terça-feira, 3 de abril de 2012

Guiné 63/74 – P9694: Tabanca Grande (327): José Carlos Santos Pimentel, ex-Soldado de Transmissões da CCAÇ 2401/BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano José Carlos Santos Pimentel (ex-Soldado de Transmissões da CCAÇ 2401/BCAÇ 2851, Pirada, Paunca e Buruntuma, 1968/70), com data de 31 de Março de 2012: 

Camarada Carlos Vinhal
Agora vou passar às apresentações:

Sou: José Carlos dos Santos Pimentel
Data de nascimento: 23 de Fevereiro de 1946
Ex-Soldado de Transmissões da Companhia de Caçadores 2401
Vida Civil: Profissional de Seguros numa Companhia de Seguros (42 anos)
Actualmente Reformado por Invalidez desde 12/2000
Estou a morar em: Marisol - Charneca da Caparica
Lugares onde andei na Guiné: Bissau, Contobuel, Nova Lamego, Pirada, (SENEGAL, perdidos) Paunca, Geba, Piche, Buruntuma e, em Operações, por vários locais.

Fotos actuais tipo passe não tenho por agora, quando tiver envio.

Um abraço
Pimentel

2. Seguem-se algumas das fotos recebidas e que farão parte de um álbum a publicar:

5 de Setembro de 1968 > José Carlos Pimentel a bordo do navio Uíge

Paunca, 12 de Agosto de 1969 > José Carlos Pimentel 

José Carlos Pimentel


3. Comentário de CV:

Caro José Carlos Pimentel
Bem-vindo à nossa Tabanca.

És mais um elemento da Arma de Transmissões largamente representada na nossa tertúlia, no entanto, se reparares, não temos no nosso Blogue referências à CCAÇ 2401. Como queremos o mais possível que as Unidades que passaram pela Guiné tenham algum registo nas nossas páginas, cabe-te a missão de nos contares, com textos e fotos, a actividade da tua 2401.

Não esqueças que queremos preferencialmente digitalização de fotos que tenhas em teu poder, assim como textos originais ou, quando muito, baseados em relatos e fotos dos teus camaradas de Companhia. Diz-nos sempre a proveniência do material que mandas porque no nosso Blogue tentamos ao máximo respeitar a propriedade intelectual daquilo que publicamos.

Como enviaste uma série de fotografias, vamos começar a publicá-las brevemente.

Como é da praxe, envio-te em nome da tertúlia, e dos editores em particular, um abraço de boas-vindas.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Março de 2012 > Guiné 63/74 – P9684: Tabanca Grande (326): António Vaz, ex-cap mil CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69

Guiné 63/74 - P9693: Parabéns a você (399): Álvaro Vasconcelos, ex-1.º Cabo TRMS do STM (Guiné, 1970/72)

Ver postes de Álvaro Vasconcelos aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de Guiné 63/74 - P9677: Parabéns a você (398): António Graça de Abreu, ex-Alf Mil do CAOP 1; Benjamim Durães, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CCS/BART 2917 e Rosa Serra, ex-Alf Mil Enf.ª Pára-quedista do BCP 12

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9692: Um Professor na guerra (Manuel Joaquim) (1): Analfabetismo, um outro combate

1. Mensagem de Manuel Joaquim* (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 28 de Março de 2012:

Meus caros Luís, Carlos e Eduardo:
Durante a minha vida militar na Guiné, tirando os quatro meses iniciais, sempre dei aulas, melhor dizendo, fiz alfabetização. Guardei sempre uma parte do meu tempo livre para proporcionar a muitos soldados a obtenção da quarta classe e, nos últimos quatro meses, trabalhei a tempo inteiro com soldados e com crianças. A minha "guerra" foi sublimada com este meu trabalho de que me orgulho e ao qual me dediquei. Talvez ingenuamente foi a procura dessa sublimação o que sempre me conduziu na minha atividade como combatente. Precisei desse objetivo mesmo sem saber ou pouco me importar qual o resultado final.

Titulei este trabalho com "Um professor na guerra". Professor e combatente fui de certeza. O título está para o"frouxo". Arranjam-me um melhor para este relato? Vai dividido em quatro partes. Se acharem por bem publicar é possível que prefiram uma outra divisão. Fica ao vosso critério.

Manuel Joaquim


UM PROFESSOR NA GUERRA

I - Analfabetismo, um outro combate 

Por Manuel Joaquim

É um facto que, inicialmente, por atitude dos comandos militares locais e mais tarde por ordem governamental para a generalidade do território, os militares portugueses muito fizeram para combater o analfabetismo reinante na então chamada província da Guiné. Analfabetismo este que era quase geral quando se refere a população local e era muito grande, vergonhosamente grande, no seio dos nossos soldados.

A minha maior surpresa política quando cheguei à Guiné foi constatar que a língua portuguesa era uma coisa residual, praticamente ninguém a falava fora dos círculos da chamada elite social. “Os 500 anos de Portugal no território da Guiné, parte inalienável da pátria portuguesa” (como se dizia na altura) nem sequer tinham conseguido implantar a língua portuguesa como veículo de comunicação global!

Cheguei à Guiné no início de agosto de 1965, tinha 24 anos de vida e 18 meses de “tropa”. Pode-se dizer que, naquelas circunstâncias, era um veterano perante a idade (civil e militar) da quase totalidade dos meus camaradas da companhia. Apesar de ser ideologicamente contra a guerra, assumi até ao “miolo” a situação de combatente, sem subterfúgios, sem resistências, sem manigâncias (havia por lá tantas!) para me escapar à atividade operacional.

No início do ano de 1966, o meu comandante de companhia vem pedir-me que tomasse conta da alfabetização de alguns soldados. O meu “sim” foi imediato e feliz:

Bissorã, 24FEV66 (... ... ...) Há uns tempos para cá tenho a meu inteiro cargo a instrução primária de 44 soldados, o que me ocupa todas as tardes e princípios de noites, precisamente o tempo mais propício ao descanso. Mas eu trabalho com gosto. Até porque é o meu único trabalho oficial válido. E os alunos compreendem e acarinham-me. O que é certo é que o tempo livre voou quase todo.(... ... ...)

E assim, durante mais de um ano, tive mais esta ocupação que me manteve psicologicamente bem à tona. Nos intervalos da minha atividade militar dei aulas a mais de três dezenas de soldados, alguns deles analfabetos, tentando preparar a maior parte deles para o exame da 4ª classe. Profissionalmente, estava na minha “quinta” pois era professor do quadro do ensino primário. Levei esta missão muito a sério, com devoção mesmo. Também os alunos o fizeram e o resultado foi terem completado o ensino primário, aprovados em exame oficial realizado nos termos legais, por um júri presidido pelo diretor provincial do ensino. Aprovados sem qualquer favor especial, bastou terem cumprido os objetivos mínimos (os mesmos que, em Portugal, estavam estabelecidos para o ensino de adultos). Foi um ponto de honra que assumi com os alunos.

