quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7674: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (4): As abelhas (Rui Silva)

1. Mensagem de Rui Silva* (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 24 de Janeiro de 2011:

Caros Luís Graça, Vinhal, Briote, Magalhães Ribeiro e Humberto Reis:

Recebam um grande abraço e doses de energia para manter o Blogue no seu grande nível.

Aqui vai o meu trabalho (Abelhas – IV) na sequência do meu trabalho sobre “Doenças e outros problemas de saúde…”

Até sempre!
Rui Silva


2. Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

DOENÇAS E OUTROS PROBLEMAS DE SAÚDE (ou de integridade física) QUE A CCAÇ 816 TEVE DE ENFRENTAR DURANTE A SUA CAMPANHA NA GUINÉ PORTUGUESA (Bissorã – Olossato – Mansoa 1965/67)

(I) Paludismo (P7012)
(II) Matacanha (P7138)
(III) Formiga “baga-baga” (P7342)
(IV) Abelhas
(V) Lepra
(VI) Doença do sono

Não é minha intenção ao “falar” aqui de doenças e outros problemas de saúde que afligiam os militares da 816 na ex-Guiné Portuguesa imiscuir-me em áreas para as quais não estou habilitado (áreas de Medicina Geral, Medicina Tropical, Biologia, etc.) mas, tão só, contar aquilo, como eu, e enquanto leigo em tais matérias, vi, ajuizei e senti.

Assim:
As 4 primeiras, a Companhia sentiu-as bem na pele (ou no corpo). As 2 últimas (Lepra e Doença do sono), embora as constatássemos - houve mesmo contactos directos de elementos da Companhia com leprosos (foram leprosos transportados às costas, do mato para Olossato nas tais operações de recolha de população acoitada no mato para as povoações com protecção de tropa) –, não houve qualquer caso com o pessoal da Companhia, ou porque estas doenças estavam em fase de erradicação (?), ou porque a higiene e a profilaxia praticadas pela Companhia eram o suficiente para as obstar.


ABELHAS - IV

ABELHAS!!!... era este o grito, o grito de alerta, uma espécie de “passe palavra” em tom aflitivo. Era este o grito que fazia o pessoal da Companhia correr a sete pés e a esquecer todo o mais.
Assustava mais este grito, que o grito”Aí estão eles!” grito que acontecia no milésimo de segundo imediato a um tiro do inimigo.

O inimigo contava muitas vezes com a colaboração deste temível exército natural e assim muitas vezes fazia as emboscadas em sítio em que houvesse um enxame ali perto da passagem da tropa. Um tiro no enxame compacto, na altura da passagem da tropa, iniciava a emboscada e ao mesmo tempo o ataque desenfreado das abelhas a quem andava por ali perto.
Contava-se assim esta habilidade inimiga, pois não me lembro da minha Companhia ter sido vítima deste expediente inimigo. Não terá calhado, certamente.

Mas há histórias para contar sobre abelhas na 816…

Certa vez, vinha a Companhia de regresso ao aquartelamento de Olossato e, como sempre, extenuada, e depois de uma operação muito perto da base de Morés.
A certa altura retomamos um carreiro, já não muito longe do Olossato. O pessoal, em fila indiana, vinha com a atenção redobrada, pois vinha a ver onde o da frente punha os pés para pôr os dele também, pois assim julgava livrar-se ou defender-se melhor das minas anti-pessoais, já que naquela zona havia fama de aparecerem com frequência. Esta atenção obrigava a Companhia a deslocar-se com alguma lentidão. Chegou-se a fazer o levantamento de uma mina.

De repente, e bem perto de mim, atrás, alguém grita: ABELHAS!!!...

Foi como o tiro de pistola numa prova de 100 metros nas Olimpíadas.
Toda a gente enceta uma correria (que me fez lembrar o filme “A Revolta dos Cossacos” onde estes em frente alargada corriam para o inimigo) em direcção ao aquartelamento que já estava perto. Esqueceram-se as minas, os cuidados com emboscadas e… foi, mas, um “ver se te avias”. Nunca se chegou tão rápido ao quartel… e, nem minas nem emboscadas.

Um nativo, ao arrancar num arbusto um ramo para fazer uma rodilha para pôr as granadas de morteiro ou bazooka à cabeça, não reparou que estava ali perto um enxame, daí…

Lembro-me que um pouco depois, já no quartel, vi o “Flector” do morteiro, irreconhecível. As pálpebras de tal modo inchadas e os lábios mais grossos do que os de um nativo, aí bem dotado, a cara toda inchada, se não me dissessem que era o Flector eu julgaria que estava ali um extra-terrestre. Pelo menos um oriental bem inchado.
Mas não passou do susto… e das consequências para o “Flector”. As abelhas, parecia, que faziam pontaria a um e não mais o largavam e julga-se que o ataque tinha um efeito simpatia porque se no caminho da revolta, houvessem mais enxames, estes solidarizavam-se com as que estavam em guerra aumentando assim o efectivo da nuvem assassina.

Houve mais alguns casos com as abelhas (casos pontuais), mas tudo passava algumas horas depois e com tratamento na enfermaria.
Contaram-me, mais tarde, de um caso passado noutra Unidade, que um soldado foi vítima de tal ataque das abelhas, que praticamente o cobriram, e que ele num acto desesperado matou-se com a sua própria G3. Poderá alguém contar isto com mais pormenor?

