quinta-feira, 29 de abril de 2010

Guiné 63/74 – P6271: Estórias avulsas (85): Ocupação de tempos livres (Fernando C. G. Araújo, ex-Fur Mil OpEsp / RANGER da 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512)


1. Uma das áreas reservadas, com muito espaço, no álbum fotográfico do nosso Camarada Fernando Costa Gomes de Araújo* (ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74), é a ocupação dos tempos livres, fora dos dias de serviço, das patrulhas, colunas, operações, etc.
Alguns matavam esses tempos com as mais variadas tarefas, como tratar das suas mascotes (macacos, cães, periquitos, etc), escrever cartas a toda agente de que se lembravam (familiares, amigos e conhecidos), outros gostavam de passear pelos tabancais a ver as bajudas (malandrecos), a todo o tipo de caça, pesca, etc.
Uma boa parte do pessoal dedicava-se aos jogos de mesa, com o xadrez, s cartas, dominó e dados.
Outros aos desportos com bola.
Os preferidos do Araújo, eram o xadrez e tudo o que fosse desporto, com e sem bola.
Solicitei-lhe assim autorização, para publicar algumas das suas fotos dedicadas a esta temática, que tem sido pouco abordada no blogue.

Jumbembem > 1973 > Jogando xadrez com o meu camarada Gomes (cinturão castanho de Karaté - estilo Shotokai (Centro de Karaté de Coimbra). Foi o responsável pelos meus treinos, de que não tenho nenhuma foto, e gosto pelas Artes Marciais

Jumbembem > 1974 > ABR15 > Jogando xadrez com o meu camarada Fur Mil Art Assunção
Jumbembem > 1973 > MAR18 > Natação no tanque de água que servia para regar a horta e tomar banho
Jumbembem > 1973 > Jogando voleibol. De costas está o meu comandante de pelotão, o Alf Mil Carneiro, que viria a ficar cego de uma vista na emboscada de Lamel
Jumbembem > 1974 > Treinando o volar (à data uma nova técnica Chinesa), com a colaboração dos homens do meu 2º pelotão
Jumbembem > 1974 > 07MAR > Jogando andebol contra a CCAÇ 4616. Perdemos 6-8, mas ainda assim lembro-me que marquei 2 golos nesse jogo
Jumbembem > 1974 > 07MAR > O mesmo jogo andebol contra a CCAÇ 4616
Jumbembem > 1973 > Jogando futebol, vendo-se eu a correr para a bola
Jumbembem > 1973 > Treinando braços com corda elástica à porta da messe
Jumbembem > 1973 > Fazendo elevações de barra fixa na entrada do meu quarto

Um abraço,
Fernando Araújo
Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512
_____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:
25 de Abril de 2010 >
Guiné 63/74 – P6245: Estórias avulsas (84): O lírico, ou com a ditadura não se brinca (Mário Migueis)

Guiné 63/74 - P6270: Em busca de... (128): Alferes Miliciano da 2.ª Companhia de Instrução do CIM de Bolama, Agosto de 1971 (Braima Djaura)

1. Mensagem de Braima Djaura* (ex-Soldado Condutor Auto, CCAÇ 19, Guidaje, 1972/74), com data de 22 de Abril de 2010:

Caro amigo Vinhal,
Mais uma vez venho agradecer pela possibilidade e oportunidade de te solicitar algo muito importante, que é saber de alguém que foi um grande amigo, de quem não me recordo o nome, foi um Alferes Miliciano da 2.ª Companhia de incorporação de 08/08/1971, no CIM-Bolama.

Caso se encontre entre nós, pode ser que por teu intermédio ou do Blogue, possa encontrá-lo.

Era magro e alto. Na altura foi um grande homem para mim, pela amizade instantânea de grande simpatia, por ser o seu tradutor de Potuguês para os meus compatriotas Mandigas, que pouco ou nada precebiam de português. Esta condição valeu-me importantes conselhos no fim da Instrução Militar, desse Alferes que ainda hoje recordo, mas de quem infelizmente não me recodo do nome.

Julgo entretanto que através da data indicada, o possamos descobrir.
CIM - Bolama - 2.ª Companhia de Instrução, incorporada em 8 de Agosto de 1971.

Um grande abraço do
Braima Djaura
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6040: Parabéns a você (89): Ibrahim Djaura, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 19 (Os Editores)

Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6186: Em busca de... (127): Localização de Camaradas do BART 733 (Luís F. Camolas)

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6269: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (18): Recordando o nosso Comandante de Companhia Capitão Ricaro Silveira

1. Mensagem do nosso camarada Rogério Cardoso* (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em 20 de Abri de 2010:


A HONESTIDADE DO CAP RICARDO SILVEIRA

Quem conhecia o Cap. Ricardo Silveira como eu, sabia que era um oficial honesto em tudo. Por ser um individuo bastante disciplinador, não era muito popular no dia a dia com o pessoal, homem de poucas falas e de poucos sorrisos, mas ao mesmo tempo tinha a admiração de todos, operacionalmente era muito responsável, não se furtando a saídas difíceis, o que às vezes acontecia, mesmo a nível de pelotão, havia uma certeza, podia-se confiar no "chefe", algo de muito importante para a auto-confiança de um grupo.

