terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7484: FAP (58): Se perguntar não ofende... Qual era a segurança dos camiões com bombas de avião que circulavam entre Bissau e Bissalanca ? (Nelson Herbert)

1. Comentário do nosso amigo Nelson Herbert ao poste P7303:

 Em miúdo, em Bissau,  um aspecto que sempre moveu a minha curiosidade, devido em parte à natureza letal da coisa (quiçá esteja errado),  era a aparente facilidade com que as bombas dos aviões eram por vezes expostas, em camiões abertos, defronte à messe dos sargentos da Força Aérea,  que eram meus vizinhos...

Era comum ver os tais longos camiões militares, de cor azul, a cor da força aérea, com carregamento de bombas (umas 10 a 20 peças), estacionados à porta da messe... Tudo assim exposto, com a criançada brincando ao largo...

Calculo que,  na viagem de regresso à Base de Bissalanca, tenha virado hábito dos motoristas desses camiões estacionar à porta da messe, para uma cervejinha qualquer... Quem sabe ?

Hoje pergunto: tal exposição não feria os mais elementares códigos de segurança ? Que riscos comportava ?  Ou era tudo natural e da praxe ?

Nelson Herbert

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

Foto: Bomba de Fiat G-91, de 750  libras. Cortesia do blogue do nosso camarigo Victor Barata, Especialistas da Base  Área 12 Guiné 1965/74 (a quem retribuímos as saudações bloguísticas pela quadra festiva de Natal e Ano Novo.
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Nota de L.G.: Último poste desta série > 16 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 – P7452: FAP (57): Será que a cúpula do PAIGC queria ganhar a guerra? (António Martins de Matos)

Guiné 63/74 - P7483: Portugalidade(s) (1): A recepção dos goeses ao Navio Escola Sagres

1. O nosso querido Mário Dias [, foto à esquerda, português de Portugal, da Guiné, de Angola, de Macau...] teve a gentileza e sobretudo a inspiração de nos enviar esta mensagem, pré-natalícia, datada de 20 do corrente,  com a qual vamos inaugurar uma nova série a que chamaremos Portugalidade(s)... 


No fundo,  pretende-se revelar qui as mil e uma maneiras de se ser português (ontem, hoje, amanhã...),  pelo mundo fora, pelos cinco continentes, pelos muitos mares  e rios e braços de mar que ajudámos a descobrir, navegar, desbravar, descrever, conhecer, explicar, colonizar, povoar, desenvolver, interligar, interconectar, globalizar, humanizar ...


Portugalidade(s) é uma muitas maneiras, específicas, de sermos homens e mulheres, pertencentes à espécie Homo Sapiens Sapiens... É sobretudo um espaço de lusofonia, que tem como ponto de partida a língua e a cultura portuguesas, Portugal e a Guiné-Bissau, e por aí fora... De facto, não há amarras que nos prendam aos cais, até por que o nosso blogue é visto, é lido,  em muitos cantinhos do mundo, da Austrália ao Canadá, do Brasil à  Guiné, da Suécia aos EUA...


 É tão somente uma reflexão, e sobretudo um ponto de encontro e de partilha, de e para antigos combatentes (camaradas, amigos e camarigos...) , sobre o que é ser Portugal, português, lusófono... Aqui na casa lusitana, mas também na diáspora, e nos muitos sítios do mundo onde deixámos alguma coisa bonita, sobretudo humanidade, sobretudo amizade, sobretudo saudade... (LG)


Caros editores:

Apenas para indicar uma espécie de reportagem fotográfica feita em Goa, aquando da recente passagem do navio-escola Sagres. É comovente que ao fim de tantos anos, e apesar da repressão das autoridades indianas sobre os que continuam ligados a Portugal, ainda tantos não se tenham esquecido de nós.

http://www.youtube.com/user/MeninodeValpoi (*)

Um grande abraço e Boas Festas para toda a tabanca.

Mário Dias

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Nota de L.G.:

(*) O autor do vídeo, MenipodeValpoi, de seu nome completo, Menino G. P. T. Fernandes, nasceu em Valpoi, Satari, Goa, há 50 anos (uns meses portanto da invasão do território pelas tropas indianas), vive hoje no Reino Unido, onde é informático (programador)... O seu perfil no You Tube é apresentado em português mas o video é legendado em inglês... O vídeo é apresentado nestes termos: "The fond & loving brass band farewell by Goans to the Portuguese Navy [, Navio Escola Sagres]"... Desde 16 de Novembro p.p., tem já mais de 400 visualizações... Parabéns ao MeninodeValpoi. Many thanks for this nice heart touching document concerning our special relationship,  the Portuguese and the Goan People"... 



Sobre a viagem de circum-navegação da nossa Sagres, que está a terminar, vd. o sítio da RTP e em especial o reencontro com os goeses...

Guiné 63/74 - P7482: Tabanca Grande (256): António Duarte, ex-Fur Mil, da CCAÇ 12, da 3ª geração (Bambadinca e Xime, 1973/74)


Lisboa, Belém, 10 de Junho de 2006 > 13º Encontro Nacional de Combatentes > Um das raras fotos onde se pode localizar o "arisco" António Duarte...Na primeira fila, eu, próprio, Luís Graça (CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71), à esquerda, e a meu lado o Carlos Fortunato (CCAÇ 13, 1969/71); na segunda fila, a contar da esquerda para a direita: o Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63, 1969/71), o António Duarte (CART 3493, Mansambo, 1971/73 e CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1973/74), o Mário Dias (Comandos de Brá, 1963/66), o José Martins (CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70), o Francisco Baldé (BCA, 1ª, 2ª e 3ª Companhia de Comandos Africanos, 1969/74) e o João Parreira (CART 730 e Comandos de Brá, 
1964/66).

Foto: © Luís Graça (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

1. Diz o Humberto Reis ter encontrado, no dia do seus anos,  um neto da CCAÇ 12, de seu nome António Duarte (*):


(...) Almocei com a família e uns amigos no Solplay em Linda a Velha, [nos arredores de Lisboa, concelho de Oeiras]. Quando estava a entrar no carro para me vir embora estacionou ao meu lado um Audi A4 e o condutor de imediato me disse: 

- Não eras da CCAÇ 12 ?

