quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5879: Convívios (193): Encontro anual do pessoal da CCAÇ 3518 (Gadamael e Guidaje, 1972/74), dia 15 de Maio de 2010, em Coimbra (Daniel Matos)

1. Mensagem do nosso camarada Daniel de Matos* (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74), com data de 18 de Fevereiro de 2010, dando notícia do próximo Convívio Anual do pessoal da sua Unidade:

Camarada Luís Graça
(só agora reparei que além de camaradas somos "vizinhos", pois também moro em Alfragide...)

Tenho praticamente concluída a prometida "estória" da nossa passagem por Guidaje [, 22 dias de inferno!]. Só que (com alguns anexos), deu um texto de oitenta e tal páginas, o que me parece excessivo para o blog. Em breve, mandar-to-ei e tu dirás...

Por agora, envio o anúncio do Convívio Anual da minha companhia que este ano foi marcado para Coimbra e que, como é natural, gostaríamos de ver no blog.

Um abraço
Daniel de Matos
(ex-Fur Mil da CCaç 3518)



CONVÍVIO ANUAL DA CCAÇ 3518 (OS MARADOS DE GADAMAEL), 1972/74

COIMBRA, 15 DE MAIO DE 2010


ÀS 15 HORAS:
Concentração no estacionamento junto às "Docas no Parque Verde", (margem direita do Mondego, ao fundo do Parque Dr. Manuel Braga e junto à Ponte Pedonal Dona Inês).

ÀS 18,30 HORAS:
Jantar no Hotel Dom Luís

Localização:
Rotunda de acesso à Ponte Rainha Santa Isabel.

Coordenadas GPS:

N 40º 11' 23.17" (Norte 40 graus, 11 minutos e 380 segundos)
W 8º 25' 50.87" (Oeste 8 graus, 25 minutos e 855 segundos)

INSCRIÇÕES:
Prazo recomendado, até 15 de Abril

Contactar Fernando Cardoso Simões, tel. 917 669 389 / 239 921 131


2.  Comentário de C.V.:

Caro Matos,

Em tempos o nosso Editor Luís Graça lançou-te o repto para te juntares a nós. Não te esqueças de que estamos à espera que formalizes a tua adesão ao Blogue e que apresentes o trabalho que estás a elaborar sobre Guidaje. Manda-o para nós vermos a hipótese de o publicarmos em partes.

Sobre a tua unidade, há uma meia dúzia de referências no nosso blogue (II Série). Clica a aqui:
 http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/CCA%C3%87%203518

Até lá recebe um abraço em nome da tertúlia

Carlos Vinhal
__________

Nota de CCV:

(*) Vd. poste de 20 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5308: O Nosso Livro de Visitas (70): Daniel de Matos, ex-Fur Mil, CCAÇ 3518 (Gadamael, 1972/74)

Vd. último poste da série de 22 de Fevereiro de 2010 > Guine 63/74 - P5865: Convívios (105): 2º Encontro (mensal) da Tabanca do Centro, em Monte Real, em 26 do corrente

Guiné 63/74 - P5878: Documentos (11): PAIGC: um curioso croquis do Sector 2, área do Xime, desenhado e legendado por Amílcar Cabral (c. 1968) (Luís Graça)




Um interessantíssimo manuscrito de Amílcar Cabral, com o croquis da Frente Leste, Sector 2, Área de Xime.  S/d. Arquivo Amílcar Cabral. Fundação Mário Soares

Imagem digitalizada e reproduzida com a devida vénia...

Fonte: Fundação Mário Soares: Arquivo Amílcar Cabral. Bissau, Cidade da Praia, Lisboa. Lisboa: Fundação Mário Soares. 2005. p. 13.

1. Leitura e interpretação do documento (L G.):

Ao canto superior esquerdo, consegue ler-se o seguinte:

Educação - Mamadu  Dembo;
Comandante de sector - Mamadu Indjai;
Comissário Político de FARP - Pedro Landim;
Comissário Político junto do Povo - Juvêncio Gomes;
Comis[sário] Abast [escimento] FARP - Mamdu Alfa Djaló;
Segurança Milícia - Sabino Mendonça;
Saúde - Benjamim Brito.


Na parte superior, ao centro:

Escolas - Satecuta, Mina, Cancódea [, a sudeste da Mata do Fiofioli,], Manhai [ou Mangai?], Gã Dias [ou Ponta Luís Dias ?],Gã Carnes [Ponta do Inglês], Baio [ou Darsalame, junto ao Buruntoni]

Saúde - 1 médico, 4 enfermeiros"

No mapa desenhado por Amílcar Cabral, estão indicados os seguintes topónimos ou localidades do Sector 2 (delimitado a norte pelo Rio Geba, a oeste e a sul pelo Corubal e a leste pela estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole, não incluindo portanto a região a norte do Geba que, no meu tempo, também fazia parte do nosso Sector L1 / Zona Leste):

Rio Geba / Ponta do Inglês [ou Gã Garnes ] / Xime / Bambadinca / Bafatá

Indicam-se as distâncias em quilómetros:

- 4 Km de Ponta do Inglês (ou Gã Garnes) até ao Xime; [pela antiga estrada, são mais de 12, aliás no meu tempo os obuses 10.5 não chegavam lá];
- 7 km do Xime a Bambadinca; [por estrada, são mais uns quatro ou cinco];
- 30 km desta localidade até Bafatá, em estrada alcatroada (sic)

Está também desenhada a estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole, com as seguintes observações:

Bambadinca - Xitole: 42 km
Mansambo: 80 tugas (sic)

Há ainda referência  a uma comp[anhia] (?), com 50 m [militares ?] , possivelmente o destacamento de Ponta  do Inglês...

Há ainda referência a um valor de grandeza, 300 / 400 m . Ainda pensei que Amílcar Cabral estivesse a referir-se à larg[ura] (?) do Rio Corubal ... Mas não: antes da foz, entre a Ponta do Inglês e Ganturé (na margem esquerda), o rio mede mais de 2 quilómetros de largura; antes da curva de Mangai, começa a estreitar, mas mesmo assim, terá cerca de 1 quilómetro... Onde terá 200 metros é nas proximidades do Xitole... (Estou a fazer cálculos pelos mapas).

 Esse valor de grandeza (300/ 400 m) deve referir-se a efectivos do PAIGC (FARP, milícias, população militarizada). Do PAIGC, acho exagerado, no máximo, teria 5 bigrupos em todo o Sector L1, no tempo do BCAÇ 2852, 1968/70) (*)...  Conferir estes dados com o croquis do Sector L1, feito no tempo da CCAÇ 12 (1969/71) (Documento a seguir).

E logo a seguir, há as seguintes notas à margem, sempre escritas com a letra elegante de Amílcar Cabral:

Populações - Beafadas, mandingas, balantas.

Estacionamentos de milícia: Moricanhe, Dembataco, Amedalai, Samba Silate. Em cada um desses estacionamentos, há 8 ou 10 tugas, excepto em Moricanhe onde só há africanos (sic).


Guiné 1969/71 > Croquis do Sector L1 / Zona Leste (Bambadinca) (vd.  Sinais e legendas).

Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971

Infogravura: © Luís Graça (2005). Direitos reservados


2. Comentário de L.G.:

Uma vez que é referida a existência da Ponta do Inglês como um destacamento das NT, guarnecido por um pelotão reforçado (os tais 50 m ?)  (retirado em finais de 1968), este documento deve ser do ano de 1968 (meados).  Quem estava no Xime, com um destacamento na Ponta do Inglês, era a CART 1746 (que veio de Bissorá, 1967/69, sendo comandada pelo cap mil art António Vaz).

Nesse ano a CART 2339 (do Torcato Mendonça e do Carlos Marques dos Santos) instalou-se em Mansambo. Moricanhe foi abandonada em meados de 1969, depois do ataque a Bambadinca em 28 de Maio de 1969. Em Agosto desse ano, o pessoal da CART 2339 feriu gravemente o Amadu Indjai, comandante do Sector 2 / Área do Xime (Op Anda Cá, com o BCP 12, CCAÇ 12 e CART 2339)...

Peço aos camaradas que estiveram no Sector L1 / Zona Leste (Bambadinca), nesta altura, para completar ou complementar as minhas notas... Refiro-me à malta do BCAÇ 2852, da CCAÇ 12, da CART 1746, da CART 2339, dos Pel Caç Nat 52 e 63, etc. De qualquer modo, Amílcar Cabral revela, senão  um perfeito, pelo menos um bom conhecimento da região (o famoso triângulo Xime-Bambadinca-Xitole).

