sexta-feira, 4 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7896: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (76): Na Kontra Ka Kontra: 40.º episódio




1. Quadragésimo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 3 de Março de 2011:



NA KONTRA
KA KONTRA


40º EPISÓDIO

Chegado a Bambadinca, respirou fundo e foi logo saber da possibilidade de o levarem para Bafata. Foi-lhe dito que estava ali um civil, com uma carrinha de caixa aberta, que ia para Bafata e com certeza o levaria.

Enquanto esperava foi conversando com camaradas já seus conhecidos. Querendo saber pormenores da morte do seu amigo Dionildo é-lhe dada uma nova versão do que se passou no segundo ataque a Madina Xaquili, quando ele Alferes Magalhães já estava em Bafata. Foi-lhe dito que não havia a certeza do que aconteceu, em relação ao Dionildo naquela fatídica noite. Quando o ataque se deu havia, fora do “arame”, um grupo que incluía o Dionildo.

Continuando, foram dizendo que o corpo do Dionildo não chegou a ser encontrado. Que podia ter-se dado o caso de os guerrilheiros terem levado o corpo, ou até o Dionildo ter sido feito prisioneiro. O que é certo é que, possivelmente para evitar burocracias que na tropa são terríveis, o caso foi encerrado e o Dionildo foi dado como morto … e oficialmente enterrado. A tropa tem destas coisas…

Chegado a Bafata de boleia com o Senhor Dionísio Castro,  depressa retoma a sua vida de trabalho no quartel e passa a sair mais, dada a sua melhoria a nível psíquico. Torna a ir ao cinema e encontra o seu amigo Ibraim. Talvez por já terem passado mais de dois meses, desde o último encontro, desta vez o Ibraim parece ter esquecido tudo o que podia ter contra o Alferes e num “NA KONTRA” efusivo retomam a amizade, aparentemente perdida.

Nos dias seguintes dão longos passeios pelos arredores de Bafata tendo o Ibraim mostrado locais lindíssimos que sem um cicerone assim nunca um metropolitano lhe poria os olhos em cima. Num fim de tarde o Ibraim leva o amigo à tabanca do Nema para observarem uns enormes morcegos pretos, durante o dia pendurados numas árvores, que por essa razão poucas folhas têm. À hora a que chegam podem ver os morcegos a começar a abandonar os galhos onde se penduram aos cachos. Sobrevoam em voo rasante a superfície da água do rio Geba, que chegam a tocar uns cem metros mais à frente.

Tão depressa o Alferes pensa que eles vão beber água ao rio, depois de estarem durante todo o dia ao sol, como logo o Ibraim lhe explica que os morcegos ao tocarem a água não a bebem directamente mas se limitam a molhar os pelos do peito chupando depois essa água durante o voo.

Noutra ocasião, em passeio pela tabanca da Rocha onde Ibraim mora, este conta ao Alferes que tem uma nova namorada mas, tal como antes, não se abre muito sobre esse assunto. O Alferes não pode deixar de pensar que talvez o seu amigo o ache muito namoradeiro e portanto uma “ameaça”, dado que tempos antes o Alferes lhe tinha mostrado interesse em arranjar uma namorada africana. Chega-lhe a dizer que tem noiva na Metrópole e que até pensa casar em Março próximo. O amigo continua a remeter-se ao silêncio no que diz respeito à sua nova namorada.

Grande parte da tabanca da Rocha

Os dias vão passando e em determinada altura o Ibraim confidencia ao amigo que pretende ir para a Metrópole trabalhar. O pai, Régulo de Canquelifá, estaria disposto a ajudá-lo com dinheiro. O Alferes, medindo bem as palavras, pois não quer criar outra situação de melindre, diz-lhe que na Metrópole a vida não está fácil, principalmente para um africano e que ficaria lá totalmente desinserido do resto da sociedade. Enriquecer só com o fruto do trabalho será uma ilusão.

Pareceu ao Alferes que o amigo não gostou das suas advertências dado que nos dias a seguir deixou de o ver pelo cinema. Passam duas semanas sem o Ibraim ser visto. Avoluma-se no Alferes a ideia de que o amigo estivesse novamente agastado com ele.

Numa ida ao cinema onde ia ver o “Marnie” do Hitchcock, novo “NA KONTRA” com o amigo que explicou o motivo da sua ausência, concluindo o Alferes que o Ibraim não tinha nada contra ele.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7890: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (75): Na Kontra Ka Kontra: 39.º episódio

Guiné 63/74 - P7895: Álbum fotográfico de Vitor Raposeiro (Bambadinca, 1970/71) (2): O fatídico dia 13 de Janeiro de 1971


Guiné > Zona Leste > Sector L1  > Bambadinca > 13 de Janeiro de 1971



Guiné > Zona Leste > Sector L1  > Bambadinca > 13 de Janeiro de 1971

Guiné > Zona Leste > Sector L1  > Bambadinca > 13 de Janeiro de 1971




Guiné > Zona Leste > Sector L1  > Bambadinca > 13 de Janeiro de 1971 > CCS/BART 2917 (1970/72) >  Quatro fotos do fatídico dia em que as NT caíram em duas minas A/C à saída do reordenamento de Nhabijões.

Fotos: © Vitor Raposeiro (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.




1. Mensagem do Vitor Raposeiro (*):



Envio-vos algumas fotos do dia 13 de Janeiro 71, um domingo [ ?] que me ficou na memória pelas piores razões pois nesse dia ficaram feridos dois Furriéis (Marques e Fernandes) [, da CCAÇ 12,] e, se não me falha a memória, houve mais mortes e feridos a lamentar no rebentamento de duas minas, a primeira no burrinho que levava a comida para uma guarnição, já não me lembro qual, [Nhabijões],  e a outra numa viatura [ GMC,] que foi fazer segurança à zona do sinistro.

Talvez alguém tenha mais dados sobre o assunto que a mim me escapam. As fotos (**) foram tiradas à sucapa porque o comando [do BART 2917] não queria ninguém por perto.  


Vitor Raposeiro
______________

Notas de L.G.:


(*) 3 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7893: Tabanca Grande (268): Vitor Raposeiro, ex-Fur Mil, Radiotelegrafista, STM (Aldeia Formosa, Bambadinca e Bula, 1970/72)

(**) Vd. poste de 24 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5332: Álbum fotográfico de Vitor Raposeiro (Bambadinca, 1970/71) (1): Em dia de anos do Tony Levezinho, lembrando o nosso Novembro negro (CCAÇ 12, 1969/71) 

Guiné 63/74 - P7894: Estórias avulsas (50): Encontro com o nosso Camarada Liberal Correia (Mário Fitas)


1. O nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763, “Os Lassas”, Cufar, 1965/66, enviou-nos em 1 de Março pp a seguinte mensagem:
Camaradas,
Envio resumo de encontro com o nosso camarada Liberal Correia. Se for de publicar é convosco. O Liberal, está agora em viagem por cá pois reside no Canadá, apesar de ser Açoriano Micaelense dos sete costados.
O Liberal Correia, já teve um contacto com a Tabanca Grande (ver o poste P3819 - Liberal Correia/José Martins).
Prometeu-me agora enviar as fotos de identificação, o que ainda não tinha feito dada a sua vida repartida.
Os meus contactos com o Liberal foram feitos através de notícias no blogue, onde chegámos à conclusão que tínhamos tido contactos nas empresas onde trabalhámos, ele na SATA e eu na TAP. Tendo frequentado o CISMI no mesmo turno embora em companhias diferentes.
E claro falamos do trabalho e das nossas antigas empresas e colegas, mas a conversa girou principalmente sobre a Guiné com a história da sua CART 676 em Pirada, Bajucunda e Paunca, e da minha CCAÇ 763. No entanto os momentos mais hilariantes foram os dos tempos passados em Tavira no último curso de 1963 do CISMI, de que passo a contar alguns episódios:
Nesse curso veio uma grande malta dos Açores, e como já chegaram a Tavira com três dias de atraso, foram todos parar à mesma companhia de instrução, a quarta.
É claro que este grupo ficou famoso no CISMI, a malta que por lá passou deve recordar-se das malandrices desta malta porreira e unida. Não vou aqui descrever as aventuras do "Arsene Lupin" que o Liberal descreveu a bandeiras despregadas, mas não posso deixar de relembrar à malta daquela altura, o célebre caso dos frangos.
Tinha certo dia, o sargento do rancho, Pernas Anão, determinado ser o almoço frango.
Só que, quando o Pernas Anão foi ver dos frangos, grande quantidade tinha desaparecido.
Grande bronca!
Segredo total! Mais tarde soube-se que a malta dos Açores tinha ido aos frangos do sargento do rancho, mas mantiveram-se unidos sem sair nada.
Outras aventuras de Tavira foram focadas, mas por agora espero que seja o Liberal Correia a quem envio um abraço, a contar as outras.