Calculem o tamanho da minha boca. Era o António Duarte, ex Fur Mil da CCAÇ 12 dos anos de 73/74. Dizia ele que já não era "meu filho" mas sim "neto" (substituto do substituto).  

Isto só é possível pela grandiosidade do que o Luís criou, o que permitiu que este nosso amigo me viesse a reconhecer. (...).

2. O Humberto já não está recordado mas o António Duarte já está connosco, na nossa tertúlia (hoje, Tabanca Grande) desde inícios de 2006 (**). Tivemos uma primeira notícia dele através do Sousa de Castro [, CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74] (**)

(...) Caro Sousa de Castro: Fui seu companheiro na Guiné. Fui furriel da CART 3493, tendo estado em Mansambo. Antes da companhia seguir para o sul (suponho Cobumba), fui para a CCAÇ 12 onde acabei por passar a rendição individual e regressar [à Metrópole] em Janeiro de 1974 enquanto que o BART 3873 regressou só em Abril.

Quero dar-lhe os parabéns por ser um activista das nossas recordações, quer através do blogue do Luís Graça, quer noutras paragens na Net. Afigura-se-me que nos faz bem.

Da sua companhia [CART 3494] tenho encontrado o ex-furriel Luciano, que trabalha em seguros, na CGD. Recordo também com muita saudade o Bento, que esteve comigo na especialidade em Vendas Novas. Faleceu em 22 de Abril de 1972.

Um abraço, de camarada para camarada,
António Duarte (...)


3. Na altura, eu, L.G.,  comentei o seguinte: 

O António Duarte é o primeiro graduado da CCAÇ 12, da época de 1973/74, que chega até nós. Pessoalmente, fico muito feliz, eu e os demais velhinos (se é que me é permitido falar em nome deles, o Humberto Reis, o António Levezinho, o Joaquim Fernandes, o Fernando Marques, o José Luís...) já que fomos nós a formar a CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71). Vamos ter muito que conversar, Duarte, se estiveres disposto a isso... Pelas minhas contas, ainda passaste nove meses com os nossos queridos nharros [, vocábulo de afceto, não de racismo...], entre Abril de 1973 e Janeiro de 1974... Foi isso ? Nove meses que, imagino, não terão sido fáceis...

Recorde-se que em Abril de 1973, segundo informações do Sousa de Castro, a CART 3493 foi para o sul, a companhia dele, que estava no Xime (CART 3494) foi para Mansambo, sendo substituída no Xime pela CCAÇ 12 até à data da independência. Nessa época o Xime continuou ainda a ser mais atacado. (...).


4. Dois dias depois, a 20 de Fevereiro de 2006, o António Duarte escrevia-me o seguinte (***):


(,,,) Acabei de ler a inserção do meu e-mail, bem como o comentário do Sousa de Castro, no blogue. De facto estive na CCAÇ 12 desde Janeiro de 1973, primeiro em Bambadinca e a partir de Abril no Xime, após as rotações das companhias, geradas pela transferência para Cobumba da Cart 3493 (minha unidade inicial). Regressei à metrópole em Janeiro de 1974.

Numa breve resenha e procurando arrumar os dados por ordem cronológica, diria que a vida em Mansambo [, coma CART 3493,], de Janeiro até Dezembro de 1972, foi com baixa actividade de guerra, no entanto com situações graves e desgastantes.

Accionámos três minas, que custaram três feridos com amputação de membros inferiores. A primeira em Jombocari. [, na região de Biro,] (mina antipessoal), com um ferido (1º cabo Ribeiro,  do 3º Pelotão). Salvo erro em 9 de Maio [ de 1972 ].

No dia seguinte foi accionada uma mina anticarro por um burrinho, que custou a perna a um furriel do 2º pelotão (Ferreira) e mais 2 feridos com alguma gravidade. Este incidente aconteceu aquando do regresso ao quartel da segurança à operação de capinagem, na estrada de Mansambo a Candamã/Afiá (Candamã era à época uma tabanca em autodefesa, com um pelotão de milícias e uma secção da unidade de Mansambo).

Em Agosto [ de 1972] mais uma mina antipessoal accionada em Sanguê Demba (não sei se estará bem escrito) [, está, sim senhor!, ficava entre o Rio Sanguè Bissari, a oeste, e o Rio Jago, a leste], em que ficou ferido um cabo (Silva, do  2º Pel).

Entretanto no mês de Agosto houve um ataque ao quartel sem incidentes.

Quanto ao ano de 1973,  na CCAÇ 12 a acção foi mais animada. Instalados em Bambadinca, naquilo que se classificava de hotel, fazia-se operações sobretudo na zona do Xime. Assim em 3 de Fevereiro tive a primeira emboscada na Ponta Varela,l em que participaram três grupos de combate da CCAÇ 12 em conjunto com 2 pelotões da CArt 3494 (à época aquartelada no Xime). As NT não registaram feridos mas segundo se apurou em informações recolhidas no Enxalé, o PAIGC teria tido baixas.

A 25 do mesmo mês houve uma outra emboscada numa operação na zona de Ponta Varela/Poidom e Ponta do Inglês/Ponta João da Silva, também com forças semelhantes à anterior, em que registámos 7 feridos, felizmente ligeiros. Foi praticamente toda a minha secção (Bazuca do 3º grupo de combate), que foi tocada

Por infelicidade um RPG 7 [, foto à esquerda,] rebentou ainda no ar (com era normal), apanhando o pessoal abrigado. Não participei nesta acção, pois estava em Bissau para vir gozar as minhas segundas férias na Metrópole.

Até final do do ano houve mais 3 emboscadas, tendo sido a mais grave na Ponta Coli (segurança à estrada Xime-Bambadinca) e n ataques ao quartel  [, Xime], felizmente com má pontaria, na maioria das vezes.



Salvo erro em 1 de Dezembro de 1973,  a tabanca do Xime foi atingida e registaram-se-se várias mortes [, sete, ] entre a população. Talvez o José Carlos [ Mussá Biai ] (que já tem participado no blogue e que era criança à época e vivia no Xime) se lembre.

Agora falando aos velhinhos e fundadores da CCAÇ 12, quero dar-lhes nota que o espírito da Companhia era excelente. Registo a boa convivência dos graduados, de origem portuguesa, com todos os militares, que eram na sua maioria muçulmanos.