Imagem

Fonte: Fundação Mário Soares: Arquivo Amílcar Cabral. Bissau, Cidade da Praia, Lisboa. Lisboa: Fundação Mário Soares. 2005. p. 13. (Com a devida vénia...)
______________

Nota de L.G.:

Vd. poste, da I Série,  de 15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

(...) Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 48-54. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste documento em formato.pdf)

Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) - I parte

1. Situação: Inimigo

1.1. Desde há anos que a região da margem direita do Rio Corubal até à linha Xime-Xitole, é considerada uma zona de refúgio e preparação do IN [inimigo]. A profundidade continental da região, a sua espessa arborização (excepto na franja marginal do Rio), a falta de trilhos e caminhos, a grande distância a que ficam os aquartelamentos mais próximos (Xime, Mansambo e Xitole), tudo isto são características que convidam o IN a permanecer na Zona, em relativa tranquilidade.

O IN sabe que detecta facilmente qualquer tentativa de aproximação das nossas Forças Terrestres. Se a aproximação terrestre é difícil, a actuação das FN [Forças Navais] parece facilitada pela existência do Rio Corubal. E a tal ponto que, em estudo realizado por este Comando, a área da margem direita do Rio Corubal, desde a Ponta do Inglês a Gã Júlio, foi considerada uma área que devia ser batida pelas NT [Nossas Tropas] em operação conjunta de meios navais e helitransportados.

A deficiência destes meios contribuiu para o quase completo sossego em que o IN tem vivido na área, controlando uma população de balantas e beafadas que o alimenta e que se reputa numerosa. E determinou a realização da Op Lança Afiada com o emprego exclusivo de forças terrestres.

1.2. O reconhecimento aéreo e as poucas operações realizadas não dão uma ideia muito clara acerca do IN na região considerada. Admite-se no entanto que existam na região pelo menos 5 bigrupos e um grupo de artilharia.

As acções ofensivas do IN tem sido relativamente espaçadas e dirigidas contra o Xime, Mansambo e Xitole, além de emboscadas nas estradas Xime-Bambadinca e Mansambo-Xitole e de penetrações contra tabancas fiéis na direcção do [regulado do] Cossé e na área entre o Xitole e Saltinho.

Embora apresentando bom potencial de fogo (canhão s/r, mort 82 e 60, LGFog, etc.), o IN continua a mostrar uma execução deficiente. As reacções à actividade das NT não têm sido muito fortes. Mas os poucos trilhos de acesso estão normalmente armadilhados. O IN embosca por vezes as NT quando regressam a quartéis. Além disso tem tiro de Mort 82 preparados sobre os seus próprios acampamentos, executando-os quando as NT os ocupam. E as arrecadações de material e armamento encontram-se em geral afastados dos acampamentos.

De uma maneira geral podem considerar-se as seguintes áreas principais de concentração IN:

1 – Poindon;
2 - Baio-Buruntoni;
3 - Gã Garnes (Ponta do Inglês);
4 - Ponta Luís Dias (Calága) – Gã João;
5 - Mangai-Tubacuta;
6 - Madina Tenhegi;
7 - Fiofioli;
8 - Cancodeas;
9 – Mina – Gã Júlio;
10 – Galo Corubal – Satecuta;
11- Galoiel.


1.3.

a) Área de Poindon:

Localização aproximada – (1500 1155 B2). RVIS efectuado em Novembro de 1968 revelou que toda a área se encontrava muito povoada tendo sido referenciadas mais de 15 casas de mato distribuídas por 2 núcleos. As bolanhas estavam cultivadas.

b) Área de Baio-Buruntoni:

Baio – Localização aproximada: (1500 1150 G7); deve ser uns dois a três km a Oeste. Chefe: Mário Mendes. Efectivo aproximado: 1 bigrupo dividido com Varela.

Burontoni – Localização aproximada: (1500 1150 G7) e (1455 1150 A 7). Efectivo aproximado: 100 homens: Armamento: MP, Mort 82 e 650, LGRFog.

c) Área de Gã Garnes (Ponta do Inglês):

Localização aproximada – (1500 11540 B5-5) com trilhos de acesso a Baio e à Ponta João da Silva. O itinerário a seguir quando se vem da Ponta do Inglês atravessa o Rio Buruntoni em (1500 1150 A2 -82). Efectivos e armamento: mais de 15 homens com Mort, LGFog, etc.

d) Área de Ponta Luís Dias – Gã João:

Ponta Luís Dias – Localização: (1505 11?3 F3 ou G2 G0-44). O itinerário mais fácil parece ser pela margem do Rio Corubal mas na época seca pode ir-se partindo de Gã Garnes. Efectivos: Cerca de 25 (?) elementos, armados de MP, ML, Mort 82 e 60, LGFog., etc. Consta talvez (?) 1 Canhão s/r em Ponta Luís Dias, apontando para o Corubal.

Gã João - Localização: (1505 1150 H5 ou I6 ou 13-55). Acessos idênticos ao acampamento de Ponta Luís Dias. Pode ficar à direita da picada Ponta Luís Dias – Ponta do Inglês sobre um trilho que parte desta. Foi localizado um grupo de casa em 1505 1150 G9-2.

e) Área de Mangai-Tubacuta:

Mangai – Localização: (1505 1145 G8). O acesso é mais fácil pela margem do Corubal. Por terra o acesso mais fácil parece ser por Madina Tenhegi (1500 1150 E2). Efectivos: 1 Gr Artilharia, parte em Tubacuta.

Tubacuta – Localização: (1500 1145 B9 B6 ? ), entre a tabanca e a Casa Gouveia, ao pé da bolanha. O acesso é mais fácil pela margem do Rio Corubal ou partir de Madina Tenhegi. Efectivos: mais de 100 homens com cubanos.

f) Área de Madina Tenhegi:

Não há referências sobre acampamentos IN.

g) Área de Fiofioli:

Localização: (1500 1145 E4 ou D5). Não são conhecidos os acessos à área. A mata do Fiofioli é muito [ densa ? ] e está praticamente cercada por bolanhas que o IN provavelmente baterá. Efectivos: talvez 1 bigrupo. Consta existir um hospital, com médicos cubanos.

h) Área de Cancodeas:

Cancodea Balanta – Localização: (1500 1145 E3). Efectivos: 50 homens armados.

Cancodea Beafada – Localização: (1500 1145 G2)

i) Área de Mina – Gã Júlio:

Mina

Localização: Em (1500 1145 h6 ou I6), na mata próxima da tabanca, dividida em dois núcleos, afastados cerca de 400 metros. Um núcleo é formado pelas instalações de pessoal e pelo posto de rádio. Parece ser aqui o comando do Sector 2 do IN. Consta haver uma enfermaria com cubanos. Há quem diga existir 200 elementos IN. Mas há quem diga serem poucos. A reacção à operação dos páras em 16 de Dezembro de 1968 foi nula. Em Novembro de 1968 foi indicada a existência de canhão s/r, 10 LGFog, 5 metralhadoras Degtyarev, 1 morteiro 60, etc.

Gã Júlio – Localização: (1500 1145 D4 ou E4). Não há outras indicações.

j) Área de Galo Corubal – Satecuta:

Galo Corubal – Localização (1455 1145 D4 ou E4), no fundo do palmar e a cerca de 300 m do Rio Corubal. O acesso tem sido feito pelo Norte do Rio Pulon desde a estrada Xitole-Mansambo, mas as NT têm-se perdido por vezes. O acesso, atrvés do Rio Pulon, próximo da foz, por Seco Braima, pode ser efito na época seca. Efectivos e armamento: Considerados poucos, mas com MP, ML, Mort LGRFog.

Satecuta – Localização (1455 1145 D2 ou E2 ou F2), a oeste de Seco Braima. Acesso idêntic o ao de Galo Corubal. Em meados de 67, apresentava grande actividade IN. O acampamento foi destruído em Maio de 68, baixando a actividade IN. Efectivos: ignoram-se mas parecem dispor de MP, ML, Mort LGRFog.

l) Área de Galoiel:

Localização (1455 1150 F1) próximo de Galoiel. Ataque das NT em 28 de Novembro de 1968 repelido pelo IN. Novo ataque em 23 de Dezembro não tendo o IN oferecido quase resistência. Efectivos entre 20 a 30 elementos, armados com LGRFog, Mort 82, ML, etc.

1.4. Admite-se que, sendo a Op Lança Afiada, uma operação demorada, o IN tenha possibilidade de reforçar os seus bigrupos, exercendo um esforço sobre este ou aquele dos nossos destacamentos. Admite-se também que quer as populações civis sob controlo In quer o próprio IN atravessem de noite o Rio Corubal, furtando-se assim ao contacto com as NT.
(...)

Guiné 63/74 - P5877: Notas de leitura (70): Os Sinos de Bafatá, de Joaquim Ribeiro Simões (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Fevereiro de 2010:

Queridos amigos,
Às vezes pergunto-me:

- Para que é que é necessário escrever isto? Por que é que nos castigam a ler coisas verdadeiramente intragáveis?

