sábado, 9 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8069: Parabéns a você (239): Jorge Canhão, ex-Fur Mil, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612 (Mansoa e Gadamael, 1972/74) (Tertúlia / Editores)

Postal de  Miguel Pessoa (2011) [que só faz postais de aniversário para os camarigos: camaradas que ele conhece, que aparecem, que dão a cara, que contam histórias, que vêm aos encontros, nacionais, regionais e locais...]


PARABÉNS A VOCÊ

09 DE ABRIL DE 2011

JORGE CANHÃO*

Caro camarada Jorge Canhão, a Tabanca Grande solidariza-se contigo nesta data festiva.


Assim, vêm os Editores, em nome de toda a Tertúlia, desejar-te um feliz dia de aniversário junto dos teus familiares e amigos.


Que esta data se festeje por muitos anos, repletos de saúde, tendo sempre por perto aqueles que amas e prezas.


Na hora do brinde não esqueças os teus camaradas e amigos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, que irão erguer também uma taça pela tua saúde e longevidade. (**)
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Notas de CV:


(*) Jorge Canhão foi Fur Mil Inf na 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74.


(**) Vd. último poste da série > 7 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8058: Parabéns a você (238): Fernando Manuel Belo, ex-Soldado Condutor da 3.ª CCAV/BCAV 8323, Pirada 1973/74 (Tertúlia / Editores)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8068: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XIV): Nunca fui ao 10 de Junho, mas se um dia for, será no 10 de Junho de todos os combatentes

1. Mensagem do nosso camarigo Vasco da Gama, o tigre-mor do Cumbijã [, foto à direita, actual, como respeitável régulo de Buarcos]:


Data: 3 de Abril de 2011 17:32
Assunto: Comemoração do 10 de Junho


Camarigos, só agora cheguei beneficiando portanto do que vocês já escreveram, o que não me impede de fazer uma abordagem ligeiramente diferente, no que penso dever ser o texto a enviar a todos os nossos Camaradas que combateram nas diversas frentes (*).

Julgo que o texto deve ser, antes do mais, pedagógico e não encerrar apenas e só revolta face á forma como os combatentes são tratados.

Parece-me importante aglutinar todos numa mesma manifestação, mesmo os que politicamente são afastados e pensam de forma diferente.

Há camaradas nossos que partiram para a guerra plenamente convictos da existência de um Portugal uno e indivisível, capazes de dar a vida pela pátria.

Há outros camaradas que, eventualmente com outra preparação política, ou frutos de outro tipo de educação, viam na guerra e na impossibilidade de a ela escaparem, uma tremenda injustiça.

Extremei propositadamente estas duas categorias, pois outros tipos de combatentes poderíamos incluir nesta despretensiosa análise, para dizer que ao chegarmos aos matos da Guiné de Angola ou de Moçambique, por mais abissais que fossem essas diferenças trazidas de Portugal, elas esbatiam-se de imediato, comungando todos na mesma solidariedade, na mesma entreajuda, no mesmo sacrifício até nos tornarmos verdadeiros irmãos.

De outra forma não seria possível existirem todos estes encontros que vamos fazendo de sorriso aberto, de prazer sincero, que terminam com abraços verdadeiros de quem se estima como estima um familiar chegado.

Quero aparecer no dia 10 de Junho ou no 34 de Setembro, de cara lavada,  sem que ninguém nos conote politicamente com qualquer rótulo, mas mostrar aos que nos ignoram que a guerra existiu e que ceifou a vida a milhares de jovens, que destruiu imensos lares, que levou muitos de nós ao suicídio, à interrupção dos estudos, que atirou outros para arrumadores de carros, para a droga ou vivendo da caridade alheia.

É em honra destes meus camaradas que eu marcho, apenas e só em nome deles.

Vasco A. R. da Gama (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8040: Carta Aberta ao Presidente da República: o 10 de Junho, Dia dos Combatentes (Joaquim Mexia Alves)


(**) Último poste da série > 3 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 – P7546: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XIII): A Companhia Maior e a Maior Companhia, partos do mesmo querer?

Guiné 63/74 - P8067: (Ex)citações (135): Reflexão - Será que nos repetimos? (Manuel Marinho)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Marinho* (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), com data de 5 de Abril de 2011:

Caro Carlos Vinhal
Se assim o entenderes publica


Reflexão

Caros camaradas,
Estas linhas destinam-se apenas a reflectir sobre algumas coisas que podem ser melhoradas no nosso Blogue, quando se aproxima mais um aniversário do mesmo.

Quando camaradas se dispõem a escrever as vivências e memórias da guerra na Guiné, para este Blogue, devem os editores alertar para os escritos já existentes sobre o tema ou assunto sobre o qual o camarada vai escrever, ou escreveu.
Tudo o que se escreve é muito bem-vindo, mas tem de se ter em conta a opinião de outros escritos já existentes. Se acrescenta mais óptimo, se contradiz com factos, melhor ainda, não se não é nada disto….

Porque pode acontecer estarmos a repetir-nos constantemente, e a fazer figuras que poderão ser de formas mais ou menos entendidas como “professorais”.

Vem isto a propósito de um texto escrito por um camarada do meu BCAÇ 4512 sobre Guidaje.

Depois da saudação devida ao camarada no primeiro texto, esperei novidades para o seguinte sobre Guidaje, mas nada de novo se acrescentou, e no meu comentário que teve de ser longo evitei ir por outros caminhos.
Para mim a questão Guidaje está muito bem narrada neste Blogue fruto de excelentes textos de um conjunto de camaradas que para tal contribuíram, eu muito modestamente, mas sempre a incentivar quem tinha mais para dizer.

Mas esse texto remetia o leitor para um link de outro Blogue, com a descrição de outro texto de outro camarada da mesma CCAÇ, eu fui verificar se havia coisas novas, e verifico que o referido texto foi originalmente publicado no nosso Blogue.

Sou assíduo leitor dos Blogues e sites de camaradas ex-combatentes e todos me merecem respeito e consideração, portanto não está em causa nenhum deles, nem tal me passaria pela cabeça. O problema para mim é outro, se o original está cá, é este que deve ser indicado, por uma questão de ética e respeito para com o nosso Blog.

Mesmo que a indicação seja outra, é o texto original que deve servir de referência, senão inadvertidamente, estamos a esfaquear o “pai”.

Cumpro o meu dever para com este enorme Blogue único no género e onde fui recebido como irmão, camarada e amigo, onde tento sempre retribuir da mesma forma.
Devo por isso obrigação de nunca desapontar esta grande família de “camarigos” palavra inventada por um nosso camarada, que define muito bem esta amálgama de fraternidade e amizade.

Ainda hoje lamentavelmente, se escrevem livros sobre a Guerra na Guiné, ignorando, números, datas e vítimas que já foram vividas e narradas pelos ex-combatentes.
Prefere-se consultar apenas os relatórios militares da altura, que omitem demasiadas coisas que se passaram.  A História do meu BCAÇ 4512 é um exemplo.

Vamos fazer todo um esforço para melhorarmos e salvaguardarmos este riquíssimo património escrito que é nosso.
Aos camaradas designados para o corpo redactorial a quem envio um grande abraço compete-lhes zelar para que assim seja.

Aos editores o meu obrigado
Um abraço para todos
Manuel Marinho
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7631: Notas de leitura (189): A minha coluna emboscada e o livro A Última Missão, do Cor Moura Calheiros (Manuel Marinho)

Vd. último poste da série de 19 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7967: (Ex)citações (134): A propósito do discurso do Presidente da República por ocasião da Cerimónia de Homenagem aos Combatentes no 50º Aniversário do Início da Guerra em África (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P8066: Blogpoesia (141): Saudando Abril (Felismina Costa)

1. Mensagem da nossa amiga tertuliana Felismina Costa* com data de 6 de Abril de 2011:

Editor e Amigo Carlos Vinhal, muito Boa-tarde!
Chegou Abril, mês em que a Primavera se mostra exuberante, abrindo em flor por todo o lado e muito especialmente no imenso espaço inculto do meu Alentejo.

Já que à terra foi proibida a sua dádiva natural de alimentar quem nela vive, ao menos as flores campestres teimam em florir e alegrar os seus encantados observadores.
Quero lembrá-la orgulhosamente produtiva, ao mesmo tempo que nos oferecia na Primavera, os seus imensos jardins a perder de vista.
Por isso me ficou na retina, exercendo em mim um fascínio imortal, que me faz cantá-la.