No meu pelotão (3º), tinha dois cabos que eram uns senhores na arte da guerra. Eram o Malan Turrè (?) e o Sajá (?). Os dois foram graduados furriéis e integraram a CCAÇ 21 do Ten Jamanca, já perto do final do ano de 73. Segundo me foi dito, não tive oportunidade de confirmar, as coisas teriam sido muito feias para eles, no período pós-independência.

Aproveito para perguntar à velhice da CCAÇ 12 se ainda se recorda de alguns dos soldados e cabos da 12. Aqui vão alguns nomes:

Recordo-me do Arfan Jau (Bazuca,  do 3º Gr Comb), Braima Sané (HK 21 do 4º), Mamadu Candé, Iero Jau (3º), Malan Embaló, Mamadu Seidi, João Gerá, Bubacar Colubali, Amadu Baldé, Alfa Sané, Suleimane (Cabo do 4º,  com excesso de peso), etc. (****)
O comandante da CCAÇ 12 no início de 1972 era o Cap Bordalo, homem de grande carisma, seriedade e bravura. Era um líder. Penso que será de (ou viverá em) a  região de Lamego.

Para acabar por hoje, quero dar nota que eu serei vosso neto, pois rendi os que vos renderam. De acordo?

Da próxima vez falarei de outros temas.

Um abraço fraterno para todos,
António Duarte


5. Temos ainda outro mail dele, de 11 de Maio de 2006 (***)

Caro Luís Graça,

Sou o António Duarte, ex-furriel atirador da CART 3493 e da CCAÇ 12. Quero dizer-te que tenho uma 'nova religião', que passa por todos os dias ver o nosso blogue (peço desculpa pelo nosso, mas já o sinto como tal).

Tenho escrito muito pouco, porque o tema ainda me incomoda, mas gostava de dar duas notas [a segunda, a ser publicada noutro post, tendo a ver com a contagem do tempo para a reforma].

A primeira prende-se com o programa [da RTP 1, Órfãos de Pátria, que passou na 3ª feira]. Partilho das opiniões já expressas, traduzidas pela expressão muita parra e pouca uva. Foi pobre na forma e no conteúdo. Foi superficial e não quis ser politicamente incorrecto.

Sem querer alongar-me, gostava de apresentar um exemplo. O programa foca-se exclusivamente nos comandos africanos e, tanto quanto sei, os graduados das CCAÇ africanas, de origem local, foram também fuzilados.

Esta informação foi-me prestada por um estudante guineense, meu contemporâneo no ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão (ex-ISE). Referia esse jovem, que era natural de Bafatá, que grande parte dos graduados da CCAÇ 21 foram fuzilados.

Ora, para nós, ex-militares da CCAÇ 12, esta situação toca-nos profundamente, pois em 1973 esta companhia [a CCAÇ 21], que ficou em Bambadinca,  comandada pelo Ten Jamanca [ex-comando africano], foi constituída, tendo por base furriéis que eram ex-cabos da CCAÇ 12 (na época colocada no Xime).

Com a ausência de referências aos outros fuzilamentos, fica a ideia de que se tratou de uma mera perseguição aos homens dos Comandos Africanos, o que realmente não foi. Foi muito mais do que isso.

Este assunto, para ser tratado num órgão de informação como a TV, merecia mais. Deveria ter uma forte componente política, onde provavelmente os governos de Portugal iriam ser responsabilizados sobretudo pelas omissões.

O comandante da nossa Marinha ainda aflorou o assunto, mas o jornalista não pegou. Acho que mais para a frente poderemos voltar ao tema.

(...) E por hoje deixo-vos com um abraço de camaradagem,

António Duarte

6. Comentário de L.G. [, ex-Fur Mil Henriques, Ap Armas Pes Inf, CCAÇ 12, Bambandinca, Jul 69/ mar 71, foto à esquerda]:

O António Duarte (que foi furriel miliciano na CCAÇ 12 na fase final, depois de transitar da CART 3493, que esteve em Mansambo) vem lembrar que em Bambadinca (e um pouco por todo o lado), os que foram encostados ao trágico poilão por onde passávamos muitas vezes, não foram apenas os comandos africanos mas também os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (que foram constituir novas unidades, como a CCAÇ 21), e se calhar outros camaradas do  Pel Caç Nat 52, 53, 54, 63... No nosso tempo já havia ou dois três soldados arvorados por cada grupo de combate da CCAÇ 12... Mais tarde passaram a cabos e, em segunda comissão, foram promovidos a furriéis, ao que parece na CCAÇ 21, comandada pelo comando Jamanca e a que pertenceu também o Alf Comando Graduado Amadu Bailo Djaló, nosso camarigo. (Estamos, eu e o Virgínio Briote, a preparar um poste sobre a última batalha, da CCAÇ 21, na zona leste, em Canquelifá...).

Dos soldados arvorados da CAÇ 12 estou-me a lembrar do Abibo Jau, do Vitor Santos Sampaio (um dos raros que não era fula, era mancanhe, um reguila de Bissau...), o Mamadu Baló, o Alfa Baldé, o Mamadu Baldé, o Braima Bá, o Totala Baldé, o Mamadu Jau, o Sadjo Baldé, o Samba Só, o Quecuta Colubali... (****)

O único cabo era o bom do Zé Carlos Suleimane Baldé, que estudava português que se fartava para chegar a graduado (Dizes-me que terá engordado no teu tempo, ou terás a confundir com o gigante Abibo Jau ? )... O Zé Carlos fora promovido a cabo em Setembro de 1969. É provável que muitos destes homens e nossos camaradas (alguns, ainda putos, quando eu os conheci em Contuboel) tenham sido fuzilados no poidão de Bambadinca...

Esta é a parte feia, macabra e trágica da história da nossa guerra... Ainda hoje os guineenses têm dificuldade em falar disto... As testemunhas, os figurantes, os actores, os executantes, os mandantes... Se calhar todos têm medo de falar, por vergonha, culpa, cobardia ...