Isto tem a ver com o livro em causa e muitos outros que naufragaram ou naufragam logo no cais de partida. A literatura sobre a Guiné é também uma amostra das boas intenções que acabam por redundar em desastres literários.

Um abraço do
Mário


Os Sinos de Bafatá

Beja Santos

Os Sinos de Bafatá (por Joaquim Ribeiro Simões, Edição de Autor, Lisboa, 1988) é um livro singular no conjunto de toda a literatura colonial respeitante à Guiné, permite uma vasta e plausível panorâmica da evolução dos acontecimentos do Leste, em meados dos anos 60, a partir da narrativa de um alferes adjunto do comando do batalhão. Como habitualmente, temos o desembarque das tropas no cais do Pidgiquiti, um desembarque um pouco bizarro em que os diálogos se processam numa comunicação impossível no tempo e no espaço. Um exemplo:

“Cruzámo-nos com uma coluna de jipes e unimogues em pé de guerra. Reparei no capitão, sujeito altivo e espalhafatoso, teatral, daqueles homens que gostam de se mirar no espelho.

- É o capitão Sequeira, dos comandos, tipo terrível. Com ele, os turras não fazem farinha. Sempre que se enfia no mato, traz armas e prisioneiros. Se houvesse cinco capitães como este, a guerra acabava-se num mês. O pior é que o maltim vem para aqui mandrionar e enfrascar-se com cervejas e uísque.

O major Monteiro esboçou um sorriso complacente:

- Ouve, rapaz, uma guerrilha não se vence num mês nem num ano, nem mesmo em dez. E sabes porquê? Têm o tempo todo a seu favor. Os capitães Sequeiras não passam de minúsculas peças de uma máquina gigantesca. A questão é outra, e tu, se ficares em Bissau, verás como eu tenho razão, já ouviste falar no massacre do cais do Pdgiquiti, há uns anos atrás? Quem ganhou com a morte de dezenas de trabalhadores portuários? Portugal não foi, com certeza. Essa acção estúpida apenas serviu para que o Amílcar Cabral acelerasse a organização do PAIGC”.

Aliás, trata-se de um batalhão muito especial, em que os oficiais superiores são oposicionistas e não escondem, têm discursos premonitórios sobre a evolução da guerra, falam todos entre si com elegante fraseado. Rodrigo é o narrador, conhece Luzia, a filha de um rico comerciante, ela é uma simpatizante do PAIGC, fica logo num derriço por este narrador superculto que se vira obrigado a abandonar o ensino para se prantar à beira do rio Geba. O major João Monteiro, segundo comandante, tem longas tiradas sobre o destino daquela guerra, é um livro aberto em ciências políticas, etnografia, etnologia e muito especialmente sobre a história da Guiné em que ele disserta como se fosse o comandante Teixeira da Mota. Lá vão para Bafatá, onde os problemas se chamam Banjara e o Caresse, isto na hora da chegada. Para que o leitor não entre em especulações e nunca se esqueça que está no meio de gente culta, descreve-se Geba, depois Sarebacar, viaja-se Cantacunda, Camamudo. Chegou a hora das operações, começa-se pela região do Caresse, liberta-se a estrada de abatizes, avança-se até Sare Dico, sempre acompanhado de um esquadrão de reconhecimento. Ao novo batalhão de Bafatá chegam notícias que no sector de Nova Lamego as coisas estão feias em Beli e Madina do Boé. Interrompendo a narrativa bélica, Rodrigo vem de férias, reencontra Luzia, fazem sexo desalmadamente. Ela aproveita para lhe relembrar que se sente atraída pelo PAIGC e convida-o a desertar. Acaba tudo em zanga e, por artes mágicas, Rodrigo volta a Bafatá. Ficamos a saber que há três batalhões no Leste da Guiné, há uma companhia em Fá Mandinga, bastante guerra no Xime e até no Xitole. Rodrigo retoma a relação afectiva que estabelecera com Irene, antes de ir para a guerra, por essas cartas (ou aerogramas) vamos ficando a saber que a situação de deteriora entre Cambaju e Sarebacar. Nas horas de ócio, o major Monteiro continua a desancar sobre o colonialismo, os oficiais do Estado-Maior, recorda com saudade os apoios que deu às candidaturas de Norton de Matos e Humberto Delgado. As visitas de Rodrigo aos quartéis da região prosseguem: Fajonquito, Ualicunda e outros pontos outrora calmos. Depois ocupa-se Banjar, o que vai aliviar a vida do batalhão de Mansoa. Rodrigo viaja até Pirada e Paiunca, passando por Sonaco, ao tempo tudo parece estar calmo. Volta-se novamente ao Caresse, uma terra de ninguém de onde o inimigo foge e depois regressa calmamente. De quando em vez, o autor confunde-se abertamente com Rodrigo, não sabemos quem é o alter-ego do outro, chovem permanentemente críticas: “Os brancos radicados na Guiné, talvez pela sua escassez, não alardeiam o ardor bélico dos angolanos, sempre prontos a pegar em armas e a defender as suas fazendas. Sejam do continente ou do Líbano, vivem alheados desta meia-guerra que os transcende. Verdade seja dita, a guerrilha de Amílcar Cabral evita molestá-los, demonstrando neste ponto inteligência: no futuro poderão ser úteis à economia do país... dentro da legião de especuladores, sobressaem os libaneses. Sovinas, metidos na sua casca, indiferentes ao sofrimento alheio, estes descendentes dos fenícios vão atulhando os seus cofres com as notas esbulhadas àqueles que labutam milhos e mancarra ou aos que sacrificam saúde e vida para que os mercadores continuem a deglutir tranquilamente o seu bolo”. Luzia aparece de surpresa em Bafatá, ela propõe-lhe casamento, ele difere, mas a vida sexual dos dois é imparável. Depois chega a época das chuvas, Rodrigo continua a escrever a Irene, fala sobre os cabo-verdianos, a intensidade da guerra. Novas férias de Rodrigo, ele descobre que ama Irene, Luzia entretanto fugiu com outro. De novo em Bafatá, Rodrigo retoma as suas conversas com o major Monteiro, este está cada vez mais irado com a sua geração, a situação em Madina de Boé agrava-se, as destruições do PAIGC aparecem como incompreensíveis a estes intelectuais, já que as populações nativas são massacradas. Chegou a vez de criticar os negócios de Miguel Santos, o comerciante de Pirada que o autor considera um personagem digno da “Peregrinação”. Rodrigo vai registando o agravamento da guerra e diz aonde: Xitole, Ponta do Inglês, Xime, Enxalé, Porto Gole e Jabadá. E um dia, depois de um Natal tristonho, anuncia-se o regresso do batalhão, Irene está pronta para casar com Rodrigo, o major Monteiro profere as derradeiras catilinárias. E ficamos a saber que as Igrejas de Bafatá não têm sinos, cada um tire as conclusões que quiser do título da obra.

Assim termina o livro de um coronel de cavalaria, licenciado em ciências históricas e filosóficas. Às vezes, interrogo-me o que impele um veterano da guerra a escrever sobre memórias numa frente de combate, introduzindo-lhe diferentes doses de ficção. O irreal dos discursos é o que mais me choca em livros do tipo “Os Sinos de Bafatá”: a impossibilidade de ter acontecido, a verdade retorcida com alegados primores literários, a incapacidade de comunicar os sentimentos genuínos de cada um, seja ao nível de pelotão, companhia ou batalhão, burilando caracteres ao sabor do desejo insaciável de um autor que perdeu todas as amarras ao tempo e ao espaço. No fundo, uma incomunicação de alguém que tem o poder de escrever e não se questiona se os outros viveram estes ou aqueles acontecimentos que tornam a ficção incompatível com as alegrias e as dores que todos, sem excepção, ali viveram. E estes autores persistem, autistas, indiferentes à falta de público, ao ridículo, à escuridão literária para onde se remetem. Neste caso, valha-nos, ao menos, saber o que aconteceu em Bafatá, em meados dos anos 60.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5864: Notas de leitura (69): Guerra Colonial - Angola - Guiné - Moçambique, Edição Diário de Notícias (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5876: Ser solidário (57): Mais uma Expedição à Guiné-Bissau da Associação Humanitária Memórias e Gentes (Carlos Marques Santos)

Recorte do jornal "Diário As Beiras", com a devida vénia


Instituição de Utilidade Pública / Reconhecimento e registo como ONG pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros

Natureza jurídica: Pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos, inserida no regime do mecenato cultural previsto nos Códigos do IRS e do IRC, matriculada na C.R.C. de Coimbra / NIPC 508 343 461

Sede: R. Prof. Guilherme Tomé (instalações J.F.Taveiro) - Apartado 453046-801 TAVEIRO (COIMBRA)

Contactos:
E-mail: http://www.blogger.com/j.moreira@sapo.pt
ou
http://www.blogger.com/guine@coimbraeventos.com


1. Mensagem do nosso camarada Carlos Marques Santos*, com data de 24 de Fevereiro de 2010:

Caros camaradas:
Este recorte de o "DIÁRIO as BEIRAS” de Coimbra, saído hoje 24 de Fevereiro dá conta que a referida Associação se prepara para, amanhã dia 25, sair para a Guiné.