Se entender publicar, o meu obrigada Carlos Vinhal.
Um abraço fraterno
Felismina Costa

Foto de Carlos Vinhal


Saudando Abril

Chegava fulgurante nos dias da minha infância
Abrindo em flor, em cores, em fragrâncias!
Por serros e vales,
Transformando em jardim todo o vasto espaço
A perder de vista, de uma beleza sem igual.
Carregado de luz, ele permanecia inalterável.
Belo, tão belo, que ganhou estatuto de ser:
“Abril em Portugal”

As manhãs cheiravam a magarça e a rosmaninho!
Nas árvores,
Revestidas de verdes luxuriantes,
Exuberante o cântico das aves!
Inebriada com o perfume da vegetação
Que a terra me oferecia em cada dia
Eu trauteava alegre esta canção:

(…Terra, terra bendita
Tu que me crias
És minha mãe.
Terra, do meu encanto,
Aonde canto
Ao sol também,
Ao sol que aquece e me ilumina,
A luz que invade esta colina,
Á fé dos homens e ao seu crer.
Eu canto à vida!
Eu canto ao sonho!
Eu canto à esperança…
E ao renascer!..)

Essa luz e essa cor dos meus dias de menina
Tão intensas, tão presentes na retina
São lembranças da criança, que permanece desperta
Na mulher, que acordou as madrugadas
Para aspirar o perfume, que a essas horas se liberta.

Os dias que Abril pintou na minha infância
Permanecem para sempre!
E não há distância que apague a visão precisa
Da eterna Primavera,
Onde a luz e as cores, compunham
Memorável e incomparável tela!

No céu, de um azul majestoso,
Nuvens brancas corriam flutuando no espaço
Onde a minha imaginação, desmultiplicava formas,
Visionava figuras fantasmagóricas
E outras de uma beleza incrível…
Nuvens dos sonhos, da imaginação da infância
Meu imaginário de criança feliz,
Onde se perdia o meu olhar inventivo e sonhador,
Que as observava a partir do solo enfeitado a esmo
De mil cores, de aromas, de paz e de amor!

Abril… pintor único, da terra constantemente em mudança!
Abril, das Primaveras da infância… Volta outra vez…
Faz-me de novo… criança!

Felismina Costa
Agualva, 5 de Abril de 2011
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7971: Blogpoesia (118): A Primavera voltou (Felismina Costa)

Vd. último poste da série de 4 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8046: Blogpoesia (140): Tabancas e Tabanqueiros (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P8065: Episódios da Guerra na Guiné (Manuel Sousa) (4): Não cheguem tarde como eu

1. Quarto dos Episódios da Guerra na Guiné, trabalho do nosso camarada e Manuel Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74), enviado em mensagem do dia 15 de Março de 2011:


EPISÓDIOS DA GUERRA NA GUINÉ 1973/1974 (4)

NÃO CHEGUEM TARDE COMO EU

Volvidos alguns dias após a descrição dos factos que acabaram de ver, proponho-me a produzir mais este pequeno texto, sem o qual aquele trabalho ficaria incompleto.

Entre os dois episódios de guerra que vivi e que relatei naquele trabalho, abri um parêntese com um texto a que, estranhamente, dei o nome de “afinal os anjos acompanham-nos”.

Utilizei esta imagem para ilustrar o facto de eu referir que no meio daquele ambiente adverso de guerra, entre tiros e bombas, havia lugar a actos de solidariedade e generosidade humanas.

Soldado Orlando Augusto Pires

Referi-me concretamente aos gestos que o soldado Pires teve em relação a mim e ao nosso reencontro em Casal de Cambra, emocionando-me de tal modo que, estranhamente, não consegui conter as lágrimas.

Depois desse reencontro em Casal de Cambra, ali vivemos como vizinhos durante o ano de 1977 até meados do ano de 1978, altura em que fomos transferidos, a nosso pedido, aqui para o norte, tendo ele sido colocado no Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana de Torre D. Chama, próximo de Mirandela, e eu no Posto Territorial de Vila do Conde, onde fiz toda a minha carreira, com uma pequena passagem pelos Carvalhos e por Matosinhos, até a minha reforma.

Absorvido pelas lides do dia-a-dia, que nem sempre é justificação, fui adiando sucessivamente o contacto com aquele meu amigo.
Provavelmente com ele aconteceu o mesmo, a ponto de nunca mais nos contactarmos até hoje.

Terminado este trabalho, já publicado no blog “Guerra na Guiné 63/74”, e já enviado a alguns camaradas de guerra, quis fazer uma surpresa, em especial, ao meu amigo soldado Pires de lho enviar, para lhe relembrar aquelas peripécias de guerra que vivemos em comum e, principalmente, aqueles gestos de solidariedade que ele teve comigo, restabelecendo assim novamente o contacto entre ambos.

A surpresa foi minha e foi dura!
Apercebi-me de quão tarde já era.

Um dos anjos que me acompanhava na terra, já me acompanha a partir de outro lado, seja de onde for e, provavelmente, aquando do ataque de choro a que acima me referi, seria ele a dizer-me através do meu subconsciente que já me acompanha a partir de outra dimensão.

Do outro lado do telefone, do Posto de Torre de D. Chama, foi-me dito friamente que o meu amigo Pires, de seu nome completo Orlando Augusto Pires, já não faz parte do número dos vivos. Faleceu há cerca de quatro anos!

Sobre o que senti naquele momento…, poupem-me descrevê-lo!

Continuei na minha investigação, fui encontrar a esposa, D. Clarinda, na aldeia de Martin, próximo de Bragança, onde ele vivia também.
Localizei um dos filhos, o Jorge, a criança loura de 4 ou 5 anos que nos encantava com as suas traquinices quando vivíamos em Casal de Cambra, hoje com idade próxima dos 40 anos, também soldado da Guarda Nacional Republicana, a prestar serviço no Posto de Izeda, Bragança.

O mínimo que posso fazer em homenagem àquele meu amigo, é enviar todo este trabalho aos familiares, bem sabendo da chaga que irá reabrir no coração daquela família com derramamento de mais lágrimas.
Mas queria com isso deixar o meu testemunho da simplicidade, generosidade, solidariedade, em suma, da nobreza de carácter daquele meu amigo, de quem os familiares muito se devem orgulhar de o terem tido como marido e como pai.

Este recorte da vida, lição de vida, o que lhe quiserem chamar que convosco quis partilhar, visa essencialmente sensibilizar-vos para que não deixem correr o tempo como eu, adiando ir ao encontro de um familiar, de um amigo. NÃO CHEGUEM TARDE COMO EU.

Um abraço para todos.
Manuel Sousa
Fevereiro de 2011
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8056: Episódios da Guerra na Guiné (Manuel Sousa) (3): Minas entre Jumbembem e Lamel

Guiné 63/74 - P8064: O meu baptismo de fogo (24): Num ataque de... formigas (José Barros)

1. Mensagem do nosso camarada José Barros (ex-Fur Mil Atirador de Cavalaria, CCav 1617/BCav 1897, Mansoa, Mansabá e Olossato, 1966/68), com data de 4 de Abril de 2011:

Caro amigo e camarada Carlos Vinhal
Envio uma pequena história do meu tempo de “periquito” a que dei o nome de Baptismo de fogo.

Junto ainda fotografias de Mansoa e Cutia, que farás com elas, e com o texto, o que bem entenderes.



O meu baptismo de... formigas


Cutia, 1966-68 > Estes eram os homens da minha Secção.

Às primeiras horas da manhã de um certo dia de Novembro de 1966, tudo apostos para mais uma operação de treino operacional.

Saímos do quartel em fila indiana na direcção da mata, não me recordo que sentido seguimos.

À frente ia um Pelotão de Milícias, seguidos pelos elementos da Companhia dos “velhinhos” que nos iam dando algumas dicas sobre os perigos que poderíamos encontrar.

Andámos horas e horas pelo meio da mata, até que saímos do mato e entrámos numa bolanha, que na época estava seca. Caminhávamos há já algum tempo, quando reparo que em determinado local os homens da frente davam um salto, e toda agente a seguir chegava aquele local e saltava.

No lugar onde seguia não era visível nenhum obstáculo. Ia perguntando a mim mesmo o porquê daquele salto!