Os poucos, à volta da dezena, que o não conseguiram, aprenderam os rudimentos do português escrito e da matemática, permitindo-lhes terem um certificado da 3ª classe que, pelo menos, lhes retirou o estigma de analfabetos. Aqui, confesso, houve alguma condescendência. Foi um dos momentos altos da minha vida pessoal e profissional. Resultado de um trabalho muito gratificante que proporcionou a mais de três dezenas de soldados um diploma escolar muito importante, diploma este que era essencial para um retomar da sua vida civil em condições muitíssimo mais favoráveis. Ter este diploma nas mãos foi para eles também uma grande vitória, deveu-se ao seu esforço e dedicação, à sua coragem para resistirem às tentações dos tempos livres. Senti-me feliz ao ver reconhecido o meu esforço e dedicação:

Mansabá, 10ABRIL67 (... ... ...) Reconheceram-no e ontem à noite organizaram uma festinha muito simples e comovente em minha honra. Senti-me confundido com a sua atitude, o seu reconhecimento por tudo o que fiz por eles, que sem dúvida foi alguma coisa sem outro intuito qualquer que não fosse o de instruí-los. A festinha terminou com razoáveis bebedeiras e eu, por pouco, não apanhei também a “perua”. Senti-me feliz, deveras satisfeito.(... ... ...) 

Sei que outros militares combatentes, como eu, dedicaram muito do seu tempo livre a alfabetizar muitos dos seus camaradas soldados, a combater o miserável analfabetismo que grassava neste país “farol da civilização”(!) como diziam as pancartas do regime político da época. Um país que, no início da 2ª metade do século XX, tinha um exército constituído por mais de um terço de analfabetos e uma outra parte dos soldados desse exército pouco mais sabia que soletrar e escrever o nome e fazer “de cabeça” umas simples continhas!

Quero aqui prestar homenagem aos que, acumulando com as atividades militares para que tinham sido mobilizados, se entregaram ao ensino de alguns seus camaradas e de muitas crianças das povoações onde estavam inseridos. Sem retorno económico ou de descanso, foram “missionários” da civilização, do bem comum. O meu caso não se compara, o trabalho foi mais fácil, exerci a minha profissão, “sabia da poda”. As minhas homenagens a quem o merece!

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9554: Reflexões sobre a Guerra Colonial / Guiné-Bissau (Manuel Joaquim)

Guiné 63/74 - P9691: Notas de leitura (347): Arte Nalú, por Artur Augusto da Siva (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 23 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
O pretexto foi uma brochura sobre a arte Nalú, a autoria é de Artur Augusto da Silva. A escultura dos Nalús e dos Bijagós é disputada pelos grande colecionadores de arte africana, consideram-na como uma das mais criativas e originais formulações da encarnação dos deuses nos homens, animais e coisas. É uma escultura que pode ombrear com o sonho dos artistas plásticos inspirados pelo cubismo e abstracionismo, a partir dos anos 10 do século XX, simultaneamente austera e rude, luxuriante e barroca, talhada para se ver a madeira sem enfeites ou fácil de policromar, ao gosto do artesão.
Falando por mim, tenho lá à entrada de casa um Ninte-camalchole, peço-lhe sempre que me afaste dos maus espíritos.

Um abraço do
Mário


Arte Nalú, uma lembrança de Artur Augusto da Silva

Beja Santos Artur

Augusto da Silva dispensa apresentações, é um luso-guineense dos quatro costados e com uma larguíssima intervenção cultural. Aquando da 6.ª Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais, que se realizou em Bissau, o estudioso Artur Augusto da Silva apresentou um trabalho sobre a arte Nalú cujo preâmbulo é de irresistível transcrição:

“Costumam aqueles que se dedicam ao estudo e interpretação dos fenómenos artísticos e mais designadamente aqueles que estudam as chamadas artes plásticas prender-se unicamente ao aspeto estático da Arte, isto é: aos conteúdos estético e técnico das obras, negligenciando ou esquecendo totalmente que qualquer obra de arte é, sempre, fruto daquilo que preenche a vida espiritual do seu criador e que essa vida espiritual é condicionada, em primeiro lugar, pelas condições económicas do artista e da sua época. 

Assim, à análise estática da Arte, preferimos sempre o estudo dinâmico dela, isto é: a apreciação do seu conteúdo ou, como modernamente se diz, da sua mensagem. No estudo da arte Nalú procuramos surpreender as suas determinantes, as relações da sua arte com a necessidade de exprimir as preocupações dominantes do agregado social e ainda demonstrar que o meio ambiente condicionou o modo de vida, a sua organização económica e, como resultado desta organização, todas as superestruturas daí derivadas”.

Como é por todos sabido, a escultura é a manifestação artística em que se distinguem os Bijagós e os Nalús, são indiscutivelmente os artistas mais originais, pegam na figura humana ou animal ou em diferentes objetos e reproduzem-nos com uma criatividade sem rival. São igualmente dotados para o fabrico de instrumentos musicais e panos bordados, por exemplo, mas aqui já são domínios que encontram forte concorrência, pois os Mandingas e os Fulas intervêm com muito esmero no fabrico dos instrumentos musicais e a panaria Manjaca, na simplicidade geométrica do bordado, continua a fascinar pelo talento imaginativo.

Ao tempo desta comunicação, os Nalús mantinham-se praticamente insensíveis à catequese islâmica, viviam tranquilamente o animismo, eram as florestas do Sul que enquadravam a sua visão do mundo e o seu fascínio religioso, o seu panteão espelhava o que ele via na floresta, daí a imagem sagrada de certas árvores, o seu gosto apurado em reproduzi-las e o prazer estético que encontram no papel das máscaras e das aves, por exemplo.

Voltemos aos argumentos de Artur Augusto da Silva na referida comunicação. Apresenta os Nalús referindo que eram pouco mais de 3 mil de acordo com o senso populacional de 1950. São tipicamente continentais, terão sido empurrados para a orla conjuntamente com os Bagas, pelos Sossos vindos do Futa Djalon, sob a pressão dos Fulas. Habitam regiões da circunscrição de Catió, em Cacine, Bedanda e Cubisseco, na região de Fulacunda. Os Nalús não possuíam escrita mas dominavam a literatura oral (contos, poesias éticas, provérbios, canções que se transmitiam de geração em geração). O verosímil e o inverosímil andam de mãos dadas nessa literatura, que é também dado assente para a sua escultura, são prolongamentos da mesma realidade. Posicionados como um dos povos mais atrasados de África, dentro da sua conceção animista, é possível ver as suas esculturas com um significado misto de religioso e de entretenimento, o melhor exemplo poderá ser o da máscara que representa um chefe que será recordado e homenageado pelo artista, é a máscara que conserva essa energia, essas máscaras representam seres humanos que também podem ter sido mortos por cobras e é importante saber que a serpente é em toda a zoolatria Nalú o animal de maior prestígio, detém todos os poderes sobrenaturais.