Não é nem a primeira, nem a segunda vez que o fazem. Tem sido uma constante.
Um contentor carregado de material já chegou a 17.

Amanhã lá estarei eu e a minha mulher Teresa para desejar “BOA VIAGEM” e “BOM REGRESSO”, no Largo da Portagem.

Como nota importante deixo uma informação complementar:

Segue na expedição uma empresária de Santa Maria da Feira, conduzindo uma ambulância que doará ao Hospital de Mansoa, com material médico, fardamentos para bombeiros, vestuário, material escolar, etc.

A nossa contribuição é tão simples quanto isto: alfinetes de costura, lápis e borrachas.

Mas para o próximo ano já temos cerca de duzentas camisas para criança.

E nós com tudo à mão ainda nos queixamos.

Até Monte Real dia 26.

CMSantos
CART 2339
68/69
MANSAMBO
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5727: Estórias avulsas (73): A Fonte Pública de Mansambo (Carlos Marques dos Santos)

Vd. poste de 28 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4873: Ser solidário (36): Assoc. Humanitária Memórias e Gentes reconhecida como ONG desde 26 de Junho de 2009 (José Moreira)

Vd. último poste da série de 22 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5868: Ser solidário (56): Zé Teixeira, a perda de uma mãe é sempre irreparável, mas nada nem ninguém te vai roubar a sua doce memória e o seu exemplo inspirador (Editores)

Guiné 63/74 - P5875: Parabéns a você (80): Manuel Henrique Quintas de Pinho, Marinheiro Radiotelegrafista, Guiné, 1971/73 (Editores)

1. Hoje 24 de Fevereiro de 2010, está de parabéns, por comemorar mais um aniversário, o nosso camarada Manuel Henrique Quintas de Pinho, ex-Marinheiro Radiotelegrafista que navegou nos rios da Guiné nos anos de 1972 a 1974, a bordo das LDM's 301 e 107.

Não podia a Tabanca deixar passar este dia sem felicitar o nosso camarada Henrique e desejar-lhe um dia pleno de alegria na companhia da família e amigos.

Caro Henrique, como é timbre na nossa Tabanca, vamos continuar a descontar os anos que te faltam para comemorares o teu centenário.



2. O Manuel Henrique Quintas de Pinho foi apresentado à Tertúlia no dia 26 de Junho de 2007*. Teve no entanto direito aos retroactivos a partir de 4 de Março do mesmo ano, porque a sua mensagem, datada deste dia, andou algum tempo extraviada.

Dizia ele então:

Amigo Luís Graça:
O meu nome é MANUEL HENRIQUE QUINTAS DE PINHO, habito em Chave, uma freguesia do Concelho de Arouca, Distrito de Aveiro.

Prestei serviço militar na Marinha de Guerra Portuguesa e estive na antiga província da Guiné desde Setembro de 1971 a Junho de 1973, embarcado nas Lanchas de Desembarque Médio, primeiro na LDM 301 (que foi abatida ao efectivo por ser muito antiga e estar desactualizada, pois teria vindo da América), e depois na LDM 107, fabrico português.

Durante este período sofremos apenas um ataque directo no Rio Cacheu, perto da clareira de Olossato, a montante de Ganturé, que, embora muito forte, não causou estragos nem vítimas, felizmente. Foi no dia 26 de Janeiro de 1972, às 18.00h.

Percorri toda a Guiné, via fluvial, desde o Rio Cacine, passando pelo Rio Cumbijã até Bedanda, Tombali, Buba, Rio Geba até Porto Gole, Rio Mansoa até Mansoa, Encheia e Rio Cacheu até norte de Farim.

Tenho algumas fotografias mas não consigo enviá-las. Se puder diga-me como hei-de proceder.De qualquer modo, gosto de navegar por este Blogue, pois traz aquela saudade que ainda hoje se sente pelos bons e até menos bons momentos que lá passei.

Sem outro assunto, apresento os meus cumprimentos e não podemos parar.
Henrique Pinho
Marinheiro Radiotelegrafista N.º 850/70.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de

26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1885: Tabanca Grande (17): Manuel Henrique Quintas de Pinho, Marinheiro Radiotelegrafista, LDM 301 e 107 (Guiné, 1971/73)

Vd. último poste da série de 14 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5813: Parabéns a você (79): Clara Schwarz da Silva, 95 anos, uma grande senhora, viúva de Artur Augusto da Silva, mãe do nosso amigo Pepito, leitora do nosso blogue, novo membro da Tabanca Grande (Luís Graça)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5874: Agenda cultural (60): Exposição de fotografia de Fernando Gouveia, no Instituto das Artes e Ciências - Porto (Regina Gouveia)

1. A nossa tertuliana Regina Gouveia, em mensagem de 23 de Fevereiro de 2010 vem-nos dar conhecimento da inauguração da Exposição de fotografia "MEMÓRIAS PARALELAS DA GUERRA COLONIAL, GUINÉ 1968/70", Reportagem fotográfica de seu marido e nosso camarada, Fernando Gouveia.

Esta exposição vai estar patente ao público de 26 de Fevereiro a 12 de Março no Instituto das Artes e Ciências, na Praça de Carlos Alberto, na Invicta Cidade do Porto.



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Nota de CV:

Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5805: Agenda Cultural (58): Do Carnaval de Lazarim, Lamego, a Guileje, Região de Tombali... Quem se lembra do pirotécnico Hélder da Costa, da CCAÇ 2617 ? (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P5873: Contraponto (Alberto Branquinho) (6): (Especial) Os seis anos do Blogue

Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data 21 de Fevereiro de 2010:

Caro Vinhal
Aqui vai o meu contributo para a festa dos 6 anos do blogue, incluido no Contraponto.

Um abraço do
Alberto Branquinho



CONTRAPONTO (6)

OS SEIS ANOS


Ouvi (ou li?) que está a fazer seis anos um rapaz-adulto que dá pelo nome de Blogue do Graça. Proporciona encontros (por vezes pequenos desencontros…), reencontros, amizade, companheirismo, camaradagem entre rapazes na casa dos sessenta, que passaram pela Guiné quando tinham vintes. Além de outros e outras com vinculo a pessoas e às coisas dessa terra.
É filho do Luís Graça (conhecem?), mas da mãe não há notícia. (Será a E.N.S.P.?).

O rapaz (já crescido, bem crescido) vem sendo acompanhado por dois, três, quatro padrinhos, mais ou menos da idade do pai. Alimentam-no. E dessa acção do pai e dos padrinhos resultam variadíssimas intervenções no corpo do próprio Blogue do Graça, onde todo e qualquer outro, a quem eles já tenham “passado cartão”, pode dar conta das suas façanhas de guerra, das suas experiências menos ou nada guerreiras, dos seus sofrimentos, medos e angústias de guerreiro, das suas tiradas intelectuais, do seu diletantismo, do seu literatismo, do seu ecumenismo, da sua benemerência, do seu humanismo, das suas sensibilidades, ironias, frontalidade, das suas experiências mais ou menos relacionadas com a sua vida na Guiné (ou partir do momento em que foram, de novo, paridos para a vida quando abandonaram Bissau, em barco ou avião).

Aos mortos, aos ressuscitados (há um, pelo menos), aos afectados física e psiquicamente pela guerra, dá o rapaz Blogue espaço, lembrança e vida. E, também, àqueles que estiveram “do outro lado” da guerra e aos que a conheceram enquanto crianças ou aos que, porque ainda não nascidos nesses tempos, eram, então, água, carbono, sais minerais, cálcio, proteínas… vagueando por essa e outras terras do planeta nosso.

Mas o que mais enternece e nos toca na ponta do bico do fundo do coração é que, apesar de toda essa diversidade, cada um pode falar de si e dos outros e encontra nesses outros a ressurreição dos tempos e da juventude (que na Guiné deixou em grande parte) e os encontros/reencontros se sucedem, se repetem e é como se fossem sempre a primeira vez. E os que aparecem pela primeira vez sentem-se, comportam-se e relacionam-se com os outros presentes como se tivessem estado sempre presentes desde o princípio dos séculos.
Alguém pode explicar isto? (É que não é matéria de Sociologia do Trabalho. Ou será da Saúde?)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5767: Contraponto (Alberto Branquinho) (5): Nojo, ou um alferes descomposto

Guiné 63/74 - P5872: Agradecimento (José Teixeira)

Minha mãe sentiu necessidade de descansar e partiu serenamente.
Partiu feliz por sentir à volta de seus filhos tanto afecto e carinho por parte dos muitos amigos, que pela vida fora souberam granjear, graças aos ensinamentos que ela lhes soube transmitir.