Nós, amigos e camaradas da Guiné, temos a obrigação de falar - com emoção, mas também com dignidade moral e elevação intelectual, com serenidade... Até para os ajudar a fazer o luto (individual, familiar, colectivo) e raparar o que ainda for possível reparar... Para o ano, em Maio de 2011, estamos a tentar reunir as três gerações de quadros e especialistas da CCAÇ 12 (1969/74), e inclusive alguns alguns camaradas guineenses, da diáspora ou mesmo a viver actualmente na Guiné-Bissau. António Duarte, por favor contacta-me!
__________

Notas de L.G.:

(**) Vd. poste de 




(****) Vd. aqui a composição orgânica da CCAÇ 12, da 1ª geração (Contuboel e Bambadinca, Junho de 1969 / Março de 1971):
Cabos e soldados arvorados do recrutamento local 
1º Gr Comb  (Alf Mil Op Esp 00928568 Francisco Magalhães Moreira
1ª Secção (s/ Furriel) + 1º Cabo 8490968 José Manuel P Quadrado (Ap dilagrama)
Soldado Arvorado 82107469 Abibo Jau (Fula) [, dado como fuzilado depois da independência, juntamente com o Ten Comando Graduado Jamanca, ambos da CCAÇ 21]
2ª Secção (Fur Mil 04757168 Joaquim João dos Santos Pina? [, natural de Silves, onde ainda hoje vive]

+ 1º Cabo 17765068 Manuel Monteiro Valente (Ap Dilagrama)

Soldado Arvorado 82106369 Vitor Santos Sampaio (Mancanhe, natural de Bissau)
3ª Secção (Fur Mil 19904168 António Manuel Martins Branquinho [, reformado da Segurança Social, Évora  ] + 1º Cabo 18998168 Abílio Soares [, morada actual desconhecida];
Soldado Arvorado 82107169 Mamadu Baló (Fula)
2º Gr Comb (Alf Mil de Inf 13002168 António Manuel Carlã[, comerciante, vive em Fão, Esposende] 
1ª secção (s/ Furriel)Soldado 18968568 Arménio Monteiro da Fonseca [, despromovido como cabo, taxista, vive no Porto]


Soldado Arvorado 82107969 Alfa Baldé  (Fula) (Ap LGFog 3,7)

2ª Secção (Fur Mil Op Esp 05293061 Humberto Simões dos Reis [, engenheiro técnico, Alfragide / Amadora] + 1º Cabo 17626068 José Marques Alves [, vive em Fânzeres, Gondomar]

Soldado Arvorado 82116569 Mamadu Baldé (Fula)
3ª Secção (Fur Mil 17207968 Antonio Eugénio S. Levezinho [, reformado da Petrogal, vive em Marinhal, Sagres, Vila do Bispo] + 1º Cabo 18880368 Manuel Alberto Faria Branco [, morada actual desconhecida]
Soldado Arvorado 82116969 Braima Bá (Fula)
3º Gr Comb (Alf Mil Inf 01006868 Abel Maria Rodrigues [, bancário reformado, Miranda do Douro]

1ª secção (Fur Mil Luciano Severo de Almeida [, margem sul do Tejo, já falecido, morte violenta]  + 1º Cabo 02920168 Carlos Alberto Alves Galvão [, vive na Covilhã]
Soldado Arvorado 82108769 Totala Baldé (Fula)
2ª Secção (Fur Mil 07098068 Arlindo Teixeira Roda [, natural de Pousos, Leiria; professor em Setúbal] + 

1º Cabo 17625368 António Braga Rodrigues Mateus [, morada actual desconhecida]
Soldado Arvorado 82108369 Mamadú Jau (Ap Dilagrama) (Fula)
3ª secção Fur Mil 06559968 José Luís Vieira de Sousa [, natural do Funchal, agente de seguros] + 

1º Cabo 12356668 José Jerónimo Lourenço Alves [, morada actual desconhecida];

Soldado Arvorado 82108469 Sajo Baldé (Ap Metr Lig HK 21) (Fula)
4º Gr Comb (Alf Mil Cav 10548668 José António G. Rodrigues [, Lisboa, já falecido, por doença]
1ª secção (Fur Mil 15265768 Joaquim Augusto Matos Fernandes [, engenheiro ténico, vive no Barreiro]+ 1º Cabo 18861568 Luciano Pereira da Silva [, morada actual desconhecida];
Soldado Arvorado 82115469 Samba Só (Fula)
2ª secção (Fur Mil 11941567 António Fernando R. Marques [, vive em Cascais, empresário,  reformado] + 1º Cabo 17714968 António Pinto [, morada actual desconhecida];
1º Cabo 82115569 José Carlos Suleimane Baldé (Fula) [, vive em Amedalai, Xime, Guiné-Bissau]
Soldado Arvorado 82118369 Quecuta Colubali (Fula)
3ª secção (s/ furriel) + 1º Cabo 00520869 Virgilio S. A. Encarnação [, vive em Barcarena]:
Soldado Arvorado (?) 82116069 Sajuma Jaló (Ap LGFog 8,9) (Futa-Fula)

Guiné 63/74 - P7481: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (36): O 64º Aniversário cá do rapaz (Humberto Reis), seguido da história da misteriosa bajuda de Nhabijões (Luís Graça)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) CCAÇ 12 (1969/71) > Nhabijões, bajuda balanta



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Destacamento da ponte do Rio Udunduma > Um bu...rako de muitas estrelas... Na foto, o Humberto Reis, a comandar o 2º Gr Comb da CCAÇ 12, na ausência do Alf Mil At Inf António Carlão, destacado para o reordenamento de Nhabijões,. "ali ai lado"...

Fotos: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso cartógrafo-mor (e mecenas, além de camarigo e ranger) Humberto Reis:

 Data: 20 de Dezembro de 2010 14:10
Assunto: 64º Aniversário do rapaz


Meus Amigos

Como não sei fazer comentários no blogue, não é com 64 anos que me dá a vontade de ir aprender (se bem que para aprender não existem idades impróprias), envio esta mensagem para agradecer a v/ lembrança  e com 3 comentários em separado:

(i) Miguel: estás igual a ti próprio. Muito obrigado pelo teu mapa-cão. Nem ao diabo lembraria inventar um "boneco" destes. A partir do raio das cartas topográficas inventas uma coisa daquelas. Para ti e para a Giselda um FELIZ NATAL  e que o novo ano que se aproxima seja um BOM ANO de 2011.

(iii) Par ti, Carlos Vinhal, editor de serviço, os meus agradecimentos pelo recuerdo  em que a minha mãe o foi pela primeira vez. Ela também te agradece. Bom Natal e, porque não, um Bom Ano de 2011, em que os pessimistas não acreditam.

