12/72: Um Grupo IN atacou n/posição Estacionamento Provisório, cerca das 18h30m, com RPG 7 tendo disparado cerca de 8 granadas.

15/12/72: Um Grupo IN, flagelou n/posição Estacionamento Provisório cerca das 19h30m, tendo disparado durante cerca de 15 minutos, com o Morteiro de 82 mm, despejando sobre nós cerca de 19 granadas, sem consequências pessoais e materiais.

04/01/73: O IN flagelou Cadique com foguetões e 43 granadas de Morteiro de 82 mm pelas 21h20m, durante 25 minutos.

04/01/73: Um Grupo IN atacou Cadique com armas ligeiras, Metr. Dectyarev, RPG 2 e RPG 7, pelas 22h30m, durante 35 minutos.

08/01/73: O IN flagelou Cadique com cerca de 20 granadas de Canhão s/r e 6 RPG 2, pelas 18h40m, durante 10 minutos, acertando no centro do aquartelamento e provocando um ferido.

27/01/73: O IN flagelou Cadique pelas 20h00m, tendo iniciado o ataque com granadas 2 RPG 7, seguidas de Morteiro de 82 mm e Canhão s/r, tendo sido ouvidos no total cerca de 35 rebentamentos.

05/02/73: O IN flagelou Cadique pelas 19h15m, terminando às 19h35m. No ataque foi utilizado o Canhão s/r, Morteiro de 82 mm e RPG 7.

16/02/73: Um Grupo IN emboscou 2 Grupos de Combate da CCaç 4540, sem consequências pessoais.

23/02/73: O IN flagelou Cadique pelas 21h30m e pelas 22h00m, tendo iniciado o seu ataque com Morteiro de 82 mm e Canhão s/r, simultaneamente, consumindo no 1º ataque 12 granadas de Morteiro de 82 mm e 7 de Canhão s/r, no 2º ataque 5 granadas de Morteiro de 82 mm e 6 de Canhão s/r. Não houve consequências pessoais, havendo diversas destruições materiais.

27/02/73: Um Grupo IN numa emboscada no mato, causou 3 feridos ligeiros a militares da Companhia.

MARÇO/73: Verificaram-se 11 flagelações aos trabalhos da construção da estrada Cadique/Jemberém, e, numa emboscada na mesma estrada, causou 4 feridos às NT e 6 feridos ao pessoal da demarcação da Brigada de Engenharia.

03/03/73: O IN flagelou Cadique pelas 18h40m, terminando às 18h50m, tendo dado início ao ataque com Morteiro de 82 mm, com cerca de 10 granadas.

ABRIL/73: O IN efectuou 7 flagelações à estrada Cadique/Jemberém, colocou uma mina A/C no alcatrão junto á berma, que foi accionada por uma moto-niveladora da Brigada de Engenharia.

Fez outra tentativa de colocação de minas, tendo rebentado uma, julgamos que no momento da colocação da mesma. O inimigo abandonou no preciso local três minas sobre o alcatrão.

Também fez accionar dois fornilhos numa tentativa de cortar a estrada, ou dificultar a progressão da coluna, que ia fazer a colocação do destacamento de Jemberém.

Montou duas emboscadas seguidas na zona da frente de trabalhos a uma patrulha, causando 1 morto e 7 feridos, na primeira acção e 2 feridos na segunda.

01/04/73: O IN flagelou Cadique pelas 20h00, com Morteiro de 82 mm, disparando cerca de 15 granadas. Apenas 3 caíram dentro do aquartelamento.

03/05/73: O IN fez accionar, à passagem da coluna na estrada CADIQUE JEMBEREM, uma mina A/Carro.

Feito o reconhecimento foram levantadas três minas sem qualquer ocorrência.

04/05/73: Um Grupo IN, com cerca dez elementos, emboscou, na estrada, uma viatura da Brigada de Estudos e Construção de Estradas, que transportava exclusivamente pessoal africano civil, causando dois mortos e nove feridos graves.

13/05/73: O IN emboscou uma coluna que partiu de Cadique para Jemberém, abrindo fogo com granadas de RPG 2 e 7 e accionando ao mesmo tempo duas minas A/Carro.

Feito o reconhecimento ao local da emboscada, foram detectadas mais 4 minas A/Carro, que foram levantadas.

As NT tiveram 11 feridos evacuados para Bissau. Mais tarde recebemos a notícia da morte de um militar da Brigada Engenharia, que estava adido à CCaç 4540.

17/05/73: O IN iniciou uma flagelação pelas 20h05, com granadas de RPG 7 e RPG 2, durante cerca de 5 minutos, tendo intercalado o fogo com espaços curtos de tempo. Foram ouvidos mais 12 rebentamentos e detectou-se o local da base de fogo.

As NT reagiram com granadas de Morteiro de 81 mm, tendo calado o fogo do IN aos primeiros rebentamentos sobre a posição detectada.

Saiu uma força da CCP 122 com a CCaç 4540, para reconhecimento, nada tendo encontrado.

19/05/73: O IN iniciou uma flagelação pelas 00h30, com 6 granadas de RPG 2 e LGF 8,9 cm em simultâneo. Após o 1º rebentamento cessou o fogo, que reiniciou cerca de 15 minutos depois, para voltar de novo com 2 granadas de LGF 8,9 cm, que não rebentaram. Passados mais alguns minutos repetiram-se novos rebentamentos de RPG 2.

Esta situação durou cerca de 3 horas e meia, mantendo IN o mesmo tipo de acção. Foram ouvidos no total de cerca de 45 rebentamentos e detectadas e levantadas 7 granadas LGF que não rebentaram.

As NT, por dificuldades de visibilidade das saídas dos disparos do inimigo, apenas reagiu ao fogo IN quando se conseguiram detectar 2 das suas posições de flagelação.

O IN, após a concentração de 7 granadas de Morteiro 81 mm, numa das bases, cessou o fogo, não voltando a fazê-lo daquela posição. Tendo-se feito mais fogo para outros locais de onde, esporadicamente, se viam as saídas.

Foram pedidos, ao PelArt 17, alguns tiros de apoio sobre as eventuais localizações do IN, cuja resposta foi imediata.

26/05/73: O IN iniciou uma flagelação pelas 18h05, com Canhão s/r. O ataque prosseguiu com violência e rapidez, calculando-se que tenham sido lançadas pelo inimigo 20 granadas, das quais foram encontradas diversas embalagens vazias.

Dada a dificuldade da localização das saídas das granadas, acentuada pelo facto de ainda ser dia, mantivemo-nos por momentos na expectativa para não disparamos “à balda”, até nos ter sido comunicada as coordenadas da posição dos guerrilheiros do PAIGC, por um bigrupo que se encontrava a fazer a segurança próximo do quartel.

Reagimos então com o Morteiro de 81mm, efectuando a concentração de 15 tiros no local indicado pelo nosso bigrupo. Ao mesmo tempo foi ordenado pelo capitão ao bigrupo, que se encontrava na frente, que reagisse com Morteiro de 60mm e batesse a retirada do IN.

10/06/73: O IN flagelou Cadique com Canhão s/r e Morteiro de 82 mm, tendo sido contados cerca de 23 explosões. Foram detectadas duas posições de flagelação usadas pelo inimigo e nós reagimos com granadas de Morteiro 81 mm.

Algumas granadas de Morteiro do PAIGC, caíram na zona Norte/Leste do aquartelamento, sobre a estrada do Porto de Cadique, onde circulavam viaturas, e, várias granadas detonaram, junto á LDG Bombarda, em terra e no rio.

A LDG que se encontrava ancorada, com carga a bordo, para ser descarregada, reagiu, por sua vez, com o seu poder de fogo.

Foi pedido ao PelArt 5 apoio de Obus, que respondeu, com prontidão e com precisão, batendo as duas bases de fogo inimigas.

A LDG, quase de imediato, deu meia volta e regressou à sua base com a carga a bordo.

Após as hostilidades, saiu em reconhecimento um grupo da companhia, que fez reconhecimento à base de Morteiro 82 mm utilizada pelo IN, tendo encontrado diversos vestígios seus.

As granadas que caíram dentro do aquartelamento destruíram dois telheiros.