OBRIGADO MINHA MÃE pelas lições de vida que me deste.

Aos muitos amigos, que pelos mais variados meios quiseram partilhar comigo a dor de te ver partir e deste modo me ajudarem a viver tão difíceis momentos, quero expressar a mais profunda gratidão pela vossa presença na minha vida nestes dias de dor e esperança.

Zé Teixeira

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Nota de CV:

Com a devida vénia à Tabanca de Matosinhos, reproduzimos este agradecimento de Zé Teixeira > P353- AGRADECIMENTO - ZÉ TEIXEIRA

Guiné 63/74 - P5871: Da Suécia com saudade (22): As portas que Abril me abriu e as que me fechou (José Belo)

União Europeia > Reino da Suécia > 2009 > O José Belo é o mais setentrional (e, portanto, ex-cêntrico) dos membros da nossa Tabanca Grande > A sua tabanca fica na Lapónia, a 198 quilómetros a noroeste de Kíruna, em plena reserva natural de Abisko, a maior do país dos Vikings. Nascido em Lisboa, foi educado no Estoril. Foi alferes na região de Quínara, na Guiné (1968/70). Foi Capitão de Abril. E por Abril conheceu os caminhos da diáspora. É gerente da Tabanca da Lapónia. Escreve regularmente no nosso blogue. (LG)


1. Mensagem de José Belo, com data de 8 do corrente (*):

Aqui vão algumas tentativas de resposta a algumas das perguntas levantadas (**).

Quando alguns Camaradas Militares decidiram "reeducar-me" na Prisão de Custóias, mais para meu bem pessoal do que por outra razão juridicamente válida, (pois não foi provada qualquer implicação no 25 de Novembro de 75 em Conselho Superior de Disciplina do Exército a que fui sujeito cinco anos depois)... era de esquerda!

Era inconveniente! Chegou! A minha carreira militar foi interrompida desde o dia 27 de Novembro de 75 até fins de 1980 em que me mantiveram inactivo cerca de cinco anos com o ordenado completo(!).
Durante este longo período de involuntárias férias pagas (segunda fase reeducativa?), colaborei activamente no Conselho Português para a Paz e Cooperação, viajando por tudo o que mundo era, desde a Índia à Etiópia, do Vietname ao Iémem, e a tudo que era Pais Europeu do Leste e Ocidente. Tive oportunidade de conhecer pessoas, bem interessantes, em locais de "acesso difícil" noutras situações.

Acabei por estabelecer contactos vários na Suécia que se tornou, então, a minha segunda casa. Em fins de 1980 fui chamado de novo ao serviço, sendo colocado no Regimento de Mafra a frequentar um curso de actualização para promoção. (Talvez por já devidamente reeducado?).
Depois de curtas semanas de contactos fraternos com os meus queridos e respeitados superiores, verifiquei ter grandes dificuldades em assimilar algumas das aulas dadas, principalmente por alguns dos camaradas professores regressados há pouco de cursos intensivos nos Estados Unidos.

Recordo como exemplo típico destas minhas limitações atávicas, a dificuldade sentida quando me referenciavam continuamente a fronteira de defesa a Norte do meu querido Portugal como situada no rio Reno, na Alemanha Ocidental, e eu só encontrava na minha carta... o rio Minho como fronteira do Norte português!

Perante tais incapacidades geográficas resolvi pedir passagem imediata à Reserva e autorização para me ausentar... definitivamente para a Suécia, invocando razões de ordem particular. Ambos os requerimentos foram deferidos em tempo que, conhecendo a Instituição, creio que será recorde, de 48 horas! Voltei de imediato para a Suécia onde me tenho mantido até hoje.
Interessado por Direito Internacional, acabei por ter uma sólida e acelerada carreira profissional que me levou bem mais longe do que seria de esperar (aqui seria melhor não referenciar o facto de ter casado com a filha única do dono da empresa multinacional onde trabalhava !).

A decisão de viver actualmente na Lapónia (a 198 quilómetros a noroeste de Kíruna mais propriamente) tem mais a ver com o facto de termos herdado uma muito boa casa de férias, situada precisamente na área da maior reserva natural sueca, e uma das mais selvagens, bonitas, isoladas, ricas em fauna e pesca. Chama-se Abisko.

Isto em conjunto com uma discreta aproximação de reforma, tanto da minha parte como da minha mulher, que nos veio possibilitar tempos livres para utilizar estes espaços infindos. Daí que, ao contrário do que poderia aparentar, este isolamento é mais que voluntário.

Como não fui, propriamente, um menino de sacristia durante os anos anteriores a Abril de 74 e até finais dos anos setenta, sinto-me muito bem nas distâncias que resolvi tomar em relação a acontecimentos, e coisas, em que participei, ou de que tenho muito bom conhecimento, e que hoje só me fariam vomitar a gargalhar, não fora o grande respeito que sinto por alguns que tudo sacrificaram pelos seus ideais de solidariedade com os mais desfavorecidos.

Na Guiné fui mais um dos muitos que comandaram destacamentos isolados no Sul, junto a Gandembel, que fizeram colunas de abastecimentos de Buba/Aldeia Formosa/Gandembel, e que aprenderam a conhecer-se a si próprios em condições extremas.

Hoje... para Lusitano de Lisboa, educado no Estoril, posso garantir que sou um bom conhecedor de renas, e de tudo relacionado com a criação e pastoreio das mesmas. Quem me diria!

Um grande abraço do José Belo.

2. Mensagem posterior, respondendo às dúvidas sobre o carácter eventualmente (in)publicável do texto anterior:

Caro Amigo e Camarada.

É claro que tudo sobre mim é acessivel a todos os que se possam interessar, tendo sincera consciência de que não serão lá muitos! Os detalhes, menos convenientes para Senhoras, menores, alguns Exmos. Srs. reformados, e camaradas mais sensíveis das nossas Tropas Especiais, estão, por certo, criteriosa e inteligentemente arquivados nas repartições respectivas... a Bem da Nação.

Duas coisas que não referi no meu E-Mail anterior, mas que suscitaram curiosidades de alguns quando agora aí estive na reunião da Tabanca do Centro: a primeira é o porquê de aparecer sempre ao lado do Otelo, em muitas das fotos, livros e reportagens de TV relacionadas com esta personagem... Somos familiares (primos em segundo grau pelo lado da minha mãe), tendo esse facto nos aproximado pessoalmente tanto em 74 como em 75.

Aquando da campanha eleitoral para a Presidência da República, a primeira a seguir a Novembro de 75, fui responsável pela segurança montada em redor do Sr. candidato Otelo, tendo-o acompanhado por tudo o que era Portugal, do Minho ao Algarve, Madeira e Açores... Daí a identificação efectuada por muitos.

Tornei-me depois, já a viver na Suécia, muito crítico das vias escolhidas por alguns companheiros que levaram a um muito infeliz arrastamento(?) deste político para aparentes meios de acção de resultados mais que dúbios, para não lhes chamar de contraproducentes, principalmente na identificação e utilização do nome, e referências, a Abril.

Publiquei, então, alguns artigos menos convenientes (pois creio ter sido o único que se atreveu), a este respeito, no Diário de Lisboa. Um, em 11/7/84, intitulado "As armas e as Mãos: Carta ao Otelo Amigo" (aquando da prisão deste), e outro em Outubro de 1984 intitulado "As FP-25 de Abril... e as miragens". Sei que não foram muito bem recebidos em alguns círculos mais... extremados.

A segunda pergunta que alguns me fizeram foi:
- Porquê Capitão Reformado quando todos os outros nas mesmas condições e situação pertencem hoje à Classe dos Srs. Coronéis Reformados, depois de as suas carreiras militares terem sido reexaminadas devido a consequências políticas de 74/75, com actualizações de postos e reformas (E isto inclui Militares do antes e depois, desde a mais extrema esquerdalhada à mais "patriótica" direitada!).

Pela única razão de, tendo escolhido viver em esplêndido isolamento na Escandinávia, não recebi qualquer informação da existência de tais leis e decretos. Quando finalmente, um bom amigo e camarada militar, se preocupou comigo e me informou, já os prazos legais para tais requerimentos tinham há muito encerrado, tendo recebido por parte das Autoridades burocráticas responsáveis um rotundo... NIET!

De qualquer modo identifico-me totalmente com os termos Capitão de Abril. E, como as PORTAS QUE ABRIL ABRIU... o foram por Capitães... sinto-me bem na denominação!

Um grande abraço do José Belo.