Não demorou muito para ficar a saber o porquê de tal salto.

No momento em que me aproximo do local, rebenta uma emboscada vinda da orla da mata. Vai toda a gente de imediato para o chão e vira fogo contra o IN.

Secretária improvisada para escrever o meu primeiro bate-estradas para minha mãe

Eu não fugi à regra, também fui para o chão, mas nem um tiro dei. Mal caí fui atacado por uma enorme quantidade de formigas, que imediatamente se meteram pelo camuflado dentro e foram alojar-se nas zonas mais sensíveis do corpo, nomeadamente nos “ditos cujos”. O desespero era tanto que nem conta dei da emboscada ter acabado. Os camaradas que seguiam junto a mim, nomeadamente o pessoal da minha Secção, fartaram-se de gozar com o sucedido durante algum tempo.

Continuamos o nosso caminho de regresso ao aquartelamento. As dores e o desespero lá foram desaparecendo com o decorrer do tempo.

Chegado ao aquartelamento, fui tomar banho. Espanto dos espantos! O raio das formigas estavam mortas, mas com as suas tenazes cravadas na pele. Tive que as catar como quem cata piolhos.

Nunca soube qual o nome dessa formiga. Sei apenas que era uma formiga preta e pequena.

Foi este o meu baptismo de fogo. Não fiz fogo, mas sofri a bom sofrer com as malfadadas formigas.

Um grande abraço
José Barros
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7984: Memórias de Mansabá (11): A construção da estrada Cutia-Mansabá e a defesa dos seus pontões (José Barros)

Vd. último poste da série de 24 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3511: O meu baptismo de fogo (23): Uma vacina para o enjoo... (António Paiva)

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8063: Controvérsias (118): 10 de Junho: “Passagem final pelas lápides”, ou “Desfile” (António Martins de Matos)

1. O nosso Camarada António Martins de Matos (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74, hoje Ten Gen Pilav Res), enviou-nos em 5 de Abril a seguinte mensagem:


10 de Junho: “Passagem final pelas lápides” ou “Desfile


Caros amigos Em vista ao interesse demonstrado por muitos de vós para “participarem” no 10 Junho, num desfile junto ao Monumento em Belém, justa homenagem aos camaradas aí referenciados, ficou-me no entanto o receio que, com o programa da cerimónia eventualmente já delineado, exigiria a anuência dos organizadores e um ou outro acerto.

No sentido de tentar solucionar eventuais problemas, esta segunda-feira entrei em contacto com a Comissão Executiva do Encontro Nacional de Combatentes (CPHM) através do Sr. Coronel Morais Pequeno e hoje, 5 Abril, com o Presidente e responsável máximo pela cerimónia, o Sr. Tenente General Piloto Aviador Vizela Cardoso.
Ambos me confirmaram que o programa já está definido (já estava, é o mesmo desde 2008), sendo o seguinte:
10H15 - Missa no Mosteiro dos Jerónimos;
11H30 - Concentração junto ao Monumento;
12H00 - Discurso alusivo por orador convidado;
12H10 - Cerimónia inter-religiosa (católica e muçulmana);
12H20 - Homenagem aos mortos e deposição de flores;
12H40 - Hino Nacional (salva por navio da Marinha Portuguesa)
12H45 - Sobrevoo por aeronaves da Força Aérea;
12H50 - Passagem final pelas lápides;
13H10 - Salto de Pára-quedistas;
13H15 - Almoço convívio (pode ser adquirido nos local).
A “Passagem final pelas lápides” tem o seguinte descritivo:

Finda a passagem dos aviões da Força Aérea, inicia-se o movimento dos Guiões que, por ordem de antiguidade, passarão à frente do Monumento e farão uma passagem de homenagem e despedida pelas lápides, no sentido directo (contrário ao dos ponteiros do relógio). Quando houver acompanhantes dos Guiões, estes juntar-se-ão no início da passagem pelas lápides. Guiões e acompanhantes igualmente completam a passagem pelas lápides, saindo, no final, para o lado da Torre de Belém.

Logo atrás dos Guiões, o Presidente convida os Convidados de Honra para passarem à frente do Monumento e fazerem o mesmo percurso, voltando ao local de partida. Logo após será a vez do público em geral, o qual terá também oportunidade para depor as suas flores e passar, em recolhimento, pelas lápides, seguindo o mesmo trajecto dos guiões.
No final saem em frente para verem o salto dos pára-quedistas ou para almoçar. Todos estes movimentos são anunciados pelo locutor.
Mais uma vez se realça o solene cerimonial desta passagem e para o atavio que todos devem usar na circunstância.

Em vista do programa acima referido a minha solicitação era tão só a substituição da “Passagem final pelas lápides”, pelo “Desfile”, o resto do programa mantinha-se inalterado.

Sem pretender fazer juízos de valor sobre o significado de, numa cerimónia militar, se comparar um “Desfile” versus uma “Passagem pelas lápides”, (o que quer que isso signifique) entendia e entendo que a cerimónia seria altamente prestigiada com o desfile dos Guiões seguido pelos vários pelotões de combatentes.

E, na minha ingenuidade, julgava eu que a hipótese de haver um número significativo de “marchantes”, fosse aceite pelos responsáveis de braços abertos.

Pura ilusão.

A minha (nossa) pretensão foi recusada.

Ainda consegui rebater a maior parte dos argumentos que me foram apresentados para justificar a recusa do desfile, que, por decoro, me dispenso de vos enumerar.

O argumento que não consegui ultrapassar foi o de:

“Já está tudo planeado e como tal não se pode alterar”

Quero terminar penitenciando-me por vos ter incutido infundadas esperanças que este ano íamos ter uma cerimónia diferente.

Os portugueses são assim, parcos em ideias mas com o copy-paste a funcionar na perfeição.

O meu 10 de Junho termina aqui.

Abraços AMM

__________

Notas de M.R.:

Gostava de deixar aqui um comentário à foto inserida neste poste, onde se vê claramente vários elementos da Associação de Operações Especiais, DESFILANDO como o têm feito em quase todos os anos no fim das cerimónias do 10 de Junho, em Belém, frente ao NOSSO Monumento, para quem muitos de nós contribuíram monetariamente.

Também as suas congéneres dos Comandos, Fuzileiros, Paraquedistas, Grupos Especiais, etc. organizam DESFILES dos seus veteranos.

Aos velhos Camaradas - ex-Combatentes da Guerra do Ultramar, têm-se juntado e bem (digo eu) os associados mais novos, que muito se têm sentido honrados e orgulhosos em poderem DESFLIAR ao nosso lado.

Se a organização gosta tudo bem, se não gosta o problema é deles.

Este ano vamos desfilar novamente se Deus quiser!

Penso eu que também a malta do blogue pode e deve organizar-se e DESFILAR no fim das cerimónias, em frente ao Monumento.

Vd. último poste desta série:

2 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8034: Controvérsias (117): No rescaldo do Almoço da Tabanca do Centro, onde mais uma vez se falou do nosso dia, o dia dos ex-combatentes (António Martins de Matos)


Guiné 63/74 - P8062: Estórias avulsas (51): O Papa Ratos e a sua morte junto ao arame farpado (Albino Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva* (ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70), com data de  4 de Abril de 2011:

Grande amigo Carlos Vinhal
Primeiramente quero agradecer-te o trabalho que tiveste em colocar todo aquele meu trabalho, e da maneiracomo o fizeste, especialmente onde colocaste fotos, que de certo modo deu mais interesse aos leitores.
Terminado esse trabalho aqui te envio o "Papa Ratos" tal e qual como foi passado, e da forma como o descrevo, pois aconteceu tudo isso em Teixeira Pinto.
Albino silva


O PAPARRATOS

Memórias de Guerra
Livro de José Pardete Ferreira
1969 - 1971

Anualmente era realizado um Convívio a nível nacional, de ex-combatentes da Guiné que tinha como data o dia 5 de Outubro. Agora não sei se ainda se realiza, mas talvez sim pois a organização era excelente.

Foi exactamente num desses encontros que eu participei, pois julgava que iria encontrar camaradas do meu Batalhão, já para não falar de Companhias, mas, apenas encontrei o Couto, um camarada da CCaç 2368, Feras, no meio de centenas de outros camaradas que pela Guiné tinham passado como eu.