O Martins (Fur Mil da minha Companhia), também tem uma história para contar, quando foi mordido por grande quantidade de abelhas, quando foi pôr abaixo, julgo com TNT ou qualquer outro explosivo, uma árvore de grande porte, junto ao aquartelamento de Olossato, do lado de Bissorã e perto da Tabanca do Olossato e que vinha servindo de abrigo ao inimigo sempre que este nos vinha “visitar”. O Capitão resolveu nomear um grupo para pôr abaixo aquela árvore pondo assim fim aquele escudo inimigo. Deu-se o estoiro (ouvimos na messe) e passados alguns minutos aparece-me o Martins todo sarapintado, tipo rubéola. “Foram as abelhas”, diz ele em tom desapontado. Estava lá um enxame. Dá-se o rebentamento e logo de seguida, um enxame, que até estava sossegado na árvore, sai ao ataque, e… escolhe o desafortunado Martins.

“Eh pá deves estar cheio de dores”, perguntamos logo. “Não, não me dói”.

As ferroadas eram tantas que acabaram por criar um efeito anestesiante. Terá sido assim? Os leigos diziam que sim.


Um cacho de abelhas.  Foto, reproduzida da Net que pode muito bem ter sido tirada na Guiné. Nem era preciso tocar no cacho, bastava barulho inusitado.


AS ABELHAS


Abelhas (Apis mellifera) são insectos himenópteros (com 2 pares de asas membranosas) que polinizam as plantas, produzem mel … e também picadas mortais.
Há cerca de 20.000 espécies de abelhas no mundo. O seu tamanho varia de 2 mm. a 4 centímetros. Algumas são pretas ou cinzentas, mas há as de cor amarelo brilhante, vermelhas, verdes ou azuis metálicas.


Apis mellifera scutellata (abelha africana ou “assassina”) Esta era a espécie de Apis mellifera que nos consumia na Guiné o corpo e também a alma.

As abelhas africanas (Apis mellifera scutellata) ou “abelhas assassinas”, são originárias do Leste da África e são mais produtivas e muito mais agressivas.
São menores e constroem alvéolos de operárias menores que as abelhas europeias. Sendo assim, suas operárias possuem um ciclo de desenvolvimento precoce (18,5 a 19 dias) em relação às europeias (21 dias), o que lhe confere vantagem na produção e na tolerância aos ácaros.

Possuem, visão mais aguçada, resposta mais rápida e eficaz ao fenómeno de alarme. Os ataques são, geralmente, em massa, persistentes e agressivos, podendo estimular a agressividade de operárias de colmeias vizinhas.

Ao contrário das europeias que armazenam muito alimento, elas convertem o alimento rapidamente em cria, aumentando a população e liberando vários enxames reprodutivos.
Migram facilmente se a competição for alta ou se as condições ambientais não forem favoráveis.
Essas características têm uma variabilidade genética muito grande e são influenciadas por factores ambientais internos e externos.

O ferrão da abelha, que se situa na extremidade posterior do abdómen da abelha fêmea, é um sistema complexo compreendendo uma parte glandular, na qual se produz o veneno, e uma estrutura quitinosa e muscular, que serve par ejecção do veneno e profusão e introdução do ferrão. Apresenta rebarbas na sua superfície que dificultam sua saída, de tal sorte que, após a ferroada, todo o sistema é destacado, permanecendo na vítima. E a abelha morre logo a seguir. Geralmente, a profundidade de inserção é de 2 a 3 milímetros. No local movimentos reflexos de sua estrutura muscular fazem com que o ferrão se introduza cada vez mais.

Na rainha, as farpas do ferrão são menos desenvolvidas que nas operárias e a musculatura ligada ao ferrão é bem forte para que a rainha não o perca após utilizá-lo.


MORFOLOGIA e BIOLOGIA das ABELHAS (Apis mellifera)
(Extraido com a devida vénia do site “sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br”)

Aspectos morfológicos das Abelhas (Apis melllifera)

As abelhas, como os demais insectos, apresentam um esqueleto externo chamado exoesqueleto.
Constituído de quitina, o exoesqueleto fornece proteção para os orgãos internos e sustentação para os músculos, além de proteger o inseto contra a perda de água. O corpo é dividido em três partes: cabeça, tórax e abdómen (fig. 1). A seguir, serão descritas resumidamente cada uma dessas partes, destacando-se aquelas que apresentam maior importância para o desempenho das diversas atividades das abelhas.

Fig. 1 - Aspectos da morfologia externa da Apis mellifera


Cabeça

Na cabeça, estão localizados os olhos -simples e compostos- as antenas, o aparelho bucal (fig. 2) e, internamente, as glândulas.
Os olhos compostos são dois grandes olhos localizados na parte lateral da cabeça. São formados por estruturas menores denominadas omatídeos, cujo numero varia de acordo com a casta, sendo bem mais numerosos nos zangões do que em operárias e rainhas. Possuem função de percepção de luz, cores e movimentos. As abelhas não conseguem perceber a cor vermelha, mas podem perceber ultra-violeta, azul, verde, amarelo e laranja.

Fig. 2- Aspectos da morfologia externa da cabeça da operária de Apis mellifera

Os olhos simples ou ocelos são estruturas menores, em número de três localizadas na região frontal da cabeça formando um triângulo. Não formam imagens. Têm como função detetar a intensidade luminosa.
As antenas, em número de duas, são localizadas na parte frontal mediana da cabeça. Nas antenas encontram-se estruturas para o olfato, tato e audição. O olfacto é realizado por meio das cavidades olfativas, que existem em número bastante superior nos zangões, quando comparados com as operárias e rainhas. Isso se deve à necessidade que os zangões têm de perceber o odor da rainha durante o voo nupcial.

