segunda-feira, 5 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6676: V Convívio da Tabanca Grande (15): Caras Novas (Parte IV ): O JERO, aquele rapaz de Alcobaça e de Binta, lembram-se dele ? (Luís Graça)


From: Nhabijoes | 4 de Julho de 2010 | 2 visualizações


Monte Real, Palace Hotel, 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. O Jero, ao lado do Joaquim Mexia Alves, faz entrega ao Luís Graça de uma lembrança do evento: uma bonita peça de cristal de Alcobaça, sua terra querida... Dizeres: V Convívio da Tabanca Grande, Mapa da Guiné-Bissau, Luís Graça. Neste vídeo, segundo eu percebo (há um grande ruído de fundo), ele confessa que o nosso blogue, liderado discretamente por mim, mudou a sua vida... Só espero que para melhor. A confissão, vinda de um amigo, tem que passar pelo sistema de triagem... A lembrança (mesmo que o gravador tenha trocado a Tabanca Grande por Palanca Grande) merece as minhas mais enternecidas palavras de agradecimento e reconhecimento... (LG)


Vídeo (1' 25''): Luís Graça(2010). Alojado em You Tube > Nhabijoes



O JERO ou José Eduardo Oliveira é um dos mais produtivos membros do nosso blogue (já com mais de 60 referências ou marcadores), para o qual entrou há menos de um ano...


Natural de Alcobaça, bancário reformado, director adjunto do jornal local, ofereceu-se de imediato para organizar o V Encontro Nacional da Tabanca Grande. Acabámos por optar por Monte Real, e associá-lo à Comissão Organizadora (de que fizeram parte, além dele, o Carlos Vinhal, o Joaquim Mexia Alves, o Miguel Pessoa e o Belarmino Sardinha).


O JERO é daqueles camaradas que, uma vez apresentados, se tornam,  ao fim de cinco minutos, velhos conhecidos, que a gente se apressa a pôr na lista dos amigos favoritos... Ele é a gentileza em pessoa, uma doçura como os licores e doces da abadia à sombra da qual nasceu e cresceu a sua terra. E tem uma qualidade que é rara entre os primatas: pratica a amizade, é gentil, é prestável, é leal, sem quaisquer pretensões de protagonismo, sem intriga, lisonja ou má-língua... 


Cara nova ? Sim, é a primeira vez que ele vem a um Encontro Nacional da Tabanca Grande. Razão por que merece este destaque.




Dedicatória do então Cap Inf Tomé Pinto, comandante da CCAÇ 675, oferecendo ao autor (Fur Mil Enf Oliveira) o livro que ele (JERO) escreveu e o capitão editou, em 1965... Uma edição limitada, rodeada de cautelas próprias da época: afinal, tratava-se de um diário com material classificado e que, como tal, não podia ser manuseado por qualquer pessoa...  A Nação estava em guerra, mas era bom que pouco ou quase transpirasse para a rua... Havia, na época, o entendimento de que a segurança (não apenas nacional, mas dos homens que combatiam em África) estava em primeiro lugar... Terá sido uma tragédia, para este país, a conspiração do silêncio à volta de um guerra que a censura (política e militar) só muito tardiamente chegasse a ser posta na agenda política e social dos portugueses... A palavra de ordem era, então, "A Pátria Não Se Discute" (Salazar).








Capa (original) do livro, "Comp CCAÇ 675, Nunca Cederá", da autoria do JERO. Edição do Comandante da Companhia, Tomé Pinto, em 1965 (hoje, Ten Gen Ref; julgo que foi também padrinho de casamento do JERO e da 


Exemplar nº 10. Dedicatória, manuscrita, do autor, Fur Mil Enf José Eduardo Oliveira: "*Para os meus queridos Pais, Avó e Irmã: A história de um ano de Guiné que eu não vos contei nas minhas cartas.  Vosso, José Eduardo. Binta, 1 Out 65".







Imagens digitalizadas por L.G., a partir de um exemplar, original, gentilmente cedido por (e já devolvido, em Monte Real, no dia 26 de Junho passado,  a) o JERO, aquela jóia de moço de Alcobaça e de Farim, que insiste em tratar-me, para grande constrangimento meu, por comandante... Por fim, publicidade é devida à marca LineCrystal, da empresa Alcoplas, Lda, com sede em Alcobaça. 


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 Nota de L. G.:


  3 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6670: V Convívio da Tabanca Grande (12): Caras novas (Parte III): O João Barge, da CCAÇ 2317, que foi meu actor em A Cantora Careca, com o Rui Barbot/Mário Claúdio... (Carlos Nery)

Guiné 63/74 – P6675: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XI): O escritor, o teatrólogo e o atrevido escrevinhador

1. Mensagem de Vasco da Gama* (ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74) , com data de 5 de Julho de 2010:

Comecei por escrever um comentário ao poste do Nery e fui andando, andando até ao anexo que publicarão se assim o entenderem....

Um abraço amigo.
Vasco da Gama


BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - XI

O ESCRITOR, O TEATRÓLOGO E O ATREVIDO ESCREVINHADOR


Camaradas e Amigos,
Por motivos que me ultrapassam, mas com quase toda a certeza ligados à minha nabice informática, não consegui colocar um comentário ao texto referenciado no P6672**, publicado pelo nosso camarada Carlos Nery, penso que a pedido do Mário Cláudio, conceituado escritor com uma vastíssima obra da qual possuímos, a minha mulher e eu, alguns livros. Não entendo a razão porque não foi o próprio a enviá-lo, pois parece-me que é membro da nossa Tabanca Grande, faltando-lhe apenas o envio das fotografias actuais para que a sua entrada seja devidamente “formalizada”.

Confesso a minha iliteracia “Claudiana,” pois ainda não li qualquer obra de um escritor premiado com o prémio Fernando Pessoa e com o prémio Vergílio Ferreira, entre outros, o que constitui uma “falha” que prometo colmatar se a minha cabecinha, cada vez menos pensadora, não me trair nessa intenção.

Como grande parte dos meus camaradas sabe sou pessoa ligada ao teatro amador no meu querido Grupo Caras Direitas, fundado há mais de uma centena de anos, onde colaboro na escolha, encenação e produção de algumas peças que vamos apresentando aqui e acolá, tendo neste momento prontas a apresentar em qualquer lado “A Gota de Mel”, de Leon Chancerel, “Perguntem aos Vossos Gatos e aos Vossos Cães” do Manuel António Pina e ainda uma peça mais ligeira, a única das três que vai dando escasso retorno, chamada “Só Cenas”, que é um conjunto de vários quadros mais ou menos revisteiros, mas que tocam alguns assuntos como a pedofilia, a má governação, crítica social local, misturados com danças e canções mais ou menos popularuchas.

Vem isto a propósito da peça “Cantora Careca” que terá sido levada à cena em Bissau…, em tempo de guerra. Como sabem a Cantora Careca do Ionesco enquadra-se naquilo que se designa por anti-teatro ou teatro do absurdo.

Muito resumidamente o texto mostra como um casal “desconhecido” após dialogar de uma forma não muito fácil de ser entendida por todo o público, chega à conclusão que mora na mesma rua, habita na mesma casa e dorme, pasme-se, na mesma cama.

Em Bissau, em tempo de guerra, demonstra alguma coragem levá-la à cena, a não ser que tivesse sido apresentada para a elite militar e suas esposas…

Torci pois o meu nariz ao ver estas notas, que no entanto me despertaram a curiosidade para ler e reler o texto do Mário Cláudio.

Como disse, li e reli e queridos camaradas sem qualquer pretensão em armar-me em crítico literário, a minha senilidade ainda não chegou aí, gostei do texto são e escorreito, mas perdoem-me o atrevimento, não tem rigorosamente nada a ver com o nosso Blogue, em minha opinião, obviamente.