Passo a narrar dois episódios que demonstram a honestidade do nosso Comandante de Companhia:

O 1.º Sargento da Companhia, chefe de secretaria a quem era confiada entre outras funções, a elaboração dos prés, foi evacuado com uma "doença de estômago", doença essa que se agravou, quando os ataques nocturnos passaram a ser com alguma frequência. O já citado 1.º Sargento, talvez por não ter espaço de manobra, cumpria em tudo o que o capitão ordenava.

Entretanto veio para Bissorã o seu substituto, homem da mesma escola do anterior, mas que não estava a par das exigências usuais.

Chegou o fim do mês, a Companhia formou para receber o pré como era costume, os primeiros soldados em ritmo ligeiro iam recebendo os míseros escudos, até que chegado ao fim da folha do livro, ouviu-se a voz do 1.º Sargento:

- Meu Capitão assine a folha por favor.

O Capitão de rompante:

- Olhe lá, o senhor quer que assine a folha com as contas feitas a lápis? A Companhia que destroce e quando tiver tudo feito como deve ser, avise-me, para se proceder ao pagamento.

Sem comentários.


No outro caso e passados uns tempos, o Furriel Vaguemestre é evacuado por ter sido ligeiramente ferido. O Cap. Silveira mandou-me chamar, assim como ao 1.º Cabo Cozinheiro Adérito Fernandes, dizendo que a partir daquele momento eu, Furriel Mil. Rogério Cardoso, acumulava mais aquele cargo e que me "desenrascasse".

Então e a partir daquela nomeação, procurei fugir às refeições da M.M., como salsichas, atum e cavala, dobradinha desidratada, etc. e conseguir dar alguns frescos, como carne de vaca, porco e galinha, confeccionados de diferentes modos, aí o pessoal da cozinha colaborou, diga-se de passagem que éramos uma família. Deste modo iria de certeza conseguir lucros, que não eram usuais.

Para verem a honestidade do Capitão Silveira, fui informá-lo de que tinha conseguido uma verba, motivado pela gerência mais cuidada, perguntando eu o que fazer com essa quantia. Obtive como resposta, a de mandar comprar bebidas como whisky, aguardente velha e cerveja, e distribuir ao pessoal no final do jantar, o dinheiro que sobrou e eles pertencia.

Homens como este não abundavam no nosso Exército, havia muitos os chamados Capitães Batata e outros afins, esses sim continuam fazendo das suas.

Rogerio Cardoso
ex-Fur. Mil.
Cart 643-ÁGUIAS NEGRAS
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6199: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (17): Velha bajuda para fazer conversa gira

Guiné 63/74 - P6268: Bibliografia de uma guerra (56): A Propósito de Até Hoje (Memória de Cão) (José Brás)

1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com com data de 20 de Abril de 2010:

A Propósito de Álamo de Oliveira
"Até Hoje (Memória de Cão)"**


A MEMÓRIA DO RIO

A leitura do poste de Beja Santos... trouxe-me à memória (de homem) baldões que dei e dou e damos todos pela vida fora.

Diz-se que o rio não passa nunca duas vezes no mesmo sítio, e a mim me parece ignorância de quem não leu Lavoisier e nem alcança um suspiro de pensamento sobre as voltas que água dá nos seus múltiplos estados, de líquido a gasoso se evapora, ou a sólido se congela; se eleva nos ares quando o calor a faz passar do líquido ao vapor, ou se sublimada directamente do gelo e dispensando a fusão; de vapor a líquido de novo, se arrefece o suficiente para condensar, pesar mais que o ar que a sustinha antes, caindo sobre as encostas, engrossando e voltando, quem sabe, ao mesmo rio onde tinha corrido já, antes das passas sofridas no entretanto.

E quem fala de água, fala de gente, por mais que se diga que história não se repete.

Li o que escreveu o Mário sobre o livro do Álamo, abriu-se-me a curiosidade de uma leitura, como quem volta a sítio em que já esteve antes, tentando confirmar que nunca o lugar é o mesmo em cada volta, na medida do cenário, nas falas das gentes, nos cheiros, nos sons, nas crenças.

Li cruzado mas li de novo.

Quase garanto que não foram as mesmas emoções que vivi agora na passagem desta água já nadada em tempos, desconfirmando o que eu creio sobre o correr dos rios.

O prazer de voltar ao mergulho e de sentir na pele de dentro o fresco das imagens e as palavras com que Álamo as constrói, foi outro talvez, maior, acho eu, do que da primeira vez.

A guerra. A gente da guerra. As imagens que se vêm da gente na e da guerra e as que não se vêm, as que é necessário inventar para que se vejam, tão reais como as outras, porque ser homem, ser gente, não é apenas um corpo, um gesto, um léxico habitual, a respiração, o desejo.

Ser gente é um entendimento muito mais fundo e só quem tem escafandro para mergulhar lhe pode captar as nuances, a multiplicidade dos sonhos, a contracção do ser que a superfície reprime.

O RIO CORRE SEMPRE MUITAS VEZES NO MESMO LEITO

Na sua abordagem ao livro do Álamo de Oliveira, o Mário fez-me recuar no tempo.
Quer dizer, levou o rio às mesmas margens.

Eu explico!

Em 1985 ou 86, acabara eu o "Vindimas no Capim", alguns amigos diziam que a coisa estava gira, a mim me parecia isso algumas vezes e, outras, o contrário, interrogando-me sobre se não estaria parvo na pretensão.
Tanto me disseram que me atrevi a duas ou três editoras, "sim, espere alguns meses para analisarmos, depois lhe diremos alguma coisa". Vocês sabem como é.