A seguir Artur Augusto da Silva discreteia sobre a importância da figura totémica e o cruzamento que se pode encontrar com as diversas espécies zoológicas tão caras ao Nalú: o homem, a ave, a serpente, o crocodilo e o peixe. Estas são as máscaras que também servem para danças e folguedos. Um elevado número de objetos da escultura Nalú aparece associado ao rito da circuncisão, caso dos tambores que podem ser tocados nas festas do fanado e nos choros, o Ninte-camalchole, um pássaro apaziguador e que afasta os nossos espíritos e que é também um protetor daqueles que foram circuncisados. Todas estas esculturas são moradas para as forças que animam o mundo sobrenatural do Nalú.

Artur Augusto Silva conclui dizendo que esta escultura nasceu da necessidade de representar as forças a que nós chamamos religiosas e que esta arte muito provavelmente entrará em extinção caso os Nalús entrem na órbita do islamismo.

Como é também sabido, os Nalús, mais de 50 anos depois da comunicação de Artur Augusto Silva, continuam a ter pouca expressão populacional mas mantêm um domínio artístico que merece a reprodução dos artesãos das outras etnias. É admirável como 50 anos depois estes artesãos, sem quaisquer complexos, mesmo aqueles que praticam convictamente o islamismo, reproduzem as esculturas funerárias, as máscaras polícromas, as deusas da fecundidade e o Ninte-camalchote continua a ser a figura escultórica mais procurada e mais disputada pelos colecionadores. Eu próprio não resisti, quando estive na Guiné em Novembro de 2010 a encomendar uma ave que pudesse ser transportada num saco de mão. Gostei tanto dela que a propus ao Círculo de Leitores como o elemento gráfico da capa do meu livro Mulher Grande, sugestão que foi aceite, para minha satisfação.

Este trabalho de Artur Augusto da Silva é acompanhado de ilustrações dentro as quais reproduzimos um espantoso Ninte-camalchote de que conheci uma réplica de grande beleza no então Museu da Guiné Portuguesa e que desapareceu nos saques do conflito político-militar 1998-1999.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9679: Notas de leitura (346): A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné, Gandembel/Ponte Balana, de Idálio Reis (Mário Beja Santos)

domingo, 1 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9690: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (51): Bula - A guerra das minas

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 22 de Março de 2012:

Olá Vinhal
Saúde boa, disposição em cima, força que baste? Óptimo.

Segue novo “lanço” na “Viagem…” que a vai aproximando do final que, é uso dizer-se ser normalmente “o mais difícil de esfolar”. Assim também aconteceu na ”viagem real “, por lá.

Um abraço , saúde e boa disposição para todos
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (51)

Bula – A guerra das minas

Pela fresca da manhã os “eleitos” preparam-se para montar nas viaturas escoltadas rumo à nova guerra onde o IN eram uns engenhos diabólicos montados por nós (NT), camuflados em quilómetros de terrenos muitas vezes adulterados pela pluviosidade e diferente bicheza autóctone, fazendo com que por vezes a sinalética mapeada transformasse a sua localização correcta em verdadeira “caça ao tesouro” por tentativas, raramente infrutíferas mas vezes demais extremamente dolorosas!

 (Google) Estrada Bula - Pta S Vicente - Ingoré 

Ao que tenho na ideia, este “campo de mutilação” que tínhamos que enfrentar nascia pelo quilómetro oito, alongando-se para Norte por uns bons quilómetros (creio que seis?) ao longo da lateral Leste da estrada Bula – S. Vicente (onde se fazia a travessia do rio Cacheu para Ingoré). Era constituído por uns largos milhares de minas plásticas (“encriers” devido à sua forma de tinteiro) e portuguesas (metálicas de fragmentação) na proporção de quatro para uma, ao que lembro dispostas em cachos orientados e compostos por quatro plásticas em quadrado e uma portuguesa ao centro, afastadas entre elas o suficiente para não estourarem por simpatia. Já não recordo se era uma ou duas filas paralelas de cachos. Não encontro essa nota, mas tenho ideia de que seriam umas dez mil minas (?), a passar.

Para enfrentar este desafio demoníaco o equipamento base do pequeno grupo de “eleitos” era simples e fiável: pica em verga de aço, bússola, mapa, croquis de implantação e claro está faca de mato. Ah, convém não esquecer a “vara-medida” com 1,5 ou 2 metros de comprimento (já não recordo mas era da medida que distava entre a central portuguesa e as exteriores), instrumento muito útil que simplificava a localização aproximada dos engenhos desde que detectado o principal, a mina metálica. Tínhamos também à disposição um detector de metais que se necessário usávamos na detecção destas minas portuguesas de fragmentação extremamente perigosas. Para alem deste equipamento havia quem lhe acrescesse outros que julgasse conveniente para segurança e até quaisquer amuletos que acreditasse protectores e da sorte! Pelo que me tocava havia três ou quatro coisas que faziam parte integrante do equipamento: pistola no coldre, a, para mim fundamental, bota de fuzileiro e o lencito vermelho usado ao pescoço, este sim uma espécie de talismã mas também útil! Não posso esquecer a varinha de vime ou o pingalim de tiras de couro entrelaçadas l!

Tinha uma explicação para o uso destes “complementos”que passo a expor o mais concretamente possível: - Pistola “Walter” – não estorvava e podia vir a ser útil em defesa ou mesmo resolutiva noutro tipo de situação! - Botas tipo Fuzileiro - em couro, de meio cano-alto ajustado por fivelas laterais, que acreditava darem-me uma certa protecção à extensão dos “estragos” em caso de pisar um engenho. Não convinha nada que a perna tivesse que ser amputada acima do joelho!!! - Pequeno lenço vermelho - tinha-me sido oferecido no “Puto”e usava-o muitas vezes em operações, amarrado ao cano da G3 ou ao pescoço. Era uma espécie de amuleto e que podia ser útil pelo menos com os suores. - Varinha / pingalim – preênsil nos dedos, usada(o) para ajudar a detectar eventuais arames de tropeçar interpostos pelo IN no acesso ao “campo de trabalho”.