Liberal Correia e Esposa



Liberal Correia e Mário Fitas
Mário Fitas
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763
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Nota de M.R.:
Vd. o último poste desta série em:
22 de Fevereiro de 2011 >
Guiné 63/74 - P7843: Estórias avulsas (104): Passeio turístico a um acampamento do PAIGC em Satecuta em 1971 (Jorge Silva, ex-Fur Mil Art, CART 2716 / BENG 447, Xitole e Bissau, 1971/73)

quinta-feira, 3 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7893: Tabanca Grande (268): Vitor Raposeiro, ex-Fur Mil, Radiotelegrafista, STM (Aldeia Formosa, Bambadinca e Bula, 1970/72)


Setúbal > 2009 > O Vitor Raposeiro, músico, guitarra eléctrica, do conjunto 4 Sixties


Guiné >  Zona Leste >  Sector L1  > Bambadinca > 1971 (?) > O Vitor Raposeiro dedilhando a sua viola... Fez parte, na segunda metade da sua comissão de serviço (individual) no TO da Guiné, do Conjunto Musical das Forças Armadas, para onde foi enviaado depois de passar por Aldeia Formosa, Bambadinca e Bula.



 Guiné > Zona Leste > Sector L1  > Bambadinca > 1971 > CCS/BART 2917 (1970/72) > O Fur Mil Radiotelegrafista Vitor Raposeiro posando junto ao recém construído memorial da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuoel e Bambadinca, Junho de 1969/Março de 1971), em frente à escola primária e à casa da professora Dona Violete da Silva Aires

Fotos: © Vitor Raposeiro (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Duas mensagens  do nosso camarada Vitor Raposeiro, de quem já publicámos um primeiro poste com fotos do seu álbum (*)... As mensagens vieram  dirigidas ao editor L.G., com conhecimento ao Humberto Reis... Ambos fomos companheiros do Vitor, entre meados de 1970 e princípios de 1971, ou seja, ao tempo da CCS/BART 2917 (1970/72)... Com a ajuda do Humberto, "legendámos" algumas das fotos do álbum do Vitor que iremos divulgar, no blogue, em próximos postes... O Vitor, por seu turno, passa doravante a integrar a nossa Tabanca Grande. 



 (i) 15/11/2009:

Caro companheiro:



Por mero acaso encontrei o vosso blogue  acerca da história do pessoal da tropa que passou por Bambadinca em 1970/71.Ora acontece que eu estive em Bambadinca como Fur Mil Radiotelegrafista do STM durante esse período e sou possuidor de um vasto arquivo fotográfico desse período e de quem aí viveu (Fur Mil Levezinho e companhia)! (*)

O meu problema é a memória que me falta para me lembrar dos nomes de quem conheci, pois eu num processo de autodefesa varri completamente da memória esse período que eu considero que foi muito triste para muita gente.


Posto isto, lembrei-me que talvez lhe enviando as fotografias que eu encontrar, alguém se reconheça nelas,  o que seria interessante para a história daquele período da nossa vida comum. Aqui fica a minha ideia esperando que seja do vosso agrado.


saudações


Vitor Raposeiro
Ex-Fur Mil




(ii) 17/11/2009

Companheiros:

Primeiro de tudo queria esclarecer que eu nunca fiz parte das unidades que estavam em Bambadinca [CCS/BART 2917, CCAÇ 12, etc.). Eu era Fur Mil mas do STM , radiotelegrafista, que era colocado nas unidades para chefiar o posto de transmissões da mesma.

Foi asim que eu andei a saltar de lugar em lugar durante dois anos. Comecei a comissão em Aldeia Formosa (Quebo) depois passei por aí, por Bambadinca, e acabei em Bula, antes tendo pertencido ao conjunto [musical] das Forças Armadas,  visto que eu sou músico.

Junto uma minha foto minha em Bambadinca e outra de como eu sou hoje.

Se quiserem ver a minha banda,  é só ir ao Youtube > 4sixties. [
Vd. também Youtube > Vitor Raposeiro].

Saudações, Vitor


2. O Vitor tem conta no Facebook mas não parece ter muitos amigos da guerra... Na devida altura nós já lhe tínhamos feito o convite para ingressar na Tabanca Grande... Por qualquer razão, perdemos o "contacto" em finais de 2009... O Helder Sousa, por sua vez, já o tinha reconhecido como "vizinho" de Setúbal e camarada de especialidade...

(i) Comentário do Helder Sousa (*)

O Vitor Raposeiro!... Bem, assim não ia lá, sempre foi para mim o Vitor 'Caniços', nem sei porquê, era assim que os seus conterrâneos de Setúbal o chamavam e foi assim que para mim ficou, ainda eu não sonhava ir viver para Setúbal, onde também vive o Vítor, mas que lhe perdi o rasto.



Já faz algum tempo que em conversa com o Benjamim Durães [ que ele conhece bem] segui as pistas dadas poer ele mas foi infrutífera [a minha busca]. Agora já há mais esperança, é só ele ver este comentário e procurar contactar-me.

Aproveito para me antecipar nos esclarecimentos às dúvidas do Luís. Não,  senhor, o Vítor não pertencia a nenhum BCaç, estava lá sim com Fur Mil Trms STM, ou seja, pertencia aos 'Ilustres TSF' do STM, se bem que 'menos ilustres' porque esses foram os do meu Curso e ele foi do curso anterior. (...) Bem-vindo, Vitor! (...)

(ii) Comentário do L.G.:



Meu caro Vitor:

Como a gente costuma dizer, sem qualquer ponta de exagero nem de vaidade, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. É para isso que, de resto, cá estamos: para reconhecer e sermos reconhecidos, para procurar e ajudar a (re)encontrar velhos camaradas de armas...  



Ainda bem que nos topaste, por que vai ser o início de um belo reencontro...  Convivemos ainda uns bons meses, em Bambadinca,  lembro-me da tua cara, espero não me enganar...Há muita malta que passou por lá, no teu/nosso tempo, e que vais gostar de recordar, uns mais velhos (como a malta da companhia africana, a CCAÇ 2590/CCAÇ 12, a que pertenci eu, o Henriques, mais o Humberto Reis, o Levezinho, o Arlindo Teixeira Roda (que também em Setúbal), o Joaquim Fernandes, o Marques (que caiu numa das minas de Nhabijões, comigo, no azarado dia 13 de Janeiro de 1971), o Sousa (o Zé da Ilha da Madeira),  o 2º Sargento Piça, o 1º Cabo Cripto Gabriel Gonçalves, o falecido Luciano Almeida, e outros, de que já não te recordas, nem ninguém leva a mal se porventura esqueceste os seus nomes ...

Mesmo que queiras "pôr uma pedra" no passado, não vais decerto esquecer os bons momentos de camaradagem (camarigagem, como dizemos agora) por que passaste/passámos em Bambadinca... Em troca das tuas fotos, que já foram vistas e editadas por mim e pelo Humberto Reis, passas a integrar a nossa Tabanca Grande: o regulamento (as regras de bom viver e conviver) estão afixadas aí na coluna do lado esquerdo do nosso blogue. São regras  simples, permitindo a partilha mútua, entre camaradas da Guiné, das memórias (mesmo que fragmentadas) desse tempo. No teu caso, se tiveres segredos de Estado a revelar, melhor ainda... Passas a ser o "tabanqueiro" nº 481 (**)... Temos muita malta da zona leste, e em especial do Sector L1 (Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole, Fá, Missirá, etc.), mas também do Saltinho, Galomaro, Bafatá e por aí fora...

Quanto às fotos que enviaste,  vamos continuar a publicá-las, tendo criado um álbum só para ti, de que infelizmente, por lapso nosso, só saiu um poste...   Parabéns pela tua banda: que grande som, que grande batida, que grandes violas eléctricas !... Que saudades dos Shadows e dos Beatles!.. Que saudades dos bons velhos tempos!