Na imprensa tomei conhecimento de um concurso literário da Câmara Municipal do Seixal para autores inéditos e... zás, lá vai a candidatura, cumprindo o regulamento em tudo o que ele dizia.

Passou o tempo do limite para o anúncio dos resultados, esperei um mês ou mais, telefonei e de lá me disseram que ainda não havia decisão, que telefonasse mais tarde.

Novo tempo de espera, e espera não quer dizer aqui, esperança, mas apenas espera mesmo, pelo anúncio da decisão do júri.
Novo telefonema e dizem-me que o vencedor tinha sido... Álamo de Oliveira.

Retorqui um "como?", estranhando, porque o concurso era para autores inéditos e Álamo não o era.

"Pois, tem razão, tem de falar com o júri"... "não tenho nada. O dono do concurso é o Município...", "pois é, mas o júri teimou durante muito tempo, dividido entre este livro e um outro e acabou por decidir. O Município tem dificuldades para anular a decisão sem perturbação do objectivo mais alto do concurso. Mas diga, qual era o seu título?" "o meu título é o Vindimas no Capim". "Pois! Não posso deixar de dizer-lhe que o seu título foi à final e dividiu o júri muito para além do tempo regulamentado, daí o atraso. Se quiser fale com os elementos que são fulano, sicrano e beltrano".

Hesitei no receio da figura de parvo que poderia fazer, importunando gente tão importante. Como conhecia um de o ler, ganhei coragem e chamei, tendo ele dito mais ou menos o seguinte:

- o júri era composto por ele, pelo sicrano professor de literatura na Universidade Clássica de Lisboa e conterrâneo do vencedor, e um beltrano que nunca compareceu às reuniões senão para assinar a acta final e receber honorários.

Disse-me mais! Que ele, fulano, achava o meu livro o mais indicado para o prémio, independentemente da questão do inédito, mas que a divisão havia sido interrompida pela comparência final do faltoso que se inclinou para a argumentação do professor.

Que falasse também com o académico, já agora, para entender o porquê da decisão.
E foi o que fiz, esclarecendo, primeiro que o senhor foi muito simpático, que me disse que também havia gostado do Vindimas no Capim, mas que achara que apesar de Álamo não ser inédito, tinha muito valor e que tal valor ainda não lhe havia sido ainda reconhecido pelo que lhe pareceu justa a reparação.

O que é que podia eu dizer contra esta franqueza?
Calei remoendo o azar e desistindo do protesto.
Li o livro vencedor e gostei, acabando mesmo por concordar com o senhor professor.

E ainda bem que não ganhei o prémio do Município do Seixal!
Ainda bem... porque O RIO CORRE SEMPRE MUITAS VEZES NO MESMO LEITO.

Nas negas das editoras, aconselhou-me uma amiga a concorrer ao prémio revelação da APE, concorri e... ganhei, afinal concurso mais importante (se há concursos importantes) que me abriu as portas das editoras.

Diz-se que guardado está o bocado para quem o há-de comer!
Diz-se que deus escreve direito por linhas tortas!
Acho é que deus pôs o rio direito correndo em torto leito.
Ou foi ao contrário?

Na verdade, voltando a ler o Álamo de Oliveira por incumbência involuntária do Mário, ainda hoje me parece que o júri agiu certinho no Seixal.

José Brás
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6253: O povo e o município de Moura homenagearam, no passado dia 10, os seus 29 mortos na guerra colonial (Parte II) (Luís Graça / José Brás)

(**) Vd. poste de 18 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6181: Notas de leitura (95): Até Hoje (Memória de Cão), de Álamo Oliveira (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5646: Bibliografia de uma guerra (55): Armados Para a Paz, de Albino Silva

Guiné 63/74 - P6267: Convívios (224): 14º Encontro da CCAÇ 2660 do BCAÇ 2905, em Santa Maria da Feira, dia 8 de Maio de 2010 (Virgílio Pereira)


1. O nosso Camarada Virgílio Pereira, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 2660 do BCAÇ 2905, enviou-nos em 9 de Abril o programa da 14ª festa da sua Companhia:



14º CONVÍVIO DA CCAÇ 2660/BCAÇ 2905

Camaradas,

A exemplo dos anos transactos, solicito e agradeço, desde já, a difusão no nosso blogue (desculpas pela apropriação) do almoço/convívio da CCAÇ 2660.
O meu sincero obrigado.

Amigos,

A “CCAÇ 2660” que esteve em Teixeira Pinto e arredores, nos anos de 1970/1971, vai realizar o seu 14º Almoço/Convívio no próximo dia 08/MAIO/2010, em Santa Maria da Feira.

O repasto é no Restaurante “Sabores do Campo” (Rua de Angola, 16 – Urbanização Vila Nova), com as coordenadas/GPS: 40º 56’ 35”n » 8º 31’ 48”w.

O preço do almoço c/ gastronomia regional é de €20,00 (vinte euros).

Vamos conviver, recordar e festejar, e o mais importante é que antes, durante e depois do almoço, tudo é totalmente grátis.