Sobre esta estória da varinha explico: Um belo dia, antes deste trabalho mas creio que por causa dele também, fui incumbido de verificar, desarmar e levantar várias armadilhas por mim montadas e “croquisadas” ano e tal antes, lá para a frente da zona da “curva do café” onde se pensava ser zona de atravessamento do IN e onde, para além disso, havia por baixo da estrada uma conduta pluvial (?) larga que a atravessava e que se queria não viesse a ser aproveitado pelo IN para quaisquer utilizações bélicas. Por essa área tinha montado uma dezena, talvez mais, de armadilhas a meu ver bem “engendradas” e para “vários gostos”! Como tal deveriam também ser bem descritas e sinalizadas em “croquis” fiéis, com referência a pontos considerados seguros e de difícil mutação, o que facilitaria uma posterior desactivação das mesmas.

No dia aprazado, dirijo-me para a zona, acompanhado como não podia deixar de ser por segurança que tomou posição do outro lado da estrada. Pés ao caminho, munido dos apetrechos necessários e do croqui por mim feito anteriormente, vou desactivando os engenhos, concentrado mas sem dificuldades de maior até que a dada altura e em local não referenciado, ao dar um passo senti no tacão da bota atrasada uma resistência que me inquietou. Não podia ser?! O chamado “sexto sentido” terá feito o automatismo funcionar preventivamente e à contagem “um - dois” estava aterrado e espalmado no chão um pouco mais adiante! O estouro não se fez esperar.

Afinal sempre era, sendo que a “geringonça” não era nossa e sim uma intrusa, posteriormente confirmado por contagem. Mais uma vez por Graça, e talvez um pouco por Lamego (onde colados ao terreno detonámos granadas que pousávamos à distancia de um braço) nada me aconteceu, para além do valente susto. Coisa para não esquecer! O que aconteceu fez-me pensar que tinha que tentar prevenir situações semelhantes. O engenho a par da nossa bela “arte do desenrasca” veio ao de cima : a solução seria uma fina e lisa varinha, pênsil dos polegar e indicador que, ao quase varrer o chão dianteiro sinalizaria e faria investigar qualquer resistência anormal ou entrave à sua progressão. Também cheguei a usar o meu ”chicote” de tiras de couro entrelaçado, mais cómodo e à mesma sem peso suficiente para descavilhar qualquer engenho munido de arame de tropeçar.

Algumas vezes parei para investigar mas felizmente foram alarmes falsos. Chegados à zona de apeamento e após a segurança estar montada em proximidade não intrusiva, os “eleitos” dirigiam-se, creio que em equipas para os locais determinados, dando início a uma luta em que facilitar era potenciar o risco de rebentamento e suas consequências nefastas. Acabou por ser uma batalha que se ganhou, mas infelizmente e quase logo de início à custa de sangue, dor e em que o esforço e sofrimento ao que sei não foram agradecidos ou reconhecidos, muito menos louvados ou premiados e onde até o prometido (pelo menos a mim) não foi sequer cumprido, antes pelo contrário. Creio que também ninguém estava a contar com quaisquer “honrarias” mas, falo por mim, esperava que o prometido fosse cumprido! Apesar dos alguns “briefings” havidos com o Comando, o que não permitia evocar “desconhecimento” dos acontecimentos, os “mandantes” andavam de certeza absorvidos e distraídos com outras coisas de maior interesse próprio naqueles finais de comissão!

Bom… é sabido que havia Comandantes e comandantes por aquelas guerras!

Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9536: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (50): Bula, uma nova missão

Guiné 63/74 - P9689: Tabanca Grande: oito anos a blogar (1): PAPA ALFA ROMEO ALFA BRAVO ECHO NOVEMBER SIERRA


1. Comentário (anónimo) recebido hoje, dia 1 de abril, dia das mentiras... Como é anónimo, foi eliminado. Choveram protestos de todo o mundo lusófono, da Guiné-Bissau (os combatentes da liberdade da pátria, pois claro) ao Brasil (a primeira colónia portuguesa a cortar o cordão umbilical). Mas houve também alguns apoios incondicionais... 

Para memória futura, convém transcrevê-
lo, antes de destruí-lo. Rezava assim: 

"Comunicado: A Guerra da Guiné nunca existiu. Os 4 G (Gandembel, Guidaje, Guileje, Gadamael) não vêm no mapa. Este blogue é uma farsa. Oito anos de mentira(s). A falsificação da história continua, dentro de momentos"...


2. Carta aberta à Tabanca Grande > Amigos/as, camaradas, camarigos/as:

O nosso blogue vai fazer 8 anos...
Oficiosamente, nasceu a 23 de abril de 2004,
pelo menos foi nessa data que se publicou o primeiro poste,
relacionado com a guerra colonial e com a Guiné (*).
Levou anos a crescer.
Por exemplo, no primeiro ano, só cresceu 10 centímetros
(leia-se: só se publicaram dez postes sobre a nossa terra verde e vermelha)..
Passados dois anos, em finais de maio 
de 2006, o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
já ultrapassava os 8 metros (leia-se: 800 postes)...
Hoje está a caminho dos 100 metros (leia-se: 10 mil postes): 
é uma bela árvore, um belo poilão!

Oito aninhos é uma bonita idade, mas também perigosa.
Não sabemos qual é a esperança média de vida de um blogue.
É mais ou menos que a duração média de vida de um cão ?
O blogue da Tabanca Grande tanto pode estar na idade de ir à festa do fanado,
e ir cortar as miudezas...
como já ter entrado na inexorável curva descendente da decadência,
do envelhecimento,
e, in limine, da morte...

Mas o seu futuro (que se deseja ainda promissor) depende sobretudo
dos tabanqueiros que o alimentam,
que o catam,
que o regam,
que o lavam,
que o desinfetam,
que o mamam e desmamam,
que o fertilizam,
que o desfolham,
que o vestem,
que o apadrinham,
que o apaparicam,
que lhe dão a chupeta,
que lhe mostram a cenoura e o chicote,
que o financiam,
que o aparam,
que o amparam,
que lhe dão uma paulada
 (quando ele se comporta mal, 
como os outros blogues mal educados da blogosfera),
que o amam,
que o observam,
que o vigiam,
que o espiam,
que o acrescentam,
que o editam,
que o amputam,
que lhe dão a teta,
que lhe desejam boa sorte,
e à noite dizem boa noite,
que o põem nas calhas da razão,
que o desencalham,
que o levam ao colo,
que o tiram do sério,
que o não levam a sério,
que o põem bonito e bem disposto,
que o mandam àquela parte 
(onde ninguém gosta de ir, a não ser os masoquistas)...
que o tratam como criança mimada,
que o maltratam,
que o estragam com mimos,
que o usam,
que o abusam,
que se aproveitam dele,
que lhe lançam à cova dos leões,
que não podem viver sem ele,
que não podem ouvir falar dele...
enfim, que o toleram,
que o leem,
de tempos a tempos...