(iii) Para o meu querido amigo Luís Graça (nome por que é conhecido nos meios bloguistas, o Henriques que conheci em Março de 69, companheiro de quarto, mas não de cama, em Bambadinca, nos já longínquos anos de 69 a 71) aqui vai o meu agradecimento pela simpatia que teve ao acrescentar um comentário ao poste do Carlos Vinhal. À Alice, companheira de há dezenas de anos, o meu MUITO OBRIGADO pelo carinho e simpatia.

(iv) Permitam-me que acrescente 2 linhas ao já descrito:

Para os que conhecem esta zona dos arredores de Lisboa, refiro um episódio que aconteceu há cerca de 1 hora. Almocei com a família e uns amigos no Solplay em Linda a Velha. Quando estava a entrar no carro para me vir embora estacionou ao meu lado um Audi A4 e o condutor de imediato me disse: 
- Não eras da CCAÇ 12?

Calculem o tamanho da minha boca. Era o António Duarte, ex Fur Mil da CCAÇ 12 dos anos de 73/74. Dizia ele que já não era "meu filho" mas sim "neto" (substituto do substituto). 

Isto só é possível pela grandiosidade do que o Luís criou, o que permitiu que este nosso amigo me viesse a reconhecer.

Chaga de lamechices

UM GRANDE ABRAÇO A TODOS

Humberto Reis

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Humberto:

Isto de pertencer ao CLUBE DOS SEXAS também tem as suas penas e obrigações, como por exemplo ter de responder aos muitos cartanitos de parabéns pelo último aniversário, o que, meu menino, é uma estopada de todo do tamanho, como diria o Eça de Queirós... Resta-nos a consolação de, quando a gente se finar, essa trabalheira toda de agradecer os sentidos pêsames dos nossos amigos e inimigos, já não nos competirá a nós, mas sim aos gatos pingados da agência funerária que é para isso que eles nos levam o coiro e o cabelo...

Mas o que fazer, nmeu querido camarigo, quando no teu vasto, rico e cobiçado álbum fotográfico (para não falar das tuas cartas topográficas, em especial as dos Arquipélagos de Bijagós, que valem o seu peso em coca, quero eu dizer, em ouro...), o pobre do editor, alma sensível e apurado sentido estético,  encontra esta imagem de uma pobre bajuda, balanta, de Nhabijões, com um ar meio hippie (estava na moda o movimento hippie...),  que tu terás, ou tu e eu,  teremos conhecido numa daquelas operações de acção psicossocial que nos eram atribuídas regularmente à volta das tabancas balantas da periferia de Bambadinca, ditas sob duplo controlo (Nhabijões, Mero, Santa Helena, Bissaque...), a par da intensa actividade operacional contra os balantas do mato (seus pais, tios, primos, irmãozinhos)...

Nabijhões, o seu reordenamento e defesa,   deu-nos água pela barba e,  se bem te lembras,  o teu alfero, o nosso inefável Carlão - meu, ás vezes,conforme o que me calhava na rifa  - foi para Bissau receber um curso especial para chefe operacional dessa coisa a que chamávamos reordenammento... Na época, era a taluda, o euromilhões!... Uma vida de régulo!... Um descanso até ao fim da comissão! Mil vezes melhor do que ir à Ponta do Inglês levar nos cornos!

Fico sem saber exactamente o que fostetu, ou fomos os dois,  fazer a Nhabijões, se  é que foste ou fomos (ou o que é que, em alternativa,  a pobre da bajuda andava a fazer ali para os lados de Samba Silate, meia perdida, rondando a ponte do Rio Udunduma, sítio par além do mais perigoso,  infestado de tugas e de fulas, machos, cheios de testosterona, se bem que  próximo da sua aldeia)...

Até por que,  no teu caso concreto,  tu sempre preferiste mais o ar do que a água e o chão (fosse o chão fula ou balanta)... (Lá tinhas as tuas razões, e, a propósito, estou mesmo  em crer que darias um belo piloto de Heli Al III, o que quer não dizer que não tenhas sido um bom ranger; sempre achei, de resto,  que escolheste mal a arma, o teu lugar era mesmo na FAP, logo em Bissalanca, na BA 12 onde tinhas amigos entre os pilotos)...


Como o meu falar balanta era tão mau ou pior que o meu mandarim, e não falando a rapariga sequer o crioulo da tropa, recordo-me que, na altura, tentei ler nos seus lábios o que é que ela  te queria dizer...  a ti, em concreto, até porque foste tu que lhe tiraste a chapa... É um arte difícil, essa a da comunicação não-verbal... Mas, se a tua Teresa não ficar, desde já  com ranger de dentes, vou tentar traduzir, lip by lip,  o que é a inocente... bajuda tentava comunicar-te na ocasião...

Já não posso precisar, à distância de 40 anos, mas imagino até que esta cena tivesse acontecido  à porta do teu abrigo no Udunduma que,  visto assim, de fora, mais parecia a caverna do Ali Babá e os 40 ladrões (na época, não eram tantos, mal ultrapassariam uma vintena, dado que os Grupos de Combate da CCAÇ 12 começaram logo a ficar desfalcados, em Julho de 1969, em Madina Xaquili...).

Acredito que uma miúda balanta tivesse curiosidade em saber que objectos reluzentes eram aqueles que se anteviam na escuridão do abrigo... Mas, não... Vendo bem, ela estava literalmente grudada numa peça do teu vestuário, a qual, pensando bem, não estava de acordo com o figurino da tropa... Se reparares bem, o raio do teu boné (preto ou azul marinho em vez da cor do camuflado, como o meu) não era nada regulamentar!... Se bem desconfio, era de algum piloto de heli AL III, distraído ou apressado, que te deixou em Bambadinca e meteu prego a fundo para Bissalanca, depois de uma boleia até Bafatá ou até Bissau...

Pois, o que  a tímida da bajuda (tímida ou misteriosa ? ) está a tentar transmitir-te é apenas o mais inocente e ingénuo pedido que uma rapariga da idade dela (ainda púbere, com cabaço, que nunca vira mundo), seria capaz de balbuciar na presença do diabo de um tuga:
- Manga de ronco, chapéu de bó... Parte com bajuda...