Inscreve-te até 4ª feira (05/MAIO) para:
Barbosa » 919310457, ou
Mário Rui » 969044531, ou
Virgílio » 966007841, ou
Mota » 936518045, ou
Virgílio » virgílio.paulino@sapo.pt

Cumprimentos,
Virgílio Pereira
Fur Mil At Inf

Emblemas de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
_____________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P6266: Notícias de Francisco Henriques da Silva, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402, que foi Embaixador em Bissau, em chamas, em 1998 (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), dirigida a Francisco Henriques da Silva, Embaixador na situação de pré-aposentação e ex-Alf Mil da CCAÇ 2402:

Meu muito querido amigo,
Acabo de saber do teu e-mail. Há dias, li no Diário da República que o Estado te mandou para a aposentaria. Espero que estejas em Portugal. Um dia encontrámo-nos no aeroporto, seguimos ambos para Bruxelas, foi uma tarde de sábado maravilhosa, em vossa casa. Nas grandes amizades, não há hiatos, há, quanto muito, uma suspensão do tempo. Tenho dois livros sobre a Guiné para te oferecer. Sei que existe felizes acasos, ter-te reencontrado será um deles. Espero para a semana começar a escrever “A Viagem do Tangomau”, o livro da nossa juventude, quando eu pertencia aos católicos progressistas, quando tive a felicidade de te conhecer.

Depois iremos para Mafra, separamo-nos, iremos reencontrar-nos na Amadora, teremos as peripécias do Vargas, de novo a vida nos separará. Paro aqui, tu conheces bem a história. Iremos separarmo-nos diferentes vezes. Talvez esta seja a última. Para acabar este livro, preciso de voltar à Guiné, revolvem-se as entranhas a supor o sofrimento que me está preparado. Mas terá que ser assim, um tangomau ficará sempre com uma porção de si próprio em África. Estou em supor que vocês estão bem, e os filhos ainda melhor. Em 2 de Julho do ano passado, um tsunami assolou a minha vida, morreu a Glorinha com 32 anos, sofria de perturbação bipolar, continuo a aguardar o resultado da autópsia por parte do Instituto de Medicina Legal. Deixo-te os meus contactos telefónicos. O da Direcção-Geral do Consumidor (213564686), o de minha casa (217972317) e o meu telemóvel (917457675) que está amordaçado em casa, só anda comigo aos fins de semana, é bicho a quem não dou confiança.

Recebe toda a minha saudade e uma estima sem fim,
Mário


Mensagem resposta do Embaixador Francisco Henriques da Silva a Mário Beja Santos:

Meu caro Mário,
Foi uma grande e agradabílissima surpresa ter recebido o teu e-mail. Emocionou-me. De alguma forma, já o esperava, depois de um reencontro com o Raul, há uns tempos e de trocas várias de correspondência. Inevitavelmente, o teu nome veio à baila e soube que o nosso amigo comum mantinha contactos contigo.

Tal como nas plataformas das estações de comboio, uns chegam, outros partem, outros esperam alguém ou não sabem muito bem o que por lá fazem. A vida é um pouco tudo isso e a imagem reflecte largamente a realidade. Encontramo-nos um belo dia num cais qualquer, na sala de espera de um aeroporto, a chegar, ou a partir, ou, simplesmente, à espera. Perdemo-nos, reencontrámo-nos, voltamos a perder-nos, voltamos a reencontrar-nos. A vida dá muitas voltas, mas sendo o mundo pequeno como é, é fatal como o destino que lá estamos nós, mais uma vez numa plataforma de comboios, num terminal de aeroporto, numa estação de metro ou num outro qualquer local de passagem.

Bom, com altos e baixos, terminou a minha vida de errâncias constantes, de peregrinações sem fim à vista, de deambulações pelos 4 cantos do mundo com a casa às costas como o caracol, por vezes "com perigos e guerras esforçados". Tive de tudo um pouco e tenho muito, mas mesmo muito, para contar. Sinto-me mais velho, mas ainda com genica e estou a escrevinhar as minhas memórias, nas horas vagas que são muitas, designadamente as da Guiné-Bissau, nas duas etapas diferentes que por lá passei: como alferes de infantaria, na guerra dita do ultramar ou colonial e, depois, como embaixador de Portugal, no conflito civil que deu de vez conta do país em formação, que deixou de existir. Vais ter uma amarga e dolorosa decepção. Aconselho-te a que não vás. É muito pior do que imaginas.

A disponibilidade, a que sou legalmente obrigado por ter atingido os 65 anos de idade, é uma situação, digamos, de pré-aposentação, que deverá passar à fase derradeira dentro de alguns meses (Junho? Julho? Quem sabe?) Podia ter continuado, num serviço moderado ou aligeirado, no MNE em Lisboa, mas, por razões pessoais, solicitei a aposentação, logo que cheguei a Portugal, em Dezembro. Em suma, como julgo que deves saber, está tudo, mas tudo, muito atrasado. Não sei quando é que esta saga vai terminar.

Soube pelo Abílio Sá Costa que encontrei, há uns tempos, do falecimento da tua filha - o que muito lamento - e que, posteriormente, me foi confirmado pelo Raul.

Não tinha as tuas coordenadas. Não pude entrar em contacto contigo. Enfim, deve ter sido uma dor muito grande. Eu nem quero imaginar uma situação dessas que para mim seria insuportável, sob todos os pontos de vista. Não sei como conseguiste aguentar, mas sempre foste um homem forte e tudo se ultrapassa. O resultado da autópsia vai ser também um momento difícil, prepara-te para isso.