Estávamos nos na conversa, falando no passado, quando mais longe do local onde me encontrava, fixei um individuo com um livro na mão. De imediato disse ao Couto que conhecia o tal camarada, ao mesmo tempo em que ele não tirava os olhos de mim. Como ele, eu também tinha um livro na mão, o meu que é a História da Unidade do BCaç 2845.

O titulo que eu consegui ler no livro dele foi O Paparratos.

Aproximamos e eis as primeiras palavras dele:

- Eu conheço-te de algum lado.

De imediato a minha resposta foi, eu também o conheço pois estivemos juntos em Teixeira Pinto na Guiné, e fizemos serviços em conjunto na Enfermaria, mas não me recordo de seu nome nem da Companhia onde prestou serviço.
Alias era normal já que cada Companhia ou quase todas tinham Enfermeiro como por exemplo os Comandos Páras e até Fusas.

Na Enfermaria de Teixeira Pinto tínhamos o nosso médico, o Dr. Maymon Martins, embora houvesse o Dr. Maximino Vaz no Batalhão e ainda outro médico, capitão, que por lá apareceu para substituir o Dr. Maymon Martins, quando este ao fim de 12 meses foi de férias.

Foi nessa altura que se apresentou o tal camarada, ou seja o Dr. Pardete Ferreira, autor deste livro, que era médico na altura do CAOP que tinha ido para Teixeira Pinto, na altura comandado pelo Major Passos Ramos, assassinado em 20 de Abril de 1970 na estrada de Pelundo ao Jol juntamente com os Majores Pereira da Silva e Magalhães Osório que eu bem conhecia.

Como médico, o Dr. Pardete Ferreira só lá esteve quinze dias porque depois seguiu para Bissau onde viria a cumprir serviço no Hospital Militar.

Fizemos troca dos livros, ou seja, eu fiquei com o dele e ele com o meu. Perguntei-lhe se tinha dado o nome de Paparratos ao seu livro, baseado num acontecimento que eu  conhecia passado em Teixeira Pinto.

Pardete Ferreira afirmou que o seu livro não tinha nada a ver com esse caso, mas que tinha ouvido falar dele. Se eu soubesse, para lhe contar. Assim fiz.

Em Teixeira Pinto, nessa altura, havia uma Secção de Comandos entre outra tropa como Páras e Fuzileiros, e todos alinhavam constantemente em saídas para o mato.

Num belo Domingo, na hora de almoço, entrou refeitório dentro o Capitão dos Comandos, e dirigindo-se aos seus rapazes, disse-lhes:

- Rapazes comam e depois descansem bem, pois amanhã às seis horas temos uma saída para o mato que vai ser muito arriscada. Irá durar bastante tempo, por isso descansem bem para que estejam todos operacionais.

Enquanto o Capitão dirigia estas palavras, um rato correndo chão foi-se esconder debaixo de um bidão que fazia de protecção, mas deixou parte do rabo de fora.

Ao ver o rato, um militar, na brincadeira, levantou-se e virou-se para o Capitão dizendo:

- Meu Capitão, se eu comer um rato vivo que está debaixo daquele bidão, dispensa-me de ir para o mato?

Resposta do Capitão:

- Se conseguires apanhar o rato vivo e o comeres, ficas dispensado de ir para o mato amanhã.

Dito isto, o militar que não quero nomear, dirigiu-se ao bidão, apanhou o tal rato pelo rabo e de imediato o meteu vivo na boca e o comeu, deixando toda a malta pasmada, incluindo o Capitão que o dispensou da pela atitude e coragem. A partir daquele momento ficou conhecido pelo Papa Ratos.

Esta foi a realidade que julguei ter dado origem ao livro que o Dr. Pardete Ferreira tinha escrito, mas só conheceu esta história agora que lha contei.

Lembro que o Dr. Pardete Ferreira é médico Cirurgião, em Lisboa, Especialista em Medicina Desportiva e autor de vários livros, alguns deles das campanhas em África.
Normalmente é uma pessoa bem humorada.

O Papa Ratos continuou nos Comandos e em Teixeira Pinto acabaria mesmo por falecer estupidamente.

Era excelente pessoa como camarada e era amigo de praticar o bem, fazendo os outros alegres mesmo quando ele próprio andava triste, e dar coragem aos outros quando ele mesmo não a tinha.
O único defeito, se é que era defeito, era de ser um pouco teimoso.

A sua caserna era junto do arame farpado, próximo da saída que havia para o cais de Teixeira Pinto, onde havia um posto de vigilância, guardado durante o dia por um elemento, juntando-se à noite mais dois para o reforço, como era normal naquele Quartel.

Era quase meia-noite, dois militares descansavam, porque um deles entraria dali a pouco e o outro às 3 horas. O que estava quase a deixar o serviço, um militar africano, ia estando atento a tudo para além do arame farpado, normalmente nada poderia dali vir, porque a escassos metros do arame de vedação havia o rio, local por onde era certo que ninguém tentaria atacar ou entrar no Quartel.

Naquele momento, o Papa Ratos aproximou-se do arame farpado para sair para o exterior, mesmo ao lado do africano que estava de serviço, que o que tentou impedir de sair mas, o Papa Ratos teimoso, não
obedeceu às ordens transmitidas e saiu na mesma.

Claro que a quem vinha de fora para dentro era fornecida um senha por quem estivesse de serviço que teria como resposta a contracenha.

Isso não aconteceu pois o Papa Ratos não ligou à ordem de paragem pelo militar de serviço. Com a sua teimosia, continuou a avançar para o arame, tendo o sentinela apenas um só tiro atingido o Papa Ratos na cabeça, que teve logo morte imediata.

Após isto, o africano fugiu e foi para junto da Prisão, e lá ficou durante o resto da noite enquanto por fora os Comandos o procuravam para ajuste de contas.
Manhã cedo todos correram para a Prisão, mas o africano já lá não estava.

Foi assim a história do Papa Ratos, camarada que tantas vezes atendi na Enfermaria e com quem bebia umas boas bazucas em paga da assistência que lhe prestava.

Nunca mais os Comandos em Teixeira Pinto tiveram bons olhos para os africanos. Não havia justificação para aquela morte, tanto mais que se conheciam, e o luar que  fazia naquela noite era tal que até as águas do Mansoa se viam ao longe.

Foi assim o triste fim de um camarada que vendia saúde, e que quando já pensava em regressar teve este fim trágico e cobarde.

Esta é uma história real, pois eu mesmo a presenciei.

Albino Silva
Sold Maq 01100467
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8036: Blogpoesia (138): Ai Guiné, Guiné (10) (Albino Silva)

Vd. último poste da série de 4 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7894: Estórias avulsas (105): Encontro com o nosso Camarada Liberal Correia (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P8061: (De)Caras (7): Reconstituição da emboscada do dia 14/6/73, a 3 Km de Piche, pelo sold cond auto Florimundo Rocha (CCAÇ 3546, Piche e Ponte Caium, 1972/74), o único sobrevivente do Unimog 411


Guiné > Zona Leste > Gabu > Carta de Piche (1957) (1/50000) > Local provável da emboscada, levada a cabo por um forte dispositivoo do PAIGC, integrando "cubanos",  a "três ou quatro quilómetros de Piche", a seguir a a um curva, do lado esquerdo da estrada (alcatroada) Ponte Caium-Piche, em 14 de Junho de 1973.  O troço Ponte Caium-Buruntuma não estava alcatroado em 1974 (segundo o depoimento do Rocha). Repare-se que estamos perto da fronteira com a Guiné Conacri, na direcção sudeste (para onde terão retirado as forças do PAIGC, c. de 200, segundo a versão do Rocha).



