sábado, 1 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8843: Cancioneiro de Bedanda (2): O soneto do artilheiro do 17º PELART, que termina com um sábio e genial conselho contra a loquacidade nacional: Findo, p'ra não obusar...




O "soneto do artilheiro", da autoria dos Fur Mil Art Machado e Fereira



Fonte: "O Seis do Cantanhês",  nº 1, 1973 (?)... Jornal mensal (só saíram dois números)...


1. Não conheço ninguém do 17º Pel Art que deve ter estado em Bedanda por volta de 1972/73...  Descobri agora, num exemplar do jornal de caserna "O seis do Cantanhez", milagrosamente salvo pelo António Teixeira (ex-Alf Mil da CCAÇ 6, Bedanda, 1972/73),  este cantinho dedicado ao "dezassete"... (Leia-se: 17=3  secções + obus 14)

Pois, camaradas e amigos da Guiné, vejo que a malta do 17º PELART era rapaziada que tinha coragem para dar e vender. Não sei se a artilharia era a aristocracia do exército (não me meto - estou proibido - nessas polémicas intestinas). De qualquer modo, o coice da coisa, o clarão do obus, o silvo, o trovão... era qualquer coisa  que fazia acelerar as pulsações do infante... Senti-las passar e silvar por cima da cabeça é uma experiência inesquecível: a princípio, uma gajo sente-se acagaçado, mas no fim o coração é invadido por um estranha e inebriante tranquilidade quando elas [, as granadas de obus,]  fazem calar as armas do inimigo... Sobretudo no mato, quando um gajo não tem buraco para enfiar os cornos...

Em contrapartida, o que lhe sobrava em sentido de humor era capaz de lhes faltar em talento... literário. Não se pode ter tudo, ou não se pode ser bom em tudo: mesmo assim a dupla Machado & Ferreira (onde é que vocês param, rapazes ?) deixaram-nos um  soneto,  pouco canónico é certo, mas bem humorado, e seguramente digno de figurar na antologia do(s) nosso(s) cancioneiro(o). 

Devo dizer-vos que adorei o último verso, um conselho (prático e terapêutico) para muita gente que neste país usa e abusa, todos os dias, do seu "tempo de antena", e que tem um problema de "incontinência verbal"...

Pois aqui fica, contra o desvario da loquacidade nacional, a advertência do artilheiro de Bedanda:

- Findo, p'ra não 'obusar'...

E eu também me fico por aqui... Não quero 'obusar', mesmo que às vezes me dê uma enorme vontade de 'obusar'... Durmam bem, artilheiros de todo o mundo! (LG)

PS - Não se pode falar da nossa heróica artilharia no TO da Guiné, em geral, nem do 17º PELART que esteve em Bedanda, em particular, sem chamar à colação o nosso doutor Amaral Bernardo e a sua famosa foto do obus 14 a fazer horas extraordinárias... (ou a faturar, como queiram).


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971 > A famosa e feliz foto do ex-Alf Mil Médico Amaral Bernardo, membro da nossa Tabanca Grande desde Fevereiro de 2007: a saída do obus 14, de noite. 

Legenda: "Foi tirada com a máquina rente ao chão. Bedanda tinha três. Uma arma demolidora. Um supositório de 50 quilos lançado a 14 km de distância... Era um pavor quando disparavam os três ao mesmo tempo... Era costume pregar sustos aos periquitos... Eu também tive honras de obus, quando lá cheguei"... 

Foto (e legenda): © Amaral Bernardo (2007). Todos os direitos reservados.

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Nota do editor:

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Guine 63/74 - P8842: Cancioneiro de Bedanda (1): O hino da CCAÇ 6, Onças Negras (António Teixeira / Hugo Moura Ferreira)


O Hino dos Onças Negras da CCAÇ 6 (Bedanda)

Fonte: "O Seis do Cantanhês",  nº 1, 1973 (?)... Jornal mensal (só saíram dois números)...


Imagem: © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados


1. O jornal de caserna "O Seis do Cantanhez" foi criado e dirigido pelo Cap Gastão e Silva, da CCAÇ 6, tinha como redator-coordenador o Alf Mil Pinto Carvalho e, entre outros membros da redação, o Alf Mil António Teixeira...


2. Um dos camaradas mnais antigos da CCAÇ 6 é o Hugo Moura Ferreira  (1966/68) que já há muito, na I Série do nosso blogue, escreveu, sobre a história desta companhia africana, originária da 4ª Companhia de Caçadores Indígenas, o seguinte (Poste nº 820, de 31 de Maio de 2006)


(...) A determinado passo é afirmado [, no poste nº 817, de 30 de Maio de 2006] , perante elementos retirados da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 3º Volume: Guiné, edição do EME, que “também ficamos a saber que a mais antiga Companhia de Caçadores, de recrutamento local, foi a CCAÇ 3, formada em Março de 1967, tendo como unidade mobilizadora o CTIG - 3ª Companhia de Caçadores Indígenas. Manteve-se em serviço até Abril de 1974. Estava sediada em Barro, como sabemos”
 

É precisamente sobre esta afirmação que eu gostaria de esclarecer que realmente em Março de 1967 foram formadas mais companhias com origem nas Companhias de Caçadores Indígenas (CAÇ I), como aconteceu com a CCAÇ 6 que foi formada na mesma altura tendo como unidade mobilizadora o CTIG – 4ª Companhia de Caçadores Indígenas. 