Os meus filhos estão muito bem. Vivem ambos fora do país: o Pedro em Nova Iorque, casado com uma pianista argentina e professor catedrático efectivo da NYU, de composição e teoria musical; a Inês, que assentou arraiais em Madrid, é economista e perita em questões bancárias (hedge funds, private banking, etc.) e, depois de ter feito um percurso pelas grandes instituições do ramo, trabalha hoje como consultora e responsável por aqueles sectores, para nós um tanto esotéricos, para o Bankinter (4.º banco espanhol). É casada com o director financeiro de uma empresa de telecomunicações - a ONO - e tenho 2 netinhas. Enfim, os percursos da minha prole são completamente diferentes, mas estas radicações no estrangeiro têm que ver com a minha ex-vida profissional. Portugal é sempre, para ambos os casais, uma referência cultural e linguística e, mais do que isso, sentem que é a sua pátria e onde estão as suas raízes, quanto ao mais é a vida da estranja.

Estou-me a alongar e a esgotar temas que poderiam ser abordados em próximo encontro a 3 com o Raul Albino. A propósito, estava a pensar em almoçarmos na próxima semana, em data e hora que te seja conveniente. Lá para 4.ª, 5.ª ou 6.ª feira ou então na semana seguinte. O que é que achas? Podemos escolher qualquer sítio simpático, exceptuando a gare do Oriente, Santa Apolónia ou o aeroporto...

As minhas coordenadas são as seguintes:
[...]

A propósito do nosso feliz futuro reencontro, não resisto a mencionar um bilhetinho que o cardeal Cerejeira escreveu ao Salazar, após longos anos de separação e de alguns desentendimentos entre ambos (li isto não sei onde, mas a frase ficou-me gravada): "António, Porque não vens aquecer-te à lareira antiga e recordar tempos idos. Teu, Manuel"

O Raul enviou-me o texto que mandaste para o blogue do Luís Graça e que muito me sensibilizou. Sei que apesar do tempo, da distância e dos desencontros sempre fomos amigos. Bem hajas!

Um abração do fundo do coração
Francisco


3. Mensagem de Raul Albino (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70), dirigida ao nosso Blogue:

Caro Carlos Vinhal,
Conforme pedido do Beja Santos, junto anexo algumas fotos do nosso companheiro de armas (meu e do Beja), da CCaç 2402, ex-Alf Mil Inf e ex-Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau, penso que para o Beja Santos elaborar um artigo sobre o ex-militar e diplomata neste momento aposentado.

Ficas com uma foto actual e uma foto tipo passe dele como militar. Acrecentei uma com a presença do Medeiros Ferreira, que consta num post meu sobre a CCaç 2402. Vai também uma com a equipa de futebol, salvo erro em Có, onde ele figura em pé à direita e outra ainda com a primeira secção do seu grupo de combate, tirada antes da partida para a Guiné.

Se tu ou o Beja Santos tiverem algumas dúvidas de identificação, não hesitem em me perguntar.

Que tenhas um bom regresso de férias.
Um abraço,
Raul Albino

Segundo Pelotão/Segunda Secção



Equipa de futebol de oficiais e sargentos
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6259: Notas de leitura (98): Em Chão de Papel na Terra da Guiné, de Amândio César (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6265: Convívios (223): Encontro da CCAÇ 3477 “Os Gringos de Guileje”, em Águeda, dia 8 de Maio de 2010 (Amaro Munhoz Samúdio)


1. O nosso Camarada Amaro Munhoz Samúdio, ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 3477, "Gringos de Guileje” - Guileje - 1971/73, enviou-nos o programa da festa da sua Companhia:


ENCONTRO DA CCAÇ 3477 "GRINGOS DE GUILEJE"
Camaradas,
Os Antigos Combatentes na Guiné intitulados os "GRINGOS DE GUILÉGE", vão-se encontrar no próximo dia 08 de Maio, em Águeda.
O local de encontro nas Caves Aliança, em Sangalhos – Anadia -, às 11h00, com a programação organizada pelo meu camarada Abrantes Costa.

Programa

Visita às Caves pelas 11h00 c/explicações de um Enólogo (BOM... digo eu!);

Almoço na Sala Nobre, para saborear Leitão à Bairrada e uma inevitável degustação dos excelentes vinhos e espumantes Aliança;

Visionamento de novos e interessantes slides da Guiné/Guileje.

Guileje > Nov.1971/Dez.1972 > Para quem já esqueceu
Um Abraço,
Amaro Samúdio
1º Cabo Enf da CCAÇ 3477
Miniguão de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
_____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

28 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6264: Convívios (136): Encontro Nacional de Pára-quedistas, em Cantanhede, dia 3 de Julho de 2010

Guiné 63/74 - P6264: Convívios (222): Encontro Nacional de Pára-quedistas, em Cantanhede, dia 3 de Julho de 2010


Encontro Nacional de Pára-quedistas
3 de Julho de 2010


Caro/a Camarada
No próximo dia 3 de Julho de 2010, vai-se realizar em Cantanhede um Encontro Nacional de Pára-quedistas.
Estão convidados todos os Pára-quedistas, respectivos familiares e amigos, para este encontro de confraternização e amizade entre a comunidade pára-quedista.


Sejam todos bem-vindos!