A presença de pêlos sensoriais na cabeça serve para a perceção das correntes de ar e protegem contra a poeira e água.

O aparelho bucal é composto por duas mandíbulas e a língua ou glossa. As mandíbulas são estruturas fortes, utilizadas para cortar e manipular cera, própolis e pólen. Servem também para alimentar as larvas, limpar os favos, retirar abelhas mortas do interior da colmeia e na defesa. A língua é uma peça bastante flexível coberta de pêlos, utilizada na coleta e transferência de alimento, na desidratação do néctar e na evaporação da água quando se torna necessário controlar a temperatura da colmeia.

No interior da cabeça encontram-se as glândulas hipofaringeanas, que têm por função a produção da geleia real, as glândulas salivares que podem estar envolvidas no processamento do alimento e as glândulas mandibulares que estão relacionadas à produção de geleia real e feromônio de alarme (fig. 3).

Fig. 3 – Aspecto da anatomia internada operária Apis mellifera


Tórax

No tórax destacam-se os órgãos locomotores – pernas e asas (fig. 1)- e a presença de grande quantidade de pêlos, que possuem importante função na fixação dos grãos de pólen quando as abelhas entram em contacto com as flores.

As abelhas, como os demais insetos, apresentam 3 pares de pernas As pernas posteriores das operárias são adaptadas para o transporte de pólen e resinas. Para isso, possuem cavidades chamadas curvículas, nas quais são depositadas as cargas de pólen ou resinas para serem transportadas até a colmeia. Além da função de locomoção, as pernas auxiliam também na manipulação da cera e própolis, na limpeza das antenas, das asas e do corpo e no agrupamento das abelhas quando formam “cachos”.

As abelhas possuem dois pares de asas de estrutura membranosa que possibilitam o voo a uma velocidade média de 24 Km/h

No tórax, também são encontrados espiráculos, que são órgãos de respiração, o esófago, que é parte do sistema digestivo e glândulas salivares envolvidas no processamento do alimento.


Abdómen

O abdómen é formado por segmentos unidos por membranas bastante flexíveis que facilitam o movimento do mesmo. Nesta parte do corpo, encontram-se órgãos do aparelho digestivo, circulatório, reprodutor, excretor, órgãos de defesa e glândulas produtoras de cera (fig. 3).

No aparelho digestivo, destaca-se o papo ou vesícula nectarífera, que é o órgão responsável pelo transporte de água e néctar e auxilia na formação do mel. O papo possui grande capacidade de expansão e ocupa quase toda a cavidade abdominal quando está cheio. O seu conteúdo pode ser regurgitado pela contração da musculatura.

Existem quatro glândulas produtoras de cera (ceríferas), localizadas na parte ventral do abdómen das abelhas operárias. A cera segregada pelas glândulas se solidifica em contacto com o ar, formando escamas ou placas que são retiradas e manipuladas para a construção dos favos com auxílio das pernas e das mandíbulas.

No final do abdómen, encontra-se o órgão de defesa das abelhas -o ferrão- presentes apenas nas operárias e rainhas. O ferrão é constituído por um estilete usado na perfuração e duas lancetas que possuem farpas que prendem o ferrão na superfície ferroada, dificultando sua retirada. O ferrão é ligado a uma pequena bolsa onde o veneno fica armazenado. Essas estruturas são movidas por músculos que auxiliam a introdução do ferrão e injeção do veneno. As contrações musculares da bolsa de veneno permitem que o veneno continue sendo injectado mesmo depois da saída da abelha. Desse modo, quanto mais depressa o ferrão for removido, menor será a quantidade de veneno injectada. Recomenda-se que o ferrão seja removido pela base, utilizando-se uma lâmina ou a própria unha, evitando-se pressioná-lo com os dedos para não injetar uma maior quantidade de veneno. Como, na maioria das vezes, o ferrão fica preso na superfície picada, quando a abelha tenta voar ou sair do local após a ferroada, ocorre uma rotura de seu abdómen e consequente morte. Na rainha, as farpas do ferrão são menos desenvolvidas que nas operárias e a musculatura ligada ao ferrão é bem forte para que a rainha não o perca após utilizá-lo.

Segue: Lepra - V
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7342: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (3): Formiga baga-baga (Rui Silva)

Guiné 63/74 - P7673: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (49): Na Kontra Ka Kontra: 13.º episódio




1. Décimo terceiro episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 25 de Janeiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


13º EPISÓDIO

E quando todos se apressavam a molhar os bocados de bolacha no delicioso molho feito pelo “legionário”, o Alferes abre o seu jogo:

- Rapazes, embora eu não coma pão às refeições, também tenho sentido a sua falta, mas mais por vós, resolvi que vai haver pão. Hoje mesmo vou falar com o João Sanhá sobre isso.

- F… meu Alferes, como é que o João vai arranjar pão?

- Calma, muita calma, Dionildo. Vou pedir-lhe que me arranje barro. Nas palhotas é sempre aplicado muito barro e portanto deve haver muito por aí.

- F… pão, barro, o João, o meu Alferes deve estar a ficar apanhado pelo clima, e muito…

- Se houver barro, amanhã tu e mais dois camaradas amassam uma porção e eu próprio irei fazer um forno. Com este clima e se tudo correr bem, no dia seguinte deve estar seco e passa-se a fazer pão.