Oito anos a blogar, quatro comissões...
Quantas idas ao Mato Cão ?
Quantas retiradas de Madina do Boé ?
Quantos ataques e flagelações a Iemberém ?
Quantas descidas ao inferno da Ponta do Inglês ?
Quantas obusadas em Gadamael ?
Quantas morteiradas em Gandembel ?
Quantos foguetes em Canquelifá ?
Quantas mortos em Cheche, no Corubal ?
Quantos uivos do Lobo Mau ?
Quantas jornadas de glória ?
Quantas manhãs de ronco ?
Quantas noites de emboscadas ?
Quantas milhas náuticas, Geba acima, Cumbijã abaixo ?
Quantos ataques de abelhas e do 'Nino' ?
Quanto suor, sangue e lágrimas ?

O blogue, poça!, vai fazer anos... 
Oito... É uma criança. 
Ou é um velho irã. Ou um poilão.
De qualquer modo, tem direito a uma prenda, uma prendinha!
Uma oferenda, um sacrifício, uma galinha!
Tragam, ao menos, mais um amigo, um camarada, um camarigo!
Já somos 544, eramos pouco mais de 100 em meados de 2006.
Tragam mais seis, para perfazer os 550,
um batalhão.
Escrevam um aerograma, uma carta, um postal ilustrado.
Mandem-lhe um presunto pata preto de Barrancos.
Ofereçam-lhe uma foto do vosso tempo de jovens e belos soldados.
Ou - e por que não ? - um autógrafo da vossa bajuda. 
(Por favor, não mandem a bajuda!).
Mas mandem qualquer coisa,
qualquer coisa de diferente.
Saibam surpreendê-lo, no dia 23, até ao dia 23, 
até mesmo depois do dia 23,
do mês de abril, que devia ser de águas mil,
águas da bolanha, águas do Cacheu,
rápidos do Saltinho,
água de Lisboa, coisa boa,
cabeça grande!

Continuem, pelo menos, a espreitá-lo,
a provocá-lo,
a procurá-lo,
a prová-lo,
a medi-lo,
a seduzi-lo,
a motivá-lo,
a espevitá-lo,
a acordá-lo,
a fazê-lo crescer,
a comê-lo,
a comentá-lo,
a embrulhá-lho em papel de jornal...

Digam que sim,
que o Blogue,
BRAVO LIMA OSCAR GOLF UNIFORM ECHO,
como diz o nosso operador de telefonia sem fios,
foi importante nas vossas vidas.
Ou que não, ou nem por isso.
Que importante era ter vinte anos, 
tal como hoje o que importa é ter sessenta, 
ou ter setenta, ou ter oitenta,
e estar vivo.
Ainda estar vivo e sem o maldito Alzheimer!
Confessem que já tinham posto uma pedra no vulcão da Guiné.
Que já tinham esquecido a Guiné e a guerra,
a maldita guerra que lá houve
(e será que houve mesmo ?).
E que o Blogue vos veio desinquietar.
Obrigar a descalçar as pantufas.
E a remexer no baú.
E a vasculhar o sótão.
E a pegar outra vez na caneta, na picareta e na G3.
Digam, por exemplo, que já não têm pachorra para o aturar,
digam qualquer coisa, positiva, negativa, assim-assim.
Não precisam de polir as botas do sentinela para entrar,
que a Tabanca é vossa, 
e que os engraxadores não têm assento debaixo do poilão,
que as moranças de A a Z têm nome,
mas estão sempre de portas abertas.
Ou nem têm portas nem janelas.
Não têm  de bater a pala ao porteiro,
nem ao capitão nem ao general.
A tabanca é vossa,
não é condomíno de luxo
nem gueto, 
nem chão de ninguém.
Ah!, e não paga IMI, nem IVA...
E, por enquanto,  vai tendo licença da troika para blogar...

Sabem qual é a nossa caixa postal, rua, nº de polícia, email, telefone...
O pata preta  é mesmo para reinar...
Esqueçam o pata preta de Barrancos,
que isso não é bianda para os queixos dos camaradas e amigos da Guiné.
De resto, a amizade e a camaradagem não se pagam em géneros.

Mas, se puderem,  apareçam em Monte Real, dia 21.
O nosso encontro anual é sempre manga de ronco.
Este é o sétimo. Desde 2006.
Digam que estão vivos, 
façam a prova de vida,
ponham o dedo grande do pé a mexer.

E não esqueçam: 
Na Tabanca Grande cabe sempre mais um.
Tragam mais um!

Luís Graça, em nome dos demais editores e colaboradores permanentes.

sábado, 31 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9688: Memória dos lugares (179): Gã Dembel ou Gandembel das morteiradas... (José Teixeira, CCAÇ 2317, 1968/70)

1. Dois comentários do Zé Teixeira ao poste P9676

(i) Fui um "mirone" de Gã Dembel,  ou melhor, Gandembel. Durante cerca de 6 meses acompanhei de perto aquele festival de terrífica música de morteiradas e canhoadas. As cenas repetiam-se de dia e de noite. De Tchangue Laia para a frente, onde havia uma placa que dizia, salvo erro, "Aqui começa a Guiné independente",  tudo era tenebroso. Era o principio da carreiro da morte. Os buracos dos fornilhos sucediam-se aterradoramente, a mata fechada, o silêncio - até a passarada parece que tinha ido de férias. A atenção redobrada de cada um de nós... e o coração a palpitar.  Um pouco mais à frente, surgia gente nossa da CCaç 2317, respirava-se um pouco melhor e logo ali à frente surgia o pequeno destacamento de Balana, onde estava creio eu, o Hugo Guerra. Hoje nesse local de paz lavam as mulheres a sua roupa e até os elefantes por lá passam.

Gandembel vem a seguir depois de uma leve subida e uma ligeira curva. Hoje há apenas floresta e uma planta a florir que lá deixei em 2008 numa romagem que foi o principio do fim,  ou seja,  encontrei a paz comigo mesmo e enterrei a guerra que me roía as entranhas e por vezes me atormentava alta noite. 

Os testemunhos materiais, os restos das casernas de betão vão sendo cobertos pela terra do esquecimento até que alguém ouse reescrever a história do local. Há algures por lá perto os restos de um Fiat que em fins de Julho de 1968 vi passar a arder e despenhar-se na mata ali por perto. Era o nosso protector aéreo, enquanto penosamente protegíamos uma coluna que ia levar mantimentos aos "toupeiras" de Gandembel.