Reconstituição da emboscada do dia 14/6/73, feita em 4 do corrente, ao telefone, pelo Florimundo Rocha (ex-sold cond auto, CCCAÇ 3546, Piche e Ponte Caium, 1972/74, natural de Lagoa, e que já expressou a sua vontade de integrar a nossa Tabanca Grande, comprometendo-se as fotos da praxe, através da sua filha Susana Rocha) [, foto à direita, 1973, Ponte Caium]:


1.O Rocha já se lembra do número de viaturas que seguiam na coluna, nesse dia fatídico, de 14/6/1973. Ele ia à frente a conduzir o seu Unimog 411, o “burrinho do mato”, que lhe estava distribuído. A seu lado, de pé, ia o Charlô (alcunha do Carlos Alberto Graça Gonçalves, natural de Lisboa) . E atrás, sentados nos bancos, os restantes camaradas do pelotão que haveriam de morrer nesse dia e hora, numa curva da estrada para Piche, a escassos 3 quilómetros da sede da unidade, a CCAÇ 3546/BCAÇ 3883… A saber: o Torrão, o Fernandes e o Santos…

2.Também não pode precisar a hora, mas terá sido depois das 9 da manhã. Foi seguramente da parte da manhã. Antes de partirem para Piche, uns tinham jogado à bola, e outros (uma secção) tinham ido à lenha, como era habitual… Eram actividades que eles faziam pela fresca. Lembra-se que o Torrão nesse dia estava de serviço à lenha. Quanto ao futebol, costumavam jogar, de manhã, pela fresca. O Rocha não falhava um jogo, aliás veio continuar, depois da peluda, a jogar futebol, em clubes da 2ª e 3ª divisões, no Algarve.

3.Já não tem a certeza, mas atrás de si, devia vir uma Berliet, com restos de materiais de construção ou madeiras. Também não se lembra se havia mais viaturas. Tem ideia que “malta de Buruntuma [, CCAÇ 3544, ], ou de Camajabá [, outro destacamento de Piche, CCAÇ 3546]” também vinha atrás, numa terceira viatura… O Wolkswagen (alcunha de um camarada que ficará ferido) vinha atrás, numa outra viatura. O Rocha não o deixou vir com ele. Nessa altura as relações entre ambos não eram as melhores.

4. A distância entre a primeira viatura (o 411) e a segunda (talvez a Berliet) deveria ser de “80 metros”. Ele, Rocha, não ia a mais de 70 km, que era o máximo que o “burrinho” dava, em estrada alcatroada. O asfalto ia até à Ponte. Trabalho da Tecnil, cujas máquinas chegaram a ser atacadas e algumas incendiadas pelo PAIGC. As bermas estavam limpas, o capim cortado. Estamos no início da época das chuvas. E foi “na curva” que o Rocha começou a ver cabeças, de gente emboscada. “Eles tinham-se entrincheirado nos morros de terra deixados pelas máquinas da Tecnil”… Pelo número de efectivos (falava-se no fim “em mais de 200”), está visto que a emboscada “não era para eles”, mas sim para o pessoal de Piche.

5.Quando o 411, conduzido pelo Rocha, entrou na “zona de morte”, na curva, os primeiros tiros (ou roquetadas) furaram-lhe os pneus. A malta foi projectada. A viatura capotou. O Rocha ficou caído mo lado direito da estrada. Os tipos do PAIGC estavam do lado esquerdo. O fogachal foi tremendo. Ele ainda conseguiu proteger-se atrás da viatura que ficou a trabalhar, de pernas para o ar. Lembra-se de ter pegado em duas ou três G3, dos camaradas feridos, e de ter respondido ao fogo do IN.

6.A emboscada poderá ter demorado “15 a 20 minutos”… O IN teve tempo para tudo: meio escondido, a uns 50 metros já da viatura sinistrada e dos camaradas feridos, viu uns gajos "brancos", “cubanos”, a falar espanhol, a saltar para a estrada… Já não pode precisar quantos eram, mas eram sobretudo “brancos”, poucos negros… Falavam em voz alta, e diziam qualquer coisa, em espanhol, como “condutor morto, condutor morto”… Completamente impotente, sem poder intervir, viu com os seus próprios olhos o espectáculo macabro, os tiros de misericórdia que acabaram com a vida dos camaradas moribundos, tiros na nuca ou na boca. Confirma o que já tínhamos dito antes: os corpos foram depois retalhados, por rajadas de Kalash…

7.Ainda se lembra da chegada das chaimites de Piche, que fizeram fogo contra as forças inimigas, que ripostaram, já no final dos combates. Talvez meia hora depois do início da emboscada. Ainda se lembra, dos 3 ou 4 feridos que foram evacuados, de heli, em Piche. Houve alguém que sugeriu que ele aproveitasse a boleia e se fizesse maluco. Mas ele recusou. Nesse mesmo dia regressaria à Ponte Caium. Não se lembra de ter tido o conforto de nenhum superior hierárquico. Uma simples palavra, muito menos um louvor. Voltou para a ponte e dormiu, como “dormia todos os dias, como ainda hoje dorme” (sem pesadelos ?..., não me respondeu à pergunta)…



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) >  Destacamento da Ponte Caium > Da esquerda para a direita: O 1º Cabo Pinto, e os soldados Ramos, Cristina (segurando granadas de morteiro 60), o Wolkswagen, o Fernandes, de pé (outro que morreu na emboscada de 14/6/1973) e o Silva ("que percorreu 18 km com um tiro no pé!")...  Foto e legenda do Jacinto Cristina: falta identificar o condutor do Unimog 404.


Foto: © Jacinto Cristina (2010). Todos os direitos reservados


8. A única versão que até agora tínhamos desta emboscada, era a do Cristina (que ficou no destacamento e que,portanto, só pode contar o que lhe contaram os sobreviventes; ou do que se lembra dessas versões, e que já aqui resumimos, em tempos=:

“Em data que o Cristina já não pode precisar, a sua companhia sofreu uma violenta emboscada, entre Piche e Buruntuma, montada por um grupo ‘estimado em 400’ elementos IN (ou ‘turras, como a gente lhe chamava’)...Um RPG 7 atingiu a viatura da frente da coluna, que ia relativamente distanciada do grosso da coluna, e que explodiu...Houve de imediato 4 mortos: O Charlô e o Fernandes foram dois deles... Dos outros dois o Cristina já não se lembra.

“Com as granadas de mão dos mortos, o Wolkswagen conseguiu aguentar o ímpeto da emboscada, mas chegou a ter uma Kalash apontada à cabeça... Ninguém sabe como ele se safou... O Silva por sua vez levo um tiro no pé, fugiu, e mesmo ferido fez 18 km até ao aquartelamento”...

9… E voltamos ao monumento erigido á memória dos mortos da Ponte Caium. A ideia, não há dúvida, “foi do Alexandre”, do Carlos Alexandre, que tinham conhecimentos de moldes por trabalhar na construção naval, em Peniche. Ele, Rocha, também deu uma ajuda. Mas não lhe perguntem datas nem pormenores. Disse-lhe que o Cristina já não se lembrava de nada e que o Alexandre estava furioso por causa da amnésia dos camaradas.


10. Disse-me, por outro lado, que a filha ia mandar-nos as fotos pedidas, para poder entrar na nossa Tabanca Grande. Sentiu-se muito bem em falar comigo e contar toda esta tragédia. Estava mais calmo do que da primeira vez, em que me falou desta tragédia, emocionadíssimo. É um homem simples e franco. Pu-lo à vontade, mas ainda não consegui que ele me tratasse por tu… “Muito obrigado, o senhor (sic) tem aqui uma casa às suas ordens, quando vier a Lagoa”… 

11.Da nossa conversa, à noite ao telefone (foi ele que me ligou), fiquei a saber que,  em Janeiro de 1973, tinha vindo de férias à Metrópole. Estava, de regresso, em Piche quando se deu a tragédia que matou o Furriel Cardoso, já em 19 de Fevereiro de 1973. Só depois dessa data é que foi para a ponte, para onde ninguém gostava de ir. E por lá ficou até ao fim da comissão.

12. Mas logo a seguir, aconteceu outra tragédia: a morte do Silva, apontador de canhão sem recuo… Morreu na sua viatura quando tentaram levá-lo, moribundo, até ao helicóptero, foram pela estrada fora, sem picar, sem segurança. Tarde demais. Um estúpido acidente, que marcou muito o grupo.

13. Os furriéis só iam um de cada vez para ponte: o Cardoso, que foi vítima da explos
ão de uma armadiha; o Ribeiro, de Braga; o Barrroca, alentejano… No dia da embocada, estava o Ribeiro na ponte. Mais o Cristina, municiador, do morteiro “grande”, o 10,7… 

O Rocha esclarece ainda que na foto de grupo [vd. poste P8029], não é o Santiago (que é da Covilhã), mas sim o Serra (que é de Barcelos), quem aparece à esquerda, de pé… 

Nunca foi a um convívio do batalhão ou da companhia. Voltei a dar-lhe os contactos telefónicos do Cristina. Tentara ligar para o fixo, mas ninguém atendeu. Em, contrapartida, já tinha falado com o Alexandre (ou o Alexandre com ele)…. 