A confirmar que houve três mais antigas e não uma mais antiga estão os factos a seguir descritos. Assim, encontramos a páginas 62 daquela obra a referência a três Companhias de Caçadores Indígenas (1ª, 3ª e 4ª CCAÇ I) que, perante a Carta de Situação a 8AGO62, são localizadas em Farim, Nova Lamego e Bedanda. Por outro lado pode verificar-se nos Gráficos das Unidades que participaram, a pags 122, 123 que:

(i) A 1ª CCAÇ I se manteve no activo até Março de 1967, em Barro;

(ii) A 3ª CCAÇ I esteve em Nova Lamego até Março de 1967, tendo passado, a partir dessa data, a ser designada por CCAÇ 3, tendo sido transferida para Barro, nessa data, onde se manteve até Março de 1969, quando foi transferida para Guidaje de onde passou para Saliquinhedim, Bijene, onde se manteve até Abril de 1974;

(iii) A 4ª CCAÇ I esteve sempre localizada em Bedanda, até Março de 1967, quando passa a ser designada por CCAÇ 6, mantendo-se sempre no mesmo local, até Abril de 1974; (*)

(iv) Entretanto, em Março de 1967, quando foi efectuada a alteração de designação e de conceito de operacionalidade das Companhias de Caçadores formadas por pessoal africano, foi criada a CCAÇ 5 que se veio a localizar em Nova Lamego. Que em Agosto de 1968 se muda para Canjadude, onde se manteve até Abril de 1974;

(v) A partir daqui passaram então a ser formadas outras CCAÇ de Guarnição Territorial, das quais uma delas muito falada no nosso Blogue é a CCAÇ 13, do nosso amigo de Tertúlia Carlos Fortunato.

Esperando ter esclarecido e não confundido, mando abraços a todos.

Hugo Moura Ferreira

Ex-Alf Mil Inf 
(CCAÇ 6, Bedanda
Julho de 1967 / Agosto de 1968)
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Nota do editor:

(*) O mais antigo bedandense, o "pai da velhice", é o nosso camarada Rui Santos, da 4ª CCAÇ Ind, a quem temos todos que bater a pala... ´DE de 1963/65.

Guiné 63/74 - P8841: Convívios (378): 1º Encontro da CCAÇ 6, Onças Negras, e outro pessoal de Bedanda... Dia 5 de Novembro, na região da Bairrada: 1º anúncio (António Teixeira)


Fotos:  © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados


1. Mail do António Teixeira, com data de hoje, enviado aos seus camaradas da CCAÇ 6 (Onças Negras), com pedido de divulgação através do nosso blogue: 

Caros Onças Negras: 

Finalmente o nosso primeiro encontro já está em andamento. Para já, já temos data. O encontro será a 5 de Novembro, um sábado. Procuramos uma data com pelo menos um mês de antecedência para que todos possamos organizar as nossas vidas, visto que este encontro, como primeiro que é (lembrem-se que muitos de nós já não nos vemos há cerca de 40 anos), é de caráter obrigatório. 

Como disse um dos nossos Comandantes, o então nosso Capitão Ayala Botto, quem não estiver na parada leva uma porrada. 

O local, em princípio, também já está decidido. Para que fique praticamente equidistante, optamos pelo centro do país e que seja de fácil acesso. Assim, decidimos pela Bairrada, para degustarmos uns bácaros bem regados por aquele líquido divino cheio de "bolinhas". Ainda estou à procura do lugar ideal, que pelo menos reuna as seguintes caraterísticas: (i) boa relação qualidade/preço, (ii) em que possamos estar lá pela tarde toda; e (iii) a que se chegue facilmente . 

Também para contratar o lugar será necessário ter o número de convivas o mais aproximado possível. Assim, solicito que me contactem logo que vos seja possível confirmando a vossa presença, para que eu possa por minha vez contactar o restaurante. Será muito interessante que consigam contactar outros camaradas que por lá passaram [, na CCAÇ 6 ou noutras subunidades, Bedanda, região de Tombali].

No fim deste mail eu colocarei as pessoas que eu consegui contatar. Quero também aproveitar para vos comunicar que foram convidados 3 grandes amigos, que serão os convidados especiais do primeiro encontro: os nossos amigalhaços Luís Graça e Carlos Vinhal (do blogue Tabanca Grande) e o Lino Reis, que apesar de nunca ter estado em solo Bedandense, fartou-se de nos ver, mas por outro ângulo: visto de cima, pois foi piloto da Força Aérea e esteve lá no princípio da década de 70. 

Como se trata do primeiro encontro, de certeza que vai haver grandes manifestações de alegria, algumas até talvez um pouco exageradas, e como tal decidimos que desta vez seria só para os combatentes. As nossas companheiras desta vez tem de se contentar em ficar em casa e depois comer uma sandoscha de leitão que nós lhe iremos levar. 

Então, aqui está a lista dos contactados [, uma parte dos quais faz parte desta Tabanca Grande, que é o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]: 

Nuno Dias Ferreira, 
Vasco [Santos] (Cripto), 
Joaquim [Pinto] Carvalho
Dino, 
Luis Nicolau, 
Joaquim Silva, 
Luis Graça, 
Carlos Vinhal 
e Luis Santos.

O Vasco e o Carlos Azevedo (que estão comigo e com o Bravo nesta organização) vão contactar o Dias enfermeiro, o Naia e o Nelinho enfermeiro. Estou também a tentar contactar o Valente (alferes do pelotão). Agora vejam se conseguem encontrar mais alguém. 