Idálio, deixa-me expressar a mina gratidão por teres avançado com o livro e agora com o desenvolvimento sobre as vossas canções. estás a construir um pouco da história da guerra que tanta gente procura abafar, a começar pelo desprezo que votam a todos nós que forçadamente a fizemos.






Guiné > Carta da província (1961) > Escala 1/500 mil > Detalhe > A posição relativa de Balana e Gandembel, em pleo "carreiro" (ou "corredor da morte"), junto à fronteira sudeste da Guiné-Conacri,  tendo a norte Aldeia Formosa e a sul  Guileje, e a sudoeste Gadamael e Cacine... Em 1961, Gandembel nem sequer constava como topónimo no mapa geral da província...




(ii) Deixa-me recordar que em 2010 tive oportunidade de conversar com um grupo de ex-guerrilheiros do PAIGC a viverem em Farim do Cantanhez. 

Da conversa pude apurar que quando Portugal decidiu avançar para Gandembel, o PAICG, comandado pelo Nino, deu instruções a seis dos seus grupos estacionados na grande mata do Cantanhez, localizados nos arredores de Catió, Bedanda, Cacine, Cabedú e creio que Gadamael, para cercarem Gandembel e por aí ficaram até as tropas portuguesas abandonarem a posição. 

Pode deduzir-se desta informação a força de fogo que o inimigo tinha na área. Segundo o mesmo grupo eles assentaram perto de Gandembel e substituiam-se nos ataques de modo a baralhar a aviação, pois atacavam uma vez do norte, para logo a seguir atacar do este ou sul, etc. 

Por outro lado continuavam a flagelar as outras tabancas desde Buba a Gadamael, deslocando-se pelo interior da mata que à data era muito cerrada e lhes permitia caminhar durante o dia sem grande risco.

Zé Teixeira
______________

Nota do editor:

Guiné 63/74 - P9687: Agenda cultural (192): Aqui em baixo tudo é simples... Com os Melech Mechaya (hoje, em Lisboa, no Cinema São Jorge, às 21h30)




Vídeo  (2' 33''):  Alojado em You Tube > Nhabijoes


1. Apresentação, na loja da FNAC, Centro Comercial Alegro Alfragide, em 30/3/2012, sexta-feira, pelas 21h00, do novo álbum dos Melech Mechaya, "Aqui em baixo tudo é simples" (Ponto Zurca, 2011)...


Neste vídeo os Melech Mechaya tocam um tema tradicional da música klezmer, intitulado Sirba. Vídeo realizado por Luís Graça. Autorização dada pela banda para gravar e divulgar este tema, lindíssimo, no You Tube, na nossa conta, "Nhabijões", bem como no nosso blogue. A banda tem fãs na Tabanca Grande e alguns estarão presentes no espetáculo desta noite, em Lisboa.

Hoje, 31, sábado, os Melech Mechaya terminam uma tournée pelo país com um grande espetáculo em Lisboa, no Cinema São Jorge, às 21h30.

Para os nossos leitores que não puderem assistir ao espetáculo, aqui vai um cheirinho desta música alegre, festiva, salutogénica, que faz bem ao corpo e à alma, em vídeo especialmente preparado para os amigos do João Graça, nosso tabanqueiro (e que na banda toca violino). De facto, se aqui em baixo tudo é simples, lá cima não há disto, é a mensagem, simples, que se deduz da alegria, da paródia e da cumplicidade que estes jovens músicos portugueses deixam transparecer nos seus espetáculos ao vivo... Não os poder ver e ouvir (e interagir com eles), é uma pena
. Além do mais, são já uma referência da música klezmer na península ibérica.

2. Sobre o concerto de hoje, escreveu-nos o nosso camarada Fernando Costa, também ele músico:

Amigo,



Parabéns pela iniciativa. Moro em Lisboa muito perto da Av da Liberdade, mas não poderei estar presente porque nessa data estou também a tocar.
Bebe um copo por mim.

Fernando Costa
(ex-Fur Mil Trms da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, mar73/set74)


3. O que é que a crítica musical diz sobre os Melech Mechaya ?


"Vimo-los tocar (...) e foram pura e simplesmente electrizantes." (João Bonifácio, Público).


"Uma banda incrível ao vivo, virada a sério para a festa." (Rodrigo Nogueira, Time Out)


"Há música que é muito mais do que isso, pelo que é, pelo que representa. É algo racional, com sentido, que vem de dentro e a torna viva, realista. É algo quase espiritual." (Rui Dinis, A Trompa)


"Os Melech Mechaya fizeram a festa com um explosivo espectáculo..." (Hélder Gomes, Cotonete)


"Cinco músicos notáveis."( Elco Schilder, FolkWorld Magazine)


"São necessários vários pares para se dançar este klezmer." (David Pinheiro, Disco Digital)


"Em palco, os Melech Mechaya juntam todos os ingredientes para uma noite de folia." (Patrícia Raimundo, Guia Da Noite)


"Os Melech Mechaya chegaram e incendiaram o palco e o público." (Youri Paiva, Ponto Alternativo )


"Os Melech Mechaya, banda que nos trouxe sons klezmer e muita, mas mesmo muita animação." (João Nuno Silva, A Certeza Da Música)


"As melodias dos Melech Mechaya parecem histórias contadas ora mais depressa ora mais devagar. Quer dizer, menos depressa." (Liliana Guimarães, Jornal Labor),


Fonte: Sítio ofical dos Melech Mechaya

Guiné 63/74 - P9686: Agenda Cultural (191): O TRILHO. Um cruzar de épocas em gerações transversais – 1950-2050 (José Saúde)



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos a antevisão do lançamento do seu novo livro.


Camaradas!

Antecedendo o lançamento do meu quinto livro – “GUINÉ/BISSAU – AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU 1973/74” – apresento, agora, “O TRILHO”, sendo que os meus textos guineenses serão, sim, apresentados em público numa outra data posterior. Quem conhece a realidade da escrita sabe de antemão que as datas pensadas, e previamente agendadas, protelam-se por vezes no tempo. Há pormenores que obedecem a irreversíveis trabalhos que passam invariavelmente pelo testar dos diversos conteúdos que a obra, no seu todo, requer.

Deixando, então, “AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU” em stand-by, prometendo voltar à liça em tempo oportuno dado que a obra está concluída, sendo também certa a sua publicação, tanto mais que o livro terá o Prefácio de Luís Graça, Fundador e editor do nosso blogue, falo, hoje, do meu último livro “O TRILHO” que narra “Um cruzar de épocas em gerações transversais – 1950-2050”. A personagem principal, Jesus, nasce numa aldeia do interior do Alentejo e projecta a sua vida ao longo de 100 anos, trazendo à estampa várias vivências humanas, particularmente a sua vida militar onde relata a sua passagem pela Guiné em tempo de guerra.

