1. Mensagem de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro* (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 14 de Maio de 2011:
Camarigo Carlos Vinhal
Mais uma vez estou a enviar uma artigo, desta vez sobre pedaços históricos perdidos na Guiné no ano de 1969.
Se entenderes que o mesmo merece ser publicado, estás sempre à vontade.
Um grande abraço
Carlos Pinheiro
RECORDAÇÕES DOS TEMPOS DE BISSAU (2)
Pedaços históricos perdidos na Guiné em 1969
Só o facto de estarmos em guerra, só o facto de estarmos em África, mas também pelo facto das comunicações da altura não serem nada, nem de perto nem de longe, do que hoje dispomos, leva-me a relatar alguns factos, mais ou menos históricos, que não presenciámos, que não testemunhámos por estarmos forçadamente ausentes do nosso cantinho, da nossa família, dos nossos amigos, mas dos quais nunca duvidámos uma vez que, mesmo à distância, lá nos chegaram, dias mais tarde, ecos desses mesmos factos que hoje são mesmo históricos por razões diversas.
Logo no início do ano de 1969 foi lançado na RTP, a única televisão da época, um programa que foi marcante para a altura. Tratou-se do
ZIP ZIP, um programa de Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz que apareceu, certamente “permitido” pela primavera Marcelista, uma vez que Salazar tinha caído da cadeira no ano anterior e Marcelo já governava. Segundo rezam as crónicas, foi um programa audaz para a época, mas a malta do meu tempo que estava na guerra, perdeu-o pura e simplesmente.
Imagem retirada do site da RTP, com a devida vénia
Outro facto histórico, este de nível mundial desse período, aconteceu exactamente no dia 20 de Julho de 1969
**. Foi
a chegada do primeiro homem à Lua que a Televisão terá transmitido em directo e a que nós não tivemos oportunidade de assistir. Ouvimos falar, lemos nos jornais com alguns dias de atraso, mas não presenciámos o facto e o feito. É caso para dizer que lemos e ouvimos, mas não vimos.
Foto retirada da Wikipédia, com a devida vénia
Também perdemos outro acontecimento, marcante para a história de Portugal, que ocorreu no dia 27 de Julho de 1969. Foi
a morte de António de Oliveira Salazar cujo funeral nacional foi efectuado de comboio de Lisboa para a sua terra natal, Vimieiro, Santa Comba Dão, tendo o país ficado de luto durante três dias. Até na Guiné esse luto foi garantido com a bandeira nacional a meia haste. Mas não presenciámos, só ouvimos falar, mais nada, para além de sentirmos mais algum rigor nas prevenções militares naqueles dias.
Foto retirada do site Fotos Sapo, com a devida vénia
Outro facto importante para a época e que a história regista e a que nós não assistimos e muito menos participámos, foram
as Eleições legislativas de 1969***. As primeiras que se realizaram com Marcelo no Governo, precisamente no dia 26 de Outubro daquele ano e onde concorreram, para além da União Nacional, o partido do Governo, a CEUD Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, a CDE Comissão Democrática Eleitoral e a CEM Comissão Eleitoral Monárquica. Soubemos depois que a União Nacional elegeu todos os 120 Deputados naquela espécie de acto eleitoral, como mandavam as regras da época, a bem da nação, a bem da evolução na continuidade.
Fotos retiradas do site do Parlamento, com a devida vénia
Cada um à sua maneira, foram factos perdidos devido à situação que estávamos a viver, no auge da guerra, quando os mísseis já eram uma arma dos nossos opositores no terreno.
Em contrapartida, para além do facto de estarmos na guerra, muitos sofrerem o horror dos combates e dos ataques, da fome e da sede, muitos morrerem na flor da idade e muitos outros terem ficado estropiados no corpo e no espírito, ganhámos o privilégio de podermos
passar a consumir Coca-Cola, importada directamente de Inglaterra e até de Moçambique, bebida esta que na Metrópole era proibida. Aliás, já que estamos a falar de privilégios, na Guiné também podíamos beber
água Perrier e Vichy vindas de França e até leite da Holanda da Twin Girls, uma vez que era difícil a entrada naquelas terras de águas ou leite da Metrópole. Vá-se lá saber porquê.
Relatar estes acontecimentos passados tantos anos, denota algum saudosismo, mas também serve para lembrar que a guerra deixou marcas das mais variadas estirpes. Hoje, nada disto aconteceria. Ou melhor aconteceria, acontece tudo, mas todo o mundo, Iraque ou Afeganistão, por exemplo, estaria informado no momento, em directo, em todas as televisões.
Carlos Pinheiro
29 de Julho de 2010
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 20 de Abril de 2011 >
Guiné 63/74 - P8138: Memória dos lugares (152): A cidade de Bissau em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)
(**) Vd. poste de 19 de Março de 2006 >
Guiné 63/74 - DCXL: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua
(***) Vd. poste de 4 de Novembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P5206: Efemérides (31): as eleições de 26/10/1969, as oposições democráticas (CDE e CEUD) e a escalada da guerra (João Tunes)
Vd. primeiro poste da série de 1 de Novembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7204: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (1) : Dia de Todos os Santos de 1968