12/06/73: Mais uma emboscada com RPG 2 e 7, que originaram 3 feridos no pessoal da Brigada de Engenharia.

21/06/73: O dia mais trágico da Companhia: Num ataque efectuado pelo PAIGC, pouco depois da saída da vedação do aquartelamento, um simples estilhaço de RPG, foi suficiente para ceifar a vida de um camarada de nome: Vitorino Susano Simão.

Este triste acontecimento teve precursões que marcariam (digo eu), para sempre o seu Comandante de Pelotão - Alferes Pereira.

Segundo a rotina do pelotão, os homens da frente não eram sempre os mesmos e nesse dia não seria a vez do Simão ir à frente, o que originou que o alferes, ética e moralmente, assumisse a responsabilidade da morte do mesmo.

Quem mantém o contacto com o mesmo, como os nossos amigos Manuel Reis e Vasco Ferreira, sabem que não exagero, dizendo, que uma parte da sua alma ficou, nesse dia e com essa triste e lamentável morte, na mata do Cantanhez.

Em relação a este facto, pessoalmente, direi que: “Também tive, neste dia, a minha dose traumática.”

O Simão morreu quase de imediato e, cumprindo ordens superiores, o corpo iria para Cufar, mas de forma que a população não se apercebesse que o mesmo já tinha falecido. Assim, foi transportado de maca com uma agulha espetada no braço, tendo-me tocado a mim segurar no frasco do soro. Partirmos para Cufar, onde apanhamos mais um choque, pois não haviam caixões e, ali ficou o corpo na maca, escondido numa arrecadação.

03/07/73: O IN iniciou nova flagelação e ataque pelas 20h30 empregando RPG 2, RPG 7 e armas ligeiras.

Logo após os primeiros rebentamentos, os militares da CCaç 4540 e da CCS/BCaç 4514, responderam de imediato.

O ataque IN foi efectuado a partir de três pontos diferentes, colocando todo o aquartelamento debaixo de ferro e fogo.

Foi pedido pelo Comandante do BCaç 4514 ao 5º Pel Art apoio de Obus, de modo a bater os prováveis caminhos de retirada do IN.

13/07/73: Pelas 19h45, foram vistos 2 Very Lights, pelos sentinelas do aquartelamento, sendo um vermelho e outro amarelado.

O IN iniciou a flagelação com uma rajada de arma ligeira, seguida de disparos de RPG 2 e 7.

Respondemos com fogo de armas ligeiras, Morteiro de 60 mm e Bazuca, fazendo calar o IN. Foram também efectuados alguns tiros de Morteiro 81 mm, para bater os prováveis caminhos de retirada.

Mais uma vez foi solicitado tiro de Obus.

Saiu uma força da CCaç 4540, que reconheceu a base de ataque do IN, tendo sido encontradas duas granadas de RPG 2.

21/07/73: Mais um dia negro para a Companhia, desta vez por doença, falecendo o nosso camarada Mário da Conceição Vieira.

30.07.73: Para montar a segurança de uma coluna de reabastecimento a Cadique/Jemberém, foram destacados um bigrupo da CCaç 4540 e um Pel. Rec da CCS/BCaç 4514, que seguiam a pé ladeando a estrada (para protecção aos picadores), um elemento da CCS accionou uma mina A/P, ficando com a perna decepada. Na zona foram detectados mais seis explosivos do mesmo tipo que foram destruídas.

30/07/73: Pelas 20h30 o IN flagelou Cadique com RPG 2, 7 e 8, tendo iniciado o ataque com uma rajada de Kalashnikov.

Após ter terminado a flagelação com RPG e armas ligeiras, abriram fogo de Canhão s/r sobre o nosso aquartelamento.

Foram localizadas três bases de fogos na direcção de Cacine.

O potencial de fogo IN, sobretudo o de RPG, foi intensíssimo e os rebentamentos localizaram-se todos juntos as áreas dos grupos de combate, que circulavam em defesa periférica, o mesmo acontecendo na flagelação de Canhão s/r, da qual se estimaram 25 rebentamentos.

Na manhã seguinte foram encontradas na mata 4 Granadas de Canhão s/r não deflagradas.

Da nossa parte foram utilizadas armas ligeiras, Morteiro de 60 mm, Morteiro de 81 mm, LGF 8 e 9 cm, e dilagramas.

No reconhecimento feito de manhã, foram encontradas granadas de RPG com cargas, uma bolsa com três carregadores de Kalashnikov, com munições, e vestígios de sangue que nos levou a concluir que o IN teve, pelo menos, alguns feridos.

Da flagelação IN resultaram danos materiais em várias barracas de lona, casas da população e um ferido da Companhia.

O PAIGC colocava com frequência minas Anti-carro e fornilhos, camufladas no alcatrão na estrada Cadique/Jemberém.

Estas datas terão sido as mais marcantes, no entanto muito fica por contar, principalmente no caso de emboscadas e levantamento de minas, mas continuar, exaustivamente, com este rol tornar-se-ia maçador.

Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCaç 4540

Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5614: História da CCAÇ 2679 (32): Reflexões sobre Tabassi e o mau relacionamento com o Trapinhos (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 6 de Janeiro de 2009:

Bom dia Carlos,
Envio-te mais um bocadinho de lenga-lenga, a ver se se faz alguma história. E a descrição de alguns venenos que poderiam atribular a pacatez da comissão.

Um grande abraço.
J.D.


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (32)

Reflexão conjunta


Uns dias após a noite de Tabassi, ficámos a saber que o Pestana salvar-se-ia da morte prognosticada. Retiraram-lhe uma parte do frontal e da massa craneana, do que sofrerá algumas sequelas, mas viverá relativamente bem. Definitivamente não voltará ao serviço militar. Regozijámo-nos com esta notícia, que o dá como capaz para a vida.

Fizemos uma reflexão sobre os acontecimentos: em primeiro lugar, destacámos a disciplina do IN, pois foram detectados, tiveram ocasião para disparar sobre mim e o grupo que acompanhava o Virgílio Sousa, mas, talvez porque não estivessem todos ainda instalados, demoraram duas horas a atacar-nos, o que poderia constituir novo efeito surpresa. Em seguida, verificámos que a primeira rocketada foi para o lugar referenciado pelo tiro do Virgílio, mais tarde confirmado, quando ali me dirigi e fiquei à conversa sem especial cautela. Falhámos ambos. E a confirmar todas os conhecimentos anteriormente adquiridos sobre as identificações de posições de combate, nomeadamente em período nocturno, foi o desencadear certeiro do ataque. Sairam-nos caro aqueles deslizes. Todos sabíamos como proceder correctamente, mas, na ocasião, subvalorizámos os indícios do IN. Correcto, teria sido ficarmos em rigorosa prevenção, e não adormecer debaixo da árvore, por um lado, por outro, antes do disparo, algum dos elementos daquela posição deveria ter-me informado das suspeitas.

Mas a refrega consumara-se a nosso favor, por isso, agora levantava-se outro problema: seria que o IN, mais tarde ou mais cedo, procuraria vingar-se de nós? Ninguém poderia responder a esta questão, mas avultava a necessidade de aumentarmos o cuidado, de termos especial atenção na estrada, onde mais facilmente poderiam concretizar os intentos. Cada um de nós teria que tornar-se mais responsável e preparado para enfrentar nova iniciativa do IN. Era certo que não os temíamos, como ficara demonstrado, mas teríamos que prevenir o grupo, pois em algumas situações as baixas são inevitáveis, salvo, quando as iniciativas são mal desencadeadas. Era, por isso, necessário intuir os procedimentos e comportamentos futuros, tendo em conta que só a homogeneidade do grupo poderia garantir o sucesso de cada um.

Estávamos todos de acordo e, no geral, compenetrámo-nos na acção colectiva.