O texto é um panfleto contra a presença da tropa na Guiné e é apenas e só pura literatura.

O Blogue diz respeito ao somatório de opiniões de combatentes que expressam as suas experiências nessa guerra colonial, onde alguns se bateram por convicção e outros foram obrigados a combater no mato em condições infra humanas, que os senhores do ar condicionado de Bissau ou de outras metrópoles, milicianos ou profissionais, jamais poderão imaginar.

No meu Blogue interessam-me os escritos dos camaradas da Guiné e as suas experiências dolorosas, contadas por gente com estatuto de escritor, ou por outros que mal sabem escrever.

Literatura e opinião política, leio-a noutro lado.

Já agora e relativamente ao texto parece-me que ficar-se apenas pelo “mata” é curto; na guerra também se morre. Não aceito estes unilateralismos, para não dizer que os abomino.

A guerra não é só o que está descrito no texto; não é só o mata e se erros houve foram de parte a parte.

Fui andando, andando e agora, meus pacientes editores, publiquem ou não.

Do meu Buarcos lindo, passada que foi a meia noite e com um cheirinho a maresia a invadir o meu “castelo”, envio um abraço fraterno para todos os meus camarigos.

Vasco Augusto Rodrigues da Gama
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6399: Parabéns a você (114): Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAÇ 8351, Cumbijã, 1972/74 (Carlos Vinhal / Belarmino Sardinha / Giselda e Miguel Pessoa / JERO / Manuel Maia)

(**) Vd. poste de 4 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6672: Para o livro de ouro do Capitão Garcez, um inédito de Mário Cláudio

Vd. último poste da série de 5 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6321: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (X): As minhas (in)Congruências ou as minhas (in)Coerências?

Guiné 63/74 - P6674: O Nosso Livro de Visitas (91): Hélio Matias, ex-Alf Mil Cav, comandante do Pel Rec Daimler 805 (Nova Lamego, 1964/66), que conheceu o Triângulo do Boé (José Martins)

1. Recebemos, através do nosso camarada e colaborador José Martins [, foto actual à esquerda], a seguinte mensagem, assinada por Hélio Matias.

Boa tarde.

Segui com interesse o que escreveu sobre os intervenientes e histórias da zona do Gabu.

Fui o Alferes Miliciano que comandou o Pelotão de Reconhecimento Daimler 805, e que se deslocou para Nova Lamego com o Batalhão de Caçadores 512, transitando depois para o de Cavalaria 705 e finalmente o de Caçadores 1856.

Atravessámos o Cheche inúmeras vezes, apoiámos todo o sector de Madina do Boé (penso ter sido dos últimos a lá ir somente com o comandante do Batalhão no seu jeep e motorista), percorremos Béli, estivemos em Piche com a 727, fomos a Canquelifá e Buruntuma em situações complicadas, etc.

Se achar de interesse, poderei fazer-lhe chegar um texto mais pormenorizado e melhor elaborado do que este que fiz ao correr da memória, até porque tenho documentação escrita e fotográfica.

Cumprimentos e bem-haja.

Hélio Matias.


2. Resposta do José Martins:

Data: 15 de Maio de 2010
Assunto: Re: Madina do Boé

Caro Hélio Matias

Agradeço as palavras amáveis acerca do meu trabalho sobre o Triângulo do Boé. Foi durante a elaboração do mesmo que tomei conhecimento de que tinha sido a antecessora da minha unidade - a 3ª Companhia de Caçadores Indígenas, posteriormente Companhia de Caçadores nº 5 - que instalou os aquartelamentos de Madina do Boé e Beli.

Eu próprio estive na evecuação das mesmas,  em Junho de 68 e Fevereiro de 69.

Constato, em breve pesquisa, que se trata de um combatente que esteve na Guiné entre Outubro de 64 e Agosto de 66, depois de consttituir unidade em Cavalaria 6, no Porto.

Quanto à oferta de colocar à minha disposição material escrito e fotografico, é uma honra. Mas proponho o seguinte:

Existe o blogueforanadaevaotres.bloguespot.com, que agrega mais de 400 antigos combatentes da Guiné que, dentro das possibilidades e saber de cada um, vai escrevendo os seus textos que, ao serem fixados e colocados na Internet,  constituirão um documento de inegável valor para as gerações vindouras. É de notar que alguns académicos já beberam, no blogue, as informações de que necessitavam. Assim proponho que adira ao blogue e, na primeira pessoa, possa transmitir a todos nós as experiências e vivências que troxemos da Guiné, para mim considerada como uma segunda pátria.

A Tabanca Grande, assim também designada, reune-se em convívio uma vez por ano (esta ano [foi] no dia 26 de Junho, em Monte Real), além de já haver outras, espalhadas por várias regiões do país, que se vão emcontrando para um simples café ou para uma confraternização à volta da mesa, como portugueses que somos.

Fico a guardar a entrada de mais um camarada da Guiné na Tabanca Grande.

Este mail segue com conhecimento aos editores do blogue.

Um fraterno abraço e até breve, já que a linha está aberta.


José Martins

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Nota de L.G.:

Vd. último poste desta série > 4 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6530: O Nosso Livro de Visitas (90): O Alenquer, condutor, Pel Rec Fox 42 (Aldeia Formosa, Guileje, Ganturé, Sangonhá, Cacoca, 1962/64)

domingo, 4 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6673: Controvérsias (89): Ainda e sempre Guileje, Gadamael, Guidaje... "A vida é curta, a arte é longa, a ocasião fugitiva, a experiência enganadora, o juizo difícil",como diria o Hipócrates (Aforismos, Séc. IV/V a.C.) (Luís Paiva)



1. Comentário, com data de 1 do corrente, do Luís Paiva ao poste P3689, de 3 de Janeiro de 2009 (*):

Sobre "A Retirada de Guileje", de que fui um dos vários protagonistas, não valerá a pena - penso eu- reiterar o que já antes afirmei em publicação anterior.

O livro com o mesmo título, da autoria do Cor Alexandre Coutinho e Lima, com toda a documentação que o autor lhe anexou, retrata fielmente no essencial os acontecimentos ocorridos no que foi um dos teatros de guerra no final do conflito colonial na Guiné.

É minha firme convicção que ao então Major Coutinho e Lima, Comandante do COP 5, os que nos encontrávamos estacionados no aquartelamento de Guileje, ficámos a dever-lhe a vida. Não me parece razoável comparar as situações de Guileje com Guidaje quanto mais não seja porque a este último aquartelamento foi prestado um apoio militar por forças especiais de que Guileje - por motivos que não importa discutir aqui e agora - não usufruíu.

Mesmo o apoio aéreo a Guileje passou a ser reduzido e pouco eficaz após o abate do Fiat ocorrido naquela zona algum tempo antes. Recordo que eu vivi todos esses acontecimentos dado ali ter permanecido com duas Companhias, inicialmente até finais de 1972 afecto à CCAÇ 3477 (G
ringos de Guileje) e posteriormente com a CCAV 8350 (Piratas de Guileje).

A troca de ideias é salutar desde que se faça com o respeito mútuo; obviamente que se admite - como agora "soe dizer-se" - o contraditório, mas - isso é muito importante, penso eu - que o assunto seja debatido acaloradamente por quem não viveu no terreno os acontecimentos, pode tornar-se insultuoso para os que ali viveram dias tão dramáticos.

No que respeita a Gadamael a situação foi ainda mais trágica porquanto aquele aquartelamento não dispunha das infra-estruturas militares de Guileje, designadamente abrigos subterrâneos, e dos acontecimentos que se seguiram (e que não era preciso ser-se estratego militar para adivinhar) advieram várias baixas de camaradas pelo que uma discussão não fundamentada representa uma profunda falta de respeito pelas vítimas que ali tombaram.