3. De adenda em adenda até à mensagem final, o Zé Belo escreveu ainda no passado dia 8:

Caríssimo Amigo. Podes publicar tudo, ou o que achares por bem. Tenho grande admiração pelo Vosso trabalho... No arame... e sem rede, no que diz respeito a sortear de maneira conveniente o que serve melhor os objectivos do blogue.

Com tantas primas donas de terceira idade (com tudo o que isso acarreta) a enviarem contributos, encontrar um rumo médio é trabalho de... full-time num blogue com as dimensões da Tabanca Grande. Tenho estado ocupado nas últimas horas a enviar uns videos do YOU TUBE, um pouco quentes, para o Amigo Vasco da Gama e para o Miguel Pessoa, que têm francamente sentido de humor.

Na tua próxima visita à Escandinávia, e como por aqui andaste, sabes que a natureza é fantástica, deverás tentar ir até Narvik, porto norueguês bem ao norte, e daí tomar a estrada para a Suécia até Kíruna. A partir dos fins de Maio, até meio de Julho, (O Curtíssimo Verão!), tendo-se a sorte de apanhar Sol e céu azul, é viagem inolvidável para o resto da vida. Bem-vindo!
Um grande abraço do José Belo.

[ Revisão de texto / fixação / título: L.G.]
_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 17 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5829: Da Suécia com saudade (19): O privilégio de ter a Tabanca Grande... em comum (José Belo)

(**) Comentário ao poste de 6 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5773: Parabéns a você (77): José Belo, se o calor da nossa amizade chegasse a Kiruna, a tua Lapónia era o Alqueva (Os Editores)

Meu caro José Belo:

Para além das tuas queridas renas, a gente sabe pouco sobre ti, meu luso-lapão...

Quando foste exactamente para a Suécia, e porquê... Por onde andaste, o que fizeste, como sobreviveste, como resististe... Afinal, que crime cometeste para te mandarem para a Lapónia... Como e quando chegaste a Kiruna ?

Sabemos também pouco da tua história de vida no TO da Guiné...

Claro, tens o direito ao sigilo, ao anonimato... Mas já que entreabriste a porta... Sabes como é o portuga, põe logo o pezinho na porta, para que tu não a feches...

Mais importante: quando voltas, este ano, a este jardim à beira-mar plantado ?

Espero que te tenhas divertido, no mínimo, com o nosso texto, atabalhoado, de parabéns...

Luís

Guiné 63/74 - P5870: Tabanca Grande (205): Pedro Cruz, ex-Alf Mil IOL, Guidaje e Bafatá (1972/74)

1. Mensagem de Pedro Cruz (ex-Alf Mil IOL, Guidaje e Bafatá, 1972/74), com data de 22 de Fevereiro de 2010:

Camarada Carlos
É com bastante gosto que participo no blogue.

Como o solicitado, em anexo, conto uma pequena história da minha vida militar, naturalmente com mais incidência sobre a Guiné - Guidage e durante o período crítico de 72 a 74.

Não encontrei mais fotografias de momento! Ainda vou fazer mais uma busca! Se recolher mais material eu envio-te para colocares na "minha" página!

Um abraço
Pedro Cruz


A Guidage...

Na Guiné...


Antes de iniciar a minha “coluna” sobre a minha passagem pela Guiné-Guidage gostaria de fazer uma pequena introdução relatando o meu início do serviço militar.

Fui fazer a Instrução, com início em Outubro de 1971, para Mafra. Terminada a Instrução em Dezembro fui em Janeiro de 1972 iniciar a Especialidade para Vendas Novas. Saiu-me em rifa a Especialidade de IOL (Informação, Observação e Ligação).

Esta Especialidade era própria numa guerra clássica, pois ela consistia em, utilizando meios aéreos, comandar as baterias de obuses e a sua consequente regulação de tiro.

Dei uma volta de avioneta mas a observação do tiro foi um desastre pois tive um grande enjoo. A especialidade citada foi reconvertida em PCT (Posto, Comando de Tiro), uma Especialidade já de acordo com a guerra de guerrilha que tínhamos em África. Depois de ter um mês e pico na Figueira da Foz em espera para embarcar para a Guiné, a meados de Junho, por volta das 23 horas lá dei uma volta na pista do Aeroporto de Lisboa e fui encaminhado para o Depósito de Adidos na Ajuda, pois foi declarada uma avaria técnica na aeronave. Finalmente, no dia seguinte e sensivelmente à mesma hora lá embarcamos para a terrinha do PAIGC.

Claro que a disposição não era muita, mesmo indo conhecer uma cidade nova, num país novo!

Quando estávamos a sobrevoar a cidade de Bissau fiquei logo muito “contente“ pela linda vista da cidade e até da cor do rio Geba... enfim, uma tristeza a somar aquela que levava...

Fomos, os artilheiros, encaminhados para a nossa base de artilharia (GA7) que ficava por trás do Quartel-General e em frente ao Comando de Transmissões.

Estivemos lá aproximadamente uma semana em formação. No fim da semana foi sorteada a localidade que iríamos dar apoio. Depois de Guilege tinha que me sair em rifa – Guidage.

Como é óbvio deprimido a monte…!

Vamos avançar…

Cheguei a Guidage no inicio de Julho de 72 e penso que a uma quinta-feira pois era nesta dia da semana que a tabanca recebia a DO (meio aéreo).

Fui render um alferes, que não me recordo o nome, mas lembro-me que era de S. João da Madeira. Foi um amigo pelos conselhos e indicações dadas.

Comecei, então, a minha comissão de serviço na altura que o meu colega partiu em coluna para Bissau.

Passei a dormir dentro da secção do obus que comandava. Por volta das 7 horas da manhã passava para o meu quarto para fazer a higiene pessoal.

O Pelotão de Artilharia que me foi destinado, tinha na sua guarnição à volta de 15 africanos, 2 cabos brancos e ainda um furriel miliciano da “metrópole”.

Até Maio de 1973 penso que só fomos flagelados três vezes e à distância.

A seguir a uma delas, e no dia seguinte, por ordem de Bissau, através do meu capitão foi me dito para “enviar” umas obusadas para Casamansa - Senegal, pois considerava-se que os “amigos” que nos tinham dado fogo dirigiam-se para o local atrás citado.

Posteriormente chegou a informação que as obusadas limparam o sarampo a duas vacas.

Pela análise das acções desenvolvidas pelos terroristas (na época era o nome que se lhes davam) pude constatar que em 72 o maior assédio foi antes das chuvas, por isso de meados de Maio até fins de Junho. Como não estava interessado em fazer parte do grupo que iria dar as “boas-vindas” aos “nossos amigos” tratei de meter férias na metrópole para o período anterior à chegada dos amigos do comandante Nino.

Em meados de Maio, numa quinta-feira, dia de vinda da avioneta que me levaria para Bissau, estava eu a cantarolar no meu quarto a fazer a barba por volta das 7 horas da manhã começo ouvir um grande barulho. A cançoneta acabou logo aí passados 1 ou 2 segundos não havia dúvidas os nossos “amigos” estavam a nos saudar junto ao arame.

É lógico que mesmo dentro do quarto comecei a rastejar. Mandei-me para a vala junto à porta.

Fui rastejando até ao fim da vala que ficava a uns 30 metros de um dos obuses.

Quando sentimos que o fogacho já vinha do lado do Senegal e mais longínquo do arame entrei para a guarnição do obus onde com dois africanos começamos a fazer fogo para a copa das árvores do lado do Senegal.

O ataque provocou alguns feridos. Passados uns minutos vimos qual foi o propósito deste tipo de ataque e o porquê da hora escolhida! Pelas Transmissões soubemos que tinham sido abatidos os dois Fiats que vinham em nosso auxilio. Antes ou depois do abate dos Fiats foi abatida também a avioneta da “quinta-feira” que trazia um grande amigo o 2.º sargento do patacão.

Este foi um dia bastante triste para todos.

Neste dia o Spinola acabou com o apoio aéreo aos aquartelamentos.

Passados uns cinco dias depois destes acontecimentos a Companhia fez uma coluna para Binta e de seguida para Farim.

É esta coluna que eu integro para me deslocar para Bissau.

Ia muito perto da cabeça da coluna quando ouvimos um grande rebentamento. Pusemo-nos em posição de defesa nas bermas da picada. O meu amigo Alf Mil Leitão* que comandava a coluna comunicou-nos que tinha rebentado uma mina antipessoal picada por um soldado.

Disse-nos que iria ser levantada uma mina anticarro que estava junto aquela rebentada.

Inexplicavelmente, sempre pronto a ajudar, o 2.º Sargento Horta (grande amigo) ofereceu-se para desmontar a mina. Em má hora. Estava ele a fazer as primeiras limpezas, eu estaria deitado na picada a uns 4 metros dele, quando se deu um grande rebentamento. Muito pó escuro no ar e também, infelizmente, o grande amigo Horta. O Horta, que estava de joelhos, para chegar mais perto da mina anticarro deitou-se de barriga para baixo. Estava lá mais uma mina antipessoal. Ponto final neste episódio.