Para entrar em contacto comigo, a melhor forma será por mail:



Ou por telefone: 917803681 (Se por acaso não atender, deixem mensagem por favor). 

Agora resta-me ficar à espera de notícias vossas. 

Aquele grande abraço, António Teixeira 

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Nota do editor


Último poste da série > 29 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8836: Convívios (371): 10.º Encontro do Pessoal do HM 241 - Bissau, dia 5 de Outubro de 2011 em Santarém (Manuel Freitas)

Guiné 63/74 - P8840: Notas de leitura (279): Os Anos da Guerra Colonial, de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Setembro de 2011:

Queridos amigos,
Esta aturada investigação de Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso (na sequência de trabalho anterior, de que aqui já se fez recensão) é indubitavelmente a obra de maior fôlego até hoje publicada, permitindo ao leitor mesmo não-iniciado acompanhar os principais factos e acontecimentos que na cena internacional e nacional se projectaram nos teatros de operações e vice-versa.
Profusamente ilustrado, assegura ao leitor o conhecimento das unidades militares envolvidas e comporta um apreciável acervo bibliográfico.
Como se compreenderá, delimitaram-se as apreciações da recensão exclusivamente a feitos e factos da Guiné.

Um abraço do
Mário


Os anos da guerra colonial

Beja Santos

Editado primeiro em 16 cadernos e depois sob a forma de livro, “Os Anos da Guerra Colonial”, por Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso constituem um importante levantamento de eventos de grande significado, seja na política internacional ou na política nacional, procurando estabelecer as respectivas ondas de choque na evolução dos teatros de operações (Quidnovi Editora, 2010).

Os autores dão a seguinte justificação, logo no preâmbulo: “Publicámos há 11 anos um livro em fascículos intitulado “Guerra Colonial 1961 – 1975”. 11 anos depois voltamos ao tema. Quisemos aprofundar o conhecimento dos factos, ensaiar a sua explicação e, essencialmente, saber e compreender o que se passou. A obra assenta numa cronologia de factos que procuram transmitir o essencial do que aconteceu nos vários palcos onde a guerra se travou – nos campos de batalha, nos corredores dos vários poderes, em Portugal e um pouco por todo o mundo que interferiu com as acções de Portugal e dos movimentos de libertação africanos. É sobre o saber mais e compreender melhor os anos da guerra colonial que trata esta obra”.

Tratando-se de um trabalho monumental, apela-se à compreensão do leitor para a necessidade de só relevar alguns dos principais acontecimentos que envolvem a Guiné. Logo no primeiro caderno consta o relatório do Tenente-Coronel Filipe Rodrigues, Comandante Militar da Guiné, sobre os acontecimentos do Pidjiquiti de 3 de Agosto de 1959. Talvez valha a pena equacionar o que aqui se diz com o que é referido no relatório do Comando da Defesa Marítima da Guiné e que consta dos anexos da História dos Fuzileiros de autoria do Comandante Sanches de Baêna. Não há entendimento sobre o número de mortos e feridos, a propaganda do PAIGC procurou explorar a dimensão dos incidentes, é crível que se tenham registado 7 mortos, 20 feridos e um número equivalente de detidos pelas forças policiais e que vieram a ser interrogados pela PIDE.

É no número 4 dos cadernos que se começa a falar das hostilidades desencadeadas pelo PAIGC em 23 de Janeiro de 1963. Fala-se na data de 1960 como do início das acções anticoloniais na Guiné, é um pequeno lapso, os ataques conduzidos pelo Movimento de Libertação da Guiné tiveram lugar em 1961. Procede-se a um pequeno historial dos acontecimentos e estranha-se que mesmo numa obra de divulgação histórica, a propósito das razões de Amílcar Cabral se escreva que este “Para a garantir a viabilidade da Guiné, engendrou a aliança de Estados com Cabo Verde, que possuía uma posição estratégica invejável. Infelizmente, os guinéus pensaram que a aliança era favorável a Cabo Verde, por lhe dar acesso ao interior de África, ao deserto, esqueceram-se de considerar a vantagem mútua”. Quem isto escreveu emitiu um juízo subjectivo, o historiador não tem que deplorar nem exaltar, são os políticos que respondem pelas estratégias e são os povos que as acolhem ou rejeitam, nada mais. Os acontecimentos referentes a 1963 na Guiné apontam para a sublevação e desarticulação do Sul e a criação da base do Morés, não há uma palavra para a constituição das bases do PAIGC no Leste, que tanta influência vieram a ter na região do Corubal, que ficou sob o comando de Domingos Ramos, que faleceu mais tarde em Madina do Boé.

De um modo geral, as sucessivas sínteses militares que precedem os diferentes anos da guerra destacam os factos mais salientes. Pegando, a título exemplificativo, em 1972, encontramos em Janeiro a captura pelas forças portuguesas de duas rampas de foguetões na região de Aldeia Formosa, em Abril uma delegação da ONU visitou zonas libertadas da Guiné, em Abril duas bombas explodiram em Bissau, mês em que Spínola enviou uma carta a Caetano e onde se menciona que “não ganharemos esta guerra pela força das armas”; e no mês seguinte Spínola encontrou-se com Senghor em Cap Skiring, mas Caetano determinou que esta política de contactos não devia continuar (os analistas consideram que estes pontos de vista irredutíveis constituíram uma viragem no relacionamento entre Caetano e Spínola; em Julho começam as referências ao fornecimento de mísseis terra-ar ao PAIGC e em Outubro a Assembleia Geral da ONU passou a reconhecer o PAIGC como o legítimo representante da Guiné-Bissau. Os autores procedem a uma memória sobre a africanização da guerra e a constituição das forças especiais africanas na Guiné.