Até à próxima, um Alfa Bravo. Luís
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 24 de Novembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P5332: Álbum fotográfico de Vitor Raposeiro (Bambadinca, 1970/71) (1): Em dia de anos do Tony Levezinho, lembrando o nosso Novembro negro (CCAÇ 12, 1969/71) 


(**) Último poste da série Tabanca Grande 
>13 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7776: Tabanca Grande (267): Fradique Augusto Morujão, CCAÇ 2615/BCAÇ 2892 (Aldeia Formosa, 1969/71)

Guiné 63/74 - P7892: FAP (63): Ainda a propósito do malogrado Fur Mil Pil Frederico Vidal (1943-1964) (Manuel Amante / Carlos Cordeiro)

1. Informações adicionais dos nossos camaradas Manuel Amante e Carlos Cordeiro sobre o malogrado Frederico Vidal  (1943-1964) [, foto à esquerda] (*):


(i) Manuel Amante [, foto à direita, em baixo]:

Naquela época, em 64, havia ainda em Bissau poucos aviadores da Força Aérea, como então dizíamos. Muitos eram conhecidos. Este Furriel Vidal era um deles, por ser jovem, simpático e deambular muitas vezes pela bandas do Bissau Velho, onde havia muitas moças e o Zé da Amura, O Pireza , para umas ostradas e bifanas e o Café Bento para conversas. Era olhado com admiração por ser aviador. Pouco mais velho do que muitos de nós.


Na altura se disse que teria sido atingido por um único tiro de um "canhangulo" e da proeza do seu colega de voo em levar o avião até Bissalanca. Falava-se que era num Cabo Especialista e não um piloto, como agora vi. Manuel Amante

PS - Volto para dizer que me parece ser mais um Cabo Especialista que acompanhava o Aviador e que talvez não fosse uma Dornier 27 mas uma Auster. Foi um feito na altura porque se comentava que não era piloto. Mas muitos dos "aviadores" sempre permitiam aos Cabos Especialistas fazer uma mãozinha em voo...Caso fosse uma Dornier teria feito menos tempo de Cufar a Bissalanca.

(ii) Carlos Cordeiro [, foto à direita]:

De facto, há a informação, no excelente Ultramar.terraweb, do 2.º Sargento Alberto Pinto da Rocha, condecorado com a Cruz de Guerra (sem indicação de classe), em 1965. No blogue do Clube dos Especialistas da AB4 fala-se de um Sarg Aj Alberto Pinto da Rocha, que estaria, em 1970, em Negage [, Angola]. Informa-se também que morreu em 1992, num acidente no combate a um fogo. Deve, portanto, ser o mesmo deste feito heróico. Talvez o Senhor General se tenha enganado na indicação do posto.
Um abraço,

Carlos Cordeiro

PS - Acho que seria conveniente ficar-se com a informação o mais correcta possível. A única solução será procurar-se nas Ordens da Força Aérea o louvor que deu lugar, no ano de 1965, à Cruz de Guerra atribuída ao (então) 2.º Sargento Alberto Pinto da Rocha.

De facto, as fontes do Ultramar.terraweb para a listagem das condecorações são, para o Exército, as Ordens do Exército e para a Marinha e Força Aérea, o Diário de Notícias, dos meses de Outubro e Novembro de 1997. Não há, para estes dois últimos ramos a indicação da fonte original.

Haverá algum camarada disponível para consultar as ordens da Força Aérea do ano de 1965?
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 2 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7884: FAP (62): A morte do Furriel Mil Pil Frederico Vidal e a acção heróica do Alf Mil Pil Pinto da Rocha, numa DO 27, sob os céus de Catió / Cufar, em 24/2/1964 (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P7891: Agenda cultural (112): Convite para o lançamento de Mulher Grande de Mário Beja Santos, no próximo dia 10 de Março de 2011, pelas 18h30 na Livraria Bertrand Chiado

1. Mensagem de Ana Ferreira do Círculo de Leitores, com data de 1 de Março de 2011:

Assunto: Convite - Lançamento «Mulher Grande» de Mário Beja Santos

Convite

O Círculo de Leitores e a Temas e Debates têm o prazer de convidar para o lançamento de Mulher Grande (Mindjer Garandi) de Mário Beja Santos no próximo dia 10 de Março, pelas 18h30, na livraria Bertrand Chiado, Rua Garrett, 73, Lisboa.

Lídia Jorge apresenta a obra


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7856: Agenda cultural (111): Apresentação do romance Mulher Grande (Mindjer Garandi) de autoria de Mário Beja Santos, Livraria Bertrand do Chiado, dia 10 de Março de 2011

Guiné 63/74 - P7890: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (75): Na Kontra Ka Kontra: 39.º episódio




1. Trigésimo nono episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 2 de Março de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


39º EPISÓDIO

Atravessam Matosinhos. Chegam junto da zona portuária, sempre agradável de se observar pela azáfama de todo aquele pessoal na transferência de mercadorias de e para os navios. Atravessam a ponte móvel para Leça e dirigem-se para a praia, descansam um pouco e continuam até à Capela da Boa Nova, local ermo mas cheio de beleza. Além da capela, só por ali existe o Farol da Boa Nova e um restaurante, magnífica obra do jovem arquitecto Siza Vieira.

A capela da Boa Nova em Leça.

Sentados num muro, têm uma longa conversa sobre o que poderá ser o futuro de ambos.

- Lembras-te do tostão que aquele miúdo nos deu naquele dia no largo da Sé?

- Sim lembro, responde. E beijam-se.

- Então já nos podemos casar.

A conversa continuou e acabaram por chegar aos pormenores do casamento: Casariam na Capelinha da Boa Nova. Almoçariam com os poucos convidados, só a família directa, no restaurante ali ao lado, edifício projectado pelo que foi seu professor, Siza Vieira. Fariam a tradicional viagem no carro dos pais, percorrendo toda a costa de Portugal até ao Algarve. As férias do próximo ano, a que ele ainda tinha direito, seriam uma boa altura para o casamento.

O restaurante projectado pelo Arq. Sisa Vieira junto à
capela da Boa Nova.

Com a sua vida sentimental estabilizada, poucos dias depois o Alferes Magalhães regressa à Guiné.

Desta vez o trajecto é feito de noite. Se a viagem para a metrópole era duplamente agradável além do mais por se efectuar de dia, agora, por razões contrárias é duplamente desinteressante. Na ilha do Sal, onde o avião faz escala, o nosso Alferes ainda pôde ver, ao lusco-fusco, os contornos dos morros vulcânicos que caracterizam a ilha.

Chegado a Bissau resolve não se instalar no Quartel de Santa Luzia, no tal quarto de oito camas onde a qualquer hora da noite pode ser acordado pelos camaradas que chegam e partem para o mato. Tenta o “Grande Hotel”, perto do Hospital, que diga-se, em tempos já tivera ar condicionado. Está cheio. Só consegue um quarto no “Hotel Internacional”, não longe daquele. Uma autêntica espelunca. Fica porém com um quarto só para si onde pode descansar à vontade.

Logo que pode vai aos Adidos marcar a passagem no Dakota para Bafata e aí fica a saber que o avião já está lotado. Dão-lhe Guias de Marcha para seguir pelo Rio Geba até ao Xime numa lancha de desembarque, uma LDG, depois para Bambadinca numa coluna de viaturas e finalmente noutra coluna para Bafata, já à vontade, sem problemas de guerra.


O Alferes Magalhães a bordo da LDG com destino ao Xime.

Em princípio fica um pouco preocupado por não ir de avião, mas pensando melhor: Na LDG não havia grande perigo pois a maior parte do rio tinha quilómetros de largura não podendo haver qualquer ataque. No chamado Geba Estreito, ao chegar ao Xime, aí sim já se estava ao alcance de uma qualquer arma inimiga, mas ali contava com a grossa blindagem da embarcação, o seu poder de fogo que incluía dois canhões “Bosfors” de 40mm e mais que tudo sabia que era sempre feita a segurança na margem direita do rio, na zona de Mato de Cão, por um pelotão de tropas nativas comandadas pelo seu camarada Évora Santos. Sabia que em tempos costumavam implantar minas na picada do Xime até à Ponte do Rio Udunduma, mas já há alguns meses que isso não acontecia pelo que também não ficou preocupado, tanto mais que à frente da coluna seguiria um grupo de picadores.

A LDG, onde vai o Alferes Magalhães, a chegar ao Xime.

Chegado a Bambadinca, respirou fundo e foi logo saber da possibilidade de o levarem para Bafata. Foi-lhe dito que estava ali um civil, com uma carrinha de caixa aberta, que ia para Bafata e com certeza o levaria.