Acabado o jantar, os homens um tanto incrédulos com a estória do forno, mantêm-se à mesa a conversar uns com os outros sonhando com a possibilidade de virem a ter pão fresco todos os dias. O nosso Alferes dirige-se rapidamente até ao ponto de encontro do pessoal, no “bentem” debaixo do mangueiro, onde já estava o João e alguns milícias.

- Boa noite.

- Boa noite, responderam todos ao mesmo tempo.

Não havia pressa em abordar o assunto do barro, desde que o João não quisesse ir deitar-se. Assim, ainda conversaram sobre o som de timbre metálico, como de uma campainha, que vinha de cima do mangueiro. Tratava-se, como o João explicou, do som produzido pelos machos dos morcegos frutívoros, que o produziam para atrair as fêmeas. O Alferes, que à noite andava sempre com uma lanterna, facilmente iluminou um dos morcegos pendurado num ramo, de cabeça para baixo, vendo-se perfeitamente o mexer dos seus lábios ao produzir o tal som estridente.

Mas antes que o João se fosse deitar o nosso Alferes vai direito ao assunto principal dessa noite:

- João, pretendo fazer um forno para cozer pão. Para isso preciso de barro. Consegue-se arranjar?

Perante a admiração do Alferes o João apressou-se a dizer:

- Há barro em qualquer sítio da tabanca. É só escolher o local e com uma pequena escavação consegue-se o que se quiser e amassa-se logo aí.

- Certo João, já tenho alguns camaradas para tratarem do barro. A construção do forno será comigo. Amanhã cedo tornamos a falar.

Depois de uma noite bem passada, não deixando de sonhar, pelo menos acordado, com a sua Asmau, apressa-se a que o “legionário” lhe sirva o café com leite que, apesar de ser em pó dava uma bebida muito aceitável, naquele cu de Judas.

O João apareceu e, juntamente com os homens encarregados de preparar o barro, foram escolher o local. Teria que ser um pouco afastado de qualquer morança para as fogueiras que se iriam fazer não as porem em perigo.

Ficou-se a saber que em qualquer local onde se escavasse dava barro. Escolheu-se o sítio e, em pouco tempo, estavam os homens a pisar o barro. Os aguadeiros iam providenciando que não faltasse água para o amassar. Todas as pequenas pedras que eram pressentidas com os pés eram retiradas pois, sendo de um material diferente, podiam vir a contribuir para o aparecimento de fissuras quando da secagem da obra.

O Alferes Magalhães tinha alguns conhecimentos destas construções, ligados ao curso de Arquitectura que tinha interrompido. Por isso, e porque em criança tinha feito pequenos fornos de barro para brincar, pensa moldar todo o forno nesse material. O João e também outros milícias tinham-se juntado para assistir ao acontecimento. Sugerem que se façam primeiro uns tijolos para os utilizar depois de secos ao sol. Esse processo iria atrasar a construção mas foi logo aceite pelo Alferes. Ao fim da manhã já estavam umas dúzias de tijolos a secar ao sol e feita a base do forno.

Depois da sesta o Alferes verificou que os tijolos já tinham a consistência necessária para o trabalho, pelo que rapidamente iniciou a construção. Com cerca de um metro de diâmetro pelo interior, ao fim da tarde estava pronto. Foi capeado e alisado à mão com uma aguada de barro o que lhe deu um ar de construção profissional.

O forno para fazer pão.

Começa a anoitecer pelo que o nosso Alferes, dado o esforço desenvolvido, sente necessidade de ir tomar um banho à fonte. Vai à sua morança, pega na toalha e na caixa do sabonete e vai carreiro abaixo. Ao sair do “arame” vê um vulto caminhar em sentido contrário. Cansado como estava só se apercebe de quem é, quando se cruzam.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7667: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (48): Na Kontra Ka Kontra: 12.º episódio

Guiné 63/74 - P7672: Ser solidário (100): Viagens Contra a Indiferença (Guiné-Bissau) (3) (Belarmino Sardinha / Fernando Nobre)



1. Fim da apresentação de parte do livro "Viagens Contra a Indiferença", de autoria de Fernando Nobre, médico, fundador e Presidente da AMI, lançado em Dezembro de 2004 pela Editora Temas e Debates, enviado pelo nosso camarada Belarmino Sardinha (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau), em 20 de Outubro de 2010.





Viagens Contra a Indiferença (3) Págs. 223 a 227, 313 e 314

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7666: Ser solidário (99): Viagens Contra a Indiferença (Guiné-Bissau) (2) (Belarmino Sardinha / Fernando Nobre)

Guiné 63/74 - P7671: Já nostálgico...antes de o ser!...Ou o fim da picada da Tabanca da Lapónia (José Belo)

1. Mensagem de Joseph Bello (ou Zé Belo, para os camarigos), "from Lappland with love"


Data: 22 de Janeiro de 2011 07:30

Assunto: Já nostálgico... antes de o ser!


Caríssimo:

Cedinho, cedinho, para acordar as renas, e tendo em conta que "numa boa página de prosa ouve-se nevar", informo-te ter a Histórica Tabanca da Lapónia atingido o seu apogeu intelectual, criativo e didático.Recomendo, e mais uma vez sem falsas humildades, uma visita in extremis a esta página única da Cultura Lusitana.Cultura täo firmemente implantada nas imensidões árticas, como o foi na saudosa Guiné, após mais de cinco séculos de etc, etc, etc. 