No volume dedicado ao fim do Império, é igualmente importante o que Josep Sánches Cervelló escreve quanto ao 25 de Abril na Guiné: “Em Bissau, quatro dias depois do golpe de Estado, um grupo de militares redigiu uma carta dirigida ao general Spínola, na qual lhe pediam o cessar-fogo imediato, a entrega do poder ao PAIGC e a imediata repatriação dos soldados. O MFA assinalou que se recolheram mais de 300 assinaturas em 24 horas, algumas de oficiais superiores. No princípio de Maio, o batalhão de artilharia 6520 recusou-se a partir para Cadique para render um Batalhão com 16 meses em zona de combate e mais de 50 % de baixas. A decisão foi assumida por todos, excepto pelo Comandante. Depois de dias de negociação, acabaram por cumprir a ordem, depois de conseguirem a destituição do Comandante e o compromisso de que em Cadique se procuraria o cessar-fogo com o PAIGC. Estes protestos estenderam-se a todas as unidades sem excepção (…) Enquanto se desenrolavam estes acontecimentos, a guerra ainda não tinha terminado oficialmente. Desde o 25 de Abril até finais de Maio houve acções bélicas que provocaram 84 baixas portuguesas e mais de 60 entre a população que lhes era afecta. Quando, no princípio de Maio, o Tenente-Coronel Fabião chegou ao território como novo representante do Governo, e depois de comprovar "in situ" a degradação da situação militar, passou a colaborar estreitamente com o MFA local”.

Em jeito de síntese, Carlos de Matos Gomes analisa o conceito de combater pela Pátria e comenta que “A Guerra Colonial, do ponto de vista dos movimentos independentistas, tem dois tempos, o da guerra, na qual obtiveram o inegável sucesso de desgastarem as forças portuguesas a ponto de estas terem optado pela sua auto-regeneração através da sublevação contra a hierarquia, e o da descolonização e da pós-descolonização. A descolonização foi rápida a destruir a herança colonial. O período posterior está ainda hoje enredado na contradição entre o real, que é construir e administrar um Estado-Nação e a utopia de criar uma Nação africana com um povo africano dirigida por uma nova aristocracia constituída pelos sobreviventes vitoriosos das várias guerras anteriormente travadas”. Aniceto Afonso falando da história e da memória da guerra colonial recorda que o Movimento dos Capitães nasceu da necessidade de acabar com a guerra, desenvolveu-se em torno dos quadros médios do Exército, sendo eles os mais sacrificados estavam em melhores condições para se aperceberem da irracionalidade da guerra e eram os únicos capazes de se envolverem num movimento que levasse à queda do regime. Este trabalho sobre os anos da Guerra Colonial, refere este autor, não seria possível sem a abertura dos arquivos militares.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8830: Notas de leitura (278): Tarrafo, de Armor Pires Mota: censura e autocensura, em tempo de guerra. Cotejando as edições de 1965 e 1970 (Parte I) (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P8839: Resumo Descritivo da História do Pel Rec Daimler 2208 - Conclusão (Ernestino Caniço)





1. Conclusão do Resumo Descritivo da História do Pel Rec Daimler 2208*, enviado no dia 25 de Setembro de 2011 pelo nosso camarada Ernestino Caniço que comandou esta força em Mansabá, Mansoa e Bissau nos anos de 1970 a 1971.



Resumo Descritivo da História do Pel Rec Daimler 2208 (II)

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Nota de CV:

(*) Vd. poste anterior de 29 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8834: Resumo Descritivo da História do Pel Rec Daimler 2208 - Parte 1 (Ernestino Caniço)

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8838: Filhos do vento (7): O infanticício não era uma prática tão generalizada quanto se pensa... O caso do Balanta-Tuga, de Bedanda (Cherno Baldé)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Visita ao Cantanhez, no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008. Saltinho, na Estrada Bissau - Mansoa - Bambadinca-Saltinho - Quebo - Gandembel - Guileje.  Na altura, escrevi: " Uma imagem pouco usual no meu tempo [, 1969/71]: uma mulher [ fula] com dois gémeos... Não sei qual é hoje a prevalência do infanticídio"... Acrescento aqui e agora:  é um tema delicado, que atravessa todas as sociedades humanas (da chinesa de hoje à portuguesa dos Séc. XVIII e XIX)... Sempre ouvi falar, aos antropólogos coloniais (como o António Carreira,  no "infanticídio ritual"... Mas confesso que sei muito pouco do tema... Talvez o Cherno Baldé queira falar-nos, com a delicadeza, a inteligência, a cultura e a sabedoria de homem grande que são  atributos seus, sobre esta questão, que ainda hoje parece ser um problema na sua (e nossa, adotiva) terra... O Cherno ou o meu amigo do ISCTE, o prof doutor Eduardo Costa Dias, antropólogo de profissão e membro da nossa Tabanca Grande... (LG).


Foto: © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem, de 26 do corrente,  do nosso amigo  Cherno Baldé, a partir de comentário ao poste P8818 (*)
 
Caros amigos,
 
Depois do meu primeiro comentário (**), já não queria voltar a falar sobre este tema de "pais cabeças de vento", se não tivesse acontecido uma coisa que quero partilhar com os demais para mostrar que, se a teoria do infanticídio podia ser real em certos lugares e em certas circunstâncias, não é menos verdade que não era uma prática generalizada, longe disso.
 