O assunto parece continuar a envolver muita controvérsia, parte significativa da mesma desencadeada por quem não viveu directamente os acontecimentos pelo que seria desejável alguma contenção e decoro, e não só pelas vítimas já referidas como pelos muitos intervenientes que já não se encontram entre nós por terem falecido ao longo dos últimos anos.

A vida é demasiado curta pelo que a devemos aproveitar para uma sã concórdia pois à medida que o tempo vai decorrendo a nossa inexorável condição humana conduzir-nos-á ao final dos nossos dias. Saudações cordiais a todos os leitores deste texto.

Luís Paiva
Ex-Fur Mil Art.ª, 15.º Pel Art
(Guileje e Gadamael, 1972/73) 


Guiné 63/74 - P6672: Para o livro de ouro do Capitão Garcez, um inédito de Mário Cláudio


Guiné > Zona Leste >  Sector L1   > Bambadinca > CCS/ BART 2917 (1970/72) > Jovem mãe fula, com o seu filho. Não há qualquer relação, espácio-temporal,  entre a foto, do Benjamim Durães, e o texto (que é de ficção literária) a seguir reproduzido, da autoria de um dos grandes escritores portugueses da actualidade, Mário Cláudio, Prémio Pessoa 2004, e um dos recentes membros do nosso blogue. 
Foto:  ©  Benjamim Durães (2010). Direitos reservados


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Em bicha-de-pirilau... A solidão dos combatentes, na hora mortal da madrugada... Um imagem, recuperada de um "slide" do meu amigo e camarada Arlindo Roda, editada (e reeditada) por mim (com a devida vénia...).
 

 
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > ... E a solidariedade dos combatentes... Dois soldados do 3º Grupo de Combate, do Alf Mil Abel Rodrigues, aparam o 1º Cabo Carlos Alberto Alves Galvão, metropolitano (vive hoje na Covilhã: Um Alfa Bravo, Camarada!), comandante da 1ª secção, o homem que cometeu a proeza de ser ferido duas vezes o decurso da mesma operação (Op Boga Destemida, Fevereiro de 1970). Estes dois camaradas guineneenses podem ser alguns dos seguintes que compunham a 1ª secção: Soldado Arvorado 82108769 Totala Baldé (Fula); Sold 82108569 Sambel Baldé (F); Sold 82108969 Mauro Baldé (Ap LGFog 8,9) (F); Sold 82110369 Jamalu Baldé (Mun LGFog 8,9) (F); Sold 82109169 Malan Baldé (F); Sold 82109569 Iéro Jau (Ap Dilagrama) (F); Sold 82110969 Samba Baldé (Ap Metr Lig HK 21) (F); Sold 82109969 Malan Nanqui (Mandinga). "Slide" do Fur Mil Arlindo T. Roda, comandante da 2ª secção.  Imagem editada por L.G.

Fotos: © Arlindo T. Roda  (2010). Direitos reservados



Para o Livro de Ouro do Capitão Garcez

 por  Mário Cláudio [, foto à direita] (*)

Convoco o banalíssimo rosto do Capitão Garcez, emergido da noite em que se me deparou. Um esfregão parece ter passado por ele, reduzindo-o à suprema inexpressão, despido do fulgor da violência que lhe imputam. Ali está, solitariamente sentado a uma mesa do Clube Militar, atento ao zumbido das ventoinhas do tecto, e ao súbito remexer dos ramos das bananeiras que anuncia um desses tornados da estação das chuvas. À sua frente a minha presunção de virtual escritor implanta uma grande bandeja, repleta de cabeças de guerrilheiros, cortadas numa tarde de assalto a um aldeamento por entre a aguardente emborcada, e o suor empapante dos camuflados. E um outro texto descerra-se diante de mim, já não o que o tenebroso oficial pressupõe, mas o que se estampa na cara dos degolados, contemplando num último lampejo do medo, ou do ódio, o embondeiro distante, a cuja sombra as mulheres se abrigam na amamentação dos filhos.

O bancário aposentado tira os óculos que ficam pendentes de um cordão, e confronta-me como se não quisesse ver-me com demasiada nitidez. “Não creio que tenha muito para lhe contar”, declara ele, e justifica-se, “já lá vão bastantes anos, e aquilo que nesse tempo nos parecia interessantíssimo acabou por não valer um caracol.” Encontramo-nos na salinha sobreaquecida, e a luz do candeeiro de pé reflecte-se no vidro da janela, compensando pelo halo de intimidade que desenha o desolado cinzento do Inverno lá de fora. “Afinal vivíamos praticamente em família”, discorre ele, e eu lanço uma mirada às prateleiras à minha direita, atafulhadas de edições do Círculo de Leitores, inseridas por detrás de uma tralha de lembranças de viagem, dominadas pelas três estatuetas africanas que ocupam o plano mais de cima. O meu informador abre uma gaveta na parte de baixo da estante, retira uma caixa de cartão arrombada, destapa-a com delicadeza, e vasculha na desordem de fotografias de várias dimensões. Descobre a que procura, e entrega-ma com um “aqui tem” apressado. Lá se distingue ele, facilmente identificável pelas orelhas de abano, de calções de caqui, entre dois camaradas, também de barba por fazer, e formando um grupo ligeiramente apartado do indígena bronco, de ombros descaídos, que espeta o olhar na câmara com a vigilância de um cão fiel. “O que está à minha esquerda”, explica num sussurro, “é o Garcez.” Solta uma risadinha como se lhe tivesse sobrevindo a recordação de um episódio pícaro, e remata, “O Garcez era um ponto, não havia outro igual.”


O percurso do Capitão Garcez a custo se acha nesses dilapidados calhamaços, inventariadores dos sucessos dos que serviram nas forças armadas, e que terminaram os seus dias a pedir esmola, a desempenhar o cargo de porteiro de algum condomínio fechado, ou a projectar o futuro na base da jantarada que anualmente reúne o pessoal decrépito da sua unidade. E os jornais do seu tempo, tanta vez apodrecendo no bolor de um sótão de província, permanecem inatingíveis pela falta de paciência de quem pretende estudar os passos dos bravos em desgraça. Terão porventura circulado aerogramas, a descrever-lhe as impetuosas proezas, subscritas pela admiração inescondível, e não raro pela calada repugnância, mas bem sabemos que destino levariam esses documentos, ora despachados para o contentor com o lixo reunido antes de se mudar para a casa nova, ora incinerados por um antigo soldado que nas vésperas do casamento resolveu com a noiva desfazer-se da correspondência de namoro. O Capitão Garcez vai assim perdendo o tal rosto, aquele mesmo que se esparrinhou com o sangue da jugular no instante da catanada, imobilizando-se a seguir na massa fosca das noitadas de whisky do remoto destacamento no mato.