Não sei se terás entendido o desejo da rapariga... Acho que não, nem tu nem eu. Como ainda estávamos longe do Natal,  e tu devias estar com cara de poucos amigos por teres perdido à lerpa, na semana anterior, no casino de Bambadinca, é muito provável que lhe tenhas respondido com voz de ranger, seco e duro, de mau humor:
- Gosse, gosse, minina, bora, bora. antes que venha o lobo mau...

Essa fala já não posso confirmar...  O que sei que é que nunca te desfizeste do boné (ou quico ?), que era uma espécie de talismã... E hoje tenho alguma curiosidade em saber se ainda o tens,  o boné da FAP ?! O boné ou os bonés, já que eu te conheci uma colecção completa no teu guarda roupa em Bambadinca... LG

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Nota de L.G.:

Último poste da série > 14 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7431: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (35): Maravilhas do blogue... 36 anos depois (Nelson Herbert/Magalhães Ribeiro)

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7480: Estórias avulsas (46): Desminagem entre S. Domingos e Susana (António Inverno)

1. O nosso Camarada António Inverno (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª e 2.ª CARTs do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 – S. Domingos -, 1972/74, enviou-nos uma mensagem com mais algumas das fotos do seu álbum de memórias. Camaradas,
Inicio esta mensagem com uma foto minha, com a inseparável AK 47 ao fim do dia, na magnífica e sempre bela Ponta Varela.



A seguir anexo uma sequência de fotos de uma desminagem, efectuada por mim num campo de minas anti-pessoal, que eu havia montado numa zona descampada e que servia de protecção estratégica contra eventuais e infiltrações do IN, por aquela parcela de terreno entre S. Domingos e Susana.
A instalação do dispositivo foi concretizada seguindo os habituais ensinamentos assimilados na instrução prática e teórica do C.I.O.E., partindo de um ponto de referência seguro e obrigatoriamente de fácil identificação no terreno, para melhor permitir em dias futuros, também de modo perfeitamente seguro, o posterior efeito de levantamento.

A selecção de um ponto de referência único e inequívoco, e o desenho de um preciso e claro croqui, foi sempre a minha principal preocupação, pois podia dar-se o facto de não ser eu, quando necessário fazê-lo, a efectuar a sua desinstalação ou levantamento, com queiram chamar-lhe.

A instalação do campo em apreço, decorreu normalmente, mina a mina, calculando e preservando sempre o perigoso risco que representava o cumprimento rigoroso de uma missão destas.

Este sistema havia sido montado aquando da nossa chegada a Susana, em fins de 1972, e teve que ser levantado antes da nossa retirada em Setembro de 1974.

Penso que não era preciso dizer aqui, que se a montagem foi, de algum modo, facilmente implantado no terreno, já não posso dizer o mesmo quanto ao acto de levantamento.

Quem sabe e, ou, viu os efeitos físicos e psíquicos num ser humano do rebentamento de uma mina anti-pessoal sabe do que eu falo.

Assim, lá parti para o terreno ciente que não podia errar, pois o lema que aprendera em Lamego com o monitor de Minas e Armadilhas, dizia que, com os explosivos deste género, só se podiam falhar 3 vezes: a primeira, a única e a última!

Tomadas todas as precauções e apesar da adrenalina e dos suores frios que nos causavam estes “trabalhinhos”, tudo correu bem felizmente.

Na última foto podem ver um buraco com as ossadas de um pequeno animal, que morrera ao fazer detonar umas das minas.

 
Melhor que uma excelente picagem, e tínhamos homens altamente especializados nessa matéria, era ter um detector de minas (metais)


Rapidamente começamos a decobrir (Eu, o Fur Mil Ferreira, o Sold "Castiço" e o Mulata) a primeira das piores e mais traiçoeiras assassinas da guerra
Dá-me aí uma faca se f.f.


Está aqui a "gaja"



Com cuidado... muito cuidado!


Aqui está ela fora da terra, vou retirar-lhe a espoleta e pronto, já não fará mal a ninguém

Esta não preciso levantá-la. Só um buraco e uns ossitos, 
como último sinal de que aqui acontecera uma morte

Um abraço, António Inverno Alf Mil Op Esp/RANGER do BART 6522 e Pel Caç Nat 60  

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010).
Direitos reservados.Fotos: © António Inverno (2010). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 14 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7432: Estórias avulsas (99): Reabertura da picada Galomaro-Duas Fontes-Saltinho (António Tavares)

Guiné 63/74 - P7479: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (5): Dia 23 de Novembro de 2010

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Dezembro de 2010:

Malta,
Foi um dia importante para o meu coração.
Lamento, no que toca a Lorde Torcato e àquele senhor que quer uma moradia em Finete, um tal Jorge Cabral, não trazer propriamente notícias animadoras.
Foi o que aconteceu.
Amanhã será diferente. Amanhã contem comigo no Cuor. Amanhã chego a casa, a Missirá.
Antes, serei recebido por um antigo comandante do PAIGC, em Canturé, agora Gan-Turé.
Mudam os nomes mas os lugares conservamo-los toda a vida.

Um abraço do
Mário


OPERAÇÃO TANGOMAU - ÁLBUM FOTOGRÁFICO (5)

DIA 23 DE NOVEMBRO DE 2010

Tudo leva a crer que este dia 23 de Novembro vai ser emocionante para o Tangomau. Ao sair de casa deparou-se o seu querido amigo Mamadu Djau, veio de bicicleta de Amedalai, acompanhado de um antigo soldado do Pel Caç Nat 54. Em casa do Fodé, nova surpresa: o Zé Pereira, primeiro cabo do Pel Caç Nat 52, entre 1968 e 1969. Uma grande, grande surpresa. Depois de alguma negociação com o Fodé, a comitiva vai até ao antigo porto de Bambadinca, o Tangomau pretende registar o que resta desse espaço que justificava idas diárias a Mato de Cão. Todo o abastecimento do Leste, até aparecer, em finais de 1969, o porto do Xime, desembocava aqui. Sobretudo durante as manhãs, era uma roda-viva de Berliets e Unimogs que depois irradiavam para inúmeros regulados. A seguir ao porto do Bambadinca, o Tangomau tem que deixar uma carta em casa do Zeca Braima Sama, veio do seu amigo Humberto Reis, antigo furriel da CCaç 12. E há também que visitar o cemitério de Bambadinca, o coronel Jales Moreira pretende saber o estado dos túmulos dos três militares portugueses que ali jazem. O que resta do porto de Bambadinca são estacas, as que se vêem. O Tangomau teve uma repentina, perguntou a um daqueles pescadores se o levavam a Mato de Cão. Que sim, na manhã seguinte, ainda pela fresca. Depois começou a negociação do preço, começou em 40 mil francos CFA, fechou-se o negócio em 10 mil. Infelizmente, o mandão do Fodé impôs-se, está a chegar a hora de começar as visitas ao Cuor. O passeio de canoa a Mato de Cão fica para a próxima viagem. E todos aqueles que frequentaram o porto de Bambadinca vão ficar de garganta seca quando virem estas miseras estacas como vestígio de uma importância perdida.