Ontem, ao fim da tarde, estava eu sentado em casa de um colega e vizinho,  quando apareceu um velho acompanhado de um jovem mulato, falando perfeitamente a língua balanta. Tratava-se de um primo do meu colega, filho da tia e de um soldado metropolitano [que esteve] na localidade de Bedanda entre 1972/74. 

Quando a criança nasceu, temendo que o pai quisesse levar o seu filho (os africanos em geral pensam assim), a família resolveu esconder a mãe e o filho, transferindo-os para a aldeia de Banta,  na zona de Empada. Assim, este jovem nunca soube nada do seu pai e na tabanca ganhou a alcunha de Balanta-Tuga, nome que lhe causou enormes problemas na sua juventude. Provavelmente, o pai nunca soube da sua existência. 

Não obstante, houve muitos casos em que os pais "cabeças de vento" simplesmente abandonaram os filhos que tiveram nos seus braços e viram crescer.

Falar de responsabilidades não se pode considerar, de modo algum, uma perversão. Se assim for, então, já não valera a pena falar de justiça e de humanismo que foi, desde o período da Renascença na Europa e no mundo, a luz que ilumina o caminho da nossa humanidade.  Eu sei que,  aos portugueses e aos europeus em geral, causa um grande calafrio sempre que se levanta a questão de assumir responsabilidades históricas. ...Serão problemas da consciência?...
 
Cherno Baldé 

[ Revisão / fixação de texto , em conformidade com a Novo Acordo Ortográfico: L.G.]

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Notas do editor:

 (*) Vd. último poste da série > 28 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8832: Filhos do vento (6): Os que ficaram por Canjadude (José Corceiro)


(**) Vd. poste de 20 de Setembro de 2011 >
Guiné 63/74 - P8799: (In)citações (36): Filhos do vento, ontem, brancu mpelélé, hoje (Cherno Baldé)

Guiné 63/74 – P8837: Memórias de Gabú (José Saúde) (6): A notícia infeliz do desaparecimento da menina de Gabú



1.   O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

“FILHOS DO VENTO”

A NOTÍCIA INFELIZ DO DESAPARECIMENTO DA MENINA DE GABÚ

ECOS DE UMA MORTE AOS 12 ANOS

Confirmava-me, recentemente, o camarada Amílcar Ramos, ex Furriel Miliciano BAA, residente em Castelo Branco, e meu companheiro da Messe de Sargentos em Gabú, que no ano de 1999 visitou a Guiné e, como é óbvio, o Leste do País, sendo que dessa viagem ressalta uma visita a Bafatá e Gabú, locais onde prestou serviço, tendo então reencontrado velhos amigos e amigas que lhe comunicaram a morte da tal “MENINA DE GABÚ”.

Dizia-me o antigo camarada que ao ler os meus apontamentos “FILHOS DO VENTO” e “NATAL DE 1973: NO RESCALDO DE UMA NOITE QUENTE E DE… LUAR”, decidiu contactar e elucidar-me sobre o infeliz desaparecimento daquela pequena flor que ousei trazer à estampa.



A menina loira, linda e afável [, foto acima], , morreu quando tinha 12 [aninhos]. A notícia foi-lhe dada pela própria mãe (foto abaixo), uma vez que o Amílcar procurou em Gabú pela menina, indo depois ao encontro da sua progenitora. A ditosa faleceu com uma doença, assegurando-se que a causa do seu falecimento se prendeu, apenas, com problemas de saúde.

O Amílcar assegurava, também, que aquela pequena princesa muito o cativou. A mãe residia perto da pista velha (aviação) de Gabú e com ela travou conhecimento, surgindo uma natural aproximação àquele rebento originário de um antigo camarada de armas e de uma guineense.

Curioso é que o antigo Furriel Miliciano tinha levado consigo uma foto dele com a menina, oferecendo-a depois à sua mãe. Os familiares juntaram-se, e em pranto, prestaram uma homenagem à “MENINA DE GABÚ”.

Há fins de todo impensáveis e sobretudo dolorosos. DESCANSA EM PAZ,  PRINCESA!

A mãe da ditosa “MENINA DE GABÚ”

Um abraço,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

28 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8831: Memórias de Gabú (José Saúde) (5): Natal de 1973: No rescaldo de uma noite quente e de… luar! 

Guiné 63/74 - P8836: Convívios (377): 10.º Encontro do Pessoal do HM 241 - Bissau, dia 5 de Outubro de 2011 em Santarém (Manuel Freitas)





1. Em mensagem do dia 29 de Setembro de 2011 o nosso camarada Manuel Freitas (ex-1.º Cabo Escriturário do HM 241, Bissau, 1968/70), dá notícia do próximo Encontro Anual do Pessoal daquele Hospital.





10.º Encontro anual do pessoal do HM241 - Guiné

Santarém - Dia 5 de Outubro de 2011

- Concentração junto à Praça de Touros de Santarém a partir das 10h30 da manhã

- Almoço no Restaurante Aromatejo que se situa junto à GNR

- Custo 25,00 €

- O pessoal do norte desloca-se em autocarro com partida do Porto, junto à Estação de S. Bento, às 08h00 da manhã.