Sobre a ponte diz que era de boa construção, dos princípios dos anos 60. “Até se dizia que tinha sido construída pelo Amílcar Cabral”… Rectifiquei: o Cabral não era engenheiro de pontes, mas agrónomo… Não bate certo… 

13. Outras memórias da ponte: O Gen Spínola um dia aterrou lá, estavam a jogar futebol… Usavam todos barba e cabelo compridos. Não havia barbeiro. O Spínola deu uma piada qualquer, ia de heli para Buruntuma. 


14. Despedi-me do Rocha, para o poupar, mas com a promessa de voltarmos a falar, com mais tempo e vagar. Percebo que lhe fazia bem. E que, por outro lado, só lhe interessa a verdade dos factos… Parece ter boa memória fotográfica.
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Nota do editor:

Último poste da série 14 de Janeiro de 2011> 

Guiné 63/74 - P7615: (De)Caras (6): A emboscada às NT na estrada Galomaro-Bangacia (Duas Fontes), em 1/10/1971: o relim do comandante do PAIGC Constantino dos Santos Teixeira,Tchutchu

Guiné 63/74 - P8060: Agenda cultural (115): Reportagem de Conceição Queiroz, na TVI, no passado dia 28 de Março, sobre a Mutilação Genital Feminina (Hugo Moura Ferreira)

1. Mensagem do nosso camarada Hugo Moura Ferreira:

Data: 3 de Abril de 2011 19:23
Assunto: MGF

Caros editores:

No passado dia 28 de Março, a TVI apresentou o REPÓRTER TVI, ["Cicatriz", ]  que versou sobre a Mutilação Genital Feminina, com declarações bem interessantes, apresentado por uma jornalista [, Conceição Queiroz, ] que profissionalmente considero bastante.

Como sei que há alguns dos camaradas que se interessam por este tema, aqui deixo o link da TVI para a referida Reportagem, a fim de que possa ser circulado por vós, se assim entenderem:

http://www.tvi24.iol.pt/videos/video/13406717/1 [Vídeo: 37' 32'']

Abraço amigo.

Hugo Moura Ferreira

Guiné 63/74 - P8059: Efemérides (65): Freguesia de Mar-Esposende: Homenagem aos ex-Combatentes no dia 1 de Maio de 2011 (José F. Silva/Fernando Cepa)

1. O nosso Camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos em 4 de Abril de 2011, a seguinte mensagem.
Camaradas,

Conhecendo bem o meu ex-camarada de guerra da Guiné, Fernando Cepa, apercebi-me que está bastante ligado a mais um evento de cariz social que não nos pode deixar indiferentes.

Trata-se da feitura de um monumento aos ex-combatentes de Esposende, cuja inauguração se anuncia para o dia 1 de Maio próximo.

Falei-lhe da possibilidade do evento ser anunciado no nosso blogue e pedi-lhe que escrevesse alguma coisa sobre isso.

Ele, assim o fez e creio que é merecedor do nosso apoio. Junto o texto, tal e qual o forneceu e ainda a fotogravura do referido monumento.

Um abraço

José F. Silva

HOMENAGEM AOS EX-COMBATENTES NA FREGUESIA DE MAR-ESPOSENDE NO DIA 1 DE MAIO DE 2011

Numa louvável iniciativa da Junta de Freguesia de Mar, do Centro Social da Juventude de Mar e dos ex-Combatentes do Ultramar, vai realizar-se na freguesia de S. Bartolomeu do Mar – Esposende, no dia 1 de Maio de 2011, uma justa homenagem aos soldados daquela freguesia que durante cerca década e meia, combateram bravamente em terras de África, na defesa da Pátria.
Esta iniciativa que está a merecer uma extraordinária adesão e que tem vindo a ser programada com bastante rigor, tem o apoio de diversas entidades locais e nacionais, destacando-se o empenho do senhor Tenente General Joaquim Chito Rodrigues, Presidente a Liga dos Combatentes, e do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Esposende.
A ideia, amadurecida há vários anos, remonta ao ano de 2004, quando os ex-Combatentes se reuniram pela primeira vez, no dia 11 de Junho de 2004 no Centro Social da Juventude de Mar.
Seguiram-se outras reuniões, sem que, se avançasse definitivamente com um programa e um espaço temporal para a homenagem, embora todos concordassem com a da justeza da iniciativa.
Entretanto, na passagem dos 50 anos do inicio da guerra colonial, a Junta de Freguesia de Mar e o Centro Social da Juventude de Mar, decidiram finalmente avançar com um projecto, ao qual associaram os ex-Combatentes.
Assim, em reuniões de 15 de Janeiro, 5 de Março e 2 de Abril de 2011, realizadas na Junta de Freguesia de Mar, ficou definitivamente assente o programa a executar.
Decidiu-se que o Memorial a erigir, evocativo da efeméride, seria construído exclusivamente em granito, por ser uma matéria prima, nobre, e característica da nossa região.
A figura do soldado destacar-se-á em alto relevo, personificando a bravura duma geração de jovens que se bateram até à exaustão, de armas na mão, na defesa da Pátria.
As legendas serão em baixo relevo para resistirem as intempéries. O cravo, simboliza a ligação dos ex-Combatentes à libertação e democratização de Portugal. Pese embora, o facto de homenagem ser abrangente a todos os militares do Ultramar, decidiu-se, e bem, particularizar no Memorial, uma mensagem em que fosse lembrada a memória de dois soldados, filhos desta terra, que tombaram em combate e cujos corpos ficaram em África, o José Vaz Saleiro Lima em Moçambique e o Gastão Vaz Saleiro Lima em Angola.
O programa da homenagem é o seguinte:
  • 10.00 h – Recepção às Autoridades Civis, Militares e Religiosas na sede da Junta de Freguesia de Mar.
  • 10.15 h – Inauguração da Exposição sobre os ex-Combatentes na sede da Junta de Freguesia de Mar.
  • 10.45 h – Missa, sufragando a memória dos ex-Combatentes falecidos, com bênção e inauguração do Memorial.
  • 11.45 h – Sessão de Encerramento.
Muitas entidades já manifestaram interesse em participar nesta homenagem, estando já confirmada a presença do senhor Presidente da Câmara Municipal de Esposende, e, provavelmente, o Contra-Almirante e Vigário Geral Castrense e Capelão Chefe das Forças Armadas, Rev. Padre Manuel Amorim, irá presidir à celebração da Eucaristia.
Através da Liga dos Combatentes, foi requisitada ao General Chefe do Estado Maior do Exército, uma força militar com secção de atiradores e clarins para prestar as devidas honras militares.
Fernando Cepa
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série:

Guiné 63/74 - P8058: Parabéns a você (238): Fernando Manuel Belo, ex-Soldado Condutor da 3.ª CCAV/BCAV 8323, Pirada 1973/74 (Tertúlia / Editores)

PARABÉNS A VOCÊ

07 DE ABRIL DE 2011

FERNANDO MANUEL BELO*

Caro camarada Fernando Belo , a Tabanca Grande solidariza-se contigo nesta data festiva.

Assim, vêm os Editores, em nome de toda a Tertúlia, desejar-te um feliz dia de aniversário junto dos teus familiares e amigos.

Que esta data se festeje por muitos anos, repletos de saúde, tendo sempre por perto aqueles que amas e prezas.

Na hora do brinde não esqueças os teus camaradas e amigos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, que irão erguer também uma taça pela tua saúde e longevidade.
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Notas de CV:

(*) Fernando Manuel Belo foi Soldado Condutor da 3.ª CCAV/BCAV 8323, Pirada, 1973/74

Vd. poste de 10 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5090: Tabanca Grande (179): Fernando Manuel Oliveira Belo, ex-Soldado Condutor da 3.ª CCAV/BCAV 8323 (Pirada, 1973/74)

Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8054: Parabéns a você (237): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp da CART 3492; Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15, Guiné 1971/73 (Tertúlia / Editores)

Guiné 63/74 - P8057: Notas de leitura (226): João Teixeira Pinto, A Ocupação Militar da Guiné (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Abril de 2011:

Queridos amigos,


Aqui se dá por terminado o relato das 4 campanhas de Teixeira Pinto entre 1913 e 1915.