O programa é o seguinte:


09.00 horas – Ponto de Encontro junto ao Monumento dos Veteranos de Guerra do Centro (Junto ao Tribunal Judicial de Cantanhede)
Coordenadas: 40º20’49.53’’N / 8º35’22.04’’W


09.30 horas – Missa na Capela de S. Mateus (junto ao Monumento dos Veteranos), seguida de deposição de Coroa de Flores


13.00 horas – Almoço na Quinta do Brijal (Braganção, Cadima)
Coordenadas: 40º21’07.06’’N / 8º40’46.59’’W


15.30 horas – Passagem dos Caças F16 da Força Aérea Portuguesa


16.00 horas – Saltos de Pára-quedistas na Academia Municipal de Golfe de Cantanhede (Complexo Desportivo de Cantanhede, Zona Industrial de Cantanhede)
Coordenadas GPS: 40º 21' 46"N / 8º 36' 14"W

Para o almoço teremos entradas variadas, Sopa Gandareza, Bacalhau no Forno à Amigo, Leitão à Bairrada, Doces, Sobremesas, Bebidas, cafés e digestivos.


Informações adicionais:


* Para que tudo corra conforme previsto é essencial o cumprimento do horário, que será seguido impreterivelmente, pelo que se solicita pontualidade a todos os participantes. Para os camaradas que venham de mais longe e que cheguem mais tarde, sigam directamente para a Quinta do Brijal, caso cheguem depois das 11h30.


* Todos os pára-quedistas devem trazer a sua Boina Verde.

* Podem trazer os familiares, acompanhantes e amigos que pretenderem, desde que façam referência a eles, e os identifiquem quando fizerem a transferência bancária.
As inscrições só serão consideradas após pré-pagamento por transferência bancária:
Nº Conta: 40235487024 da CCAMCM
Nome Cliente: Licínio Espírito Santo dos Santos
Banco: Crédito Agrícola Mútuo de Cantanhede e Mira
NIB: 004530204023548702446
Valor a transferir: €27,00 para adultos e €13,50 para crianças dos 6 aos 10 anos. Até aos 6 será grátis.
Após terem efectuado o pagamento devem confirmar através do mail paraquedistascantanhede@hotmail.com que efectuaram o pagamento.
Só assim poderemos contabilizar dados e participantes.
É importante referirem o nome do titular da conta de onde é feita a transferência, para que se possa facilmente identificar a proveniência.
Data limite para inscrições/pagamento: 20 Junho de 2010

INSCRIÇÕES para:
paraquedistascantanhede@hotmail.com

Carlos Neto – 918823991
Joaquim Encarnação – 933604460
Licínio Santos – 965842566
Carlos Grosso – 933616525
Tino Reis – 919165533

Comissão Organizadora
Pára-quedistas de Cantanhede
_____________
Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P6263: Ser solidário (65): Solidariedade não é caridadezinha (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 19 de Abril de 2010:

Caros Luis, Vinhal, Magalhães. Briote e restante Tabanca Grande
Este texto é dedicado a todos camaradas, que na amizade recolhem algum conforto para as suas dificuldades.

Um abraço para todos
JA


SOLIDARIEDADE

Não nos vemos há 38 anos e mais uns pozinhos. Voltámo-nos a encontrar aqui no blogue no inicio de 2008, quando pela primeira vez reparei num poste, em que ele dizia ter pertencido ao meu Batalhão.

Trocámos e-mails e recordações, enfim tornámo-nos amigos embora à distância, uma vez que em Galomaro só nos conhecemos de vista.

No último almoço no Cartaxo esperava encontrá-lo, mas tal não aconteceu, quando o questionei sobre isso, ele disse-me que a vida não estava fácil e nunca mais tocámos no assunto.

Há largos meses atrás, comunicou-me que estava doente e possivelmente deixaria de responder por algum tempo aos e-mails, que trocava com um grupo de amigos ex-combatentes.

A nenhum avisou da gravidade do seu estado de saúde.

Ofereci-me para falar com alguém e ajudá-lo no que pudesse, mas o nosso camarada, nunca mais respondeu às minhas mensagens.

Fiquei a pensar no orgulho, que todos precisamos de ter e na confusão que por vezes se faz entre solidariedade e caridade.

O meu camarada pensará, que quem aceita a caridade dificilmente se revolta.

A caridade pratica-se com os vencidos, ela afoga-nos, torna-nos seres perto do abismo e presa fácil do que sempre rejeitamos.

Lá dizia o poeta Aleixo sobre;

A ESMOLA NÃO CURA A CHAGA;
MAS QUEM A DÁ NÃO PERCEBE
QUE ALVITA, QUE ELA ESMAGA
O INFELIZ QUE A RECEBE

Brincar à caridadezinha é profissão de certas classes que assim mostram aos outros “ olha que bonzinhos que nós somos” “que seria destes pobrezinhos se não fôssemos nós?”

A caridade só existe, porque uns cada vez têm de mais e outros cada vez têm de menos.

É pois, se assim se poderá chamar, uma distribuição injusta pois eles não dão os que lhes faz falta, mas sim um pouco das suas sobras e dão a conta gotas porque assim mantêm a necessidade.

É isso que eles entendem por caridade pois solidariedade eles não sabem o que é.

Solidariedade é repartir o último cigarro, o último pedaço de pão, a última água do cantil. Dar o que nos faz falta a nós e não o que nos sobra.

Nós ex-combatentes sabemos do que falamos.