Enquanto esperava foi conversando com camaradas já seus conhecidos. Querendo saber pormenores da morte do seu amigo Dionildo é-lhe dada uma nova versão do que se passou no segundo ataque a Madina Xaquili, quando ele Alferes Magalhães já estava em Bafata. Foi-lhe dito que não havia a certeza do que aconteceu, em relação ao Dionildo naquela fatídica noite. Quando o ataque se deu havia, fora do “arame”, um grupo que incluía o Dionildo.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7885: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (74): Na Kontra Ka Kontra: 38.º episódio

quarta-feira, 2 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7889: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (26): Chuva em noite escura

1. Mensagem de Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), com data de 1 de Março de 2011:

Caro Vinhal, Caros Editores
Sempre gostei da Noite.
Há quem a passe de maneiras diversas. Esta que anexo foi assim... passada.
Ia falar de um Bar e lembrei-me logo de outro. São, (será que ainda existem?) em Lisboa. Desisti.
Ainda ontem falei, pelo tele claro, com o Vinhal. Perguntei ao Carlos se ainda estava aborrecido com aquele comentário. Era um convite, um simples convite mais direccionado para camaradas ou camarigos de Lisboa. Lisboa o Centro deste rectângulo cada vez mais inclinado para o Atlântico e sem uma noite tão boa assim... sempre tem algo na macrocefalia de certas mentes... ou egoísmo...

Tudo bem com o convite, voltei a receber hoje e os lisboetas irão delirar. Mais um evento! Eu mandarei um abração ao meu Amigo Mário.

Disse ao Carlos Vinhal: logo te mando um escrito... uma estorieta. Vai esta. É longa. Mais de mil palavras é estopada para ler. Quinhentas a mil... no meio... as virtudes e eteceteras estão sempre no meio.

Olha meu Caro aí vai. É Tua e ou Vossa. Não foi bem condensada. Está aí uma mas ainda necessita... uns cortes para não me baterem... vidas...

E vai um abraço colectivo
(Carlos se for recebida... Agradeço um - recebida OK)... logo falamos da noite...

Abraço do T.


ESTÓRIAS DE MANSAMBO II - 26

Chuva em Noite escura

Passava das nove da noite e veio para o abrigo.
Preparou o resto do material. Vestiu-se e, sem o dólmen, deitou-se em cima da cama.
Ia ouvindo a chuva a cair forte, tabaqueava mais um cigarro e, mais uma vez, tentava memorizar tudo o que lhe tinha sido dito.

Noite boa para mais uma operação. Logo agora que os fulanos deviam andar a querer vingança. Saldavam-se as contas de vez. Era assunto sem fim. Bater forte, forte mesmo era preciso. Nós. Eles pensariam igual? Certamente.

Se saíssem à meia-noite, ao alvorecer deviam estar lá. Com aquele tempo era difícil. Além disso não devia haver “tecto” e tanto apoio aéreo ou evacuações “ká tem”. Pior, bem pior. Para depois se ver e não pensar nisso agora.

Chovia muito, demasiado para se puder progredir com segurança.

Podiam adiar a operação. Não era tão importante assim. Se ainda fosse lá um major ou tenente-coronel… agora arraia miúda. À medida que se alargavam os galões nos ombros menos saídas para o mato. A idade claro, a idade e as comissões uma e depois outra.

Nem sempre isso acontecia. No dia que fez cinquenta e um anos um tenente-coronel, o actual Comandante deles, fez uma operação, com contacto, ao Galoiel. Há sempre excepções à regra. Ali é local de regras rígidas e excepções, pois então.
Agora, sem excepções ou regras, ali estava ele esperando, fumando, sem nada ter a ver com aquilo. Talvez tivesse. Talvez naquele momento sentisse que sim, que fazia parte daquilo, uma peça, reles peça da engrenagem.

Mesmo hoje, já depois de ter terminado a primeira década do Século XXI, pensa, tenta recordar aquele período e não entende como se deixou amarrotar tanto.
Porquê? Porque ouve tanto comentário de inverdade ou de incompreensão sobre o que, pelo menos na Guiné, aconteceu? Fica bem assim falar. Depois é o momento. Parece que há agora um momento de falar, escrever, recordar, dizer que se tem que fazer algo para reparar muito do que se passou e tanto mal causou. Momentos, momentos a irem e virem.

Ele, naquele tempo, aos poucos pensou ser melhor assim. Aceitar. Procurar respeitar quem o comandava e fazer respeitar essas ordens. Com um ou outro ajustamento é certo. Mas será que houve justificação para tudo. Certamente que não, certamente que não. Porquê e para quê? Durante anos e anos, décadas, tentou viver sua vida longe das recordações desse tempo. Quantos anos por lá passou? Quatro ou cinco? Só? Marcaram assim tanto? Talvez outros períodos, outras vivências, de sua vida claro, foram tão ou mais fortes que as daquele tempo. Porque recorda agora esse tempo militar? Claro que o período militar pouco tem a ver com a vida civil. Pouco ou nada. Gente a pensar de forma diferente. Gente com divisas ou galões, vaidades ou fragilidades, necessidades de, para se sentirem mais gente, depreciavam os outros.

Normal e humano. Certo é que a maioria assim não procedia. Preferia fazer-se respeitar como gente. Temos que ver as diferenças entre a Instituição militar e a vida civil que, efectivamente obrigava o militar, profissional claro, a outro tipo de comportamento. Comportamentos direccionados para a guerra, o confronto, a disciplina e a camaradagem. Seria essa instituição democrática? Nesse tempo nenhuma o era. Mas hoje, agora? Respeito pelas outras instituições democráticas, sim. Agora, penso eu, continua com uma maneira própria de estar na sociedade. Normal? Assunto para posterior reflexão. Certo, certo é que de lá, entre outros, trouxe um ensinamento importante – a disciplina.

Podemos comparar com a vida civil, esta vida dita civil onde existe um amontoado de vaidades, de gentes a treparem, não em valor mas em favor. Gentes que, mesmo olhando de esguelha para a vida militar no seu todo ou só para aquele breve período de outrora, não perdem oportunidade de adularem o galão, a estrela, o título académico e, mais ainda, isso sim é um “posto” civil ou militar, o cifrão, a posição e o penacho. Esta evolução, infelizmente, tem desvalorizado, com muitas excepções e não sendo a regra, a meritocracia e valorizado por baixo. Não avancemos em reflexões ou meditações.

Por ser confuso? Nada disso.

Normal. Era assim, é assim e, por muito tempo, pelo absurdo e não pela normalidade, será assim.

É a Vida… diz “Zé Portuga”, português de Norte a Sul… aqui, como em tudo, com excepções e, felizmente digo eu, muitas.
Nivelar por baixo… boa essa… saída do tema inicial. Perca do norte e entrada em desnorte ou não.

Não perdi a recordação de outrora. A recordação daquela noite de chuva forte. A ela voltamos então.

Noite de chuva forte, escura como breu. Lá foram eles ”em bicha de pirilau”, o detrás agarrando a arma do da frente. De quando em vez a queda, o barulho, o palavrão abafado, a chuva forte a escorrer, a arrefecer e a noite negra a demorar o seu fim.

Pára, alto.

Acomodar o material, compor aquele grupo de homens, aliviar e distender os músculos. Limpa e protege bem a bazooka (8.9) na zona do disparo eléctrico.

- Está a andar. Palmada no Lhavo, o guia, e os tropeções a voltarem.

A chuva forte a não abrandar e a noite negra a não querer desmaiar e a ser, assim, mais difícil a progressão para eles.

A marcha a parar novamente, a noite a desmaiar e a claridade, ainda muito ténue a aparecer.
Pára e descansa um pouco. Ajeita o material e descansa. Só um pouco.

-Não se consegue ainda ver a carta, só a bússola. Esperamos um pouco e protege depois para ver isto. Chamem o Lhavo porque devemos estar perto.

Efectivamente estamos perto, muito perto já. Vamos esperar um pouco pela claridade e vamos montar a emboscada e esperar pelo trabalho do outro Destacamento.

- Já se vê melhor. Vamos para aquela mata. São cinco horas. Esperamos já lá o contacto rádio.

Passa o tempo e os rádios nada dão. Esperamos. Escolheram um bom sítio. Daqui temos um bom campo de tiro. Está tudo montado. Nada de descuidos agora que a chuva está a abrandar.

O tempo passa lento, lento e o relógio é constantemente consultado.

De repente, não muito longe, os rebentamentos, tiros, aquele “brua” em espiral, o ruído do tiroteio a envolver a madrugada fria e a aumentar e a diminuir. Armas mais aperradas, mais prontas, olhares mais despertos, músculos mais tensos e ouvidos a destrinçarem os sons:

- São mais nossos, são mais nossos - e a madrugada, como por magia, aquece um pouco mais.