O novo relacionamento com o COT-1

Numa ocasião posterior deslocámo-nos a Pirada, em missão rotineira de recolha e transporte de mercadorias para Bajocunda. Na Companhia referiram-me para me apresentar no COT-1. Ali chegados, distribuí tarefas ao pessoal, após o que me informei da localização do Major-Comandante. Tratar-se-ia de uma pessoa de maus créditos, a avaliar pelos adjectivos e descrições que me fizeram. Entrei no edifício, passei por dois compartimentos vazios e, no terceiro, encontrei o Major deitado sobre um colchão. Cumprimentei-o com uma palada, e o Oficial ergueu-se, retribuíu sem cerimónia, pegou-me pelo braço deu-me os parabéns pelo magnífico grupo de homens que comandava. Perguntou-me se a viagem não levantara problemas, se tivera cuidados especiais à passagem pelo morro entre Tabassi e Pirada, um lugar fortemente provável para uma emboscada às NT. Menti, respondi-lhe que era meu costume mandar uma Secção a envolver o local, por forma a evitarmos surpresas desagradáveis. O Major concordou. Subitamente perguntou-me pelo pessoal, ao que respondi estarem no cumprimento de tarefas. O Comandante referiu que gostaria de os ter cumprimentado, e comprometi-me a, numa próxima oportunidade, proporcionar-lhe o encontro. O Major ainda fez considerações sobre a necessária segurança no mato, ao que anuí e acrescentei que por vezes conversávamos a propósito, o que era verdade.

Despedimo-nos, o Major deu-me uma pancada nas costas, notoriamente cordial, e que surpreendeu quem assistia, pois esta cena passou-se no exterior do edifício. Perfilei-me, e pedi licença para seguir, que me foi concedida.

Quando voltei a Pirada, preveni o pessoal para permanecerem ordeiramente sentados nas viaturas, com as armas sobre os joelhos, porque viria o Comandante do COT-1 em revista e a dar-lhes ordem para destroçar. Assim aconteceu. Dirigi-me ao gabinete para a necessária apresentação, que decorreu com cordialidade, e como o Major se alongasse na conversa, pedi licença, e perguntei-lhe se queria ver o pessoal antes de se dispersarem nas tarefas. Imediatamente colocou a boina e saíu na direcção das viaturas. O Foxtrot estava bem comportado, com ar confiante, e em atitude marcial, como que pronto a sair para uma missão de risco. Segui o Comandante que parou junto da primeira viatura, cumprimentou e disse qualquer coisa de elogioso ao pessoal, distribuíu duas ou três bacalhauzadas aos mais próximos, após o que me mandou dar ordens ao Pelotão.

Verifiquei assim, da parte do Exército, uma especial consideração por um Grupo de Combate, relativamente apresentável, mas com espírito de sacrifício, voluntarioso, e atitude combatente. Naturalmente, senti-me vaidoso.

Entretanto sairam meia-dúzia de louvores, contrariando a ideia que transmiti ao Trapinhos, quando fui inquirido sobre o assunto, e lhe respondi que, justo seria num louvor colectivo, pois o que importava realçar, era, no meu entender, o espírito de grupo sempre evidenciado.

A seguir fiz uma coluna a Nova Lamego para os costumeiros transportes de víveres para a Companhia. Ali chegados, o pessoal foi às tarefas, e eu fui apresentar-me ao Major Segundo Comandante, acompanhado pelos restantes elementos para alguma eventualidade. Se corresse bem, teríamos tempo para umas cervejolas e, até para almoçarmos.

Apresentei-me à porta do gabinete, fiz a palada e apresentei-me. O Major, que falava com um Furriel, imediatamente levantou a voz para mim, questionando-me sobre o desalinho, se eu não tinha noção do modo como trajava; sobre as patilhas e a mosca, se estava autorizado para tal; e enfureceu-se quando viu um cinto estranho ao fardamento. Eu, acabrunhado, respondia sim e não, completamente surpreendido e irritado com a violência do interlocutor. Logo ali prometeu-me uma porrada e mandou-me desandar. Virei costas e saí, que era o que eu mais queria fazer. Ao chegar ao pátio lacrimejei de raiva por me sentir vexado. O que lhe devia ter dito, se falasse de igual para igual, era que lhe fazia o favor de andar a combater para sua excelência passar uma tropa porreira no remanso do gabinete, e garantir uma choruda conta bancária no fim da comissão. O pessoal notou que eu estava alterado, perguntaram-me qualquer coisa e respondi:

- Está a andar, é reunir as viaturas e partimos já.

Durante o regresso, acalmado pelos solavancos da picada, ainda me ri da cena com o Major, qual guerra dentro da guerra: é que a minha apresentação, não sendo muito original, era suficientemente distraída para esbugalhar o olhar atento de um Oficial Superior que medrou entre NEP's e regulamentos. O que eu envergava era botas de cabedal, calças verdes de serviço, camisa camuflada e boina da farda n.º 1. O cinto era o do turra. Enfim, não seria a apresentação mais compaginável com a desejada imagem do Exército, menos ainda com a de um herói de Hollywood.

Dois ou três dias depois fui chamado ao COT-1, onde o Major me referiu ter tido conhecimento do meu problema em Nova Lamego, e que pediu ao ao Segundo-Comandante para não me dar a porrada, contra a promessa de que eu me apresentaria com cara lavada e bem ataviado. Disse o Major, que eu me barbeasse, vestisse em conformidade, e fosse apresentar-me ao Major de Nova Lamego, lembrando-me que uma punição não interessava a ninguém. Agradeci-lhe e comprometi-me.


Outra guerra

Poucos dias após, o Trapinhos, durante uma conversa restrita e informal, revelou que estava atrapalhado para uma data próxima, com falta de pessoal para Tabassi. Fiz-lhe ver que no dia imediato ao da dificuldade tinha programada uma operação-psico numas aldeias do interior, relativamente próximas do Gabu, onde teria que me dirigir para apresentação ao Major, mas se a dificuldade persistisse, poderia contar com o Foxtrot para lá irmos passar a noite, na condição de regressarmos mais cedo do que o habitual, para banhos, pequeno-almoço, e saída imediata. Aliviado, o Capitão imediatamente acolheu a disponibilidade demonstrada, que transformou em ordem, e disse-me que faria o reforço à aldeia.

Entretanto chegou uma verba para mim, a título de prémio pecuniário pela captura de armamento. Decidi abrir um crédito na cantina a favor do Foxtrot e, a partir daí, todos os prémios que recebi tiveram o mesmo destino.

Tínhamos patrulhado de manhã, e fomos passar a noite a Tabassi. No regresso a Bajocunda dei indicações precisas para o pessoal se preparar rapidamente, tomarem o pequeno-almoço, e aprontarem-se para a saída. Eu faria a coluna até Nova Lamego, enquanto eles visitariam uma aldeia munidos de ração de combate. Depois esperar-me-iam perto da ponte, onde me juntaria a eles para prosseguirmos as visitas até ao dia seguinte. Durante a minha ausência o Pelotão seria comandado pelos Cabos Valentim e Andrade. Houve uns murmúrios sobre tanta actividade, mas nada de relevante.

Fui pôr-me bonito para a apresentação ao Major. Quando cheguei à parada vieram dizer-me que não tinham tabaco e não sabiam do Jesus, o cantineiro. O Trapinhos também seguia viagem, mas ainda não aparecera, pelo que achei ainda haver tempo. A saída protelava-se bastante, e nem Capitão, nem Jesus. Quando o Capitão surgiu falei-lhe na dificuldade do pessoal em arranjar tabaco, ao que, descuidadamente, respondeu:

- Esses filhos da puta não precisam de fumar.

Ora, alguém ouviu e o Pelotão fez finca-pé. Sem tabaco não saíam. O Trapinhos, já em cima de um Unimog, deu-me ordem para partirmos. Respondi-lhe que o pessoal tinha falta de tabaco, não tivera oportunidade de o comprar por ter passado o dia fora, e parecia razoável aviarem-se para outros dois dias.

- Dê-lhes ordem para subir. - Respondeu-me o Capitão.

- Eu? - Questionei-o na esperança de atender ao meu argumento.

- Sim, você! Não é o Comandante deles? - Respondeu-me.

- E você, meu capitão, o que é? - Perguntei-lhe farto da intolerância.

Alguém apareceu com um volume de maços de cigarros, porque a cena já era apreciada por muitos militares, o pessoal tomou lugar nas viaturas e partimos. Era visivel alguma confusão na segunda viatura, onde seguia o Capitão.