A pacificação foi um facto, mas só se deu por concluída em 1936. Teixeira Pinto irá morrer no combate de Negomano, frente aos alemães, em 26 de Novembro de 1917.


Abdul Injai irá cair em desgraça e será deportado. Todo este episódio da campanha de 1915 decorre já numa atmosfera de envenenamento que preludia as calúnias sobre o grande herói Teixeira Pinto. Lastimavelmente, todos estes episódios históricos estão mal estudados, parece que a Guiné só ganha importância aos olhos do historiador com a chegada do comandante Sarmento Rodrigues. Coisas da história.


Um abraço do
Mário


João Teixeira Pinto, a ocupação militar da Guiné (3):

Campanha contra os Papéis e Grumetes de Bissau (1915)

Beja Santos

Estamos chegados ao relatório fundamental de Teixeira Pinto, após a sua derradeira campanha na Guiné. É um documento histórico indispensável para a compreensão da colonização portuguesa na região. Teixeira Pinto está ciente das animosidades que impendem sobre ele e o seu favorito Abdul Injai. Acusa-os de despeito e inveja, são aqueles que na produziram a favor da Guiné e que só sabem censurar e criticar e diz: “Para esses todo o meu desprezo e o dos meus valentes companheiros de armas”. E começa por fazer o histórico das suas campanhas a partir de 1912. Diz sem papas na língua que nesse tempo “a nossa autoridade era puramente nominal na região compreendida entre os rios de Farim e o rio Geba, abrangendo os povos Oincas, Balantas, Brames ou Mancanhas, Manjacos e Papéis, com ocupação apenas das vilas de Cacheu e Bissau e posto militar de Gole”.

Rememora algumas campanhas infelizes, enumera os desastres e até massacres de tropas e populações. Diz ter lido relatórios e ouvido testemunhas das campanhas anteriores e ter concluído que as razões de todos esses revezes fora a utilização dos Grumetes como auxiliares, sobretudo. Acrescenta que em Dezembro de 1912 fora a Bafatá e que o administrador de Geba,  Vasco Calvet de Magalhães,  lhe apresentara o régulo do Cuor, Abdul Injai (“fiz um rápido estudo dele e da sua gente e desse rápido estudo concluí que eram eles os auxiliares que convinham”). Arranjados os auxiliares, disfarçou-se e percorreu o Oio.

Refere depois como deixou o Oio submetido, a seguir foi a Cacine e Gadamael reprimir indígenas sublevados, restabeleceu a ordem. Dá-se depois o massacre de Churo em que, entre outros, perdeu a vida o alferes Nunes. Segue-se a descrição da campanha em que submeteu os manjacos, os Mancanhas ou Brames, submetendo-os. Tendo havido o massacre de uma força de 70 auxiliares procedeu contra os Balantas, estes também se submeteram, foi criado um posto em Nhacra.

Estamos chegados à sublevação dos Grumetes e dos Papéis. Teixeira Pinto escreve: “Todos os Grumetes, mesmo os melhores colocados, apoiados pela Liga Guineense, empregaram todas as suas influências e conjugaram todos os seus esforços para impedir a guerra… O atrevimento dos Papéis era tal nas ruas de Bissau que, se se cruzavam com algum europeu na rua, em lugar de se afastarem, pelo contrário esbarravam com o europeu e, com um encontram, afastavam-no. Quando algum branco ia passear para fora da vila, logo a 100 metros, era frequente encontrar um Papel que lhe dizia para voltar para vila porque aquele chão não era do governo”.



E justifica as hostilidades em que incorreu: “Dizia-se que era eu que incitava a guerra. Mandaram um comissionado a Lisboa para enganar o Ministro, para lhe arrancar ordem para que a campanha se não fizesse, alegando que os pobrezinhos não tinham armas e eram muito obedientes. Digo enganar, porque a presente campanha provou que os Papéis e Grumetes estavam muito bem armados e municiados… estabeleceram intrigas entre os chefes irregulares, entre este e o Abdul e enquanto fui a Lisboa procurar indispor os oficiais comigo. A todos os que queriam opor-se a esta campanha lhe chamo aqui, e bem do íntimo da minha alma réus de alta traição”.

Falando dos preparativos, expõe a composição dos efectivos, as forças navais utilizadas, o armamento, o estado de sítio da Praça de Bissau, a presença de Abdul Injai com 1600 irregulares armados com 580 Sneiders, 425 Kropatcheks e perto de 400 armas de espoleta e mais de 100 cavaleiros.



Uma vez mais, Teixeira Pinto é minucioso, estabelece como um quase diário das operações que se vão desenrolar já em plena época das chuvas. Há parágrafos quase épicos, veja-se este exemplo: “Numa arremetida de leões os meus valentes soldados e irregulares carregam de novo sobre o inimigo e, numa arrancada, levam-nos de vencida até ao Alto do Intim e infligem-nos tais perdas que as forças recolhem trazendo os seus mortos e feridos, sem que o inimigo os incomodasse com um único tiro. Para mim estava terminada a lenda dos Papéis. Com aquela coluna, depois da rude prova porque acabava de passar e animada do entusiasmo de que estava possuída, eu adquiri a certeza da derrota do inimigo e da conquista da ilha de Bissau”.

Daqui avança para o chão Papel, descreve o fogo de artilharia, o avanço das colunas e acrescenta um novo parágrafo épico: “Neste dia de luta de 1 contra 10, com inimigo bem armado com armas aperfeiçoadas, bastante cartuchame e com a lenda de invencível, cada soldado, cada irregular, cada voluntário, foi um herói. Os graduados regulares e os chefes irregulares portaram-se de tal modo, mostraram tanta energia, tanto sangue frio, desenvolveram tal actividade que não sei descrever o entusiasmo quando à tarde estávamos acampados sem se ouvir um tiro, no mesmo sítio em que acampou a coluna de 1908, que foi sempre mais ou menos hostilizada pelo inimigo”.

A campanha prossegue, marcha-se para Safim, Teixeira Pinto comanda as operações ferido, deitado numa maca. As colunas seguem para Bor, tomam Bissalanca, depois Comura, Prábis, Cussete. Regista-se uma traição na estrada do Biombe, o régulo foi preso e Teixeira Pinto observa: “Interrogado o régulo, declarou que ele nunca se submetia porque ele odiava os brancos; que tinha mandado sempre 500 homens a cada combate que tinha havido e enquanto ele fosse vivo e houvesse um Papel de Biombe haviam de fazer guerra ao governo e que, se morresse, e lá no outro mundo encontrasse brancos, lhe havia de fazer guerra. Disse que se considerava o mais valente de todos os régulos porque não tinha fugido da sua terra, pois cria ali morrer”. A 17 de Agosto de 1915 a campanha terminou, havia 4 postos em Bor, Safim, Bejemita e Biombe. Papéis e Grumetes eram tidos como etnias submetidas. O relatório termina assim:

“Antes de concluir este relatório venho ainda relembra a conveniência de se apurar a responsabilidade de todos aqueles, Grumetes e não Grumetes, que mais ou menos concorreram para a revolta dos Papéis e proceder-se à captura e deportação para outra província dos Grumetes que tendo andado dentro de Bissau a fazer fogo contra nós, hoje fugiram dali refugiando-se nas pontas de Quínara e nos Bijagós.

São rebeldes, com a consciência dos actos que praticavam, visto serem civilizados, que pegaram em armas contra o governo, armas que ainda conservam. Sem ser profeta, estou convencido que, se continuarmos com a brancura dos nossos costumes e deixarmos sem a punição que merecem em pouco tempo eles farão rebentar nova revolta entre os Balantas, Manjacos ou Papéis, povos que, como V. Ex.ª sabe, são guerreiros por índole e por tanto sempre prontos a pegarem em armas, muito principalmente incitados pelo exemplo daqueles que tendo sido rebeldes ficaram impunes e que continuam por esse facto a gozar grande prestígio entre aqueles povos.
Oxalá eu me engane”.

Segue-se a lista de numerosos pedidos de louvor e condecorações para tropas regulares e irregulares e até mesmo para comerciantes. Esta era a Guiné de 1915, um território em que nem em Bissau se podia viver descansado. Compete ao historiador reflectir e analisar sobre os apoios que Teixeira Pinto obteve e quais os inimigos que temporariamente se submeteram.