Continuo a observar a foto dos idos da campanha, não tanto porque dela espere obter mais do que aquilo que deduzi já, o apagado facies do Capitão Garcez, alferes na altura, debaixo do cabelo liso e ruço claro, e na palidez que o distingue dos companheiros. Vou meditando no que o meu informador depreende do jogo fisionómico que lhe proponho, tão relevante para ele como o dele para mim, e de idêntica forma à mercê de suspeitas e traições. Apercebe-se da curiosidade com que lhe persigo o desvio da vista, e da minúcia com que lhe inventario os bibelots expostos na biblioteca, babushkas alinhadas em progressão aritmética, e miniaturas de teares e caldeiras, óbvios mementos das peregrinações a Leste, promovidas pelo partido da esquerda bem-comportada de que foi militante. E não deixará de reparar ainda no modo como lhe espio o gesto de selecção dos clichés da caixinha, futurando que será meu objectivo, e a mais do que a simples escrita de uma história, comprometê-lo por desmandos que, não transcendendo todavia a sua inicial responsabilidade, lhe pesam hoje como infames nas madrugadas de insónia. Ao devolver-lhe o retrato amachucado do quarteto com uma palhota atrás, terá porventura entendido o meu sorriso, não como aceno cortês de gratidão, mas como cínica ameaça, resultante do facto de conhecer eu muita, muita coisa que ele preferiria manter em silêncio. Desce a escuridão para além da vidraça, e o clarão da lâmpada denuncia com acrescida clareza quanto guardamos, ele e eu, nas algibeiras mais secretas das intenções que nos movem.

A peça televisiva, sobrevivente num preto e branco que as décadas foram zurzindo, oferece a deslocação lenta, um pouco rígida, do Capitão Garcez, subindo os degraus da tribuna no Terreiro do Paço, erguida para as comemorações do 10 de Junho. Transporta o rosto anódino de sempre, indeciso entre a melancolia e a austeridade, o que redunda na absoluta ausência de emoções. Avança para o Presidente do Conselho que lhe impõe a Torre e Espada, e que o abraça com a finura sinuosa de quem restringiu a paixão a um cálice, um cálice apenas, de porto tawny. Soletra-se entretanto o que se adivinha, a dor das duas viúvas que irão arrecadar a condecoração a título póstumo, o espanto do menino órfão no seu fatinho de piqué, tudo o que a comissão dos festejos imperativamente recomendou. O choro ostensivo que se proibiu, e que se crispa em engolidos soluços, esvai-se na brisa que sopra do Tejo, e que faz esvoaçar o véu de luto do duo das inconsoláveis esposas, e o vestido estampado das senhoras que assistem à cerimónia, e que ficarão lindamente no banquete que fecha o ritual. O nosso Capitão Garcez, e leia-se isto com um misto de pudor e asco, regressa à fileira donde saiu, cravando no vazio do céu azul a vista com que abarcou páginas e páginas de uma crónica heróica, as cabeças em espeques que lhe engalanavam o jeep, os ventres das grávidas rasgados à baioneta, e donde desliza no capim o feto banhado em sangue borbulhante, e o crânio do petiz que, ao esborrachar-se num poste, produziu o ruído das carochas esmagadas pela bota.

No rosto do Capitão Garcez aprendo a alvura que se situa para além da morte, a dos dentes das nativas que vertem a cólera das lágrimas no corpo estraçalhado das crias, a do leite que dolorosamente se retém nas suas mamas, a da esclerótica dos cadáveres que não baixam por completo as pálpebras, a da cal com que se pinta a parede para que não dure na morança o espírito do executado, a do pânico do régulo que cospe em Portugal a cegueira a que o reduziram com o sol a pino, a do esperma do terrorista enforcado que não se veda no meio minuto do estertor, a do manto da Senhora de Fátima a que se abrigam as virgens cristianizadas, a do lenço embainhado do menino de sua mãe que não encarna a coragem de cortar a garganta da impúbere, a dos cornos do boi que alui para alimentar com a sua carne os homens do pelotão, a da manhã de canícula que enrola os defuntos num sudário tão delicado como o linho, a do sabugo das unhas arrancadas ao capturado que se recusa a falar, a do cogumelo de espuma nos beiços do rapaz manietado que se puxa do poço, a do bando de garças que levanta voo a cada rebentamento da granada inserida nas calças de um pobre diabo, a da máscara do feiticeiro que conclui a pantomima, a dos lírios calcados pela sola do Capitão Garcez.
Se o oficial agraciado, tendo volvido ao seu lugar, me avistasse então, conforme me posiciono agora, acomodado defronte do televisor, talvez traduzisse em mim o nojo que lhe suscitaria o seguinte, “E que tem o marmanjo com os actos que pratiquei, ou não pratiquei, estávamos em guerra, na guerra mata-se, e quem poderá acusar-me de celebrar a morte, a fim de a assumir em pleno, com insígnias que eu escolhia, um colar de orelhas enfiadas num arame, postas à volta do pescoço, como se desembarcasse para umas férias no Havai, um bracelete de dedos calejados, colhidos ainda em vida dos anjinhos que despachara, e que me dera na moina enviar à última puta que fodera em Lisboa? Nenhuma destas alegrias curava a tristeza que me assediava, e que provinha de compreender que não existe no Mundo festarola que não seja a que inventamos, e em que ninguém acredita, e deitava-me a dormir, e antes de tombar no sono contava os dentes que se tinham soltado, apegados a lascas de gengiva, do maxilar que eu estourara com a coronha da G-3, ou procurava reproduzir em surdina, muito em surdina, os berros da gaja agarrada ao miúdo, o que tem você mesmo com isso, seu cobardola de merda?”

Na alma do Capitão Garcez colho o vermelho que explode no paroxismo da agonia, o do fio que escorre do buraco da bala na nuca, o do globo ocular que o sabre extirpa como uma ostra, o da papa em que se converte o detido que se ata a uma mina, o dos restos na bocarra do morteiro a que o chefe de posto é amarrado, o da diarreia do velhote que arrastam pelo chão, o da massa dos pulmões à mostra pelo lanho que rasga o peito do comandante deles, o do inchaço das partes que se penduram numa cana, o do vómito do recém-nascido que se arremessa contra o tronco da acácia, o do vinho acre que se bebe na volta à camarata, o da bandeira que se iça para presidir à farra, o da glória dos heróis que sepultam a honra debaixo do lodo, debaixo da lama, e debaixo da trampa.

Chega-me a mensagem de um que andou com o Capitão Garcez nas lutas africanas, e transcrevo dele este bocado, “Há muitíssima confusão, o que favoreceu o mito. Vamos pensar. Mas eu não pretendo branquear-lhe a memória, muita atenção, o tipo era um homicida que descobriu, na guerra colonial, a sua coutada, e que se realizou na tortura, no massacre e na matança. A prova está em que nenhum de nós confraternizava com ele, e havia um como que acordo tácito, entre a malta, nesse sentido. Estou a avistá-lo, ainda, sempre isolado, absorvido nas bolinhas de fumo, que atirava para o ar, com aquele rosto de querubim, mas que, se analisado à lupa, apresentava-se destituído de qualquer sentimento. Por que haveria eu de o desculpar? Mas o que ninguém negará é que as cabeçorras dos pretos, espetadas nos paus, a bordejar a picada, funcionavam como um truque da psico, para demonstrar aos rebeldes, convencidos, pelas igrejas evangélicas, de que Deus os conservava invulneráveis às balas, que não beneficiavam do dom da imortalidade e que não eram menos mortais do que nós. Se isto não escusa as atrocidades, é natural que lhes dê, no entanto, uma certa razão, e uma razão patriótica, que constituia aquilo que, na circunstância, se desejava do sujeito. Quem se adiantaria, se não o Garcez, para executar o trabalho sujo, desempenhado sem luvas, e a que não se furtava, por o considerar imprescindível, talvez, e não tanto porque lhe apetecesse?”