Em Nova Lamego apresentei-me ao Segundo-Comandante nas condições regulamentadas. A seguir teria que aguardar pelo regresso, sem qualquer missão, que não fosse o devaneio. Dirigi-me ao bar em frente do Comando, onde me sentei numa mesa com Páras. Momentos depois entrou na sala um Cabo a perguntar por mim. Identifiquei-me, e pediu-me para o acompanhar ao Comandante. Sentei-me ao lado dele no jipe, que atravessou a rua e parou no pátio interior. Subi ao gabinete no primeiro andar.

O Tenente-Coronel mandou-me entrar. Sentado, num canto, à minha esquerda e à direita da secretária do Comandante, estava o Trapinhos. Levei uma piçada durante uma hora, em sentido, que nem eu pedira, nem ele me mandou pôr à-vontade. Pedi-lhe licença, mas retorquiu que ainda não acabara de falar. Alguns minutos depois deu-me autorização para argumentar. Comecei a expor as minhas razões, quando o Comandante me interrompeu, questionando-me se estava a acusar alguém. Não, não estava, respondi, apenas apresentava as justificações da minha defesa perante o que tinha sido referido. De soslaio, pelo canto do olho, via o Capitão a cruzar e descruzar as pernas, nitidamente nervoso. No final, o Tenente-Coronel, mais cortês, disse-me, que aos milicianos competia uma importante tarefa no enquadramento do pessoal e, que ainda tínhamos o dever, sempre que possível, de aliviar as tarefas do nosso Capitão, já assoberbado com outras funções que só ele podia desempenhar. Compreendi que ele percebera a extrema incompetência do Capitão. Depois, cordialmente, mandou-me sair.

Senti um grande alívio. Livrara-me de outra armadilha. Fui almoçar, descontraí, e voltei a encontrar alegria quando me juntei ao Foxtrot para prosseguirmos o caminho da psico, sugeito a algumas larachas por ter andado a passear e a banquetear-me na cidade. A operação de psico consistia no tratamento de feridas e distribuição de comprimidos, conforme as mazelas que a população apresentava, tratamentos exponenciados com alguma injecção, se o problema se mostrava mais gravoso. Davam-se conselhos para deslocação às consultas junto da tropa sempre que era aconselhado.

Muito pouco tempo depois, o Comandante do COT-1 foi substituído, e perdi um interlocutor de referência.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5562: História da CCAÇ 2679 (31): Ataque à tabanca de Tabassi em 30NOV70 (José Manuel M. Dinis

Guiné 63/74 - P5613: Lembrando camaradas da Guiné, amigos para a vida (Rui Santos)

1. Mensagem de Rui Santos* (ex-Alf Mil da 4.ª CCAÇ, Bedanda, 1963/65), com data de 4 de Janeiro de 2010:

Amigos :
Gostaria de deixar aqui uma lembrança de pelo menos dois amigos e camaradas de armas.

1.º - Ao Capitão Câmara Tavares (meu Comandante em Bolama) que foi meu amigo e compadre duplamente (eu padrinho da filha dele e ele padrinho da minha filha, no Cartório de Bolama), falecido em Évora com um AVC . A esposa Lourdes, também já o acompanhou restando desta família a minha afilhada Nuxa e os dois filhos Zé e Pedro!

2.º - O Alferes Maldonado, amigo, camarada, com uma sensibilidade e um afecto extraordinário, esteve comigo em Bolama e foi perder a vida em combate (um estilhaço de granada no fígado) no norte da Guiné.

3.º - Aquele soldado que perdeu a vida a cerca de 800 m do meu aquartelamento em Bedanda, aquando do ataque ao Gouveia 16 no rio Unguariol, bem perto de Incala, e foi sepultado junto à saída do lado nascente da povoação (já informei, via mail, as entidades que procuram sepulturas de soldados nas ex-províncias ultramarinas).

E a todos que ficaram feridos e conseguiram sobreviver, mesmo aqueles que foram evacuados para Lisboa!!!

Bem haja a todos quantos comigo combateram, quer no campo, quer na mesa das granadas de 6 decilitros das fábricas Sagres, Super Bock, Coral, algumas com efeito retardado, e até as maiores para a época (1 litro) as Saint Paule & Girl.

Lembro a todos que tenham um Ano Novo cheio de tudo de bom e que lembrem sempre os vossos camaradas, pretos ou brancos, soldados, cabos, sargentos, oficiais, sem farda somos todos de carne e osso (alguns, mais carne que osso, o meu caso)!!

Lisboa 4 de Dezembro 01h16
Rui Santos
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Nota de CV:

(*( Vd. poste de 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5584: A minha filha nasceu na Guiné há 43 anos (Rui Santos)

Guiné 63/74 - P5612: O Nosso Livro de Visitas (79): Conheci e estimei o Ten Cor Pimentel Bastos, 1º Cmdt do BCAÇ 2852 (António Vaz, ex-Cap Mil, CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69)

Guiné > Zona Leste > Subsector de Bambadinca > Xime > CART 1746 (1967/69) > 1968 > Destacamento da Ponta do Inglês >  > Foi aqui, neste destacamento, de má memória para muitos de nós, que o Manuel Moreira escreveu a sua Canção da Fome (*)... Por detrás dos militares da CART 1746,  à mesa, partilhando uma refeição, vê-se  uma parede revestída a chapas de bidão... que lá ficaram, quando as NT retiraram do destacamento, por ordens superiores. Seria bom que o ex- Cap Mil António Vaz nos quisesse falar um pouco mais das suas memórias desse tempo... (LG)




Guiné > Zona Leste > Subsector de Bambadinca >  Xime CART 1746 (1967/69) > 1968 > Antes desta unidade de quadrícula, passou pelo Xime a  CCAÇ 1550 (1966/68) (estivera antes em Farim; era comandada pelo Cap Mil Inf Agostinho Duarte Belo). À CART 1746, seguiu-se a CART 2520 (1969/70), CART 2715 (1970/71), CART 3494 (1972/73), CCAÇ 12 (1973) E ccaç 21 (1974)...

Fotos do Manuel Vieira Moreia,  que foi 1º cabo mecânico auto, esteve em Bissorã, Xime e Ponta do Inglês, entre 1967/69 onde escreveu a Canção da Fome. Pertenceu à CART 1746, encontrou-me no blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Temos  trocado algumas msg. É da zona de Águeda.  Portanto temos aqui o nosso avozinho" (Sousa de Castro, um hhistórico do nosso blogue, criador e editor por sua vez do blogue CART 3494; vd. oste 9 de Novembro de 2009 >  P42 - CART 1746 1967/69 Bissorá, Ponta do Inglês e Xime, de retirei estas duas fotos, com a devida vénia ao autor e ao editor).

Fotos: ©  Manuel Moreira / Sousa de Castro (2009). Direitos reservados



1. Comentário ao poste de 4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)

Chamo-me Antonio Vaz, tenho 73 anos e fui capitão miliciano, comandante da CART 1746, no Xime, de Janeiro 1968 até ao fim da comissão, em Junho de 1969.

Como companhia independente, conheci vários comandantes de batalhão: primeiro os de Bula e depois de Bambadinca. Dos que me recordo melhor foram o Cmdt do BCAÇ 1904, Ten Cor Branco o Fontoura e o Pimentel Bastos. Todos diferentes, todos iguais.


Do Pimentel Bastos recordo com saudade o espírito, a cultura e a simpatia ingénua de um homem que não nascera para aquilo. Nas muitas conversas que tive com ele compreendi o seu drama. Eu estimei-o.


António Vaz

2. Comentário de L.G.:

Meu caro António Vaz: Julgo que nunca nos encontrámos no Xime. Ou se isso aconteceu foi quando eu e os meus camaradas da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), desembarcámos no Xime, de LDG, no dia 2 de Junho de 1969... Tenho ideia que os seus homens, tisnados pelo sol da Guiné e cansados da guerra, ainda nos deram as boas vindas, a nós, periquitos, e nos escoltaram até Bambadinca...Não perderam o bom humor. Acolheram com um pano onde se lia: "Periquitos, bem vindos ao inferno do Xime, o que custa mais são os primeiros 21 meses"... Tenho bem nítidas essas caras, os camuflados já incolores e esfarrapados, os lenços de pescoço de cores garridas, violando todas as normas de segurança... Vocês eram a velhice, por excelência, verdadeiros gigantes, aos nossos olhos de piras miseráveis e insignificantes. Connosco, desembarcavam também os vossos substitutos, a CART 2520 (1969/70)... Seguimos em viaturas Matador até à sede do BCAÇ 2852, Bambadinca, atacada uns dias antes, a 28 de Maio, ataque esse - três meses depois da Op Lança Afiada - que custaria a cabeça e a carreira do Ten Cor Pimentel Bastos (o Pimbas, como era carinhosamente tratado)...