As muitas e variadas mensagens de um esoterismo profundamente criptogâmico (do tipo existente nas camisolas do Benfica) criam um espaco martirológico de meditações zeugmáticas para os proparoxítonos anos da vida que vai restando aos heróicos ex-combatentes de todas as Áfricas. E, terminando a um nível intelectual que, com sentida disciplina militar criada por muita órde unida, fui sabendo (durante estas longas décadas) inbuir aqui nas alimárias ruminantes....cito o Poeta quando se pergunta:
- Onde estarei eu hoje....em pequeno

Bem vindos ao Fim da Picada da Tabanca da Lapónia!

2. Comentário de L.G.:

A verdade, José,  é que eu dei com as trombas na parede (envidraçada), quando quis entrar na tua Tabanca... De duas uma: ou tu não pagaste a renda ao senhorio, ou as renas mudaram de dono, ou o dono mandou as renas para o matadouro... Estou sem bússola, confuso: mas tentando descodificar a tua mensagem, parece-me poder concluir que chegaste mesmo ao polo norte, e espetaste lá a nossa bandeira, verde e rubra, acrescentando mais um glorioso nome lusitano à lista gloriosa dos grandes conquistadores do planeta....

Sempre imaginei o polo norte como o fim da picada... Chega-se lá, exangue, e cai-se para o lado... E de lá, vai-se direitinho, na melhor das hipóteses,  para os cuidados paliativos que é afinal o tipo de cuidados que o nosso blogue deve administrar, segundo a douta opinião de um camarada nosso, médico, que nos espreita com regularidade... Estando em vias de extinção, à geração da guerra colonial não mais restaria  do que morrer em paz, em pijama, na cama, e sem chatear os vindouros... No mínimo, o que eu posso dizer da tua Tabanca e do teu regulado, é que viveste e deixaste viver, tinhas os teus impostos em  dia, deste o teu melhor, e que tens duas pátrias a quererem esquartejar o teu cadáver... Não tens que tomar nenhuma decisão hoje ou por estes dias mais próximos... Se virares a folha do calendário, verificas que tens outros tantos anos (a somar aos teus sixties...) para viver e para morrer... Por isso aceito a tua saudação patriótica: Da Lapónia com amor... Da minha parte, só espero que continues a surpreender-nos com o teu fino sense of humor... L.G.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7670: Núcleo Museológico Memória de Guileje (17): recuperação e reconstrução da antiga messe de oficiais (Pepito)

1. Mensagem e fotos do Eng Agr Carlos Schwarz, Pepito para os amigos, fundador e director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, enviada em 24 de Janeiro de 2011.
Guiledje - Novas recuperações – Fotos
Olá Luís,
Especialmente destinado ao pessoal de Guiledje, seguem os últimos acontecimentos.
Iniciámos a recuperação-reconstrução da antiga messe dos oficiais, que vai ser no futuro a sede da AD no Parque Transfronteiriço de Cantanhez.
Sob a orientação do nosso arqueólogo Domingos Fonseca, começaram as escavações que vieram mostrar o excelente estado de conservação do que estava subterrado.
De notar a inscrição de "Os Gringos" no degrau de acesso à casa.

abraços
pepito

Texto e Fotos: © Pepito (2011). Todos os direitos reservados.____________

Guiné 63/74 - P7669: (In)citações (25): Os falhanços da cooperação e os erros das ONGD estrangeiras na Guiné-Bissau (Pepito)


Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desevolvimento > Foto da semana > Data de publicação: 17 de Outubro de 2010 > Data da foto: 18 de Setembro de 2010 > Título da foto:   Cerimónia do UAMPANHE > Palavras-chave: História, cultura.

Legenda: "Na vila de Quebo [, antiga Aldeia Formosa, na Região de Tombali] realizou-se no mês de Setembro de 2010 a Cerimónia tradicional de Uampanhe, cerca de 40 anos depois da última (1973) promovida então por Tcherno Rachid, juntando os agricultores e população dos regulados de Foréa e Corubal, convocados pelo seu filho Aladje Tcherno Aliu Djaló.  Trata-se de uma actividade tradicional dos Fulas, em que todos (homens, mulheres, idosos e jovens) fazem colectivamente a lavoura utilizando um instrumento de trabalho, o Féfé, que é uma espécie de arado de forma mais curta, feito de madeira com uma lâmina metálica e amarrado com rotim.  Os lavradores organizam-se em fila e combinam os movimentos (djaracici) sendo na ocasião sacrificado um boi para a alimentação de todos os participantes".

Foto (e legenda): ©  AD - Acção para o Desenvolvimento (2010) (Reprodução com a devida vénia...)


1. Comentário do Pepito [, à esquerda com a nossa amiga Domingas, enfermeira, em dia de festa, em Cabedú, foto de Zé Teixeira], a pedido dos editores, ao poste P7640 (*)

Olá,  Luís.

Trata-se de um livro antigo [, Intervenção Rural Integrada, a experiência do norte da Guiné-Bissau, do antropólogo Mamadu Jao,  Bissau, INEP (**),   1999, 202 pp.] que retrata um projecto dirigido na realidade pela agência de cooperação sueca. Meteram cerca de 1 milhão e meio de USD por ano no projecto cujo plano era estabelecido em Estocolmo!!!!

Não se deve generalizar aos outros projectos integrados. A cooperação clássica, incluindo a portuguesa,  está ainda hoje cheia de exemplos desses. Somos nós,  cá em baixo,  a apanhar com a paulada da incompetência, mas se leres os relatórios da AD compreendes melhor porque me "amando" a eles.