Este rosto que se fixa no meu, devolvido pelo espelho quadrangular que veio da casa dos avós, foi sendo devastado ao longo das quase cinco décadas. Junto a mim pousa a grande jarra de gerberas, arauta da Primavera que desponta, a projectar aquele macerado amarelo, tão característico dos que retornam dos trópicos. A verdade é que, há muito, muito tempo, me não assalta o organismo de pretérito miliciano essa coloração dos surtos palúdicos, precipitando-me em convulsos pesadelos, atrelados a outros experimentados já. Serenamente afastaram-se de mim aqueles transes inexplicáveis, vividos por um soldado sonâmbulo que devagar conduz o Unimog através da povoação em labaredas, cruzada pelo balido das cabras espavoridas, e pelo guincho das fêmeas e crianças que ardem numa habitação esbarrondada. Apagado pela ventania que espanta o incêndio, o rosto do Capitão cristaliza em mim numa neutralidade de cera, de órbitas vazadas, tão frágil e tão efémero como a paisagem que o circunda. E só a minha cara permanece, e nela a intrigada movimentação dos lábios magnetizados pela figura no espelho suspenso perante mim, balbuciando no extremo desespero, “Como te chamas? Como te chamas? Maltez? Calapez? Montez? Garcez! É isso, é isso, Garcez!”

O homem continua acolá, de pés virados para o lume da lareira. Amenizou-se-lhe o clima, respirado pelos netos traquinas que gosta de instalar sobre os joelhos, e pelo gato angorá que langorosamente curva o dorso sob as carícias do dono. E o noticiário da TV relata uma toada de guerras exóticas, empreendidas por mercenários que ganham o bastante para edificar a vivenda dos seus sonhos, descrita à namorada em cartas onde se alude ao cio arrasante, devorador das entranhas. O vetusto Capitão Garcez, admiravelmente robusto para os seus quase setenta, levanta-se da poltrona, e as imensas asas negras, rompendo-lhe das espáduas, batem numa vibração, desplumam-se na treva, e desfazem-se em pó.

Texto: © Mário Cláudio (2010). Direitos reservados

[Foto de Mário Claúdio. Autor: Gaspar de Jesus. Digitalização: Carlos Nery. Fonte:  livro de contos, autografado, oferta do autor, "Itinerários", 1993... Com a devida vénia ao autor e editor...]
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Notas de L.G.:

(*) Mário Cláudio é o pseudónimo literário de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, natural do Porto, que esteve na Guiné, como Alferes Miliciano, colocado na Secção de Justiça do Quartel General (1968/70), juntamente o hoje conhecido constitucionalista Gomes Canotilho. Foi nessa altura que conheceu o Carlos Nery (**) e o João Bagre, com quem fez a peça de teatro A Cantora Careca, de Ionesco.

(**) Foi o Carlos Nery que nos enviou, em 18 de Junho, este texto (que se presume seja inédito), remetido pelo escritor Mário Cláudio, na sequência da sua entrada para a nossa Tabanca Grande (onde está registado como Mário Cláudio / Rui Barbot:

Amigos, enviei-vos ontem o primeiro texto que o Barbot me remeteu para ser colocado no blogue. Quando vos remeti o meu "Noite Longa" tive o cuidado de o converter da reprodução do papel impresso para a forma digitalizada. Não sei como isso se chama... Mas fiquei surpreendido com a facilidade como meu filho fez essa conversão. O que vocês receberam parecia ter sido "batido" aqui no teclado mas fora um programa informático quem tinha efectuado o equivalente a esse trabalho a partir de um texto impresso em papel. Confesso que nem sabia que isso já era possível... Trabalhei na Organização e Métodos do Banco de Portugal e lembro-me de, aqui há já alguns anos, ter feito uma consulta ao mercado para saber se havia algum dispositivo que fizesse tal coisa. Não havia. O meu espanto foi ver que, agora, num computador pessoal, isso se faz em minutos...

Mas tanta conversa para quê? Para dizer que, se vocês quiserem, eu me posso encarregar dessa tarefa relativamente ao "Livro de Ouro"...

Uma coisa: o Barbot, não obstante a minha insistência, não me remeteu foto sua actual (***). O homem tem mil afazeres, obrigações e prazos a cumprir, não o quero chatear muito... Temos que entendê-lo... Penso que, se isso for muito importante, é sempre possível encontrar uma foto actual.

Enviei uma foto dele na "Cantora Careca" (juntei-a eu ao material enviado). É uma foto que tenciono usar quando estiver pronto o Poste sobre essa realização teatral. Pode ser ou não usada agora. Mas como falei da sua performance teatral, na altura, pareceu-me não ser descabido essa divulgação, agora, até pelo seu ineditismo...

Abraços CNery

(***) Mail de 17 de Junho do Mário Cláudio / Rui Barbot

Meu Caro Carlos Nery, aqui segue o que lhe prometi. O que não constar dos anexos seguirá depois, ou irá ter-lhe às mãos por via postal. Grande abraço amigo do Rui Barbot.

Vd. poste de 23 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6630: Tabanca Grande (227): Rui Barbot / Mário Cláudio, ex-Alf Mil, Secção de Justiça do QG, Bissau (1968/70).

sábado, 3 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6671: Agenda cultural (82): Lançamento do CD "Ai Bissau!", do grupo Os Fidalgos, 2ª feira, 5, às 18h00, no Centro Cultural Português, em Bissau

1.  Mensagem dos nossos amigos da AD Bissau:


Data: 1 de Julho de 2010 11:28
Assunto: Os Fidalgos - Lançamento do CD "Ai Bissau!"




Caros Amigos,


Gostaria de vos convidar a tomar parte na cerimónia de lançamento do primeiro Álbum de Músicas do grupo de teatro mais conhecido da Guiné-Bissau,  Os Fidalgos!!!


Os Fidalgos darão a conhecer o seu álbum "Ai Bissau!" , no Centro Cultural Português [, sito na Embaixada de Portugal, Av  Cidade de Lisboa, CP 276, Bissau, Telef. ,
+ 245 203 395 / 212 741],

no dia de  Julho, 2ª feira, pelas 18h00.

A entrada é gratuita e será uma excelente oportunidade para nos deliciarmos e nos deixarmos surpreender com o talento de Os Fidalgos.


O CD "Ai Bissau" estará igualmente disponível para venda (5.000 xof), para todos os que apreciem o estilo ou queiram presentear amigos e familiares!


Contamos com a vossa presença!!!


Mantenhas :)


P.S. Agradece-se divulgação do evento!
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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P6670: V Convívio da Tabanca Grande (14): Caras novas (Parte III): O João Barge, da CCAÇ 2317, que foi meu actor em A Cantora Careca, com o Rui Barbot/Mário Claúdio... (Carlos Nery)











 Monte Real, Palace Hotel, 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné  > (*) Em cima (as três primeiras imagens), o João Barge e o Carlos Nery... Em baixo, o João Barge, ao meio, com o Idálio Reis (à direita, segurando uma cópia das letras do Cancioneiro de Gandembel) e o camarada,  advogado da Tabanca de Matosinhos, que, na Guiné, chegou a ser graduado capitão ou comandou a sua companhia (Imperdoável: não fixei o seu nome, espero que o Carlos Vinhal ou o Eduardo me dêem uma ajuda para colmatar esta branca; é outra cara nova nos encontros da Tabanca Grande, e que não precisa de convite para se juntar aos bravos do pelotão).

 

1. Comentário, com data de hoje,  de Carlos Nery ao Poste P6630:





E não é que, em Monte Real, fui encontrar o João Barge, outro dos "meus" actores de Bissau?!

O João, afinal, faz parte da Tabanca Grande e descobri-o agora, esteve comigo em Buba, também.

Eu explico, houve uma altura em que Buba foi terra de "muitas e desvairadas" gentes. Abria-se aquele "elefante branco" que foi a Estrada Nova, (um dia falarei nessa empresa que custou vidas, sofrimento e imenso esforço e que nunca serviu para nada); uma das unidades que ali esteve, creio que durante três meses, foi a companhia que estivera em Gandembel, a CCaç 2317, a que o Alf João Barge pertencia.