O ex-Alf Mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70), já aqui tem falado de si, com apreço... Vou-lhe fazer um desafio: fale-nos do Xime do seu tempo, do Seco Camará, guia e picador das NT, dos mandingas do Xime, da Lança Afiada, do Poidon,  da Ponta do Inglês... Foram sítios onde muito penámos, quando depois da instrução de especialidade aos nossos soldados do recrutamento local, fomos colocados como companhia de intervenção ao serviço do Sector L1 (Bambadinca), em finais de Junho de 1969, já vocês tinham regressado à Metrópole...

Temos inúmeros postes sobre o  Xime, talvez mais de uma centena (considerando as duas, a I e II, séries do nosso blogue)... Temos igualmente o mapa 1/50.000 do Xime, que lhe pdoe ser útil para refrescar a memória. Presumo que já o tenha descoberto... A Ponta do Inglês e a foz do Corubal vêm no mapa de Fulacunda. Na coluna (estática) do lado esquerdo do nosso blogue, uam enorme lista Marcadores / Descritores (cerca de 2 mil) que servem para fazer pesquisas dentro do blogue... Experimente clicar CART 1746 (há seis postes ou referências sobre a sua antiga companhia)... Temos inclusive uma foto, de grupo em Bissorã, em que o Cap Vaz aparece, de óculos, ao lado Alf Mil Gilberto Madail, esse, mesmo, o do futebol (**)...

António: Gostaria que se juntasse a nós, nesta Tabanca Grande, sem portas nem janelas... Há muita gente do seu tempo, da zona leste, etc. Apareça quando quiser. Tem os meus contactos: dê-me uma apitadela... Um Alfa Bravo. Luís Graça

3. Dados sobre as unidades aqui citadas:

(i) CART 1746: Teve como unidade mobilizadora o GCA 2, seguiu para a Guiné em 20/7/1967, regressou em 7/6/1969.  Esteve em Bissorã e no Xime. Comandante: Cap Mil António Gabriel Rodrigues Vaz.

(ii) BART 1904: Unidade mobilizadora: RAP 2. Esteve em Bissau e em Bambadinca (11/1/1967 - 31/10/1968). Comandante: Ten Cor Art Fernando da Silva Branco. Companhias: CART 1646 (Bissau, Fá Mandinga, Xitole, Fá Mandinga, Bissau); CSRT 1647 (Bissau, Quinhámel, Bissaum Bibar, Bissau); CART 1648 (Bissau, Nhacra, Binbta, Bisssau).

(iii) BCAÇ 2852:  Unidade mobilizadora: RI 2. Esteve em Bissau e Bambadinca (24/7/1968 - 16/6/1970). Comandantes: Ten Cor Inf Manuel Maria Pimentel Bastos; Ten Cor Cav  Álvaro Nuno Lemos de Fontoura;  Ten Cor Imf Juvelino Moniz de Sá Pamplona Corte Real. Companhias CCAÇ 2404 (Teixeira Pinto, Binar, Mansambo); CCAÇ 2405 (Mansoa, Galomaro, Dulomb); CCAÇ 2406 (Olossato, Saltinho)

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 28 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5557: Cancioneiro do Xime (2): Sangue, suor e lágrimas (Manuel Moreira)

(**) Vd. poste de 21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P978: Futebol em Bissorã no tempo do Rogério Freire (CART 1525) e do Gilberto Madail

(...) [Diz o Rogério Freire (ex-Alf Mil da CART 1525, Mansoa e Bissorã, 1966/67]:

(...) O Gilberto Madaíl não pertence à CART 1525. Ele era Alferes Miliciano de uma companhia [ CART 1746,] que esteve aquartelada connosco em Bissorã durante um par largo de meses e que era comandada por um Capitão Miliciano que, na vida civil era Despachante Oficial da Alfandega e que por brincadeira se intitulava Despachante Oficial Miliciano. Era o Capitão Vaz, excelente fotógrafo e especialista em macrofotografia. Adorava congelar borboletas e fotografá-las depois quando as pobrezinhas começavam a sentir o calor das lâmpadas de iluminação. (...).




Guiné 63/74 - P5611: Notas de leitura (50): Os Anos da Guerra, de João de Melo (4): O Tempo em Uane e O Bando Armado (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Janeiro de 2010:

Queridos amigos,
A recensão avança para o fim. Bom seria que se começasse a pensar numa antologia abrangente das obras surgidas desde a guerra até hoje.
É espantoso o acervo de testemunhos, nomeadamente nos últimos 10 anos.
Há que procurar interpretar porquê esta súbita disponibilidade, este franco descomprometimento em contar sem rebuços o que lá se viveu. É verdade que ainda não surgiu nenhuma obra-prima, mas o mosaico cresce, as vozes ensurdecem, como multidão que sai do anonimato, deliberadamente.

Um abraço do
Mário


OS ANOS DA GUERRA:
ALGUNS OLHARES SOBRE A LITERATURA DA GUERRA DA GUINÉ (4)


Beja Santos

Recordatória



Em “Os Anos da Guerra”, o escritor João de Melo procedeu ao levantamento dos escritores que testemunharam as suas experiências em termos de preparativos ou vivências nas três frentes. Como é óbvio, circunscreve-se a reprodução de alguns parágrafos de obras destes escritores ao teatro da Guiné, recordando aos interessados que um elevado número destes livros estão completamente esgotados, pelo que teria sentido reformularem-se as antologias em função do que apareceu a partir de 1998, última data da actualização de João de Melo. Aliás, o escritor não esconde que a sua selecção obedeceu a critérios pessoais, ele próprio se estava a aperceber da chegada de outros escritores. É tempo de oferecer ao grande público os testemunhos de todos os que escreveram ou guardaram nas suas gavetas memórias de recorte literário – todas elas fazem parte de uma História em construção, o essencial é que não se continuem a perder estes pedaços das nossas vidas que moldaram os anos da guerra. Concluída a série “Os preparativos”, vamos continuar com os testemunhos em terras de combate.




O tempo em Uane, por Álvaro Guerra

Tenho para mim que Armor Pires da Mota e Álvaro Guerra foram os dois maiores escritores que escreveram no período da Guerra Colonial, sobre a Guiné. Nunca percebi o esquecimento do Álvaro Guerra que ali combateu e foi ferido. Ele não foi só um precursor, foi, como se verá, um escritor distinto, criativo, talentoso:

“A meio da tarde, vieram três alferes de Bedanda, na canoa a motor, tendo como pretexto a dominical caça aos crocodilos. Amarraram a canoa às velhas estacas de cibe do cais de Uane e encaminharam-se para a aldeia, os três alferes, o sipaio e os dois soldados da guarnição de Bedanda, o sol a abrir as primeiras gretas da seca nos estreitos valados do arrozal, o calor a martelar a terra e as costas reluzentes dos balantas que colhiam arroz, enterrados na lama e na água estagnada da bolanha que se estendia, na geometria infalível dos canteiros, desde da margem do rio até longínqua orla do mato, limite sombrio daquele infernal e extensíssimo quadrado de sol chispando na água, dentro do qual os negros se dobravam sobre o resto dos débeis caules verdes.

Atravessaram lentamente a bolanha, enfrentando o persistente ataque dos mosquitos. O alferes gordo que vinha a frente era quem mais suava, grossas gotas a deslizarem até às guias do bigode e, por vezes, a arderem nos olhinhos miudinhos que, no entanto, espreitavam os seios das mulheres a caminho do celeiro, os balaios cheios equilibrados sobre as cabeças de ébano.”