Seria interessante que essas agências de cooperação fossem avaliadas em vez de passarem a vida a avaliar os outros e a desviar as culpas dos erros cometidos.

abraço

pepito  (**)

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Notas de L.G.:

(*) 19 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7640: Notas de leitura (191): Intervenção Rural Integrada, a experiência do norte da Guiné-Bissau, de Mamadu Jao (Mário Beja Santos)

(...) Moral da história: é melhor ouvir as pessoas, conhecê-las e saber gerir as suas aspirações e não substitui-las. A ajuda ao desenvolvimento tem que mudar sob pena de agravar o descontentamento dos chamados países em vias de desenvolvimento. E a Guiné-Bissau não é excepção, bem pelo contrário. (...)
 
(**) Do sítio do INEP:
 

(...) Fundado em 1984, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) tem como objectivos principais promover os estudos e pesquisas no domínio das ciências sociais e naturais relacionados com os problemas de desenvolvimento do país e contribuir para a valorização dos recursos humanos locais.

A actividade principal do INEP consiste na realização de investigação fundamental e na elaboração de estudos, sendo constituído por um corpo de investigadores nacionais permanentes e uma rede de investigadores associados nacionais e estrangeiros. Leva igualmente a cabo actividades académicas que incluem conferências, colóquios, seminários, jornadas de reflexão, que visam a difusão dos resultados das investigações científicas e o desenvolvimento do próprio Instituto.

Em poucos anos o INEP tornou-se um ponto de referência nacional e internacional de reflexão científica sobre a África Ocidental em geral e a Guiné-Bissau em particular. Dezenas de trabalhos sobre a realidade social guineense, uma centena de artigos e publicações periódicas permanentes confirmam a validade desde Instituto. (...)

(***) Último poste desta série > 22 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7652: (In)citações (28): Bemba di vida [O celeiro da vida], documentário sobre a biodiversidade e as áreas protegidas da Guiné-Bissau, produzido pelo IBAP (2009) (com a colaboração da AD - Acção para o Desenvolvimento)

Guiné 63/74 - P7668: O Alenquer retoma o contacto (2): Os primeiros grandes sustos (Armando Fonseca)

1. Mensagem de Armando Fonseca (ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64), com data de 22 de Janeiro de 2011:

Caros camarigos,
Aqui vão mais umas narrativas para que, se bem entenderem, publiquem algumas fases da guerra passadas em 1964.

Armando Fonseca


O Alenquer retoma o contacto (2)

Os primeiros grandes sustos

Regressados a Mansoa, recomeçaram as escoltas diárias a caminho de Mansabá, Bissorã e Porto Gole, até que no dia 17 de Outubro de 1963 ao dirigir-me para Mansabá, próximo de uma tabanca denominada Mamboncó foram encontrados na estrada dois buracos provocados pelo rebentamento de fornilhos dois dias antes.

Foi o primeiro grande sinal de perigo, porque até aí ainda não tinham aparecido minas por aqueles lados.

No dia dezanove ao fazer outra escolta a Mansabá e depois de ter percorrido mais ao menos metade do percurso, rebentou uma mina mesmo na minha cara, mas por sorte minha e dos camaradas que seguiam no carro, foi comandada uns décimos de segundo antes do carro estar em cima dela, não provocando estragos.

Foram feitas umas rajadas para reconhecimento em todas as direcções pelas borzings, e entretanto um dos soldados da CCAÇ 413, que seguia na coluna e que se tinha apeado, viu um fio que vinha do mato para dentro da estrada e alertou o Furriel de minas e armadilhas que seguia na coluna, tendo este verificado que havia outra mina montada e sobre a qual eu já tinha passado.

Essa mina, que pesava quatro quilos cento e cinquenta, foi levantada com as devidas precauções e a viagem foi recomeçada e seguiu até ao destino.

Como a reacção do apontador das metralhadoras foi imediata não houve tempo para o IN despoletar a outra mina, caso contrário tinha sido uma chacina, haveria decerto mortes e muitos feridos. Esta foi a primeira de muitas das intervenções do meu bom anjo da guarda.

Em vinte, pelas cinco da manhã, lá ia a caminho de Enxalé e uns quilómetros depois de Porto Gole, perto da tabanca de Flora, estava a estrada cortada não permitindo a passagem dos carros. Depois da intervenção dos sapadores lá fomos passando mas passadas umas dezenas de metros começaram a rebentar sobre nós várias granadas e de seguida várias rajadas a baterem no carro. Agimos de imediato e a situação pareceu acalmar-se. Entretanto foram avistados vários elementos IN a fugir. Alguns camaradas foram em sua perseguição, mas como havia outra auto-metralhadora do outro lado do morro, era uma ação arriscada porque podiam ser confundidos com o IN e haver acidentes, como veio a acontecer.

Convencido de que o perigo tinha passado, avancei, e quando cheguei ao cimo do morro para me juntar ao restante grupo que se encontrava do outro lado, senti o rebentamento de outra granada mesmo em cima do carro e novas rajadas se notavam a bater no mesmo. Voltamos a reagir e entretanto quando tudo ficou calmo. Fomos até aos camaradas que estavam do outro lado e verificamos que eles tinham feito fogo sobre o grupo que tinha ido em perseguição do IN. Sem acidentes ao que se julgava, visto se terem apercebido que eram camaradas e não elementos do IN.

Esta nossa missão consistia em fazer passar uma auto-metralhadora e um granadeiro para Enxalé e, como a zona de perigo já estava passada, eles seguiram tendo a restante coluna regressado a Mansoa convencidos de que tudo não tinha passado de susto.