- Para participar, contactar Manuel Freitas, telemóvel 964 498 832
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8827: Convívios (370): 3.º Encontro da CART 6254 realizado no dia 17 de Setembro de 2011 em Vila Nova de Gaia (Manuel Castro)

Guiné 63/74 - P8835: (Ex)citações (149): Riscando os dias do calendário e ouvindo, até à exaustão, o Mendigo do José Almada, nos em bu...rakos do Cantanhez (Manuel Maia)



1. Comentário,  ao poste P8828,  do Manuel Maia (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74; nosso bardo do Cantanhez. foto acima, em Cadiquel; autor da única história de Portugal em sextilhas que eu conheço):

Camarigo Juvenal,

Este é o segundo comentário que faço, uma vez que o anterior, inexplicavelmente, decidiu fazer pirraça e na hora de aparecer editado,fugiu algures para o éter...  Consequências da minha nabice informática ? Mais que provável, apesar de por vezes me apetecer dizer que há censura na blogosfera...

Pois este teu texto teve o condão de fazer "acordar" algo que estava hibernando, faz tempo, nas gavetas da memória (*)...

O toque de alerta foi Carlos Santana, que quando ouvia me fazia sonhar vir a ser um executante quase mago como era o seu estatuto de instrumentista...

Na minha juventude,certamente como muitos milhares, andei "armado" em guitarrista em conjuntos (de pseudo-música...) aqui pela terra.

Um dia acordei, e entendi que me devia penitenciar pelo mal que fiz aos ouvidos de quem me via e ouvia "arrancar",  na EKO vermelha e preta, uns ruídos que pretensamente, na altura, poderiam ser confundidos com música.

Decidi "ir tocar para outra freguesia", beneficiando assim quem tivera a infelicidade de assistir (sem arremessar objetos...) àquilo que pretensamente achávamos ser arte (eu e os outros iludidos músicos,obviamente)...

Mas dizia eu que, nessa altura, ouvia Santana, Rolling Stones, Beatles, Credence Clearwater Revival, Hollies, Hermans Hermits, Shadows, e tantos, tantos outros...

"Embebedava-me" (de tanto as ouvir) com as canções do Zeca, Adriano, Cília e outros baladeiros da contestação da épocal, para além de um que tinha uma particularidade,  que era o facto de falar "axim" como em "Bijeu" (essa bela Viseu que me fascina). Chamava-se José Almada e tinha um single gravado que nunca me cansava de ouvir aquando da minha presença no Cantanhez (**).

Um dos títulos era "Mendigos" [, vd. aqui vídeo no You Tube]... É que o nosso ar miserável, de barba por fazer, roupas já rotas, e esfaimados, poderia perfeitamente ter servido para capa do disco.

A cassete (que de tanto uso envelhecera) fora-me enviada pela namorada, hoje mulher, e veio a acompanhar o calendário que fizera em papel quadriculado, que enviava em cada carta, que era devolvido na resposta e onde riscava os dias entretanto passados.

O prazer de fazer essas cruzes, muitas de uma vez, riscando os dias,  dava-me alento para os que faltavam riscar...

Obrigado por teres feito acordar este momento.

abraço
Manuel Maia [, foto atual, à esquerda]


[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]


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Notas do editor:

(*) Último poste da série > > 12 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8665: (Ex)citações (148): Licenciamento e desmobilização dos Comandos Africanos (Joaquim Sabido)

(**) Sobre o cantor português José Almada (n.1951):

José de Almada Guedes Machado nasceu em Guimarães no dia 6 de Setembro de 1951. Gravou, em 1970,  o LP "Homenagem", com arranjos e direcção de Pedro Osório, para a editora ZIP-ZIP. É editado ainda o EP "Mendigos" (1971).

Grava, em 1971,  o EP "Vento Irado" [, foto da capa, à esquerda, cortesia do blogue Ié-iéque,],  logo proibido pela Censura. Mobilizado para o ultramar, regressa após o 25 de Abril.

Em 1975 grava o álbum "Não, Não, Não Me Estendas a Mão" para a Decca (Valentim de Carvalho).

Para saber mais sobre o José Almada, hoje, clicar aqui.

Guiné 63/74 - P8834: Resumo Descritivo da História do Pel Rec Daimler 2208 - Parte 1 (Ernestino Caniço)




1. Em mensagem do dia 25 de Setembro de 2011, o nosso camarada Ernestino Caniço* enviou-nos o Resumo Descritivo da História do Pel Rec Daimler 2208 que comandou em Mansabá, Mansoa e Bissau nos anos de 1970 a 1971.





Resumo Descritivo da História do Pel Rec Daimler 2208 - (Parte I)


(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8754: O Pel Rec Daimler 2208 em Mansabá (Ernestino Caniço)

Guiné 63/74 - P8833: Parabéns a você (319): António Bastos, ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953 (Guiné, 1964/66) e Manuel Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746 (Guiné, 1967/69)

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Notas de CV:

- António Bastos, foi 1.º Cabo no Pel Caç Ind 953 que esteve em Teixeira Pinto e Farim nos anos de 1964 a 1966.

- Manuel Moreira foi 1.º Cabo Mec Auto na CART 1746 que esteve em Bissorã, Ponta do Inglês e Xime nos anos de 1967 a 1969.

Vd. último poste da série de 27 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8825: Parabéns a você (318): Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav MA, CCAV 2749/BCAV 2922 (Piche, 1970/72)

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8832: Filhos do vento (6): Os que ficaram por Canjadude (José Corceiro)

1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 26 de Setembro de 2011:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães
Deixo à vossa decisão a publicação, ou não, do texto que segue, assim como a colocação das fotos, que vão em anexo.