“Agora, contavam o tempo que os aproximava de si próprios, ou da ideia que faziam de si próprios, porque, em certos momentos, já não sabiam muito bem como eram, nem mesmo se tinham sido alguma vez estudantes nas universidades, se estas existiam e, se havia alguma coisa a esperar, o que era concretamente essa esperança. E os soldados, os sargentos, os oficiais superiores? A que é que se entregavam com mais sinceridade senão a contar o tempo que faltava? Cálculos variados, imaginosos: mais um nó na espia da barraca, mais um risco na agenda que, à socapa, se tira do bornal, uma conta na contra-capa de um livro abandonado, 181 dias, 4344 horas, 260640 minutos. Era assim que se contava o tempo, na Guiné, em Janeiro de 63, tal como se tinha feito nos meses anteriores e viria a fazer-se, depois.

- Seu Jaquim, traga cerveja.

Sentaram-se os quatro nas cadeiras aviadores de pau-sangue, rijas de quebrar os ossos, à volta da mesa redonda com um naperão de renda desbotado e sujo.

O Joaquim era cabo-verdiano.

- Quantas, senhor alferes? – perguntou com seu sotaque crioulo.

- Quatro granadas. – disse o da cicatriz.

Nas traseiras da loja chorava uma criança, uma mulher entoava uma morna e a sua voz era saborosa como sumo de ananás maduro”.

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Álvaro Guerra
(1936 – 2002)


Com “Os Mastins” (1967), seguindo-se “Disfarce” (1969), “A Lebre” (1970) e “Memória”, Álvaro Guerra revela-se um dos mais importantes escritores da guerra da Guiné, antes do 25 de Abril. É corrente que os seus investigadores se debrucem sobre a sua ficção assente no folhetim romanesco, caso da trilogia “Café República”, “Café Central” e “Café 25 de Abril”. Mas é uma injustiça grave não relevar os seus indispensáveis registos de combatente. Felizmente que João de Melo o transcreveu, reproduzindo parágrafos fundamentais em “Os Anos da Guerra”. Depois da sua comissão na Guiné, de onde veio ferido, trabalhou em Paris, foi jornalista, director de informação da RTP, assessor do presidente Ramalho Eanes e diplomata (embaixador na Suécia, Jugoslávia, Zaire e Índia).


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O bando armado de Urbano Bettencourt

Manuel Urbano Bettencourt Machado nasceu na ilha do Pico, em 1949 e participou na guerra da Guiné como alferes miliciano. O texto publicado em “Os Anos da Guerra”, era pelo menos ao tempo, inédito.

“Peito saliente barriga pra dentro, arma a tiracolo e aí vais tu arreado tão bom como os melhores ou não se dera o caso de teres nascido no mais ocidental banco de esperma da cristiana Europa Ocidental. Avanças quase sem sentir os pés contra o chão, importa manter o corpo em posição relativamente vertical para não dares pública parte de fraco, o que tens a fazer é caminhar o mais rectilineamente possível em direcção à luz outra vez a luz! que atira em todos os sentidos as sombras disformes dos soldados amontoados em redor das caixas com as rações de combate. Agora jogas à caridade alheia e aproveitas para testar a tua popularidade junto da magalagem «há porí uma ração a mais pô cabrão do alferes?» assim mesmo. Antecipas-te ao que eles poderão pensar de ti, cortas-lhes o jogo antes que eles o esbocem e a coisa acaba por funcionar um bocado só o suficiente para manter fechado durante as próximas horas o circuito entre ti e eles, para as outras logo se verá. Quatro ou cinco rações avançam para ti, «táqui mê alferes», confessa que não esperavas tantas «ena pá só quero uma». E a sede? não te esqueças nem menosprezes o brasido que começa a atear-se dentro de ti vais precisar de líquidos e não te bastará a gloriosa e heróica água dos filtros coloniais”

“- Meu alferes, pelotão pronto”.

Aí está, agora entras tu em acção. Nada de atropelos. Pões-te em sentido voltado para o pelotão, o Soares lá se baldou novamente, um passo em frente meia volta à direita bates a bruta pala da ordem e zás:

- Mecapitão dál icença?”


José Luís Farinha, nascido em Luanda em 1947, esteve entre 1970 e 1973 em Mansoa como alferes miliciano. É dele que se publicará um texto retirado de “De camuflado no peito e na cabeça” de 1968, e intitulado Carta número cento e dezassete”.

(Continua)

Privilegiava-se tudo quanto fosse táctica, logo na recruta: mata, progressões cautelosas, contornos de clareiras, saber olhar o piso, estimar as probabilidades de uma emboscada. Para minha surpresa, aqueles jovens, no final de 1970, não menosprezavam os cuidados dentro da floresta. Eu vinha cheio de verdor, conversava acaloradamente sobre as nossas responsabilidades em defendermos a vida humana, a dos que estavam ao nosso cuidado, por isso é a formação de um oficial é um momento de grande importância. Fiz estimas e de vez em quando encontro os meus instruendos. Por exemplo, o que está sentado no canto inferior esquerdo, é o soldado-cadete Nabais que vim a encontrar como director dos Moinhos de Maré, no Seixal. Ele iniciava com o pé direito a sua carreira brilhante na museologia, um grupo estupefacto assistiu ao nosso abraço e às explicações do director a este “nosso tenente”.

Foto e legenda: © Mário Beja Santos (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste de 7 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5604: Notas de leitura (49): Os Anos da Guerra, de João de Melo (3): Competência e Destino Guiné (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5610: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (8): O périplo da 816 em dois anos de Guiné - Mansoa

1. Mensagem de Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 4 de Janeiro de 2010:

Caros Luís, Vinhal, Briote e M. Ribeiro:
Recebam um grande abraço mais votos de muita saúde, extensivos a todos os ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que, de algum modo, ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Das minhas memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”, aqui vai mais um extracto que se insere na rubrica:


BISSORÃ – OLOSSATO – MANSOA:

O périplo da 816 em 2 anos de guerrilha na Guiné Portuguesa

MANSOA (III)
1 de Agosto de 1966 a 8 de Fevereiro de 1967

O ENCANTO NATURAL DA SALA DE VISITAS DA GUINÉ: MANSOA


Do que nos foi prometido, acabou por ser Mansoa - Nhacra (outra hipótese) seria bem melhor (tinha uma boa (?) piscina) e era pertinho de Bissau (~20 Kms.) -, o local para descanso da laboriosa 816. Modéstia à parte, um descanso merecidíssimo para quem durante 15 meses trabalhou árdua e decisivamente, com profícuos resultados, como o aprisionamento ao inimigo de material bélico na ordem de mais de 1,5 Ton., feito em diversas operações de “Golpes-de mão” - naquela altura, julgo, que foi apanhada ao inimigo a primeira metralhadora anti-aérea com respectivo tripé e canos de reserva - e com acção pedagógica relevante, ensinando a ler e a escrever as crianças nas povoações onde a Companhia estava sediada, (O Capitão Riquito fazia questão disso) num dos sectores vitais da guerra da província da Guiné: o OIO!

Era já um hábito colocar uma Companhia de Caçadores que tivesse estado sistematicamente em zona de grande conflito, nos últimos meses, em zona menos problemática e na altura Mansoa acabou por ser esse o local prometido à 816.

Mas Mansoa afinal não seria para a 816 a sua estância de repouso como seria de esperar, mas, e assim quis o destino, a continuação de uma luta sem tréguas como até então, pois o terrorismo acentua-se então nessa zona, como aliás por toda a província e é então a 816, que numa chamada às suas últimas forças, é forçada a intervir. É mais propriamente na vizinha zona de Jugudul e até Porto Gole nas margens do grande rio Geba - a guerra cada vez estava mais perto das portas de Bissau - que o inimigo começa a exercer acção em potência e cada vez mais bem armado e então era este o prato de sobremesa que estava reservado à massacrada 816. Os soldados mostravam já e de forma muito sensível nos seus rostos os traços de vida tão dura e desgastante. Alguns davam mesmo indícios de esgotamento ou psíquico ou físico ou as duas coisas, pois não é de esquecer que eram os soldados que, pelo menos fisicamente, eram os que tinham mais razões para estarem abatidos. Eram eles que mais puxavam pelo corpo nos trabalhos no quartel, eram eles que perdiam sucessivas horas na vigília do quartel, principalmente de noite nos postos de sentinela, e eram eles os mais solicitados em trabalhos de força e de carregamento.
A estrada que ligava Mansoa a Bissau tinha então também deixado de ser um passeio. Percorrê-la já requeria um bom efectivo militar e dispositivo de progressão adequado, como no interior, isto é, no seio propriamente dito da guerra.
Então as emboscados sucediam-se. Haviam já feridos e até mortes para contar. A estrada para Cutia também começava a ter os seus problemas e para Bissorã ainda mais, daí a construção entretanto do abrigo de Braia. A continuação do alcatroamento de Cutia para Mansabá fazia-se à custa de muita porrada.
Os ataques ao aquartelamento eram também mais frequentes e mais fortes.