Ao chegar verifiquei que tinha uma roda furada e no outro dia ao desmanchá-la encontrei uma bala de nove milímetros introduzida entre a jante e o pneu, mas não ficou por aqui, porque pela noite comecei a ouvir uns rumores de que faltava um camarada da CCAÇ 413, que decerto teria ficado na operação do dia anterior. Assim, no dia vinte e dois de manhã lá me vejo de novo a caminho da tabanca de Flora, só que, cerca de um quilómetro antes do local de destino, rebentou uma mina na frente do meu carro, mas de novo sem consequências para nós. Entretanto o rebentamento foi precedido de novo ataque com a mesma intensidade do anterior. Respondemos ao ataque, tendo então um pelotão ido mato fora em busca do camarada perdido, sem resultado algum. Quando a escaramuça acabou, tanto eu como a restante guarnição do meu carro, estávamos intoxicados pelo fumo e pelos gases da pólvora que se acumularam dentro dele. Eu tive que ser assistido pelo médico, porque ao sair do carro se não me tivessem amparado tinha caído para dentro da bolanha.

O tempo continuou a passar com escoltas quase todos os dias, por vezes mais do que uma.

Entrou o mês de Outubro e nem no dia dos meus anos (10) tive descanso escoltas atrás de escoltas umas de dia outras de noite para colocar Pelotões ou a Companhia a fazer tentativas de emboscada ao IN. Numa destas operações, no dia 15, eu sofri uma entorse no dedo polegar da mão direita que me deixou um pouco debilitado. Ainda continuei a fazer os serviços que me eram destinados, mas com algum esforço. Um certo dia, devido a algumas dores e a um pouco de ronha, fui queixar-me ao capitão dizendo que não podia continuar a trabalhar e teria que ir a Bissau fazer uma radiografia à mão. Ele ficou um pouco atrapalhado, mas compreendeu o meu esforço e pediu-me para ir ter com o Furriel Mecânico para ver se ele arranjava quem fosse capaz de me substituir. Assim fiz e, em conjunto com o Furriel, preparamos um condutor que depois de umas breves noções já se desenrascava, era um camarada de Freixo de Espada à Cinta que pertencia à CCAÇ 413.

A sua primeira e única saída, no dia dezassete, foi para Bissorã, e passado algum tempo da coluna ter partido de Mansoa chegou uma comunicação via rádio de que tinha rebentado uma mina debaixo da auto-metralhadora e que o condutor tinha ficado ferido. Resultado, o carro ficou com a frente parcialmente destruída, tendo uma das rodas ido pelo ar e ficado em cima de uma árvore. Apenas o condutor tinha sofrido algumas escoriações no rosto e numa das pernas.

Mais uma vez o meu bom anjo intercedeu por mim e creiam que não ficou por aqui este meu fado.

Como o carro ficou inutilizado, no dia 18 de Outubro regressei a Bissau, substituído por outro carro e outra guarnição.
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 21 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7649: O Alenquer retoma o contacto (1): De Bissau para Mansoa com intervenções em Mansabá, Cutia, Bissorã e Porto Gole (Armando Fonseca)

Guiné 63/74 - P7667: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (48): Na Kontra Ka Kontra: 12.º episódio




1. Décimo segundo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 24 de Janeiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


12º EPISÓDIO

Quando já eram horas de retomar os trabalhos, o Alferes Magalhães vai ao encontro do seu pessoal. Logo o Dionildo se lhe dirige:

- F… meu Alferes, sabe que dia é hoje?

- Sei lá, não ando a contar os dias.

- O dia da semana?

- Ah, isso sei, é sexta-feira.

- Sabe que a mulher que estava para parir já teve uma menina?

- Já me constou.

- F… sabe que nome lhe puseram?

- Não, não sei que nome lhe puseram, diz lá.

- Sextafeira. Podia ao menos ter nascido num domingo ou até num sábado e sempre lhe punham um nome mais decente.

- Queres então saber mais? Não deve ter sido só por ter nascido numa sexta-feira que lhe puseram esse nome. Não sabes, mas eu digo-te. As sextas-feiras são dias sagrados para os muçulmanos como para nós, católicos, os domingos. Os pais da bebé são com certeza muçulmanos.

Ao jantar, de imediato, o Dionildo informou o Alferes:

- F… o meu Alferes tinha toda a razão, a tal família é realmente muçulmana.

A comida, desta vez, foi mais uma variante de atum porque quando se abre uma lata tem que se comer em duas ou três refeições. Caso contrário pode estragar-se. O “legionário”, na sua grande frigideira, tinha sempre a arte de confeccionar pratos diferentes, mesmo sem variar os ingredientes.

Embora o Alferes não tocasse no pão às refeições principais, o resto do pessoal estava habituado a comê-lo em quantidade. O que tinham trazido de Galomaro há muito que tinha acabado. Andavam agora a comer umas bolachas grossas que nas rações de combate pretendem substituir o pão. Nos primeiros dias foi-se aguentando, mas estava a chegar-se a uma situação insustentável. Como não podia deixar de ser, o Dionildo abre as hostilidades.

- C… F… a merda destas bolachas já me está a entupir o goto. Ainda fico engasgado e tenho que ser evacuado. Para comer metade é preciso, pelo menos, uma cerveja.

Os outros camaradas foram-se manifestando de forma idêntica e o nosso Alferes não deixou de pensar que ao pequeno-almoço muita falta lhe fazia um pouco de pão. Depois de continuarem a comer num silêncio algo significativo, este é quebrado pelo Alferes Magalhães:

- Camaradas, o mais tardar daqui a dois dias vão ter pão.