-Cuidado agora, se vierem vêm por além. Só dispara à voz.

O rádio manda aguentar. O tempo passa lento e eles aguentam, aguentam e desesperam com tanta tensão.
Ouve-se o ruído da avioneta PCA e esperam. Ouvem pedirem a vertical aos outros e continuam a esperar.

- Cuidado agora que se eles vêm para aqui podemos ser descobertos.

- São dez horas. O PCA diz que vai sair e já volta.

Que se passa? Felizmente o tempo passa e não se ouve barulho de hélis.

- Bom sinal, bom sinal. Não há feridos.

Aguentamos. O corpo dói, as dormências aparecem aqui e ali.

- Mexe e não faças barulho. Isso passa. Aí está a avioneta a voltar. Demorou. Se ele passar na vertical não digas nada e espera.

-Dizem algo pelo rádio.

- Mandam regressar.

-Que porra é essa? São três horas. Chama o Lhavo.

- Vamos pela picada antiga e depois viramos para a estrada. Ele e dois picadores atrás e a malta logo a seguir.

- Há malta com cãibras.

-Estica e pica. Vamos devagar. Parar é pior.

Andam depois mais rápido com mil olhos e ouvidos atentos a tudo.
A bússola. Eu vejo e já está a virar para a estrada, mais um pouco e paramos.
Está tudo bem.

- Dói-me tudo e não consigo comer.

- Estamos perto e come quando lá chegar… falta pouco. Todo o cuidado agora é pouco.

Pois é, mas pouco a parecer uma eternidade. Finalmente aí estão as luzes do aquartelamento. Finalmente, banho e roupa lavada.

- Arruma o material e podem destroçar.

Está tudo estoirado com o efeito da chuva.

- Há comida quente daqui a uma hora.

- Estão a chamá-lo.

Já? Esperem que estou ainda nu. Deve haver bronca.

Fnd –Fev/11
____________

Nota de CV:

Vd. poste da série de 23 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 – P7849: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (25): Amuleto

Guiné 63/74 - P7888: A minha CCAÇ 12 (13): Janeiro de 1970 (1): assalto ao acampamento IN de Seco Braima e captura de Jomel Nanquitande (Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca)  > Carta do Xime (1961) (1/50000) > Excerto: A posião relativa de parte dos subsectores de Mansambo e Xime, com destaque para a península de Galo Corubal - Satecuta - Seco Braima (ou Darsalame), na margem direita do Rio Corubal,  à direita da estrada Mansambo - Ponte do Rio Jagarajá - Ponte dos Fulas - Xitole... Da ponte do Rio Jagarajá até Satecuta, junto ao Rio Corubal não são mais do que 8 quiómetros em linha recta... Nesta operação, partiriam às 9h00 da amanhã, com um intervalo às 12h00 para descanso e pernoitando às 17h00 num trilho que conduzia a Galo Corubal, para prosseguirem às 3h30 da manhã para Satecuta e, por fim, Seco Braima, acampamento que foi assaltado, já de manhã, cerca das 7h00... A toque de caixa, no regresso, chegariam ao ponto de partida por volta das 13h00... com gente esgotada e desidratada, mais um prisioneiro, combatente (que dali a uma semana levaria a CCAÇ 12 a embrulhar de novo, explorando informações obtidas do seu interrogatório em Bambadinca: Op Borboleta Destemida). Em geral, ia-se uma vez por ano a esta península, na época seca, e com efectivos entre 200 a 250 homens (3 destacamentos), além de apoio da FAP e da artilharia (Mansambo)... (LG)





Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CCAÇ 2404 (1969/70) > Aspectos do aquartelamento construído, de raíz, pela CART 2339 (1968/69). Diversas operações em que esteve envolvida a CCAÇ 12 (1969/71)  começavam aqui... Foi o caso da Op Navalha Polida, de assalto à base do PAIGC de Satecuta, na margem


Fotos: © Arlindo Teixeira  (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados




A. Continuação da série A Minha CCAÇ 12 (*), por Luís Graça



(7) Janeiro de 1970: 3 assaltos a objectivos IN

Durante o período de Janeiro a Abril de 1970, coincidindo com a época seca, a CCAÇ 12 desenvolveria uma intensa actividade operacional ofensiva, realizando:



(i) 7 operações a nível de Batalhão (das quais 6 com contacto): por exemplo, Op Navalha Polida, Op Borboleta Destemida e Op Safira Única, só em Janeiro de 1970.


(ii) 3 operações a nível de Companhia (uma com contacto e as outras com vestígios do IN);


(iii)  e ainda 10 acções, além da actividade de rotina (Missão do Sono, Mato Cão, Ponte do Rio Udunduma, tabancas em auto-defesa, colunas logísticas...).


(7.1) Op Navalha Polida: assalto imediato ao destacamento IN de Seco Braima, junto ao Rio Corubal, no subsector do Xitole





Em 2 de Janeiro de 1970, às 5h00, dava-se início à Op Navalha Polida para uma batida à região de Galo Corubal-Satecuta-Seco Braima, e em que participaram mais de 200 homens:  3 Gr Comb da CCAÇ 12 (Dest A), além de forças da CCÇ 2404, a 2 Gr Comb   (Dest B) e CART 2413, a 2 Gr Comb  (+) (Dest C),  estas duas últimas sediadas, respectivamente, em Mansambo e Xitole.

Sabia-se, em consequência da Op Lança Afiada (**), que o IN ocupava a península de Galo Corubal-Satecuta cujas bolanhas eram cultivadas por uma numerosa população de balantas e beafadas.

Mais recentemente um RVIS efectuado pela Força Aérea e uma emboscada que 1 Gr Comb da CART 2413 (Xitole) sofreu entre o Xitole e a Ponte dos Fulas, viriam confirmar a existência de 1 bigrupo naquela área.

A missão das NT era bater a península de Galo Corubal-Satecuta-Seco Braima, procurando aniquilar os elementos IN armados, aprisionar a população e destruir todos os meios de vida.

Desenrolar da acção:
Os 3 Destacamentos encontraram-se por volta das 9h00 perto da ponte sobre o Rio Jagarajá, na estrada Mansambo-Xitole, tendo iniciado imediatamente a progressão a corta-mato em direcção ao objectivo. Por volta das 12h00, fizeram um descanso em (Xime 4B5-5C)



Pelas 17h00 atingiram o local de pernoita (Xime 4A8-48), tendo-se emboscado junto a um antigo trilho que conduzia a Galo Corubal. A instalação foi feita de forma a conseguir-se apoio mútuo entre os três Destacamentos e a neutralizar uma eventual acção de surpresa do IN.

No dia seguinte, às 3h30, os Dest B e C iniciaram, de maneira vagorosa e cautelosa (devido às dificuldades do terreno (capim alto, vegetação densa) o movimento em direcção a Satecuta. E uma hora mais tarde o Dest A (CCAÇ 12) começou a deslocar-se para a região de Seco Braima, tendo ouvido por volta das 7h00 ruídos do pilão e vozes humanas.

Dirigindo-se imediatamente nessa direcção, o Dest A [CCAÇ 12] teve de cambar um curso de água, utilizando uma ponte submersível feita de troncos de cibe, deixando então de ouvir as vozes por se encontrar numa baixa.

Entretanto, o 4º Gr Comb ficava emboscado junto ao ponto de cambança. Continuada a progressão ao longo da margem, ouviram-se de novo vozes. Feita a aproximação de maneira cautelosa, verificou-se que havia ali um destacamento avançado do IN que deveria constituir o dispositivo de segurança próxima da tabanca de Seco Braima.

Como era impossível qualquer manobra de envolvimento sem ser detectado, devido ao capim e à vegetação arbustiva, o Comandante do Dest A deu ordem para que os homens da frente fizessem um assalto imediato. O acampamento foi atacado à granada de mão, tendo-se ouvido gritos lancinantes de dor.

Apesar de surpreendido, o IN reagiu rapidamente com armas automáticas, ao mesmo tempo que retirava, levando dois corpos de arrasto (no terreno havia sinais de arrastamento de 2 corpos através do capim e vestígios de sangue).

Concentrando o fogo na direcção da retirada do IN, os 2 Gr Comb (1º e 2º ) do Dest A tomaram o acampamento que era constituído por 5 casas de mato. Feita a batida a zona, encontrou-se o seguinte material:

5 granadas de RPG-2,
1 carregador de Metralhadora Ligeira Degtyarev,
2 lâminas de carregadores com 18 cartuchos,
além de vários utensílios e um balaio cheio de arroz.