A auto-estima do Tangomau trepou quando ele visionava o rescaldo desse dia 23. No primeiro visionamento, ele deu pouca importância à imagem. Depois, do alto da sua arrogância de fotógrafo super-amador, reconsiderou que estes vestígios do porto de Bambadinca não eram para deitar fora. Suportavam o tabuleiro do cais, por aqui passaram toneladas de comida, munições e aparato bélico, material de construção civil, etc. Para que conste para a História, aqui houve cais, exactamente neste ponto acostava o aprovisionamento dessa imensa guerra. É certo que se trata de uma ruína, o Tangomau trata-a como um vestígio arqueológico, deu sofrimentos inenarráveis proteger e direccionar este aprovisionamento.

Calilo avisara o Tangomau que havia lá uns espigões em ferro dentro do capim e muito perto do trafi (para quem está esquecido, o trafi recorda os chorões curvados sobre os rios, são árvores pequeninas, bem proporcionadas, dentro e fora do tarrafe). Entrou-se no capim e encontrou-se este suporte para o cordame das embarcações. Deram-se voltas à procura do outro suporte, era natural que houvesse dois. Mas não havia. Para que conste, é o último material ferroso do que resta do porto de Bambadinca. Cabisbaixos, todos aqueles antigos combatentes que tinham vigiado aqueles barcos civis que aqui aportaram, uns quilómetros mais abaixo, em Mato de Cão, subiram silenciosos até casa do Zeca Braima Sama. Deixou-se a carta a um familiar, o Zeca estava a dar aulas em Bafatá. À noite, foi apresentado ao Tangomau na Bantajã Mandinga. Apareceu no almoço de veteranos. E comoveu-se. A comitiva subiu para o cemitério de Bambadinca.

O Zé Pereira veste uma sabadora cor de vinho, está rodeado de Madjo Baldé e Sadjo Seidi, Sadjo Tchamo e Djiné Baldé (Missirá e Finete). Quando o Tangomau chegou a Missirá havia três primeiros cabos africanos: Domingos Silva (o albino Amadu Baldé disse-me que o viu em Bissau há uns cinco anos atrás, ninguém sabe onde pára), Paulo Ribeiro Semedo (cristão de Geba, sinistrado em Chicri com a explosão de um dilagrama, já falecido) e o Zé Pereira. O Zé era indiscutivelmente o melhor preparado deles, fora e voltou a ser professor, dava provas de maturidade e tinha o sentido da liderança. Durante anos correspondeu-se com o Tangomau. Vive em Bissorã, os seus filhos, ele diz isto com orgulho, fizeram os estudos médios. O filho mais velho joga no Atlético Clube Oriental, ele está prestes a vir visitá-lo. O Tangomau combinou ir à bola, actividade que nunca exerceu. Mas ao Zé Pereira não se pode negar essa alegria, estar a seu lado e ovacionar o filho que triunfou na bola.

O inesquecível, o valoroso e sempre fiel Mamadu Djau. Continua a trabalhar na bolanha, de onde arranca o sustento. Aqui há uns tempos, Lorde Torcato pedia informações sobre o que fazem os nossos antigos combatentes: no essencial, vão à bolanha, cultivam a horta, quando podem fazem algum comércio, vivem miseravelmente, não sabem o que é o médico, o medicamento, a pensão de reforma. Quando estive com o Mamadu Djau, em 1991, ele ainda fazia comércio. E agora, Mamadu? “Dinheiro cá tem, Mário, estou velho e perdido”. O que me dói até ao tutano é que este homem de estatura média, de porte régio, é um herói, um destemido, com a bazuca foi um combatente de alta perícia. Começou como milícia na Ponta do Inglês, engoliu ali as faúlhas do inferno. Depois de eu ter visitado a Ponta do Inglês com Lânsana Sori, ele explicou-me a vida daquele destacamento atribulado. Mais adiante, veremos o que resta da Ponta do Inglês. O Mamadu confiava que eu o tinha vindo buscar, em 1991, dissera-me: “Depois do que eu sofri ao pé de ti, depois desta viagem que fizeste, acreditei que me vinhas buscar, quero ganhar a vida e ser respeitado”. É uma das recordações mais impressivas desta viagem de 2010: caminhamos para o ocaso, o abraço que demos, as mãos dadas que estendemos um ao outro, o muito obrigado embargado que lhe disse quando ele partiu para Amedalai e eu para os Nhabijões, na tardinha de domingo, 28 de Novembro, foi a fraternidade pura, sabemos o lugar que temos no coração do outro. Para todo o sempre.

Já muito se escreveu sobre este cemitério de Bambadinca, andam por aí muitos protestos sobre o tratamento indigno que lhe reservaram, o Bambadincazinho tem-se vindo a expandir sem olhar a meios. O cemitério apanhou por tabela, a comitiva deu voltas e mais voltas até se aperceber que este é o último palmo que resta do cemitério. Como em muitas outras situações, o último grito da presença humana é aquela lápide de cimento. O Tangomau conversava com os seus botões: eram três, parece que só resta um. Isto lembra o soldado desconhecido. Não seria a melhor solução remover estas ossadas para o talhão dos combatentes, no cemitério de Bissau? Vamos passar a vida a trasladar combatentes? Os britânicos que combateram na Flandres não ficaram lá a descansar eternamente?