Foi combater até entrar no Uíge.

Falando um pouco de Mansoa, desta simpatiquíssima povoação, e é este o propósito desta história, Mansoa ficou por certo gravada na memória de todos os militares da 816 e por certo de todos aqueles que por ali passaram (aparte a guerra).

Formava geograficamente o vértice de um trapézio composto ainda pelas povoações de Bissorã, Olossato e Mansabá; destas, as duas primeiras bem conhecidas da 816.

Mansoa dista cerca de 50 quilómetros da capital Bissau e uma estrada alcatroada, (e lembrar que em Junho (1966) fiz a viagem Bissau-Mansoa-Bissau num Volkswagen alugado a um Sargento em Bissau, para ir buscar um indispensável documento para a viagem de férias) ligava estas 2 povoações e que se estendia para além de Mansoa, até às proximidades de Cutia, para se ligar mais tarde a Mansabá.

Falando, já agora, um pouco de Cutia, esta era uma pequena povoação com um relativamente pequeno, destacamento militar, onde também mais tarde eu passaria fazendo parte da guarnição. Poucos indígenas a viverem ali também. Os graduados dormiam num abrigo feito em troncos de palmeiras e semienterrado. Nesse abrigo estava também o Operador Cripto e havia aí também um posto de sentinela, estes num posição altaneira e em torre adequada para o efeito. Não sei quem construiu aquele abrigo mas, o que era verdade, era um abrigo quase inexpugnável. Boa execução militar.

A estrada, dizia eu, haveria mais tarde de continuar alcatroada até Mansabá mas por ora o alcatroamento acabava perto de Cutia. A estrada para Mansabá veio depois também a ser alcatroada mas com muita porrada à mistura como já disse atrás. Para Bissorã continuava a estrada em terra batida onde sensivelmente a meio do percurso construiu-se então, e com já disse, o abrigo de Braia.

Falando agora de Mansoa mesmo, esta era de fisionomia plana com artérias alcatroadas dividindo a povoação de forma regular isto é com uma geometria simétrica e em quadrícula, possuía um cinema, conhecido pelo cinema dos “Balantas”, semi-descoberto, onde por vezes assistíamos a um filme que nos distraía e retemperava o espírito. Abro aqui um parêntese para referir que por vezes a sala era intempestivamente abandonada, pois acontecia que o inimigo resolvia atacar ou só flagelar, e aqui o filme já passaria a ser outro, na altura em que a sessão decorria e então a tropa, ali presente, como autómata e em rapidez impressionante ia ao encontro das suas posições previamente estabelecidas e que obedeciam claro está a um dispositivo de defesa. Contíguo ao cinema havia um bar onde nos deliciávamos de vez em quando com uma saborosa e refrescante bebida. Oh(!) bela água Du Perrier ou Du Vichy a combinar com uma bebida espirituosa –whisky (o velho Vat 69), Gin ou Rum -, enquanto jogávamos às cartas. Aqui o jogo era às Copas e os parceiros eram sempre os mesmos: o Piedade, o Marques, o Carneiro, e eu. Valia um Gin com água tónica. Tomávamos todos esta bebida e ao fim, os dois que perdessem, faziam o especial obséquio de pagar a dita despesa. Contiguamente ao bar e que servia de Hall ao cinema, havia um amplo salão que servia também de campo para uma mesa de ténis. Jogava-se também muito o ping-pong se bem que a prática de tal desporto em tais condições climatéricas, não fosse muito apetecível, pois punha-nos logo com os bofes de fora em pouco tempo. Cá fora, havia, para além de 2 campos um para Ténis, e outro para Voleibol etc., uma esplanada onde a malta passava uns bons bocados conversando e gozando de uma temperatura mais amena e suportável que a noite nos oferecia.

Foto 1 > As instalações dos “Balantas” com cinema, campos para ténis e voleibol e salão/bar com mesa de ping-pong e outos jogos de mesa e ainda sede do Clube com alguns troféus expostos.

Todo este interessante complexo recreativo e desportivo era propriedade do Clube de Futebol “Os Balantas”. Era o grupo representativo de Mansoa. Ainda no mesmo complexo a que me venho referindo existia a sede do Clube. Tive a oportunidade de ver alguns troféus conquistados pelo Clube embora que um pouco modestos, alguns galhardetes entre os quais um da Associação Académica de Coimbra e outro do Clube de Futebol Os Belenenses, de quem o clube local era filiado, daí a parecença entre os nomes e os emblemas dos dois clubes.

Entre as figuras típicas daquela típica terra, lembro-me da Libanesa e das suas duas filhas que também tinham uma loja de comércio.

A Libanesa mãe, ao que se constava, para não dizer ao que se via, de porte menos ortodoxo (aquele clima tropical!), e nada escondia das suas filhas, que se não compartilhavam do mesmo comportamento parecia que para lá iam, embora de forma mais discreta, já o coitado do marido esse procurava alhear-se, andando ao largo da zona de acção. Uma das filhas teve então uma paixão e… por quem havia de ser? Isso mesmo, pelo meu amigo, Furriel também, Baião, que aonde chegasse e antes de todo o mais, armava a rede. Desta feita na rede apareceu então uma das filhas da libanesa mãe. O pior é que o amigo do Baião embora fosse conquistador e por vezes bem sucedido - em Bissorã deixou perdida de amores a filha do tasqueiro Sr. Maximiano -, tinha um grande fraco com ele e que não se conseguia desenvencilhar: acabava por se apaixonar com facilidade pela conquista e depois claro sofria sentimentalmente quando as coisas corriam menos bem, pagando assim o tributo, mas ele lá se ia entendendo.

Também me lembro daquela figurinha esguia e de aspecto exótico que era uma moça muito preta (ainda mais) de cor, mas muito bem cuidada e arranjada, que tinha uma cintura muito fininha, que nos levava a duvidar da sua naturalidade - haveria ali algum espartilho? - e que usava umas unhas muito compridas, muito bem pintadas de vermelho que contrastava com a sua escura cor de pele e muito bem cuidadas. Também o cabelo bem arranjado desfrisado e puxado atrás a fazer banana. Habitava mesmo em frente ao café dos Balantas e não passava cartão rigorosamente a ninguém, se bem que a malta a olhasse para ela mais por curiosidade do que por simpatia.

Havia também lá em Mansoa um restaurante, propriedade de uma senhora mulata, julgo cabo-verdiana, de nome Emília. Recordo-me que foi lá que eu mais o Ludgero e o Marques resolvemos fazer um pequeno almoço de ovos estrelados e à compita (ai os 20 anos!). A ideia nasceu ainda na caserna, ao levantarmo-nos, e daí a pô-la em prática foi um instante. Só me lembro que comemos cinco ou seis ovos cada um e que aquilo soube que foi um regalo também por ser bem regado. No mesmo restaurante também almocei uma vez a convite do Cisco, moço Furriel que conheci em Bissau e que em Mansoa cumpria o tempo que lhe restava da comissão, pois tinha ido para a Guiné em rendição individual e a Companhia onde tinha estado até então já tinha acabado o seu tempo de comissão e regressando naturalmente à metrópole. Andava sempre metido em buracos, mas era um camaradão. Um abraço Cisco onde quer que estejas.

Ainda em Mansoa havia um jardim e um parque infantil, estes mesmo defronte de uma bonita capela aonde várias vezes assisti à missa.

Foto 2 > A bonita capela de Mansoa

Havia também o campo de futebol dos Balantas, uma pista para a aviação, uma escola mesmo enfrente do antigo quartel (improvisado inicialmente para isso), aqui também instalado em antigas edificações de civis -, um novo andava em construção, uma central termo-eléctrica, e outras coisas mais que alindavam e valorizavam aquela quão típica como bonita povoação.