Depois de tentar saber dele por diversas vezes, finalmente sobe que estava relativamente bem após a primeira fase dos tratamentos de quimioterapia e que entretanto recomeçaria nova dose dos mesmos.

Penso no meu camarada, que no seu sofrimento e apesar dele, mantêm uma atitude de desprezo perante a adversidade.

Serão assim os que embora possam ser derrotados, nunca serão vencidos.

Nunca estenderão a mão suplicante, para que lhes dêem migalhas.

Quando a tempestade passar, voltaremos a trocar e-mails, fotos, recordações e quem sabe bebermos uma bem fresquinha, em memória daqueles tempos.

Um abraço solidário do teu camarada
Juvenal Amado


2. Comentário de CV

Sei quem é o camarada em causa, mas acho que ele tem direito à sua privacidade, logo não divulgo a sua identidade.

Ele disse-me que ia deixar de nos contactar por estar muito doente e precisar de tratamento agressivo que o ia afastar durante uns tempos. Enviei uma mensagem desejando-lhe as melhoras e coragem para vencer a adversidade, mas já não obtive resposta.

Caro camarada, se nos leres, fica a saber que estamos todos a torcer para que venças a doença e voltes a enviar-nos a tua música por muitos já esquecida.

Sei que o Juvenal é teu amigo e quer ajudar-te. Responde-lhe. Entre camaradas não há que ter orgulho.

Um abraço solidário para ti e um bem haja para o Juvenal, sempre atento.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6166: Tabanca Grande (212): Manuel Carvalho Passos, Pel Rec Inf/CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/73 (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6216: Ser solidário (64): Teixeira Pinto (actual Canchungo). Manjaco Francês (Fabien Gomis)

terça-feira, 27 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6262: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (26): Diário da ida à Guiné - 06/03/2010 - Dia três

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 19 de Abril de 2010:

Caro Carlos:
Junto mais um relato (do 3.º dia), da minha ida à Guiné, para a série A Guerra Vista de Bafata. (cheguei finalmente à conclusão que Bafata se escreve assim mas que se lê Báfata)

Muito brevemente vou mandar o 1.º capítulo da série NA KONTRA KA KONTRA.

Um abraço
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BÁFATA - 26

Diário da ida à Guiné – Dia três (06-03-2010)


Nesta manhã, o Chico Allen disse que tinha que ir a Bissau tratar de uns assuntos. Bafata pareceu-me mais uma vez fora de questão. Achei portanto que era a oportunidade de ter a primeira experiência de caça. Engoli qualquer coisa e, como era a primeira vez e não conhecia a região, fui na companhia do balanta José. (Nos dias seguintes fui sempre sozinho).

Partimos em direcção a Sul, por carreiro bem marcado. Numa encruzilhada virámos à direita para Poente por onde o carreiro mal se via. Em determinada altura encontrámos um homem que se dedicava à recolha de vinho de palma o qual me explicou todos os procedimentos e mostrou os apetrechos da recolha. Achei interessantíssimo o funil para conduzir a seiva para a cabaça de recolha, lá no cimo das palmeiras, feito com pedaços de folha de palmeira.

Foto 1 > O recolector de vinho de palma com o “cinturão” usado para subir às palmeiras.

Foto 2 > Em cima da cabaça de recolha podem ver-se uns doze funis de folha de palmeira encaixados uns nos outros. São usados no número necessário para cada caso.

Passámos por uma plantação de mandioca, tendo o José aproveitado para arrancar uma raiz e roê-la, quiçá o seu pequeno almoço. Inflectindo novamente para Sul, fomos ter a uma grande clareira com um charco no meio. Daí debandaram algumas garças brancas e uns pássaros que ao voar pareciam prateados. Noutro dia, já sozinho, escondido na vegetação pude verificar que se tratava de simples pica-peixes matizados de branco e preto que ao esvoaçar pareciam de prata. Ambos os passarocos não valiam um tiro, pelo que não disparei.

Foto 3 > O balanta José, que me acompanhou na primeira saída para o mato, com outro homem que encontrámos.

Ainda fomos mais para Sul e Nascente, mas como eu ia mais como observador, levava a máquina fotográfica enquanto ele levava a caçadeira. Regressámos ao empreendimento.

O resto do grupo almoçou em Bissau e eu cozinhei qualquer coisa para mim. Foi bom pois descansei pela primeira vez. A meio da tarde já com o grupo reunido, soubemos que na tabanca de Bofo tinha morrido uma mulher grande, pelo que ia haver festa (choro). Logo para lá nos dirigimos para não perdermos aquele autêntico espectáculo. O ritmo da batucada balanta (não com tambores mas com troncos de interior escavado) era de tal forma contagiante que não demorou muito a que todos nós andássemos aos saltos no meio de toda aquela gente africana. Era alegria, também pó, muita cor, movimento, mas sobretudo ritmo. Tenho muita pena de não pôr aqui os filmes que fiz para ver todo o pessoal do nosso grupo aos saltos.

Foto 4 > O tronco escavado que os balantas usam nos batuques.

Foto 5 > A alegria contagiante estampada na cara do Mesquita.

Foto 6 > Muito pó à mistua.

Foto 7 > Muita cor.

Foto 8 > O Pimentel ensaiando um passe.

Foto 9 > As rusgas sucediam-se.

Foto 10 > Outra rusga.