Entretanto, já os Dest B e C tinham atingido o acampamento de Satecuta, de resto abandonado (há uma semana atrás, com vestígios de muitos trilhos recentes). Porém, devido aos rebentamentos que se ouviam da direcção de Seco Braima, alguns elementos IN, de passagem em Satecuta, foram alertados e na fuga seriam interceptados pelo Dest C [CART 2413] que abriu fogo sobre eles.



O  IN reagiu da vários pontos da mata. Na perseguição as NT fizeram um prisioneiro,  de nome Jomel Nanquitande, ferido, deixado para trás pelos seus companheiros, que no entanto recuperaram a sua arma. O seu ferimento não era grave, aos olhos de um tuga. Após uma semana de recuperação e de interrogatórios, o Jomel seria obrigado pelas NT a participar como guia para um assalto de mão ao acampamento IN de Ponta Varela que conhecia bem [, a sudoeste do Xime, na direcção de Madina Colhido]: Op Borboleta Destemida (CCAÇ 12, a 4 GR Comb + CART 2520, a 2 Gr Comb, operação realizada a 13 de Janeiro de 1970, e que descreveremos no próximo poste desta série).


Quase simultaneamente os 2 Gr Comb do Dest A em Seco Braima começariam a ser flagelados com canhão s/r e mort 82, instalados na margem esquerda do Rio Corubal, em frente de Ponta Jai. Foi entretanto pedido apoio aéreo e dada ordem de retirada pelo PCV. Enquanto os bombardeiros T 6 martelavam as posições do IN, as NT retiraram  ordenadamente.

Os 3 Dest encontraram-se na estrada Mansambo-Xitole, por volta das 13h00 do dia 3, tendo o Dest C seguido para o Xitole e os Dest B e A para Mansambo em coluna apeada (até à Ponte dos Fulas e ponte do Rio Bissari, respectivamente). Devido ao elevado cansado de alguns militares dos Dest A e B, foram recolhidos em viaturas no Rio Bissari.

Em resultado da acção das NT, o IN teve 2 mortos prováveis e vários feridos confirmados, além dum capturado.

Durante o mês de Janeiro o IN manifestar-se ainda nos subsectores de Xitole e Mansambo:

(i) a 19, montando 2 minas A/P, na estrada, das quais uma foi accionada por uma viatura, com rebentamento de pneu, e a outra detectada e levantada, verificando-se pela sua análise que estava completamente nova;

(ii) a 20, fazendo um pequeno grupo vindo do sul queimadas na região de Moricanhe  (antigo destacamento de milícias abandonado em meados de 1969, depois do ataque a Bambadinca em 28 de Maio desse ano);



(iii) a 21, flagelando (um grupo não estimado), de SW,  durante 30 minutos, o aquartelamento de Mansambo, com utilização de Mort 82, LGfog e armas automáticas, mas sem consequências para as NT; 


(iv) a 27, às 20h20, flagelando (um grupo não estimado), de NW e SW, durante 2 horas, o destacamento de Taibatá (Pel Mil 242), utilizando 2 Canhões s/r, 2 Mort 60 e LGFog, sem consequências.


No resto do Sector L1, houve ainda as seguintes acções IN durante o mês de Janeiro de 1970:


(v) Um grupo estimado em 15/20 elementos flagelou, de Norte e Oeste, em 5 de Janeiro, às 17h00, durante 20 minutos, o aquartelamento de Missirá (Pel Caç Nat 54 e Pel Mil 201), durante 20 minutos, com recurso a Mort 82, Mort 60, LGFog e armas automáticas, sem consequências;


(vi) Assalto a Nhabijão Bedinca (um das tabancas do aglomerado populacional de Nhabijões), em 7 de Janeiro, por volta das 20h30: um grupo não estimado, vindo do Cuor (a norte), raptou uma bajuda e uma mulher grande;


(vii) Um grupo não estimado emboscou as NT em Xime 3XC7-27, com Mort 82, causando 4 feridos ligeiros, em 14 de Janeiro, no decurso da Op Borboleta Destemida;


(viii) Flagelação, de oeste, durante 15 minutos, do destacamento de Finete (Pel Mil 202), no dia 17, às 18h15, com utilização de Mort 82, LGFog e armas automáticas, sem consequências;


(ix) A 19, uma viatura nossa accionou uma mina A/P, causando rebentamento de um pneu, em Xime 7C-3.


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Fontes consultadas:


História da Companhia de Caçadores 12 (CCAÇ 2590): Guiné 1969/71. Bambadinca: CCAÇ 12. 1971. Cap. II. 21-22.

História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)

Diário de um Tuga 



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 Notas de L.G.



(*) vd. poste de 24 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7852: A minha CCAÇ 12 (12): Dezembro de 1969, tiritando de frio, à noite, na zona de Biro/Galoiel, subsector de Mansambo (Luís Graça / Humberto Reis)


(**) Vd. postes da I Série do nosso blogue:


15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli


9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas


9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli


14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

Guiné 63/74 – P7887: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (11): Operação Gamo à base inimiga do Biambe



1. Mensagem de Rui Silva* (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 1 de Março de 2011:

Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné Portuguesa, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.




10 de Julho de 1965 (a 816 tem mês e meio de Guiné)
Operação “Gamo” à base inimiga de Biambe


Localização de Biambe na estrada de Bissorã para Binar

-Tanto estica, tanto encolhe, que a coluna parte e ficam cerca de 20 homens para trás, grande parte nativos de granadas à cabeça. Isto já em plena zona de Biambe, e o inimigo ali tão perto. Ainda escurecia e muito. Tempo de chuvas e tornados. Isto numa coluna inicial de cerca de 150 homens (Companhia completa da 816 mais o Grupo de combate “os Lordes” dos Águias Negras da 643, ambos sediados em Bissorã-


Das minhas memórias: “PÁGINAS NEGRAS COM SALPICOS COR-DE-ROSA”

Volvidos mais alguns dias e quando estávamos a festejar um aniversário, de quem não me ocorre agora, eis que surgem na nossa casa (casa dos Sargentos) os Alferes Castro e Costa.

Visita agradável e logo os fizemos partilhar da festa também, mas pelo semblante deles logo nos apercebemos que eles não vinham juntar-se à festa e muito menos participar dela.

Humm,… a visita devia-se a outra coisa…

Depois de breves minutos de convívio, chegou a altura de se ir directamente ao assunto. Tratava-se de uma operação a Biambe. Ao falar-se de Biambe a malta entreolhou-se, pois Biambe era uma zona de grande concentração inimiga e muito forte. Ali, os “turras”, e como já disse em histórias anteriores, tinham fama de serem bons atiradores, subiam às árvores para melhor campo de visão, os sentinelas estavam também em árvores e até já usavam uniforme de campanha, etc., etc.. Portanto era já uma tropa organizada.

Então de copo de whisky na mão com dois cubos de gelo a boiarem neste nosso apreciado líquido, o Alferes Costa sentado sobre uma pequena mesa, num papel qualquer, fez um esquema de como a coisa se iria processar. Assim, além da 816, colaboravam na operação os comandos de Bissau, por outro itinerário (isco ?), os “Lordes” da 643 (Grupo de Comandos com o efectivo de um Grupo de Combate e a Companhia “irmã” da nossa, a 818 (então sediada em Bissau), esta em missão de segurança. O assalto era então perpetrado pelos “Lordes” e a 816. Como a festa dos anos arrefecesse notoriamente, o que não passou despercebido ao Alferes Costa, este, que também não sabia esconder um certo nervosismo, teve palavras de moralização para com a malta, antes de se retirar.

A orquestra de instrumentos improvisados, com garrafas, copos a serem batidos por colheres, o bombo da Companhia à mistura que era a predilecção do “baterista” Belchior, etc., que momentos antes tocava em grande escala, deixou praticamente logo de actuar.

Ouvia-se ainda um ou outro dos improvisados instrumentos, mas estes já eram tocados mais instintivamente do que por vontade própria dos seus manipuladores. Tudo aquilo se transformou um pouco e, então agora, em pequenos grupos, a malta conversava prevendo e imaginando aquilo que poderia acontecer em Biambe. Afinal ainda éramos periquitos.

Ao fim e ao cabo isto não passava de uma compreensível apreensão que a todos dominava. Sabíamos que para além de todos os escolhos que um assalto a uma casa-de-mato podia proporcionar, teríamos de enfrentar um grupo bem armado, munido de “bazookas” (ou lança-rockets) e metralhadoras pesadas, material este que ainda não equipava a maioria dos refúgios inimigos.