Um Abraço
José Corceiro


“FILHOS DO VENTO” QUE FICARAM POR CANJADUDE

Caros amigos
As Guerras são sempre sujas. Deixam o seu rasto de sangue, miséria, sofrimento e seres humanos estropiados… Há quem defenda que a Guerra é necessária!...

Em Canjadude, que eu tivesse conhecimento, sem inteireza total, existiam duas crianças “Filhos do Vento”, (presumo filhos de metropolitanos) que eram bem identificadas pela falta de pigmentação, melanina, na pele e pelos traços faciais.

Canjadude, além de Companhia Independente, era um caso com muita singularidade, no contexto operacional militar da Guiné. A CCAÇ 5, sediada em Canjadude, era composta, em Janeiro de 1970, por 52 metropolitanos e cerca de 220 militares africanos, de todas as etnias da Guiné e poucos, ou talvez nenhum, fosse natural da Tabanca de Canjadude onde estavam a habitar. Todos os metropolitanos, excluindo o 1.º Sargento, eram jovens, incluindo o Capitão que comandou a Companhia a partir de Maio, de 1970. Foi o Capitão do quadro do Exército português, que atingiu a patente com menos idade. Quando foi para Canjadude, com 23 anos, já tinha cumprido serviço militar em Angola.

Militares africanos a dormir no Aquartelamento, que estava separado da Tabanca por arame farpado, eram só dois, porque não tinham no local as mulheres. Todos os outros, alguns tinham mais que uma mulher, viviam na Tabanca, misturados com os civis. O número de militares, sobretudo africanos, foi aumentando progressivamente ao longo dos tempos. Entre os militares africanos, só um, o 1.º cabo Saldanha era mestiço, cabo-verdiano, que estudou em Bissau.

A população civil de Canjadude era de etnia Mandinga, e a dominância dos militares era de etnia Fula, que por princípios culturais e territoriais alimentavam um ódio de morte, uma etnia contra a outra, mas por razões de circunstâncias de necessidades, toleravam-se a viver porta com porta.

Ora, nesta amálgama de massa humana, onde não existiam só necessidades alimentares, havia quem satisfizesse as suas carências aproveitando as oportunidades que surgiam, sobretudo quando os pelotões pernoitavam no mato. Em matéria de adultério, por aquilo que se dizia, observei, intui e registei, os militares da CCAÇ 5, nativos, não se respeitavam muito uns aos outros. Sempre que pelotões saíam para o mato, os que ficavam no Aquartelamento, numa atitude de vingança revezavam-se, tentando desforrar-se na mulher daquele que o tinha desrespeitado… Confusões houve em que algumas podiam ter degenerado em tragédia!

Às vezes, pelotões que estavam no mato, por questões operacionais diversas, regressavam antecipadamente ao Aquartelamento, já a noite ia longa. Nestes casos havia sempre quem fosse surpreendido a meter a foice em ceara alheia, algumas vezes envolveu metropolitanos. A situação tomou outra dimensão, preocupação, e cautela, quando num regresso imprevisto do mato, um militar nativo surpreendeu no interior da sua tabanca, o seu comandante de pelotão, que por azar ou sorte, por razões de saúde não saiu nessa operação. O ousado sentindo-se ameaçado de morte, envolveu-se em luta, com quem reclamava honra, que para suavizar a ofensa aceitou receber dinheiro desembolsado pelo atrevido. O ofendido exibia orgulhosamente um galão que arrancou do ombro do seu superior. A partir deste episódio, sempre que havia regressos do mato imprevistos, durante a noite, e que eram comunicados ao operador de transmissões, além da informação dada às sentinelas, havia alerta sonoro para avisar os prevaricadores.

Talvez em Canjadude não houvesse mais “Filhos do Vento” além destes dois porque a ideia com que fiquei, intuição, é que se utilizava muito o preservativo, não tanto como preocupação de método anticoncepcional, mas mais como preventivo venéreo, pois houve alguns casos de gonorreia entre os metropolitanos. A ideia que fluía, nas conversas de caserna, é que os lesados se tinham prevenido usando a bisnaga do gel uretral, disponível no posto de enfermagem, mas que não garantiu protecção eficaz.

Não é de desprezar a eventualidade de aparentemente parecer ser, “Filho do Vento” (filhos de metropolitanos), e na realidade não o ser, pois podiam ser filhos gerados por homens mestiços existentes na Guiné.

Meninos da Tabanca de Canjadude

Civis de Canjadude

No ser humano, cada célula somática contém 46 cromossomas, mas as células germinativas é óbvio que só contém 23. No homem, o processo de formação de espermatozóides, espermatogénese, durante a divisão celular, meiose, produz células germinativas, com 23 cromossomas, em que uns espermatozóides têm o cromossoma y e outros o x. Na mulher, a formação do óvulo, ovogénese, durante a divisão celular, meiose, desenvolve células germinativas com 23 cromossomas, em que todos os óvulos contêm o cromossoma x.

Quando se dá a fecundação do óvulo, pelo espermatozóide, e se emparelham cada um dos 23 cromossomas homólogos, provenientes das duas células germinativas, os cromossomas homólogos são iguais em tamanho, excepto o x quando se emparelha com o y em que este é menor.