Certamente que o conheci nessa altura mas não me recordo. Mais tarde, quando em Bissau decidimos fazer A Cantora Careca,  creio que não tive a noção daquilo que havia sido a experiência de guerra do João.

Várias vezes o Barbot [hoje, o escritor Mário Claúdio,] me perguntara, mais recentemente, pelo João. Dali mesmo, de Monte Real, lhe comuniquei que o encontrara, finalmente, e que estávamos ali os dois. Pois está "na calha" um encontro, algures, destes três amigos!


2. Comentário de L.G.:

Como a gente costuma dizer, quando estamos sentados debaixo do poilão da Tabanca Grande, à sombrinha, protegendo-nos dos rigores da canícula, e descansando o corpinho da longa e difícil jornada do dia, "o mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande!". 

O João, já o conhecia, superficialmente, de um dos primeiros convívios da Tabanca do Centro. Ele é natural de (ou residente em) Leiria. Agora, o que não imaginava que ele era também um dos homens-toupeira de Gandembel e um dos famosos letristas do Cancioneiro de Gandembel. Daí ele aparecer ao lado do Idálio Reis que, de resto, me ficou de mandar uma cópia das letras do Cancioneiro (que não se resumem ao hino)... 

O João Barge, ex-Alf Mil, de rendição individual, que passou pela CCAÇ 2317 (Gandembel e Ponte Balana, 1968/69), vai honrar-nos, naturalmente, com a sua adesão formal à Tabanca Grande: falta-nos mandar a "chapa da tropa"...  A pouco e pouco, o encenador Carlos Nery vai juntando os actores que deram brado, em Bissau, no QG, na representação da peça A Cantora Careca, de Eugénio Ionesco (1909-1994), o franco-romeno, considerado um dos pais fundadores do Teatro do Absurdo. [Para quem quiser saber mais, vd. aqui o  texto em português de A Cantora Careca].


3. Comentário (posterior) de Arménio Estorninho:

Olá, Camarada e Amigo Carlos Ner  (já conhecemo-nos de Buba e dos almoços-convívio). Lá vai uma ajudinha aqui das bandas do Sul e com forte calmeiro de Sueste.

Na foto quatro, o Camarada e Amigo não identificado, trata-se do ex-Capitão Graduado  Inf Eduardo Moutinho F. Santos, hoje Advogado na cidade do Porto.  Comandou a CCaç 2381 "Os Maiorais", 1968/70 e tomando posse a 09/11/69, em Empada.

Distinto Oficial, Alferes Mil da CCaç 2366/BCaç 2845, foi Graduado em Capitão por actos praticados em combate que ilustram as Forças Armadas, por Despacho de 03/11/69 de S.Exª o General Comandante-Chefe.

Assim como, em 14/12/69, foi atribuído ao Comando da Unidade,  além da responsabilidade Militar, a da Administração Civil do Sub-Sector. Pela primeira vez na Província da Guiné.

Com um abraço amigo
Arménio Estorninho 

 ____________


Nota de L.G.:


(*) Vd. último poste desta série > 2 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6669: V Convívio da Tabanca Grande (11): Caras novas (Parte II): Jorge Araújo, Acácio Correia, Manuel Carmelita, Eduardo Campos... (Luís Graça)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6669: V Convívio da Tabanca Grande (13): Caras novas (Parte II): Jorge Araújo, Acácio Correia, Manuel Carmelita, Eduardo Campos, João Malhão Gonçalves, Júlia Neto, Arménio Santos.. (Luís Graça)


Monte Real, Palace Hotel, 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > Pessoal da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74), visivelmente bem disposto, à hora dos aperitivos & entradas: Jorge Araújo  (Almada), António Costa (Mem Martins / Sintra), Acácio Correia (Algés / Oeiras), António Sousa Bonito (Montemor-O-Velho) e Sousa de Castro (Viana do Castelo)... O Jorge e o Acácio são caras novas nos nossos encontros.


O Acácio (ex-Alf Mil) entrou há muito pouco para a nossa Tabanca Grande. O Jorge (ex-Fur Mil) vai entrar em breve, faltando mandar-nos um foto do antigamente, e apresentar-se ao pessoal atabancado, como manda o figurino (De qualquer modo, o seu nome já na nossa lista, na letra J)...


O Bonito (ex-Fur Mil) já é repetente (esteve na Ortigosa, em 2009, mas estranhamente o seu  nome não consta da lista alfabética dos Amigos e Camaradas da Guiné, o que é imperdoável... Vamos regularizar a situação, pedindo também ao Bonito para nos mandar uma chapa da tropa... Entretanto, o seu nome passa já a figurar na nossa lista, na letra A, de António...


Quanto ao Sousa de Castro, foi com especial alegria que eu o revi e o abracei: como eu já tenho dito e redito, se não fosse um mail dele, em Abril de 2005, o blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné nunca teria existido, pelo menos neste formato... É da autoria dele o poste nº 6, de 22 de Abril de 2005, todos os outros anteriores são meus, remontando o primeiro a 23 de Abril de 2004, um ano antes (quando o blogue ainda se chamava simplesmente Blogue-Fora-Nada).


Vídeo (34''): Luís Graça (2010). Alojado em You Tube > Nhabijoes



 Monte Real, Palace Hotel, 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné  > Outra cara nova, o Manuel Carmelita, de Vila do Conde (Veio acompanhado da esposa, Joaquina; vivem em Vila do Conde; ele é um grande fotógrafo, de tal maneira de que a Tabanca de Matosinhos já é pequena para ele; não sei nada da sua vida militar na Guiné, só sei que foi professor primário)...

Desta vez, foi o fotógrafo que foi apanhado pelas objectivas do Jorge Canhão e do Carlos Vinhal... Não tenho a certeza, sequer, de lhe ter dado uma palavrinha em Monte Real. Indesculpável, camarada Carmelita, mea culpa, mea culpa!... Até um dia destes, na Tabanca de Matosinhos. Mas fica aqui o convite para actualizares o teu cadastro e regularizares a tua situação na Tabanca Grande (donde já constas, na letra M)...

Fotos: © Jorge Canhão; Carlos Vinhal (2010). Direitos reservados

Monte Real, Palace Hotel, 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > Sousa de Castro, o antigo 1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74), e hoje técnico fabril reformado dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, exibindo um velho Emissor / Receptor AVP1 usada na nossa "guerra a petróleo" (como diria o António Costa, que capitaneou a rapaziada da CART 3494)...

Monte Real, Palace Hotel, 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > Outra cara nova... O Eduardo Campos, esse, sim  1º Cabo Trms (CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74), matando saudades do velhinho AVP1, numa simulação de comunicação com o Sousa de Castro... O Eduardo é cunhado do J. Casimiro Carvalho, o Pirata de Guileje (e herói de Gadamael), a Ana Carvalho(que esteve no nosso encontro) é sua mana. O Eduardo esteve recentemente na Guiné-Bissau. Pedi-lhe para escrever mais umas notas de viagem. Foi a tudo o que era sítio, incluindo a famosa Ponte de Caium (tenho aqui duas fotos dele para entregar pessoalmente ao Jacinto Cristina).

Fotos: © Sousa de Castro  (2010). Direitos reservados

Monte Real, Palace Hotel, 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné &gt > Nesta foto, da esquerda para a direita: Isabel, esposa do nosso camarada Pereira da Costa (estiveram no nosso IV Encontro, em 2009); duas caras novas no Encontro, a Leonor e a Júlia Neto, respectivamente, neta e viúva do nosso saudoso Capitão Zé Neto, e finalmente António Estácio, também um estreante nos nossos convívios.