Foto 3 > A central termo eléctrica em Mansoa aqui destruída; conheci-a nova, bem cuidada e a produzir electricidade.

Enfim, ali em Mansoa já vivíamos um ambiente que nos fazia lembrar uma vilazinha metropolitana, olhando ao conjunto e harmonia das casas, das coisas e até dos costumes. A população, de maioria negra já se vê, também diversificava em várias etnias mas com predominância da Balanta. Dizia-se então que Mansoa era a terra dos Balantas,.

Havia bastante comércio, e como nos outros lados, maioritariamente controlado por emigrantes libaneses que teimavam em ficar por ali. Havia ainda um mercado aonde por vezes dávamos lá uma volta satisfazendo a nossa curiosidade sobre o que é que se vendia por ali.
Um mercado à boa maneira indígena com tudo ou quase tudo espalhado por o chão e em rudimentares bancas também; frutos frescos e secos, sementes e raízes e até escovas de dentes: um pequeno pau de uma planta qualquer que ripado parecia uma pequenina vassoura (lá que os nativos eram bom de dentes - muito brancos e fortes - lá isso eram, faltavam era… as nozes) e tudo o mais, tipo feira da ladra. Também os variados apetrechos eléctricos de som. Algumas coisas curiosas que não se viam na Metrópole, que vinham ao que se dizia do vizinho Senegal.

Mansoa era marginada pelo rio com o mesmo nome, um dos principais rios da província, de leito largo e profundo, mais largo ainda no tempo das chuvas, com margens bastante pantanosas, mais extensas ainda no tempo de seca.
Militares da 816 que chegaram uma vez pelo rio Mansoa vindos de uma operação ainda caçaram (a tiro, claro) um crocodilo.

Foto 4 > Ponte em cimento armado sobre o rio Mansoa e já perto da povoação

Na altura estava quase concluído o novo quartel e que foi construído mesmo para tal, pois aquele que eu já chamei de antigo, era, como na maioria de todas as instalações militares então na Guiné, improvisado em casas mais ou menos grandes e que outrora tinham sido armazéns, serrações, ou até grandes casa de habitação e que eram pertença dos colonos até a guerra rebentar.

A messe ficava numa ampla sala em edifício de bom recorte a indiciar uma mansão de um colono abastado outrora.

Foto 5 > Rio Mansoa ao luar, espelhando como um lençol de prata.
(Foto, a cujo autor, peço autorização de a publicar.)


Foto 6 > Aspecto das instalações do Quartel de Mansoa e que foi construído em 1966

Diga-se de passagem, que instalações mesmo construídas para fins militares só conheci e em Bissau, o Quartel (ou Forte?) da Amura. Edificação com uma longa e antepassada história; parte do Quartel-General lá para os lados de Santa Luzia, o primeiro mesmo sobranceiro ao mar e em frente ao cais de Bissau separado deste apenas pela estrada marginal, levando a pensar que foi outrora mais uma fortificação para suster investidas guerreiras(?) principalmente vindas do mar, e talvez construído nos primórdios da colonização. Parece que não é alheio ao tempo da escravidão.


Foto 7 > Fachada do Quartel ou Forte da AMURA virada à marginal e ao porto de Bissau. A Porta d’Armas ficava do lado oposto, isto é, virada para a cidade de Bissau. Dois militares da 816 em primeiro plano no amplo relvado adjacente ao Forte

O novo quartel em Mansoa, ou por outra o verdadeiro quartel de raiz, tinha umas condições muito razoáveis e era muito funcional. Os quartos para nós Furriéis tinham capacidade para 3 camas. Aí e enquanto estive em Mansoa fiquei num com o Marques e o Ludgero. A nossa messe era boa, ampla e com um bar bem apetrechado.

No entanto, a 816 ficou, praticamente, e uma vez que em situação transitória, alojada nas instalações antigas, que antes tinham sido ocupadas pela CCS (Companhia de Comandos e Serviços) e uma das Companhias operacionais dos “Águias Negras”. Estas instalações eram improvisadas em quartel, pois eram efectivamente e como já disse instalações de civis em tempos de paz.

Aí então eram as casernas dos soldados do lado direito, já na estrada que dava para Cutia e Mansabá enquanto do lado esquerdo ficava a pista de aviação e também o campo de futebol dos Balantas

Dentro do mesmo conjunto de casas ficavam o bar e o refeitório dos soldados, instalações estas feitas pelas mãos dos soldados.

Contiguamente ao bar e do lado de trás, estava instalada a arrecadação do material incluindo as munições. No edifício principal estavam espalhadas pelas diversas dependências, o gabinete do Comandante da Companhia, o Quarto dos Oficiais, a Secretaria, etc.

Este edifício ficava enfrente à escola que atrás já me referi e esta mesmo ao lado da casa do Administrador, se bem que, com uma estrada ao meio em qualquer dos casos.

Mansoa era considerada muito justamente (e havia muito gente conhecedora do terreno a dizer o mesmo) a sala de visitas da Guiné e se bem que desconhecesse muita terra na Guiné, não me custava a crer e a quem quer que fosse, que assim o era. A sua fisionomia, natural, era de rara beleza e a sua urbanização muito bem ordenada e desenhada. O seu aspecto natural tropical, onde as bonitas palmeiras criteriosamente plantadas, se evidenciavam e com o seu belo rio, qual serpente prateada ali mesmo ao lado de largo caudal davam a Mansoa um singular encanto.

De Mansoa até Bissorã distam 18 quilómetros por estrada de terra batida, estrada muito acidentada e muito poeirenta, mas transitável por carros militares e outros (civis). Foi esta a primeira estrada que nós transitamos com dispositivo de guerra quando depois de chegarmos à Guiné e como atrás algum tempo já contei. Uma estrada então sinuosa marginada de ambos os lados de denso capim e outra folhagem que muito nos enervava ou não fosse propícia à instalação de emboscadas. Trabalho das picas indispensavelmente. O acidentado da estrada e o facto de ser de terra batida propiciava a uma boa dissimulação de minas e/ou fornilhos. Esta possibilidade provocava uma viagem lenta e morosa com sucessivas paragens das viaturas, o que permitia ao inimigo ganhar tempo e emboscar-se adequada e consecutivamente sempre no nosso encalço. Esta estrada era então já um biscate do caraças. Isto para não falar na altura das chuvas em que não raras vezes as viaturas atolavam na vasta e densa lama.

Foi aquando da estada da 816 em Mansoa que também estive algumas semanas no abrigo de Uaque, história que aqui também já foi contada.
Em Mansoa a opercionalidade da 816 foi colaborar, protagonizar e dar reforço a tropas em dificuldades (estava lá então uma Companhia de Periquitos - julgo a 1590) aquando de “Golpes de mão”, colunas de reabastecimento, etc..
Estávamos então já em Dezembro de 1966 e a comissão da 816 na Guiné estava também a acabar. Deste Natal há também uma história, esta muito triste, que mais para diante vou contar, pois assisti, sub-repticiamente, à chegada de helicópteros ao Hospital Militar de Bissau, onde a área para a aterragem destes ficava ao lado da Morgue, com corpos mutilados e já sem vida. Isto no dia de…consoada.

Entretanto continuaria a atribulada e odisseia da Companhia pois como atrás já disse a acção inimiga acentua-se nesta região, mais propriamente nas áreas de Jugudul e Porto Gole, esta povoação já junta ao rio Geba, (principal rio da Guiné) rio que desaguava em Bissau à distância aí de uns 50 quilómetros.

A 816 luta assim até ao fim.

Operações então a JUGUDUL, QUIBIR, BINDORO entre outras, seguem-se em áreas em que já há guerra latente. Ainda deu para que o doutor (cabo bazookeiro) levasse um tiro (ou estilhaço) numa perna e fosse evacuado para a metrópole.

Nota: Todas as fotos aqui inseridas (excepto a última) não são da minha autoria. Aos seus legítimos autores e com a devida vénia, peço autorização

Foto 8 > Finalizando o meu trabalho sobre “O périplo da 816 em 2 anos de guerrilha na Guiné Portuguesa”, indico em área a tracejado no mapa, as zonas de intervenção da Companhia. (CCaç 816 – Guiné 1965/67).
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5410: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (7): O périplo da 816 em dois anos de Guiné - Olossato