Foto 11 > A alegria era constante. Iam-se formando grupos que entoavam “cantares”, ininteligíveis para nós, não balantas.

Foto 12 > Toda a gente vestiu a melhor roupa para o choro (festa).

Porém, como de vez em quando alguns africanos disparavam caçadeiras para o ar, uma moça do nosso grupo assustou-se e tivemos que a levar embora dali. Foi uma pena pois perdi a cena que estava a começar, a da largada de seis ou sete vacas, para serem abatidas e comidas durante os festejos.

Foto 13 > Um dos disparos de caçadeira que motivou o medo da moça e consequentemente a nossa retirada.

Tornando ao Anura deparámos com um macaquinho abandonado, quase acabado de nascer que um dos guardas tinha recolhido. A mãe fugira perseguida pelos cães. Diariamente passei a alimentá-lo com um biberão improvisado.

Foto 14 > O macaquinho a que passei a dar leite diariamente.

Jantámos uma autêntica “bianda” feita pelo namorado da filha do Allen. Noticiário, conversa e cama.

Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2010). Direitos reservados.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6185: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (25): Diário da ida à Guiné - 05/03/2010 - Dia dois

Guiné 63/74 - P6261: Controvérsias (70): Os peões das Nicas (Mário G. R. Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a seguinte mensagem, em 22 de Abril de 2010:

Camaradas,

Houveram factos no seio das Forças Armadas, no período da Guerra do Ultramar, que por mais polémicos que sejam, ou susceptíveis de ferir sensibilidades, devem ser discutidos e analisados por todos nós, para melhor se compreender como “funcionou” a guerra a que todos nós estivemos sujeitos.

"OS PEÕES DAS NICAS"
Ao ler as considerações do Sr. Coronel Carlos Morais da Silva, sobre os Capitães Milicianos que participaram na guerra do Ultramar, não podia ficar indiferente ao que o mesmo expõe e ao estudo profundo que fez sobre o melindroso tema.

Segundo as conclusões a que chegou, escreve o Sr. Coronel Carlos Morais da Silva, citando a tese do Sr. Dr. Manuel Rebocho (1.º Sargento-Mor Pára-quedista), na Universidade de Évora, o seguinte:

"(…) Também se provou que a partir 1966, os Capitães de carreira se foram afastando do comando das Companhias retirando-se para locais longe da guerra e para actividades ditas da retaguarda.

(…) Os Oficiais dos anos 60 fugiam da guerra.

(…) A Academia Militar falhou na selecção e na formação psicológica das futuras elites militares.

(…) O Exército cometeu mais um erro ao colocar nas funções de Estado Maior, oficiais sem capacidade de adaptação e sem experiência, quer da tropa, quer da guerra, pois nunca lá tinham estado ou pretendiam vir a estar.

(…) Deu-se a "fuga" de oficiais combatentes para os serviços de apoio.”

Cada um dos autores tira conclusões antagónicas.
O Dr. Manuel Rebocho recorreu a uma série de gráficos percentuais, para demonstrar a sua razão da realidade.

No entanto ao confrontar a sua exposição contestatária à tese, verifica-se nos seus gráficos demonstrativos algumas lacunas a meu ver contraditórias.

Se não vejamos:

Nos gráficos percentuais que apresenta nos últimos anos da Guerra, referentes a 1972 a 1974, é notório um acréscimo elevado de Capitães Milicianos no Comando das Companhias Operacionais, sem explicar um motivo plausível para o facto.

O estudo, ao englobar capitães desde 1958, e só por via disso, provavelmente, consegue apresentar um número superior de capitães no comando de companhias em combate.
Porém, naquela data não havia combates, nem no Estado Português da Índia se pode referir isso, porque ali, as tropas não combateram.
O que é importante, é acentuar que com a evolução da guerra, os comandos das companhias de combate passaram a ser atribuidos, cada vez mais, conforme as estastisticas da Tese, como do Estudo, a capitães milicianos.
A meu ver o problema não se resume a uma mera estatística de números, porque fica por explicar como a partir de 1972 os Comandos Operacionais das Companhias passaram a ser maioritariamente exercidos por Milicianos, e o mais grave índice, a meu ver, é evidente nos anos em que a guerra, nomeadamente na Guiné, teve um maior incremento.

Ao confrontar os gráficos do Sr. Coronel Carlos Morais da Silva, com outros estudos e considerações de camaradas, que como nós que combateram noutros locais do Ultramar, encontrei no Blogue: mitoseritos.blogs.pot.sapo.pt (Setembro de 1969), um gráfico idêntico ou parecido e com considerações e conclusões diferentes.
Também ao ler o livro "OS PEÕES DAS NICAS" de Rui Neves da Silva, conclui, convicta e inabalavelmente, quanto fomos os “peões das nicas” nas contendas africanas acima referidas.


Capa do livro de Rui Neves da Silva
Mais recentemente ao ler um artigo de Orlando Pereira, no jornal “Cinco Quinas - Vida Arraiana”, sobre os oficiais do 25 Abril, tirei algumas ilações do “tabu”, que ainda hoje persiste sobre o tema.

Para todos os camaradas que colaboraram comigo na redacção final deste texto, aqui ficam registados os meus humildes e sinceros agradecimentos.
Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519
_____________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

30 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6071: Controvérsias (69): Hélder Valério e os comentários a Beja Santos (José Brás)