Monte Real, Palace Hotel, 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné &gt > Surpreendido pela objectiva de Mário Fitas, um representante da CART 2732, João Malhão Gonçalves que quis sentir de perto o nosso ambiente. Fez-se acompanhar da sua esposa Gracinda. Na foto reconhecem-se ainda os veteranos do Blogue, Xico Allen e António Santos. O João está igualmente convidado a ingressar na nossa Tabanca Grande.

Monte Real, Palace Hotel, 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné >  Mestre e ex-aluno (da Lusófona), dito de outra forma, o nosso camarada Jorge Cabral e o novo tertuliano e também estreante nos Encontros da Tabanca Grande, o Arménio Santos (dirigente sindical e deputado).


Mais fotos estão disponíveis no Álbum Picasa, na conta do nosso co-editor Carlos Vinhal:

(i) Fotos de Manuel Carmelita


(ii) Fotos do Mário Fitas




Vídeos disponíveis no You Tube, na conta do Sousa de Castro:



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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série:


quinta-feira, 1 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6668: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (35): Diário da ida à Guiné - 17/03/2010 - Dia catorze


1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 19 de Junho de 2010:

Caro Carlos:
Cheguei ao fim dos relatos da minha visita à Guiné-Bissau. Este é o último. Não sei se alguma vez terei a oportunidade de passar outros quinze dias tão “cheios”.

Um abraço
FG


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ - 35

Diário da Ida à Guiné – Dia Catorze, último dia (17- 03-2010)

Como era costume, levantei-me cedo para ir ver pela última vez…

…última vez… Era o último dia que passava na Guiné. Também agora, ao escrever, estou a sentir sensação idêntica por ser o último relato que faço desta minha viagem à Guiné-Bissau que talvez tenha sido a viagem de que mais gostei em toda a minha vida. As condições que lá se proporcionaram possivelmente não mais se repetirão…

…Como ia dizendo fui pela última vez ver a armadilha. Nada. Recolhi o fio para levar numa próxima ida à Guiné.

Antes de almoço fomos a Bissau. Pelo caminho fizemos uma visita a um empresário português nosso conhecido. Em Bissau substituíram-nos a mola partida da carrinha (40.000 f) e comprei colorau para, ao jantar, confeccionar um gaspacho andaluz pois a sopa, embora sempre boa, achávamo-la quente demais para aquele clima.

No regresso, junto à ponte sobre o rio Mansoa, mais uma vez comprámos camarão tigre para o almoço, que foi acompanhado com uma salada à base de flor de bananeira. O Xico e também os africanos ficaram surpreendidos com as possibilidades da flor de bananeira.

À tarde fotografei o que considerei uma autêntica instituição nacional guineense: Um fogareiro. Em qualquer estrada por onde se passe há sempre sacos de carvão à venda. É com esse combustível, nada ecológico, pois contribui para a desflorestação do território que, nos tais fogareiros, e não só, fazem muitas das refeições.


Foto 1 > Aquecendo água para o chá no fogareiro de roda de bicicleta.

É sabido que em Moçambique e em Angola os miúdos fazem brinquedos (carrinhos, etc.) de arame, autênticas obras de arte. Por toda a Guiné-Bissau, agora não os miúdos mas os adultos, fazem uns fogareiros tendo por base uma roda velha de bicicleta. Aproveitam só o eixo e os raios. Os raios de um dos lados do eixo são “encordoados” como um cesto, com arame de cobre, formando o corpo principal do fogareiro. Com os raios do outro lado “tecem” a base. Vi-os por toda a Guiné tendo-os achado de uma criatividade fora do comum.

Jantámos o tal gaspacho andaluz e ainda antes do telejornal fui pagar à minha lavadeira, que morava nuns armazéns na periferia do empreendimento. Chegado lá, com uma escuridão total, notei que estavam várias pessoas por ali. Umas estariam a fazer o “cume” e uns miúdos estariam a tomar banho. Perguntei pela Augusta. Disseram-me que estava para Bula. Disse ao que ia e que depois o Sr. Francisco Allen lhe pagaria.

Chegaram-me uma cadeira e comecei a conversar com o pessoal. Em determinada altura ouço uma voz vinda do escuro: What is your name? Por momentos fiquei mudo mas reagindo respondi: - My name is Fernando. Quem me interpelou passou a falar em português… para meu descanso. Perguntei-lhe porque é que falou em inglês tendo-me dito que era por ser gambiano.

Fiquei a saber pela primeira vez, e ali às escuras, que na Gâmbia se falava inglês e não francês como eu supunha. Tinha sido portanto uma colónia inglesa.

Conversámos um pouco tendo-lhe perguntado qual o nível de pobreza da Gâmbia. Também ali fiquei a saber que, para aquele gambiano, dos três países da zona, a Guiné-Bissau era o mais pobre seguido do Senegal e a muita distância, a Gâmbia. Outra surpresa para mim.

Tirei algumas fotos mas na escuridão era complicado enquadrar os vultos.


Foto 2 > Na escuridão total o rapaz mais velho dá banho aos mais novos, não sendo irmãos uns dos outros.


Foto 3 > Só cá em Portugal pude reconhecer os miúdos que tinha fotografado no banho e às escuras. Era a Osenda, de quatro anos, e o Nelson da mesma idade, este filho da Augusta. Costumavam ver televisão connosco à noite.

Depois de fazer contas com o Xico e de me despedir do pessoal seguimos para o aeroporto. Eram cerca de dez da noite e a temperatura rondava os quarenta graus. O Xico deixou-me e aí estava eu no fim da minha ida à Guiné e a caminho de Lisboa.

Como uns dias antes tinha estado na gare de entrada de passageiros, onde tínhamos ido levar uns camaradas, tinha observado os procedimentos da verificação da bagagem, autenticamente de faz de conta. Para abreviar direi que acabei por ir para o avião com a enorme navalha de ponta e mola (que muito jeito me fez lá), uma garrafa de litro e meio de água e umas nozes de cola para mostrar cá ao pessoal.

Em Lisboa e por o aeroporto ser como é, a referida navalha protagonizou uma estória, que só contada. Mas chegou comigo ao Porto.

Para amenizar, ainda direi que durante toda a estadia, uma coisa que sempre me admirou foi o tratamento do cabelo de todas as mulheres guineenses. Há quarenta anos arranjavam-no da forma mais simples possível mas agora era uma delícia ver os arranjos dos cabelos das africanas, especialmente em Bissau. Cá em Portugal ainda não vi o entrançado com o encaracolado nas pontas que lá era vulgar.

Foto 4 > A Elisa e a Missinda, duas bajudas de tabanca (com catorze anos) com os cabelos devidamente tratados.

No aeroporto pedi a um casal que me deixasse tirar uma foto ao cabelo da senhora. Na conversa que se seguiu foi-me dito que lá, o custo de um arranjo semelhante era de 10 euros.

Foto 5 > Na gare do aeroporto. Cabelos tratados deste modo viam-se, em Bissau, a todo o momento.

Muitas estórias ficaram por contar e muitas fotos e filmes ficaram por ver.