Estive aproximadamente 40 dias fora de Guidage. Em casa, na Foz do Douro, em alguns dias, recebia más noticias do aquartelamento.

Quando cheguei de férias a Bissau, o Comandante do GAA7 disse-me que não iria de férias para Portugal se tivesse bilhete dois dias depois daquele que parti!

Despachou-me no dia seguinte a este comentário para Farim. Às 8 horas da manhã fui levado para o cais de Pigiquiti. Estava à minha espera uma caixa de ferro, que nós os operacionais, designávamos como LDM (lancha de desembarque média).

Tive o gosto e o prazer de conhecer um grande amigo, o furriel Conceição, que foi despachado para um aquartelamento vizinho de Farim. Perdi o contacto deste camarada. Na época não havia télélés. Fomos-nos confortando para a situação que estávamos a passar, sempre na esperança que aquela chapita (4 a 6mm) fosse suficiente para nos proteger dos roquetes inimigos. O amigo Conceição era de Portimão (Praia da Rocha(?) e começou profissionalmente a estar ligado à restauração (se algum amigo estiver a conhecer o camarada mande um dica para ele “visitar” a Tabanca Grande”).

De Farim fui para Binta nesse mesmo dia, localidade mais próxima de Guidage! Na madrugada desse dia, fomos em coluna para Guidage, a corta mato. Quando chegamos a Guidage, não foi supresa, mas não tínhamos nem a população nem os nossos camaradas à espera! O flagelo vivido recomendava recato. Como estava “folgado” da guerra parei junto à Secretaria a contemplar a Parada. Fui chamado a atenção para sair de lá pois era perigoso em campo aberto. A minha Secção de Obus foi mudada. Estava muito referenciada. O meu anterior abrigo foi atingido.

Um camarada alferes da Companhia começou a construir um novo abrigo tendo eu depois continuado com a tarefa pois ele foi evacuado para Bissau. Finais de Outubro de 73 veio a minha recompensa! Fui chamado a Bissau para mudar de aquartelamento. Camaradas alferes do GA7 deram-me a informação que iria para Bafatá pois não sabia jogar Bridge para ficar em Bissau.

Passado uma semana em Bafatá dei graças a Deus por não me meter dado dotes de jogador de bridge!

Até Junho de 74 foi paz e descanso. Depois da escrita para os meus queridos pais e para a namorada, a simpática menina 3R`s, era só “xonar”! A partir das 17 horas vínhamos para a cidade e para o petisco.

Finalmente uma palavra de saudação para todos os meus colegas e amigos com que convivi. Bem gostaria de salientar todos aqueles que foram e se tornaram grandes companheiros de luta, mas 36 anos passados já é o seu tempo…! O Matos, o Furriel Mecânico Auto (de Setúbal?) e o meu barbeiro (o Cabo do bar) são aqueles que ainda tenho presente os muitos passos do dia a dia que tínhamos em conjunto.

Obrigado a todos! Até sempre!
Pedro Manuel Ribeiro Freitas Cruz
Alferes Cruz (72-74)

*Para todos o meu contato: dragão.pedro@gmail.com

Na fotografia, já bastante deteriorado com o tempo, o nativo que me acompanha era o chefe da Tabanca





Comentário de CV:

Caro Pedro Cruz
Segundo os nossos registos oficiosos, és o 400.º tertuliano do nosso Blogue. Não terás direito a nenhum brinde, a não ser a amizade dos outros 399 da lista.

A nossa Caserna Virtual, por ter esta característica, não tem portas nem janelas, logo qualquer lugar que escolhas para nela permaneceres é exactamente igual aos dos atabancados há mais tempo. Espero que deduzas com estas minhas palavras que no nosso Blogue não há classes de tertulianos. Não distinguimos os antigos postos, as habilitações, o sexo, as orientações políticas e religiosas, etc.

Se alguma vez achares que um trabalho que enviaste não foi publicado no tempo que achaste razoável, só tens que notificar os editores do atraso para levares de volta umas palavrinhas a abater... muito trabalho, falta de tempo e outras desculpas. Nunca por nunca te sintas rejeitado.

Como também terás reparado, até pela leitura dos nossos postes, no nosso Blogue tratamo-nos todos por tu pela simples razão de que nos une o mesmo passado enquanto ex-combatentes da Guiné. Este tipo de convivência não interfere no respeito mútuo e na aceitação de opiniões contrárias, desde que a discussão se mantenha dentro da cordialidade.

Posto isto, resta-me deixar-te um abraço de boas-vindas de toda a tertúlia e esperar de ti a melhor colaboração no sentido aumentares este espólio de histórias contadas por quem as viveu.

Recebe um abraço pessoal de
Carlos Vinhal
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5847: Tabanca Grande (204): Humberto Carneiro Fernandes Duarte, ex-Fur Mil Op Esp / RANGER do BCAÇ 4514, 1973/74

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 – P5869: Histórias do Eduardo Campos (10): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério (Parte 10): Nhacra 5


1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, dando continuidade às suas memórias da Companhia em Nhacra, iniciadas nos postes P5711, P5729, P5796 e P5812 enviou-nos a 10ª fracção e mais 3 documentos históricos do seu vasto arquivo pessoal:

CCAÇ 4540 – 72/74

"SOMOS UM CASO SÉRIO"

NHACRA/5

Só o cansaço e saturação de muitos meses de tensão sob os efeitos da guerra e das esgotantes e desgastantes das notícias dos mortos e dos feridos diários, dos combates, das multi privações, etc., é que podem justificar o comportamento dos seus intervenientes, imediatamente após o golpe de 25 de Abril de 1974.

Ainda as notícias que até nós chegavam, eram insuficientes e conclusivas, para saber qual o curso da revolução, e, em especial, em relação à política que ia ser seguida para a descolonização, e já eu via envolvido em abraços e confraternizações as NT com o IN do dia 24, que passaram a “amigos do dia 26”.

Devo confessar que não gostei nada dessas confraternizações e fiquei sempre á margem do regozijo comum. Só em Junho desse mesmo ano, numa coluna em que eu seguia para o Olossato e em plena picada, quando surgiu um grupo de guerrilheiros do PAIGC - bem armados -, obrigando a coluna a parar e aí sim, fui “forçado” aos abraços da praxe.

Pessoalmente, nada tinha contra aqueles homens, mas, para mim, era difícil comemorar com os mesmos, fosse o que fosse, não me conseguia "libertar" das imagens dos meus camaradas mortos no Cantanhez e de todos os outros, que até aí tinham tombado por toda a Guiné.

Talvez por falta de serenidade ou egoísmo, para avaliar a situação, tomei essa atitude na altura, já que eles (o IN) também tiveram os seus mortos, mas isso eu pensava que era um problema deles e atribuía o facto ao curso normal da guerra.

Hoje, após muito meditar nisso, gostaria de estar a contar outra reacção minha diferente, mas não posso, porque a verdade foi esta.

Já tinha 19 meses de Guiné, quando o 25 de Abril aconteceu, e, hoje, tenho por hábito dizer que até neste pormenor tive sorte, por ter vivido o antes e depois, porque tive o privilégio de assistir ao regozijo daquele povo, porque eles almejavam com a sua luta: A Independência.

Naturalmente, que também assisti e, porque não dizê-lo, participei em coisas menos agradáveis, já que a indisciplina começou a surgir entre as NT com alguma frequência, dentro e fora do aquartelamento.

A política tinha entrado no quartel e as divisões, entre nós, começaram a surgir. Uns eram tomados como fascistas, enquanto outros eram classificados revolucionários, consoante o sua definição de alinhamento.

A organização de um torneio de futebol de salão, foi o pretexto para o lançamento de um “jornal” a nível interno, no qual eu, modestamente, também colaborei.

Sentia-se o perfume da liberdade.

O 1º Exemplar saiu com o título de "Simplesmente Desporto", com data de 20 de Maio de 1974, mas pouco tempo depois, iria chamar-se "1º de Maio Desportivo" e a confusão entre camaradas estava para durar.

Outro exemplar saiu em Edição Especial, com data de 20 de Maio de 1974

As fotos são de uma operação stop efectuada no entroncamento Bissau-Cuméré-Mansoa, para “apanhar” Agentes da PIDE/DGS (depois do 25 de Abril como é óbvio).

Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCAÇ 4540

Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5868: Ser solidário (56): Zé Teixeira, a perda de uma mãe é sempre irreparável, mas nada nem ninguém te vai roubar a sua doce memória e o seu exemplo inspirador (Editores)

1. A Tabanca de Matosinhos, através do Álvaro Basto, deu-nos esta manhã, segunda-feira, 22 de Fevereiro de 2010, a funesta notícia: Faleceu a mãe do Zé Teixeira

Porque e a vida é feita infelizmente também destas coisas, cumpre-nos informar que faleceu a mãe do nosso querido, mais que camarada, amigo, Zé Teixeira.