Este conjunto de relatórios são peças de uma importância inequívoca para se conhecer tudo quanto se passou na história recente, sobretudo de 1961 a 1974.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8047: Notas de leitura (225): João Teixeira Pinto, A Ocupação Militar da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8056: Episódios da Guerra na Guiné (Manuel Sousa) (3): Minas entre Jumbembem e Lamel

1. Terceiro dos Episódios da Guerra na Guiné, trabalho do nosso camarada e Manuel Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74), enviado em mensagem do dia 15 de Março de 2011:


EPISÓDIOS DA GUERRA NA GUINÉ 1973/1974 (3)

MINAS ENTRE JUMBEMBÉM E LAMEL

Por volta do dia 20 de Maio de 1974, um ano após os acontecimentos de Guidage, um mês depois do 25 de Abril, o PAIGC, aproveitando a indefinição e a fragilidade políticas de Portugal, intensificou a sua acção na Guiné, a que o quartel de Jumbembém não foi excepção.
O limite do subsector era numa linha de água designada por rio Lamel, situada a cerca de 3Km para o lado de Farim, cuja ponte, de pedra e cimento, estava frequentemente sabotada por parte do PAIGC.


Ponte de Lamel. Foto de Carlos Silva revelada a partir de um slide do ex-Alf Rebelo da CCaç 2548. Com a devida vénia a ambos.

A passagem das viaturas muitas vezes só era possível sobre troncos de árvore que se colocavam sobre a referida ponte, para suprir a sua destruição parcial.
Tratava-se de uma zona perigosa, porque era ali nas proximidades da ponte que os guerrilheiros do PAIGC passavam do Senegal para uma das suas “zonas libertadas”, Bricama, e vice-versa.

Num desses dias de Maio, durante a noite, foram ouvidas em Jumbebém algumas explosões para o lado de Lamel, presumindo-se que se trataria de mais uma sabotagem à ponte, pelo que foram feitos uns disparos de obus naquela direção, a que se chamava o batimento da zona.

No dia seguinte foi recebida informação, através dos pilotos de dois helicópteros que deslocaram a Jumbembém, que a ponte estava destruída e a picada estava obstruída por abatimento de árvores.
Já sabíamos o “barril de pólvora” que nos esperava aquando da realização da próxima coluna.

Talvez logo no dia seguinte, não me recordo bem, foi organizada a coluna a Farim, com a prévia picagem da picada até Lamel.
Nesse dia a picagem esteve a cargo do 3.º Pelotão, a que eu pertencia, reforçado pelo 4.º creio, e entre os quatro homens destinados a picar, eu, mais uma vez, estava incluído.

À saída do quartel, um dos quatro picadores, sabendo o que nos esperava, fez tudo para ir a picar em último.
Coloquei-me então eu à frente, do lado direito, outro atrás, do lado esquerdo, outro mais atrás, do lado direito e o tal que fez questão de ir em último mais atrás, do lado esquerdo.
Como “picas” usávamos, nesta altura, umas varas com cerca de 4 ou 5 metros de comprimento, as chamadas “canas da índia”, que nos permitia estar o mais longe possível de eventuais explosões de minas ao serem tocadas.

Sensivelmente a meio do percurso, próximo do chamado “Alto de Lamel”, apercebo-me da existência de rastos de bota diferentes das que nós usávamos, ao longo da picada, junto ao capim, que segui atentamente.
A dada altura, cerca de 20 metros depois, aqueles rastos deixaram de se ver, desfeitos aparentemente por um arbusto.
Ali parei e olhei mais em pormenor a picada e vi um quase imperceptível rebaixamento, portanto na rodeira do lado direito, muito alisado.

Passei a palavra para trás para o Alferes Macedo, Comandante do 4.º Pelotão, especialista em minas e armadilhas, se deslocar até mim.

Depois de lhe ter relatado a situação, mandou-me recuar e colocou um pequeno petardo junto ao tal rebaixamento que, com a sua detonação, originou o rebentamento duma potente mina anti-carro, abrindo uma enorme cratera na picada.

Reiniciámos novamente e progressão e, a cerca de 20 metros depois, ouvi uma pequena explosão atrás de mim, o que me levou a baixar imediatamente, pensando tratar-se de alguma emboscada.
Apercebi-me então que foi uma outra mina que explodiu na rodeira do lado esquerdo, acionada pelo tal militar que fez tudo para ser o último da picagem.

Por sorte a mina fazia parte de algum lote antigo e já não se encontrava em condições, rebentando apenas o dispositivo anti-pica, deixando o explosivo da mina anti-carro à vista, uma espécie de gesso em fragmentos.

Prosseguimos mais uma vez, e já com as tais árvores que obstruíam a picada à vista, a cerca de 200 metros, vejo indícios idênticos ao anterior.

Repetiu-se o mesmo procedimento, com a explosão de outra mina, originando, também, uma profunda cratera.

Continuámos e, a escassos metros, ouço outra pequena explosão a trás, concluindo-se que fo mais uma mina que rebentou na rodeira, do lado esquerdo, depois de passar o tal último picador, debaixo da roda da frente de uma Berliet da coluna que vinha atrás. Felizmente também com deficiência, à semelhança da anterior, rebentando apenas o pneu da viatura.

Chegámos então às árvores caídas na picada, a escassos 200 metros da ponte e, junto a uma delas, fora da picada, tinha explodido uma mina anti-carro, accionada por um javali.

A partir dali as viaturas saíram fora da picada e atravessaram o rio, na altura sem água, ao lado da ponte, restabelecendo-se a ligação com Farim, cujos picadores já estavam do outro lado à espera.

Não houve qualquer contacto com o IN, contudo tudo se passou sob um estado de tensão só imaginável por quem por ali passou.

Passados alguns dias iniciaram-se os contactos com o PAIGC, no sentido de se acabarem as hostilidades

Aqui fica o meu testemunho destes dois dos vários episódios de guerra em que estive envolvido.

Uma nota final:
Por tudo aquilo que vi no teatro de guerra da Guiné, admirei a disciplina, a coragem e até a valentia das chamadas forças especiais, Marinha (Fuzileiros), Força Aérea (Pára-quedistas) e Comandos, sendo o seu contributo importante nos momentos mais críticos da guerra nesta província, como no caso de Guidage.
Mas, sem querer aqui esgrimir argumentos a favor ou contra qualquer ramo das Forças Armadas, porque todas elas deram o seu melhor nas missões que lhe foram atribuídas, não queria deixar uma referência especial para o Exército, a que eu pertencia:

Como força de quadrícula, ou seja, cada unidade ou sub-unidade era instalada no terreno, num sector, cuja missão era:

- De defesa desse sector (operações e patrulhamento, colunas, construção de valas e instalações abrigo, vedações de arame farpado, etc.);

- De logística (construção e manutenção de infra-estruturas, manutenção de viaturas, alimentação, reabastecimentos, etc.);

- De âmbito social, em relação às populações sob a sua responsabilidade (construção de tabancas, apoio sanitário, apoio alimentar, etc.

Com estas características o Exército tornava-se mais vulnerável. O IN sabia que estávamos ali, sabia que utilizávamos as picadas de acesso. Portanto podia surpreender-nos a qualquer momento.

Enquanto as forças especiais eram forças de intervenção e de reserva, ou seja, estavam bem instaladas em Bissau, no caso da Guiné, bem alimentadas, e nas suas operações surpreendiam o IN, com resultados sensacionais, regressando de novo à base, o Exército estava sempre no terreno, como acima disse, sob desgaste físico e psicológico, mais vulnerável às investidas do IN.

Só para dizer, e não vejam isto como “puxar a brasa à minha sardinha”, é uma constatação, que o Exército foi a força que mais sofreu física e psicologicamente, no caso da Guiné que conheço.

Aqui deixo um abraço para todos aqueles que, como eu, ali deram o corpo ao manifesto e a sentida homenagem a todos os que, infelizmente, não tiveram a sorte de voltar, em especial aos que fiz questão de identificar neste trabalho, que comigo conviveram de perto.

Um abraço.
Manuel Sousa
Fevereiro de 2011
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8044: Episódios da Guerra na Guiné (Manuel Sousa) (2): Afinal, os Anjos acompanham-nos