Todos deixaram cair ruidosamente os garfos no prato e levantaram a cabeça na direcção do Alferes.

- O meu Alferes deve estar a brincar.

- Já sei, vamos ser reabastecidos.

- Isso não, pois não recebemos nenhuma mensagem nesse sentido. Diz o radiotelegrafista.

- Neste fim de mundo onde o meu Alferes vai arranjar pão?

- Farinha temos… Diz outro.

E quando todos se apressavam a molhar os bocados de bolacha no delicioso molho feito pelo “legionário”, o Alferes abre o seu jogo:

- Rapazes, embora eu não coma pão às refeições, também tenho sentido a sua falta, mas mais por vós, resolvi que vai haver pão. Hoje mesmo vou falar com o João Sanhá sobre isso.

- F… meu Alferes, como é que o João vai arranjar pão?

- Calma, muita calma, Dionildo. Vou pedir-lhe que me arranje barro. Nas palhotas é sempre aplicado muito barro e portanto deve haver muito por aí.

- F… pão, barro, o João, o meu Alferes deve estar a ficar apanhado pelo clima, e muito…


Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7664: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (47): Na Kontra Ka Kontra: 11.º episódio

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7666: Ser solidário (99): Viagens Contra a Indiferença (Guiné-Bissau) (2) (Belarmino Sardinha / Fernando Nobre)





1. Continuação da apresentação de parte do livro "Viagens Contra a Indiferença", de autoria de Fernando Nobre, médico, fundador e Presidente da AMI, lançado em Dezembro de 2004 pela Editora Temas e Debates, enviado pelo nosso camarada Belarmino Sardinha (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau), em 20 de Outubro de 2010.




Viagens Contra a Indiferença (2) Págs. 216 a 222

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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 23 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7663: Ser solidário (98): Viagens Contra a Indiferença (Guiné-Bissau) (1) (Belarmino Sardinha / Fernando Nobre)

Guiné 63/74 - P7665: Memória dos lugares (124): As visitas 'sanitárias' do Alf Mil Médico Mário Bravo (Bedanda, Dez 1971/Mar 72): Guileje, Gadamael, Cacine





Guiné > Região de Tombali > Guileje > s/d > O Mário Bravoi junto a um abrigo






Guiné > Região de Tombali > Cacine > s/d > O Mário Bravo junto ao rio Cacine, com um outro alferes





Guiné > Região de Tombali > Guileje > s/d > O brasão da CCAÇ 3325 (a companhia do Cap Jorge Parracho, que esteve em Guileje enrtre Janeiro e Dezembro de 1971)

Fotos: © Mário Bravo (2011). Todos os direitos reservados








Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 (Jan / Dez. 1971) > Crachá... Esta imagem foi-nos enviada em tempos por um camarada desta subunidade, o Alexandre  Agra: "(...) Ao fazer uma pesquisa de trabalho fui cair em Guileje! Agradavelmente surpreendido, começo por dar o meu primeiro contributo para a história de Guileje enviando o crachá da CCAÇ 3325, que lá esteve entre Janeiro e Dezembro de 1971, sucedendo à famosa Companhia dos Magriços de Guileje [, CCAÇ 2617,] e antecedendo a [CCAÇ] 3477. De lá partimos para Nhacra" (...) (**).


Falei posteriormente  com o ex-enfermeiro da CCAÇ 3325, Vitor Manuel Rodrigues Fernandes, mais conhecido na época como o Fininho, que conhece o Alexandre Agra. O Vitor mora na área da Grande Lisboa e é gráfico. Não conhecia o nosso blogue. Não tinha Internet em casa. Mas ficou entusiasmado com as notícias que lhe dei a nosso respeito. Costuma reunir-se com a malta da sua unidade todos os anos, e está regularmente com o Cor Ref Jorge Parracho.  A história da unidade ainda não estava pronta. Nenhum destes camaradas da CCAÇ 3325 voltou a dar notícias...


Foto: © Alexandre Agra (2007). Direitos reservados.




1. Mensagem recente do Mário Bravo (que esteve em Bedanda, como Alf Mil Médico, entre Dezembro de 1971 e Março de 1972, tendo nessa altura sido colocado em Catió) (*):


Luís Graça:


Aquando das minhas visitas "sanitárias" a Guileje, Gadamael e Cacine, tive ocasião para fazer uns bonecos (fotos). Não são muitas, mas são as que tenho. Deste modo quero colaborar para encontrar amigos de tempos difíceis, mas ao mesmo tempo cheios de amizade e respeito.


Cumprimenta, Mário Bravo.


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 Notas de L.G.:


(*) Poste anterior desta série: 

23 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7656: Memória dos lugares (123): O Alf Mil Médico Mário Bravo em Bedanda, na CCAÇ 6 (Dezembro de 1971 / Março de 1972)



(**) As unidades sediadas em Guilele, por ordem cronológica (e respectivo contacto):




CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965)


CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) (contactos: Teco e Cor Art Ref Nuno Rubim)


CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966) ( contacto: Cor Art Ref Nuno Rubim )


CCAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967) (contacto: Cap Rino)


CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968) (contacto: Cap Neto, já falecido)


CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos)


CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970) (contacto: Armindo Batata)


CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Cap Abílio Delgado)


CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: Cor Ref Jorge Parracho)


CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje (contacto: Amaro Munhoz Samúdio)


CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje (contacto: José Casimiro Carvalho)