É no momento da fecundação que se define o sexo do novo ser, consoante o espermatozóide fecundante seja portador do cromossoma x, que emparelha com o x do óvulo, originando um ser feminino que é xx. Quando o espermatozóide fecundo é portador do cromossoma y, que emparelha com o cromossoma x do óvulo, origina-se o sexo masculino que é xy. No acto da concepção o sexo do gerado, depende sempre do espermatozóide. No acto da ejaculação libertam-se muitos milhões de células germinativas, umas portadoras de cromossoma x e outras y. No acto da fecundação, entre muitos processos iniciados, há o emparelhamento dos cromossomas homólogos, e acontece como que uma fusão dos genes correspondentes, nos pares de cromossomas, em que cada gene tem bem definida a característica que vai transmitir, evidenciando-se a do gene dominante em detrimento do recessivo. Grosso modo, genes são as unidades em que estão divididos os cromossomas e que contém as informações genéticas de cada ser, características de hereditariedade.

Ora, existe num dos 23 cromossomas de cada progenitor, um gene que vai determinar, segundo a cadeia sequencial do ácido nucléico, a quantidade de pigmentação, melanina, que existe na pele de cada ser. Cada traço que nos caracteriza está mapeado num gene, e o conjunto destes forma o genoma humano.

Cada gene encerra em si uma miscigenação variada, obra de muitas fusões nas relações inter-raciais.
Por vezes ao fazermos juízos somos traídos, atendendo somente à simples observação…

Um abraço e boa saúde
José Corceiro
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8730: Parabéns a você (311): Agradecimento à tertúlia de José Corceiro, ex-1º Cabo TRMS da CCaç 5 - Gatos Pretos (Canjadude, 1969/71)

Vd. último poste da série de 26 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8824: Filhos do vento (5): A família do falecido Dauda, protegido do saudoso Cap Zé Neto (CART 1613, Guileje, 1967/68)...

Guiné 63/74 – P8831: Memórias de Gabú (José Saúde) (5): Natal de 1973: No rescaldo de uma noite quente e de… luar!


1.   O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos a 5ª mensagem desta sua série.


NATAL DE 1973: NO RESCALDO DE UMA NOITE QUENTE E DE… LUAR 
DAR “TRETA” À MALTA PARA ESQUECER MALES MAIORES



A noite da consoada de 1973, quente e de… luar, deixou-me recordações. Lá longe, e num outro ambiente completamente antagónico, a família juntava-se à volta de uma lareira e cumpria a tradição. Era a noite do Menino. Em Nova Lamego a festa era outra. A malta não se deliciava com as “filhoses da avó”, não comia o ensopado do galo à meia-noite, não sujava os lábios com os finos chocolates, tão-pouco contemplava as prendas deixados no sapatinho pelo Menino Jesus a um canto da chaminé, enfim, uma série de tradições que, na altura, se protelavam no tempo. Em Gabú o Natal desse ano, já longínquo, foi inteiramente adverso àquele que marcou a minha juventude. Recordo que os momentos de festa nos palcos de guerra deixavam antever, e sempre, preocupações acrescidas.

Fazendo jus ao calor que se fazia sentir por aquelas bandas de África, resolvi dar “treta” à malta com momentos de atracção teatral, recordando com ênfase o momento então vivido. Ah, naquele instante já me sentia atraído pelas gotas de whisky que me baldavam o corpo e me atacavam as pernas.

O Natal sempre se apresentou para mim como um momento nostálgico que curto com um místico de eterna saudade e de sentimentos múltiplos que muito me ajudaram a entender a filosofia da vida. Recordo os velhos tempos da minha aldeia. As noites infinitas, e chuvosas, de natais passadas a apanhar o calor do lume feito no chão. Diz o poeta que “Natal é sempre quando o homem quiser”. É verdade. Partilho por inteiro esta tamanha convicção. Na Guiné, aliás, como em qualquer outra parte do Mundo Cristão, nós vivemos o Natal de acordo com o ambiente em que fomos criados.

A noite de 24 para 25 de Dezembro em Gabú esteve ao rubro. Alguém (eu, principalmente) acicatou a malta e toca a lembrar a rapaziada que o tempo, aclamado de divino, proporcionava momentos de laser. De relaxe puro. Procurei a indumentária que julguei apropriada, escrevi dizeres equacionados com a época vivida e toca a alegrar os camaradas de armas. Escusado será dizer que a noite foi regada com uma mistura de álcool que me levou para a cama completamente toldado. Mas a noite da Consoada foi passada com euforia, confesso. Uma achega: uma Ballantines velha – 12 anos - custava naquela época 40 escudos, se a memória não me falha.  

No dia 25, dia de Natal, o 2º Sargento da nossa messe, de nome Martins, creio, um alentejano de Elvas, brindou-nos com um almoço reforçado e a malta divertiu-se à brava. Momentos imperdíveis que jamais esqueceremos e passados em pleno palco de guerra. Um abraço a todos que viveram, de uma ou outra forma, o Natal na Guiné.

Um dia explicarei que a passagem do ano – 1973/74 – teve contornos completamente adversos. Valeu a minha astúcia.  


Pregando ao povo! Na cozinha da messe de sargentos para animar a malta

Almoço de Natal de 1973. Em pé o 2º Sargento Martins

Um abraço,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. primeiros postes desta série em:

13 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8772: Memórias de Gabú (José Saúde) (1): No declinar da nossa presença em terras guineenses… A despedida!

18 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8788: Memórias de Gabú (José Saúde) (2): Os conflitos tribais e a acção da tropa portuguesa. A “Psicó”!

19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8798: Memórias de Gabú (José Saúde) (3): reflexos de uma guerra que deixou marcas no tempo: “Filhos do vento”

22 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8808: Memórias de Gabú (José Saúde) (4): Recordando o benjamim da companhia: Alberto, um puto que irradiava simpatia!