Doente havia já algum tempo, o Zé andava sempre numa azafama com ela. Com o coração despedaçado, confessávamos muitas vezes como era difícil vê-la a definhar ora com uma pneumonia, ora com outra qualquer insuficiência.

Ontem ao final da tarde recebi a noticia pela boca embargada do Zé que se tinha finalmente acabado a provação da sua mãe.

Ao Zé e a toda a sua família, a nossa solidariedade e os nossos mais sinceros pêsames.

O corpo encontra-se depositado na capela da Igreja de Ermesinde e o funeral está marcado para amanhã, terça-feira, às 10h00.

[Álvaro Basto]
2. Comentário de L.G.:

Tinha acabado de celebrar os seus 89 anos... Tinha nascido em 1921... Era uma mulher sábia, de uma sabedoria construída e reconstruída na escola da vida, sem nunca ter ido à escola do ler, contar e escrever, como muitas outras mulheres da sua geração.

O Teixeira era o menino da sua mãe. Fala(va) dela com uma ternura comovente. Imagino como se terá sentido ao receber a notícia, sempre brutal, da morte (mesmo que anunciada e esperada) da sua mãe. Alguns de nós já são órfãos de mãe. É uma perda tremenda, imagino. São as nossas raízes. É a nossa metade, a metade do nosso ADN, do nosso genoma. A nossa mãe foi quem nos gerou, alimentou, cuidou, amou, acarinhou, quem nos deu o ser, quem nos manteve ligados à vida pelo cordão umbilical...

A dor da perda de um mãe é profunda. O Zé precisa hoje, mais do que nunca, de uma palavra amiga, de um ombro amigo. Precisa também dos amigos e camaradas da Guiné, que são e sabem ser solidários... Por que as mães dos nossos camaradas também foram nossas mães, com a sua morte, com o seu desaparecimento também morremos, também desaparecemos um pouco...

Estamos de luto, Zé, estamos contigo ao teu lado. E da tua mãezinha guarda, num cantinho secreto da memória, as melhores recordações, histórias, palavras, silêncios, gestos, emoções, sentimentos... Como este diálogo, tão lindo, que tu já aqui reproduziste, entre ti e a tua mãe, na véspera da tua partida para a guerra (*)... São palavras de um grande nobreza, desse ser único que é uma mãe, que era a tua mãe:

(... )" Duas coisas, te peço. Apenas duas: Primeiro, mesmo que a vida te transporte para caminhos tortuosos, mesmo que sintas a Fé a fugir-te, mesmo que não sintas a presença de Deus em ti, nunca deixes de rezar, nunca deixes de pelo menos uma vez por dia parares um pouco para O deixares entrar. Rezar nunca fez mal a ninguém (dissera-me ela muitas vezes). Pode ser uma âncora a que te poderás agarrar nos momentos difíceis.

"Segundo pedido. Tenta viver sem teres de matar. Vais para uma guerra numa terra desconhecida. De usos e costumes possivelmente estranhos. Não faço ideia do que será uma guerra, mas sei que na guerra se vive e se morre. Tenta voltar de modo a que a consciência não te perturbe no resto da tua vida. Vão ser dezoito longos meses de espera, mas a minha fé diz-me que voltarás são e salvo´"...

E acrescentavas tu, Zé:

"Os dois grandes pedidos que a minha mãe me fez, estão gravados a letra de ouro no meu coração e na minha mente. Por educação, quase desde o berço, em que o hábito de se rezar o Terço antes de deitar é uma cerimónia sagrada, seguida de um pedido de bênção aos avós e pais, a oração diária, por mais pequenina que fosse, era para mim um princípio, posto de lado quando aos dez anos abandonei a terra natal para ir trabalhar. Aliado à oração, está o conceito de que matar um ser humano é um pecado grave, conceito esse enriquecido em cada dia, nos caminhos que procurei trilhar e por último, pelo facto de por sorte minha, ter sido escolhido para enfermeiro militar.

"Que Deus te acompanhe, meu filho e sempre te proteja" - disse-me ela pondo fim à nossa conversa" (...).

Para ti, que és crente, essa conversa, agora fisicamente interrompida, irá ser retomada de outra maneira, num outro plano, espiritual. Pensa que a tua mãe agora é um estrelinha, algures no firmamento, que continuará a zelar e a cuidar de ti, que continuará a guiar-nos, a iluminar-nos, a inspirar-nos. Uma estrela protectora, como sempre o foi. Pede-lhe a sua benção, para ti, para a tua família, para todos nós, para o nosso querido país, para os nossos irmãos madeirenses, para o pobre e doente planeta que é a nossa casa... Um grande chicoração. Força, camarada e amigo Zé! Estarei contigo, em pensamento, às 10h de 3ª feira, na hora da derradeira despedida!
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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P5867: Ser solidário (55): Ajudemos as vítimas da tragédia que assolou a Madeira no passado fim de semana (José Martins)

1. Mensagem de José Martins (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 21 de Fevereiro de 2010:

Caros Camaradas
Desde ontem que, ao ligar a TV, se vê a catástrofe que se abateu sobre a Madeira.

Pelas intervenções dos habitantes, nota-se que os que mais terão sido atingidos, e ainda que tenha sido generalizada, os mais atingidos, dizia, serão os que terão uma idade mais avançada e portanto uma esperança de vida mais curta, o que aumenta a sua desilusão e sofrimento. Entre eles estarão, naturalmente, muitos camaradas de armas nossos que, depois de cumprirem o chamamento da Pátria, regressaram à sua ilha, para encarar o futuro.

Já que muitas das vítimas estão a ser auxiliados pelo Regimento de Guarnição n.º 3, da Madeira, que os responsáveis militares identifiquem esses antigos combatentes, referenciando-os quer ao Ministério da Defesa Nacional quer à Liga dos Combatentes, para que seja disponibilizado a estes camaradas a ajuda possível.

Cabe, também, aos nossos camaradas que habitam a Madeira que nos vão informando a forma de, nós continentais e não só, nos possamos solidarizar e participar na ajuda mais que necessária.

Além da nossa solidariedade, enviamos a estes compatriotas o nosso abraço fraternal
José Marcelino Martins


2. Comentário de CV:

O nosso camarada José Martins, homem solidário, está sempre atento a estas situações de sofrimento dos nossos semelhantes. O seu alerta foi oportuno.

A Madeira é um caso nacional, muito trágico, que nos comoveu pelas imagens que nos chegaram via televisão e internete.

Embora a ajuda à distância corra o risco de não chegar ao verdadeiro alvo, quem mais precisa, é um dever moral tentar diminuir as carências materiais de quem já pouco tinha e agora ficou sem nada. Não me refiro aos sinistrados do Funchal, que com ou sem ajuda terão mais hipótesese de refazer as suas vidas. Refiro-me às pessoas que tinham as suas casas empoleiradas (é o termo exacto) nas escarpas das serras e que as viram desaparecer sob uma invulgar torrente de água e lama.

Peço desculpa ao Zé, mas neste caso, ser ou não ser ex-combatente não deve servir para distinguir a ajuda, que deve ser dirigida a quem mais precisa, independentemente do seu estatuto de ex-militar. Haverá ex-combatentes bem instalados na vida e ex-coisa nenhuma na maior miséria.

Caberá em primeira instância às autoridades pugnar pela ajuda directa e efectiva aos sinsitrados, principalmente a quem perdeu os seus familiares, alguns sustento de agregados bem numerosos, como é vulgar naquela Ilha.

Para as pessoas interessadas em contribuir com os seus donativos, aqui ficam alguns NIB's destinados a receberem ajudam pecuniária, destinada aos atingidos pela catástrofe:

BANIF NIB 0038 0040 5007 0070 7711 1

BBVA NIB 0019 0001 0020 0181 6891 5

BES NIB 0007 0000 0083 4282 9362 3

Millenniun NIB 0033 0000 0025 1251 2440 5

Santander Totta NIB 0018 0003 2271 3788 0202 1


Curral das Freiras

Curral das Freiras bem lá no fundo da cratera de um antigo vulcão. A meia-encosta, à direita da foto, a estrada de acesso à Vila que esteve interrompida por detritos caídos da montanha.

Aspecto da linda marginal da cidade do Funchal

Uma vista da enconsta sul a partir do Pico da Torre

Panorâmica de Santana
Fotos: © Carlos Vinhal (2005). Direitos reservados

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5831: Recordando o Tenente-Coronel Taveira Azevedo (José Martins)

Vd. último poste da série com data de 7 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5779: Ser solidário (54): Ajuda Humanitária à Guiné 2010 (Carlos Silva)