Os que quiseram, ou puderam, descansaram um pouco o corpo, já que o espírito, esse, jamais sossegaria. À hora pré-estabelecida, a Companhia 816 marchava em direcção à Outra Banda, passando primeiro pela ponte sobre o rio Armada e em caminho para Biambe. O meu Grupo de Combate era o último. À frente, os “Lordes”.

Uma vez embrenhados no mato, o silêncio que até aí foi quase absoluto, começou a ser necessariamente sepulcral. Ouvia-se só o de todo em todo inevitável que era o estalar de uma ou outra folha seca ao ser pisada e ao agitar de um ou outro arbusto quando roçado pelos camuflados, e nada mais.

De olhos desmesuradamente abertos, como a quererem ver mais c’o que era humanamente possível, a malta, felinamente e em fila indiana, ia serpenteando, seguindo o estreito e acidentado carreiro que nos levaria às proximidades do objectivo. Por vezes a mata era tão densa que quase mergulhávamos na mais completa escuridão, deixando portanto de enxergar fosse o que fosse. A progressão fazia-se, ora apressadamente ora parando, pois em fila indiana, uma coluna com cerca de 150 homens, fora os nativos voluntários – os tais que recebiam uns pesos, à jorna-, a deslocar-se, de noite fechada e em terreno tão sinuoso e desconhecido de todo, era impossível manter uma marcha em cadência mais ou menos regular.

Bastava um ligeiro atraso de um homem dos da frente para que se estabelecesse um reagrupamento com muita dificuldade, principalmente nos lugares da retaguarda, aonde por vezes era preciso correr para que a coluna não partisse, o que a acontecer podia ser fatidicamente irremediável. Quando a coluna partia, a parte perdida, naturalmente a de trás, com um leve assobiar, simulando o piar de um pássaro, tentava detectar a outra parte que, logo alertada, correspondia com outro piar e assim fazia-se o reagrupamento, para grande alívio dos perdidos o que muitas das vezes resultava. Daquela vez porém os esticões estavam a dar-se com muita frequência e nós, os que íamos atrás na coluna, víamo-nos em dificuldades para manter a integridade da coluna.

Mas o que se estava a prever, aconteceu mesmo. Foi inevitável. Num dos esticões a coluna desuniu-se para jamais se unir. Como irremediavelmente perdidos, ficamos ali cerca de 20 homens, o que não chegava a um pelotão. Eram cerca das 3 horas da madrugada. Logo o pânico se estabeleceu. Aconselhou-se calma e mais calma, mas a malta logo perturbada, só minutos depois sossegou e na medida do possível.

Estávamos já em plena zona de Biambe e claro, sem guia, pois este ia à cabeça da coluna, como era óbvio.

Connosco estavam alguns carregadores pretos o que, ao lembrarmo-nos, iluminou-nos logo a alma, pois era natural que conhecessem o terreno, mas logo começaram a cair em contradições quanto ao caminho a seguir; enquanto um dizia que era por ali, outro indicava o lado oposto, e então vimo-nos mesmo perdidos, para desespero nosso. Falou-se da orientação pela lua, pelas estrelas (sabíamos que estávamos no hemisfério sul do planeta onde o “Cruzeiro do Sul” era uma constelação que podia dar alguma orientação), etc. mas, não havia hipótese. Os minutos iam passando e o alvorecer não tardaria. Estávamos receosos por tudo. Alguém, mais pessimista disse: ”Ainda acabamos por ficar entre os dois fogos!”. Outro dizia isto, outro dizia aquilo, etc., etc.. Então era tudo frases de conteúdo dramático. Enfim, estávamos atónitos e sem saber o que era melhor fazer. O melhor ainda seria ficarmos por ali estacionados, permanecendo calados e camuflados e aguardar. Aguardar também o alvorecer, aguardar o possível tiroteio resultante do assalto perpetrado por parte da coluna que avançou para o refúgio inimigo, aguardar também pelo apoio aéreo à operação, e… aguardar.

O espírito da malta estava perturbadíssimo pela situação. Nós, perdidos decididamente e o efectivo que avançou para o objectivo reduzido significativamente mormente desprovido de muitas granadas de “bazooka” e morteiro que ficaram connosco, à cabeça dos carregadores nativos. Mas era preciso tomar uma decisão, só faltava saber qual.

Entretanto o alvorecer foi aparecendo e assim as trevas foram dando lugar, em leve sequência, à luz solar. Como sempre, o alvorecer fazia-se acompanhar do chilrear diverso e incessante da imensa e variada passarada. À hora pré-fixada, surgiram então, bem ao longe, mas bem ouvidos, os bombardeiros T6. Aliás estávamos todos atentos ao primeiro ruído denunciador da proximidade destes. Olhávamos o espaço e tínhamos os ouvidos apurados como nunca. Em mais alguma situação visaríamos tão cedo o pássaro de metal, de ruído forte, que muitas vezes nos fazia respirar fundo, e então ali...

A propósito, uma pequena curiosidade: os pilotos dos T6 usavam um emblema no seu fato de campanha que dizia exactamente isto: “TROTE LENTO - COICE FORTE”, sobre um avião desenhado. Na verdade os bombardeiros T6 eram lentos de progressão no espaço, mas as bombas que largavam eram de grande potência, daí a explicação da frase no dito emblema.

Bom, e voltando à operação Biambe, logo que apareceram ao longe os bombardeiros, alguém se lembra de atiçar o ambiente. “A aviação vê aqui um pequeno grupo e lança alguma bojarda pensando que somos um grupo de “turras”, pois haviam muitos nativos no grupo. “Camisa branca” poucos. E pronto, só nos lembrávamos do pior.

De facto, no grupo não havia um único temperador para a situação. O pessimismo tinha mesmo assentado arraiais.

Tínhamos um radiotelegrafista connosco (valeu-nos isso) o que nos podia servir de muito. Com um radiotelegrafista munido do respectivo rádio, podíamos estabelecer contacto com os bombardeiros, pondo-os ao corrente da situação. Para frustração nossa não foi possível, pois o nosso rádio não sintonizava com o dos bombardeiros. Tentamos desesperadamente o contacto, mas todas as tentativas foram vãs.

Até que, EUREKA! Conseguimos entrar em contacto com o PCA - Posto de Comando Aéreo - que, e como habitualmente, se fazia transportar num “Dornier” - pequena avioneta de construção rudimentar (lembro-me de ver uma no Olossato acidentada encostada a um canto. Quando vi que a fuselagem era feita de Dexion – cantoneira de aço aligeirada, mais aplicada em móveis - e forrada a lona, até me arrepiei, pois já tinha andado naquilo algumas vezes)-.

Logo comunicamos o sucedido e então sim, o alívio apareceu no seio da malta.

Pelo PCA, os bombardeiros ficaram ao correr da nossa situação também.

Entretanto soa o tiroteio e logo deduzimos tratar-se do ataque. Tiroteio intenso, o que não nos surpreendeu a avaliar pela força que se esperava naquela casa-de-mato, e alguns rebentamentos à mistura e eis que o silêncio de novo pairou. Normalmente ao primeiro estoiro de um nosso morteiro, com boa pontaria, acabava a festa.

Logo nos interrogamos sobre o que se teria passado. O mais provável, concluímos nós, era que após dura resistência eles abandonaram a base.

Soube depois que a base era constituída por diversas barracas e que foi logo abandonada após os tiros de aviso de um sentinela.

Na busca apanharam-se 4 granadas de mão, 1 cinturão e vários livros de escola a pressupor que havia por ali escola e à semelhança de outras grande bases inimigas.

Não houve portanto verdadeiramente ataque e o tiroteio que ouvimos foi a flagelação inimiga com a tropa dentro da base (o tal tiroteio que eu pensei ser o do ataque à base como atrás descrevo), o que normalmente também acontecia. O tiroteio durou cerca de 25 minutos e depois veio-se a confirmar o inimigo ter tido 2 baixas.

Muitas vezes acontecia assim: nós de assalto tomávamos a base, entretanto abandonada, e o inimigo já do lado de fora tinha ali um novo alvo e bem conhecido dele.

Depois, também o costume: barracas incendiadas e atenções redobradas pois já sabíamos que os íamos ter à pega dali para a frente.