Até sempre camaradas.
Fernando Gouveia
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Nota de CV:

Vd. postes da ida de Fernando Gouveia à Guiné-Bissau de:

3 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6101: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (24): Diário da ida à Guiné - 04/03/2010 - Dia Um

19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6185: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (25): Diário da ida à Guiné - 05/03/2010 - Dia dois

27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6262: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (26): Diário da ida à Guiné - 06/03/2010 - Dia três

30 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6285: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (27): Diário da ida à Guiné - 07/03/2010 - Dia quatro

6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6330: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (28): Diário da ida à Guiné - 08/03/2010 - Dia cinco

13 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6384: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (29): Diário da ida à Guiné - 09/03/2010 - Dia seis

22 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6451: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (30): Diário da ida à Guiné - 10 e 11/03/2010 - Dias sete e oito

26 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6473: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (31): Diário da ida à Guiné - 12 e 13/03/2010 - Dias nove e dez

3 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6525: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (32): Diário da ida à Guiné - 14/03/2010 - Dia onze

7 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6555: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (33): Diário da ida à Guiné - 15/03/2010 - Dia doze

13 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6584: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (34): Diário da ida à Guiné - 16/03/2010 - Dia treze

Guiné 63/74 - P6667: As nossas mulheres (10): Um pouco de mim (Ana Duarte)

1. Mensagem de Ana Duarte, viúva do nosso camarada Sargento-Mor Humberto Duarte, que foi Fur Mil Op Esp / RANGER do BCAÇ 4514, Cantanhez -1973/74.

Um pouco de mim

Sou Ana Duarte,  viúva de Humberto Duarte,  Ranger que esteve na Guiné no BCaç 4514. Em 2000 foi considerado DFA e em 2002 reintegrado nas FA, fez o curso de Sargento Ajudante e infelizmente partiu em Fevereiro, sendo na altura o Sargento-Mor mais antigo de todas as FA no activo.

Sou moçambicana, vim em 75, éramos seis irmãos, casa sempre cheia de adultos e miúdos. Em casa era sossegada só lia e fazia puzzles, na rua tinha a alcunha de turra ou chamuça, gostava de me sentar a ouvir os mais velhos e o descanso de subir muros e árvores era ouvir a conversa dos escuteiros mais velhos e tentar perceber porque aqueles rapazes tão bonzinhos quando iam pró norte fardados voltavam brutos. O primeiro contacto com stress pós-traumático, tinha eu 9/10 anos, foi com um dos tais rapazes que tinha boina vermelha e tinha estado lá em cima,  perto de Tete.

Lutei ao lado do Humberto para conseguir que ele fosse considerado DFA e depois reintegrado. Depois disso foram vários os camaradas que foram por nós ajudados a iniciar os seus processos. Muitas vezes era eu que,  nos almoços, jantares e na concentração do 10 de Junho,  lhe chamava a atenção para este ou aquele.

Conheci alguns que um ano estavam impecáveis e no ano a seguir eu notava qualquer coisa no olhar que me dizia que o stress acumulado durante anos estava prestes a estoirar; quantos tinham empregos estáveis, uma vida familiar que parecia impecável e de repente tudo desmoronava e normalmente ficavam sós!?

Não estou a criticar familiares porque sei por experiência que não é facil viver com alguém que tenha uma percentagem grande de stress de guerra e muitas mulheres e filhos não têm conhecimento de causa daquilo que vocês passaram, a maior parte das fotos que elas viram foi em poses ou em descanso, falar normalmente quem verdadeiramente passou não fala e depois são alcunhados de malucos, bêbados... Têm problemas com álcool, muitos têm, mas porquê?

Eu tenho amigos que até me aturavam, mas como se habituaram a eu aguentar tudo, agora sou eu que não sou capaz de chorar ou queixar-me à frente deles, são as desvantagens de estar durante 12 anos na retaguarda de alguém com 40% de stress de guerra,  sempre preocupado com os outros, sempre a querer ajudar, mas quando as coisas corriam mal tinha que explodir e o normal no ser humano é explodir com quem se gosta mais.

Tenho doze anos tão intensos que pessoas que viveram 40 anos juntas, não têm. Pessoas que não conheciam a nossa história, mas nos conheciam pessoalmente, agora ficam muito espantadas e há quem não acredite que só vivíamos juntos há 12 anos.

Tenho muitas histórias que talvez ajudassem mulheres que amem mesmo o seu companheiro, mas que lhes seja extremamente difícil por vezes aguentar quando por alguma razão há uma descarga de stress, mas ao mesmo tempo essas mesmas histórias lidas por quem não consiga perceber o que é o stress pós-traumático, podem servir para,  como tanta vez infelizmente ouvi, [criticae],  "eram uns assassinos e agora são bêbados, agressivos.."

Tinham que ser histórias filtradas por alguém competente, que eu não sou, pois eu rio-me delas e não é agora, porque quando passavam as crises e algumas foram bem grandes, eu falava com ele, ríamos juntos e muitas vezes ele acabava a dizer "eu não sei como me perdoas,  como aguentas" e eu a responder "percebo-te, gosto de ti e amo-te".

Conhecem o filme Nascido a 4 de Julho? Eu costumava-lhe dizer que era a vida dele,  só que em vez de vir em cadeira de rodas, a cabeça dele é que tinha vindo.

Em 1998 vivia sozinho numa casa com um cão, uma cadela e um gato, água e luz com ligação directa, despensa e frigorífico vazios, de manhã bebia água e fingia que era leite, jantava em casa de um camarada, de vez enquanto tinha dinheiro que umas "amigas" lhe davam, deitava as beatas pela janela para as ir apanhar de madrugada, desfazê-las, secá-las na cloche e fazer novos cigarros. A 28 de Fevereiro de 2010 morre em casa nos braços da mulher, sendo o Sargento-Mor mais antigo das FA no activo, depois de reintegrado por streess pós-traumático.

Fico danada quando me dizem,  como disseram ontem,  "se não fosse a Ana..." porque a partir do momento em que o conheci, percebi o que tinha, gosto dele e o amo, só faço aquilo que tenho de fazer, ele também fez muito por mim, amou-me e casei, porque ele quase me obrigou para poder ter as regalias que tenho.

Gostei das fotos dos monumentos aos combatentes, mas já está na hora de isso passar para o outro lado, sair dos blogues dos ex-combatentes, passar para a nova geração, entrar nas escolas, nem que seja naquele dia em que o neto ou filho chegam dizendo que a professora quer um trabalho sobre o passado de Portugal ou o porquê do 25 de Abril.

A minha "guerra" era essa,  ao lado do meu marido e agora continua, eu sou educadora, neste momento as idades com que trabalho não dá para isso (2/3 anos), mas trabalhei muitos anos com miúdos de primária e aproveitava sempre essas datas para explicar qualquer coisa àquelas crianças. Deu frutos, porque no dia 12 estive em Belém, e a minha companhia foram, um com 22 anos que é militar e foi o último a quem o meu marido impôs a boina, um com 19, um dos tais de quem fui educadora, um com 13, vizinho, que um dia estava aflito com um trabalho sobre o 25 de Abril e os pais não sabiam explicar, e o meu neto com 7 anos que se fica quieto quando do toque do silêncio aos mortos, e na altura do Hino, que o canta todo.

Outra coisa, o 10 de Junho tem de ser em Belém, é lá que suposta ou verdadeiramente estão os nomes de todos, é uma maneira de chamar a atenção da opinião pública, ou então arranjem um dia dos ex-combatentes e vão lá todos. Em Abril estive no Porto, fui entregar uma lembrança do meu marido a um Camarada, e ele levou-me a um jantar de caloiros e fez-me falar.

Detesto falar em público, mas fi-lo para lhes falar dos ex-combatentes e no fim vieram agradecer, porque tinham pais, tios... que estiveram lá fora, que eles percebiam que havia qualquer coisa, mas não sabiam nada da guerra, nem do que muitos sofrem em silêncio por causa dela.

Desculpem o desabafo, mas eu sei o que passaram, o que passam hoje, conheço bem alguns que com a idade as coisas só pioraram, as mulheres não perceberam e agora estão com dificuldades e sozinhos.

Ana Duarte
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6591: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (3): O dia do ex-combatente devia ser comemorado noutra data (Ana Duarte)

Vd. último poste da série de 4 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6310: As nossas mulheres (16): Hoje é Dia da Mãe (Felismina Costa)