Que este tocador de Korá, em pleno Bambadincazinho, não se presta confusões. Perdeu-se a imagem do Tangomau e comitiva em Samba Juli, uma tabanca que representava o fim do sossego para quem ia para Mansambo ou Xitoli ou confins do Cossé. Curiosamente, os visitantes puseram-se de acordo: pouco mudara em Samba Juli. Depois dos agradecimentos da visita pelo chefe de tabanca, o Tangomau começou a fazer perguntas, ia de encontro ao que lhe pedira Lorde Torcato de Mansambo. Começou por Lali, está vivo ou morto? Houve conciliábulos em fula e crioulo e dpois veio a resposta, o Lali está vivo, podem encontrá-lo em Candamã. E Suckel? Novos conciliábulos, veio a resposta: Suckel, o sobrinho de António Iaio Buaro morreu. E Madiá? Conciliábulos e correcção: não é Madiá, é Madiu, ou Mussa Candé, pertencia ao pelotão de Mamadu Bari, de Moricanhe, morreu. Já a pensar como é que se transmitem estas notícias a Lorde Trocato, perguntou-se pelo régulo António Bonco Baldé, o régulo do Corubal. Aqui nem foram precisos conciliábulos: António Bonco morreu há muito, o seu herdeiro é Sori Baldé, vive em Sinchã Moli. Lorde Torcato também me pedira para se perguntar pelo 91. Ninguém sabia quem era o 91. Aliás, o Tangomau proibira que se tratassem as pessoas por números. Quem apareceu e pediu para ser fotografado foi um irmãozinho de Queta Baldé, para quem não sabe o Queta é um dos heróis dos livros do Tangomau, memória como a dele não existe em mais ninguém. O irmão chama-se António Iaia Buaro Embaló e manda “manga de cumprimento” ao irmãozinho. Pode dar-se o caso do leitor se ter esquecido destes diminutivos. Um só exemplo, quando se diz mãezinha está-se a falar na irmã da mãe, não vale a pena perguntar se é o mesmo que uma tia. Nesta altura da viagem, o Tangomau já conhecera centenas de paizinhos, tiozinhos, irmãozinhos do Fodé Dahaba. Se acaso ainda existem famílias extensas a do Fodé é extensíssima.

No regresso de Samba Juli, o Tangomau, à beira da desidratação, pediu para ir ao mercado buscar duas garrafas de água, de litro e meio. É nisto que um jovem bem crescido avançou para ele e lhe disse: “Estiveste no Xime e falaste muito bem do meu pai. Eu sou o filho de Mankaman Biai, de quem disseste ser o maior guia e picador do Xime. Tira fotografia”. Antes de tirar a fotografia, como é uso e costume, o Tangomau enobrece os primores de carácter deste Mankaman, que recebeu louvor na operação “Rinoceronte Temível”. E a seguir, a comitiva, à hora do calor, partiu a caminho de Fá Mandinga, tentava-se assim dar cumprimento aos pedidos de um tal Jorge Cabral que andou a fazer distúrbios na região. A estrada para Fá não é exactamente o que era. Passa-se por Santa Helena, Bantajã Assà e depois envereda-se por um estradão em muito mau estado ao lado de Ponta Barbosa, o capim cresceu, aqui e acolá despontaram pequenas tabancas, Calilo abranda a velocidade face às grandes brechas no caminho, há ainda lagos de água esverdeada, ouve-se a insistente zanguizarra dos grilos, vou ouvi-los ainda mais insistentes quando for a Madina e a Belel. Já por aqui andei quando fui visitar Serifo Candé, em Biana. Fá é um desapontamento, o que no passado evocava granjas, restos de quartel, escola agrícola, agora são vestígios de edifícios carcomidos. A viatura pára, à frente existe o quartel do Exército guineense. Fotografias nem pensar. E também é já tarde, voltar a câmara para as ruínas ali ao lado pode parecer uma provocação a este jovem que tem a pesporrência de um guarda pretoriano. Pois o Jorge Cabral fica com sobejos motivos para se meter ao caminho e vir dar aqui uma espiada: tem guarda-costas e alguns soldados vivos para lhe dar companhia. Nada mais se pode adiantar.

Finete acompanhou a evolução do traçado da estrada Bissau-Bafatá. Antigamente estava concentrada sobre a bolanha, agora espraiou-se. Aqui fica a última imagem do dia. Aqui começava a bolanha ou a povoação de Finete, ou vice-versa. A fotografia só tem importância porque se vai repetir a mesma coisa noutros locais. Por exemplo, no Enxalé, alguém que o acompanha diz-lhe: “Ali era a estrada que levava a…”. No caso do Enxalé, havia dua estradas, a que atravessava a bolanha, a estrada velha, em frente ao Xime, e a estrada nova, mesmo em frente a Samba Silate. É um mundo que desapareceu. E, por vezes, como num rompante lírico, o Tangomau dá consigo a captar estes caminhos que perderam servidão, que foram retomados pela natureza.

A bolanha de Finete tem destas surpresas, não é por acaso que beija o rio Geba, e com ele se confunde. Para o amador de curiosidades, esclarece-se que Calilo Dahaba parou a viatura de combate e questiona o que o Tangomau pretende captar na travessia do rio Geba. Pois é exactamente isto: o rio e a bolanha, a vegetação luxuriante, e a luz, esta luz teatral que faz da água barrenta um curso de água de azul quase celeste. É também por estas e por outras que o Tangomau regressa ao seu “chão” e se sente imensamente feliz. Tudo começou com um porto que se transformou numa memória, reencontraram-se amizades profundas, foi-se a Samba Juli e a viagem a Fá Mandinga resultou numa decepção. Valha-nos a bolanha de Finete. E o Geba, o rio que atravessa a vida do Tangomau.

Ainda há luz do dia, a excursão prossegue até à bolanha de Finete, o Tangomau sabe que é boa hora para captar a luz especial, aquela que guardou estas décadas todas. Como esta imagem comprova: os lírios dentro em breve vão fechar, quando o dia arrefecer, a bolanha parece um imenso jardim exótico que avança em direcção à mata densa de Finete, o que é hoje Finete, a próxima surpresa que espera os viajantes. Já bem cansados, por sinal.

Fotos: © Mário Beja Santos (2010). Direitos reservados.
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Notas de CV.

(*) Vd. poste de 19 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7470: Notas de leitura (179): A Luta Pelo Poder na Guiné-Bissau, de Álvaro Nóbrega (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7445: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (4): Dia 22 de Novembro de 2010