E então eis que do PCA surge a ordem para o nosso pequeno e desorientado grupo, que nos emboscássemos rapidamente, pois cerca de 30 “turras” fugiam em direcção ao ponto em que nos encontrávamos. Rapidamente o Alferes Esteves que ficou no pequeno grupo com dois Furrieis, sendo eu um deles, procuramos instalar os nossos homens da melhor maneira. Ouvimos depois dizer que esse grupo estava agora acoitado sob uma grande árvore, (provavelmente ao abrigo da aviação) mas que aguardássemos, pois eles podiam prosseguir, involuntariamente, ao nosso encontro. Momentos de rara expectativa e o coração a querer saltar para fora do peito. Íamos ter contacto com um grupo de efectivo superior ao nosso, nós com poucas G3, pese embora que os emboscados éramos nós… e, nós é que jogávamos com a surpresa e esta era sempre uma boa vantagem.

De armas aperradas e olhos bem abertos, aguardávamos aquele grupo inimigo. No entanto chega-nos depois a informação aérea, de que afinal o grupo tomava agora outro rumo.

Mais uma operação falhada! O inimigo detectou-nos mais uma vez com a “colaboração” do nosso guia (“deles”) e um sentinela avisa com três tiros seguidos. Sim, nada de baixas ao inimigo, nada de material significativo aprisionado. Somente, e tal como já vinha sendo hábito, a coisa saldou-se com o refúgio incendiado e completamente destruído, o possuir de alguns parcos víveres e animais domésticos que eles abandonavam intempestivamente, e para gáudio da tribo indígena. O circo do costume…

Entretanto o PCA tratou de nos fazer reagrupar à Companhia, no caso a 818 a tal que fazia a segurança nesta operação. A pequena avioneta indicava-nos o rumo a tomar cortando o ar segundo a direcção que devíamos seguir, a partir da altura que passava por cima de nós e em voo muito baixo. O “Dornier” repetiu esta operação tantas vezes quantas foram precisas para nos levar ao encontro, e uma vez este ter acontecido foi juntar-se lá além aos bombardeiros que entretanto bombardeavam posições inimigas. Ouvíamos os rebentamentos longe o que nos fazia deduzir que o inimigo bem longe andava. Entretanto o nosso pequeno grupo, ainda em progressão ao encontro do outro, atravessa uma enorme bolanha e com uma árvore de grande parte no meio. Alguém diz: “Meu Alferes eles vão além” e aponta para dois ou três pretos que se viam, não muito longe, embrenhados no mato. Então o “cow-boy” instala o morteiro, pois a distância não dava partido a uma outra arma, aponta-o e logo saem duas granadas uma atrás da outra. Passados breves segundos ouvimos os rebentamentos daquelas e pronto, como não mais os víssemos, abandonamos o pensamento neles. Mas, logo de seguida, eis que surgem tiros da orla da bolanha. “É uma emboscada”!, alguém grita. Então, todos à uma, fomos abrigar-nos no único abrigo ali possível: a grande árvore referida atrás. Tudo ao molhe.

Ficamos todos empilhados, numa situação grotesca. Os tiros foram poucos e isolados e portanto mantivemo-nos em expectativa e não respondemos. Em boa hora assim pensamos pois de imediato surgiram do capim colegas nossos da 818. Periquitices…

 Mais tarde já com o ouvido bem apurado saberíamos que a bala ao sair do cano era de G3 ou Thompson, ou da costureirinha...

Esta operação tinha sido o baptismo desta Companhia e esta, ou aliás, um elemento entre estes, ao ouvir ruído, não esteve com meias medidas e à que disparar.

Caramba, o que podia ter acontecido! Já conhecíamos casos de tropa atingir tropa, pois por vezes e devido à sinuosidade do terreno parte da fila indiana situava-se no sentido oposto da outra parte, fazendo conjecturar que o inimigo estava ali mesmo à nossa frente. Só a experiência e o sangue frio aconselhava a ter calma e a melhor atenção.

Bom, mas nada aconteceu do muito que podia acontecer, principalmente se nós abríssemos fogo também.

Todos juntos agora, prosseguimos de regresso à base. Entretanto surge no ar um helicóptero. Claro, ao vermos tal objecto voador logo suspeitamos de haver feridos por ali. Mas como e porquê naquele sítio? Afinal aquele sítio tinha sido aonde momentos antes tínhamos visto o pequeno grupo de “turras”. Chegados junto do helicóptero, logo constatamos que afinal era para levar um preto… carregador nosso, ferido com estilhaços de uma granada de morteiro… precisamente do morteiro do “cow-boy”. Os dois ou três pretos que tínhamos visto ao longe, quando estávamos na bolanha, eram afinal carregadores nossos e que na altura alinhavam com a 818. Foram confundidos, pois as suas roupas, à maneira indígena, levaram-nos a supor que se tratava de um pequeno grupo de “turras”. Que confusão! Tudo foi confuso e o resultado dramaticamente desastroso!

A operação não tinha começado nada bem e estava a acabar ainda pior.

Havia agora a lamentar este ferido, e ainda por cima, ferido por nós próprios.

O helicóptero levantou verticalmente e depois, em voo paralelo, seguiu a todo o gás em direcção ao hospital de Bissau.

Mais adiante encontramos o resto da 816 e ainda os “Lordes”. A coluna formou-se, agora completa e regressamos a Bissorã. Um regresso frio, consequente de uma operação frustrada, mas restava-nos a consolação - o que não era pouco - de não ter havido também qualquer azar, para além do ferido atrás citado.

Alguns quilómetros antes de Bissorã e quando aguardávamos as viaturas ainda tivemos uma pequena emboscada - ou flagelação - que nem sequer foi merecedora de qualquer esboço de reacção da nossa parte. Eles apareciam sempre ao longe ou ao perto. Com muitos tiros ou poucos. Eles queriam era dizer que estavam ali, que existiam, que estavam atentos.

E pronto, aquela operação tinha chegado ao fim. Operação sob o signo do azar, pois este começou com a desunião da coluna em plena progressão ao encontro do refúgio inimigo, em plena noite cerrada, e em pleno mato, o que veio a precipitar os acontecimentos subsequentes, e nunca mais nos largaria.

Foi clarividente que a progressão de uma extensa fila indiana, feita em noite muito escura, (tempo das chuvas) feita por caminho de mato desconhecido e bastante sinuoso, nunca pode ser feita com pressa, sem que isso não custe uma cisão na coluna que se pode tornar irreparável como tinha sido o caso. Ainda a total inexperiência da 818, aliada à nossa (816) que ainda era pouca, veio tudo resultar numa operação eivada de aspectos negativos e azarentos.

Cervejada, dormir e bola e venha outra que esta já era, o que ia acontecer dois a três dias depois, regularmente.

“Pelo menos vou estar vivo mais dois dias” como dizia muitas vezes o meu amigo, e também Furriel, Martins (o Mansores).
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7674: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (4): As abelhas (Rui Silva)

Vd. último poste da série de 12 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6579: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (10): Golpe-de mão à “casa-de-mato” de Cussondome

Guiné 63/74 - P7886: Contraponto (Alberto Branquinho) (24): Fronteira portuguesa? Ainda?

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 22 de Fevereiro de 2011:

Caro Amigo Carlos Vinhal
Junto vai um pequeno texto para o CONTRAPONTO (24) que foi a reacção imediata à leitura de um conto do José Eduardo Agualusa.

Abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (24)

FRONTEIRA PORTUGUESA? AINDA?

No livro de contos “Fronteiras Perdidas” (Publicações Dom Quixote) de José Eduardo Agualusa, cuja 1ª. edição é de 1999, está incluído um conto denominado “Lugar de Morança” (pág. 57).

Como natural de África, que fala e repete África (não só Angola), aqui a história começa em Ziguinchor – Senegal.

Há referências a uma “velha casa, com uma larga varanda a toda a volta”, “um rádio ligado e uma voz que canta”, ao “grito do muezim chamando o povo às orações”, ao “rio Casamansa”, à “poeira vermelha flutuando sobre a estrada”, tal como nos nossos tempos de Guiné…

E, inesperadamente, termina do seguinte modo:
«Sigo em direcção à fronteira, a São Domingos, na Guiné-Bissau. E é então que vejo uma placa na berma da estrada, meio oculta pelo capim exuberante, corroída pelo tempo, a humidade feroz, um desgosto antigo:

- Portugal 30 - Km. ».

(Passei por aqui, a caminho de Dakar, em 1999, saindo da Guiné por São Domingos, depois de termos passado a noite nos arredores de Susana. Não vi essa placa, que estará – estará ainda? – colocada de modo a ser vista por quem viaje de norte para sul e não em sentido contrário.)

Alberto Branquinho
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7851: Contraponto (Alberto Branquinho) (23): Os milicianos na guerra