O livro aborda duas temáticas: o virtual e o mundo da fixação. São, no fundo, 161 páginas de autêntico frenesim. Personagens míticas que paulatinamente foram desaparecendo com o evoluir dos tempos. Fala-se de valores de outrora que se pulverizam num horizonte onde a temática tecnológica ganha tempo ao tempo e tudo muda.

Aborda o contrabando e os pregoeiros. A emigração. A guerra, principalmente do ex Ultramar. Os anos 60. A sociedade e a sua natural transformação. Enfim, um conjunto de situações que não passam imunes ao cidadão comum.

Francisco Moita Flores, meu amigo de infância, escreveu o Prefácio – CAMINHOS – sendo que na contra capa deixo escrito um pequeno estrato do seu parecer sobre a obra.

“… A narrativa que o autor nos apresenta numa escrita simples, idílica, cravada de memórias e de utopias, remete-nos para o confronto com os sinais do tempo que marcam a nossa história recente.

Diria mais, a nossa pequena história recente, aquela que marca de forma significativa a nossa identidade – a imensidão alentejana, do espaço e nostalgia, os contrabandistas e pregoeiros, a escola e o brincar.

O livro aborda uma questão interessante. A prospecção do futuro.

Que virtudes nos trouxe a revolução que acelerou o tempo e reduziu o espaço a uma imagem? Que haverá por detrás dessas imagens quando Jesus morrer? Terá a sua vida o mesmo significado litúrgico e simbólico do outro Jesus que morreu há milénios? Que futuro está escondido debaixo da tecla “enter”?”

Um abraço deste alentejano de gema,

José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


25 DE MARÇO DE 2012 > Guiné 63/74 - P9658: Agenda Cultural (190): A banda portuguesa Melech Mechaya em Lisboa, Cinema São Jorge, sábado, 31 de Março, 21h30... Convidada especial: Mísia...Ganda ronco! (João Graça)

Guiné 63/74 - P9685: Estórias do Juvenal Amado (41): Um drama causado pelo esquecimento dum carteiro

Pelotão da Ferrugem na despedida de Galomaro

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 21 de Março de 2012:

Carlos e Luís
Esta é uma pequena estória de um grande camarada.

Juvenal Amado


ESTÓRIAS DO JUVENAL (41)

O DRAMA CAUSADO PELO ESQUECIMENTO DO CARTEIRO

O Lourenço chegou quatro meses depois de nós, mas nunca se livrou da alcunha de periquito.
Algarvio já casado e com um filho, situação que deve ter transformado a mobilização muito mais difícil. Bem disposto, amigo, raramente levava a mal um brincadeira ou mesmos uma partida e não foram poucas. Com ele descobri o sabor e o prazer de comer cogumelos sabiamente cozinhados. Recordo as dúvidas sobre a qualidade dos mesmos. Dizia ele que eram iguaizinhos, só que muito maiores.

Ele, o Caramba, o Aljustrel e eu tentamos fazer uma horta com cenouras, tomates, pimentos num canteiro atrás do abrigo. Quando estava tudo muito verde e viçoso, vieram os gafanhotos às centenas e devoraram tudo.

Não desistiu e construiu uma capoeira onde resolveu criar galinhas. No dia 1 de Dezembro de 1972 um RPG destruiu a capoeira e das galinhas não sobrou nada. Mas voltou a construi-la, teimou em criar lá galinhas e em boa hora, pois deram azo a grandes petisqueiras com cerveja a correr a rodos, por causa do piripiri que como se devem lembrar era rijo de paladar.

Também foi valente e posso afirmar, que eu e os camaradas que estavam na cantina na noite de 1 de Dezembro de 1972 quando Galomaro foi atacado ao arame, lhe ficamos a dever a vida nesse dia. Foi ele que desconfiou de um movimento estranho de um rebanho de cabras e ovelhas, que se estendia junto do campo de futebol, na direção da cantina onde jogávamos às cartas e bebíamos naquela noite. Embora com medo de alguma porrada (estávamos em zona de guerra mas não nos podíamos comportar como tal) por dar tiros, ele agarrou na G3, com duas rajadas obrigou o IN a denunciar-se e iniciar o ataque, antes de se ter colocado como pretendia. Fariam tiro ao alvo com resultados desastrosos para nós.

A devoção à esposa era tal, que não havia um dia sequer que não lhe escrevesse. Ela retribuía e quando era distribuído o correio, também recebia um monte de cartas que o enchia de alegria. Este hábito criou no entanto uma das maiores ralações do nosso camarada e por sua vez a nossa preocupação, quanto ao estado psicológico dele, quando de repente deixou de receber o tão desejado correio.

Passaram-se as semanas até que ele nos confidenciou, que não tinha notícias de casa. Inicialmente ainda brincámos com o assunto, mas o caso estava já muito sério pois, quando ele se abriu connosco já estava desesperado. Acabou por se falar com o Tenente Raposo e o periquito foi chamado ao Comandante onde contou o que se passava. Rapidamente quanto possível se resolveu o assunto e também se ficou a saber o que tinha acontecido. A esposa bem respondia às cartas cheias de preocupações do marido, mas não percebia porquê que as cartas dela não chegavam a Galomaro como era de esperar.

São por vezes desencontros que nos pregam grandes partidas do destino. O responsável foi o carteiro substituto, que não conhecendo a localização do sítio de recolha de correio, o lá deixou até o carteiro regressado deslindar tudo. O Lourenço acabou por receber de uma vez só o correio de um mês para grande alegria dele e nossa, pois estávamos muito preocupados com ele.

Na foto > Periquito, Juvenal Amado e Aljustrel

Quando fizemos o primeiro almoço da Companhia (Seia) vinte anos passados, o Lourenço disse presente e foi com enorme alegria que contamos à esposa na frente dele, como ele tinha sofrido durante o jejum de notícias dela. Ele riu-se e disse naquele jeito simples:
- Foi verdade foi.

J. Amado
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9586: Blogpoesia (182): Mulher - Esposa e Mãe (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 23 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9261: Estórias do Juvenal Amado (40): O meu compadre Aljustrel

Guiné 63/74 – P9684: Tabanca Grande (326): António Vaz, ex-cap mil CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69




António Gabriel Rodrigues Vaz, ex-Cap Mil da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69.





Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto 13 > Cais do Xime, em frente à bolanha do Enxalé > "Poucos de nós se atreviam, solitariamente, a pisá-lo por estar demasiado exposto… Mas havia um puto que apanhava aí camarão, enquanto sonhava com o momento de vir para Lisboa estudar" (RM)... O camarão (gigante) desta parte do Geba era muito apreciado e pago a 50 pesos o quilo em Bambadinca, na tasca do Zé Maria... Pergunto-me se esse puto não poderia o nosso amigo, hoje engenheiro, e membro da nossa Tabanca Grande, José Carlos Mussá Biai... (LG)

Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto 4 > Cais do Xime... Milhares e milhares de homens e de viaturas passaram por aqui, ao longo de toda a guerra... Havia tensão naquela ponte. Ali começava o Geba Estreito. A montante e a juzante, havia ataques do PAIGC contra as nossas embarcações: Ponta Varela, Mato Cão... O aquartelamento do Xime era flagelado ou atacado com frequência... O PAIGC tinha, desde o início da guerra, uma boa implantação no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, entre a margem direita do Rio Corubal e a estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole. Na região do Poindon/Ponta do Inglês perderam-se muitas vidas... Por sua vez,  a saída do Xime, em Madina Colhido, era temida...


Guiné > Zona Leste > Xime >  Destacamento da ponte do Rio Udunduma > > CART 2520 (1969/70) > Foto 9 >  "Udunduma. Quem seria o dono da Piroga? Sei é que o rio era estreito e os putos que chegavam pela hora do almoço, na expectativa de umas sobras, acabavam por infundir-nos alguma tranquilidade… Ora, como poderia o IN flagelar-nos na presença deles? Mas a partir do entardecer, o coaxar das rãs era mesmo infernal!"...


Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto 1 > "Bar de Sargentos do Xime. Em cima do balcão um barril com uma função meramente decorativa. Mas a telefonia estava operacional bem como um pequeno gira-discos. O Je t’aime, moi nos plus [, Serge Gainsbourg & Jane Birkin, 1968, ] fazia furor e a cantinela Mãe, não chores que o teu filho há-de voltar estava no topo. Ambas puxavam por mais um copo. O camarada, de caça ao piolho, de quem guardo uma boa recordação, era um tipo duro e fixe".


Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto  19 > "No dia de um ataque ao Xime, uns poucos decidiram prolongar as detonações dos disparos, abatendo duas ou três vacas que, entretanto, andavam um pouco estonteadas, a monte…Esta acção deveu-se ao facto de o proprietário dos bovinos não querer vender nenhuma cabeça à tropa. A partir daí, não teve outro remédio"…


Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto  20 > Aspeto parcial do aquartelamento, que estava separado da tabanca por uma rede de arame farpado..."Da vista panorâmica do Aquartelamento do Xime, eu destacaria o bidão em primeiro plano, transformado, como era corrente, em depósito para um banho tépido e ferruginoso, mas sempre refrescante… Ponham-me um Dali ou um Miguel Ângelo à frente dos olhos, junto com um bidão amolgado, carcomido, inútil, e é o bidão que ainda me emociona mais: a não me ter salvo a vida, evitou, pelo menos, ser atingido por uns estilhaços, aquando de um ataque ao Enxalé".

Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto  3  > "O meu pelotão (ou parte dele) acabado de chegar de Bambadinca ou de Bafatá onde íamos frequentemente abastecer-nos e trazer o correio".



Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto  21 &gt"Duvido que esta foto tenha sido tirada por mim… Na minha opinião, e apesar de tão maltratada, é a melhor do conjunto. Do lado esquerdo do poste, o Capitão [, Mil Art António dos Santos Maltez] por quem eu nutria uma grande simpatia e cujo paradeiro ignoro. Não faço ideia nenhuma onde teve lugar a cena ilustrada"...


Fotos: © Renato Monteiro (2007). Direitos reservados (Legendas do autor e do editor).



1. Anteontem, na sessão de lançamento do último livro do Beja Santos, conheci finalmente o António Vaz (*), o camarada, nosso leitor, que tinha feito um belo elogio ao nosso blogue e ao seu espírito de amizade e de camaradagem.

 Nesse mesmo poste (*)  manifestara-lhe  o deu desejo de ver o entrar na Tabanca Grande como o tabanqueiro nº 544. Quinta feira passada, não foi preciso insistir… Ele passa a ser, desde então, o tabanqueiro nº 544…

O António aceita as nossas 10 regras de ouro (incluindo o natural tratamento por tu,  entre antigos camaradas de armas, agora 'cotas') e promete arranjar uma foto atual… Quanto mais seja a que lhe vamos tirar em Monte Real, no nosso próximo encontro, para o qual ele está inscrito. Embora com a máquina em punha, não me lembrei de lhe tirar uma chapa, no meio da conversa com este e com aquele.

Quanto ao resto, ele – que é leitor assíduo do nosso blogue – já aqui fez a sua apresentação (*). A seu lado, estava o cor inf ref José Aparício, o homem que, como capitão, comandava a CCAÇ 1970, na altura da retirada de Madina do Boé e do desastre do Cheche, no Rio Corubal, em 6 de fevereiro de 1969. Também é fã do nosso blogue. 



Qualquer deles são pessoas afáveis. Convidei o Aparício  igualmente  a ingressar na Tabanca Grande. Ficou, por lado, de mandar para o blogue informação sobre duas teses de doutoramento norte-americanas cujo conteúdo poderá eventualmente ser de interesse para nós.


Voltando ao António Vaz, e como ele próprio o diz, tem na Tabanca Grande muita gente do seu tempo, tanto da região do Oio (Bissorã) como da região de Bafatá (Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole, Galomaro…), a começar pelo Torcato Mendonça. 

Já disse ao Torcato que comfirmo "o pormenor da pera"  e e que o0 acha em grande forma, para um camarada com a idade dele.

Recorde-se que o António Vaz também já tinha manifestado a vontade de voltar a ver o nosso Torcato “para caturrarmos à volta de Mansambo onde cheguei a ir numa operação em que também ia o Pimentel Bastos e que dará para umas larachas a propósito”.

Recorde-se, mais uma vez, que a CART 1746 teve como unidade mobilizadora o GCA 2, seguiu para a Guiné em 20/7/1967, regressou em 7/6/1969, esteve em Bissorã e no Xime, e só teve um comandante, o Cap Mil António Gabriel Rodrigues Vaz, de seu nome completo.

Em meu nome do Luís Graça, dos demais editores e de toda a Tabanca Grande, dou ao novo camarada as boas vindas, ficando então para Monte Real a sessão de fotografia...  (LG)



PS - António Vaz, meu camarada, como prenda pela tua entrada na Tabanca Grande, fui recuperar velhas fotos do Xime, do álbum do meu amigo Renato Monteiro (ex-Fur Mil da CART 2479, depois CART 11/CCAÇ 11, Contuboel e Piche, 1968/69, e da CART 2520, Xime, 1969; esta  CART 2520, foi a que vos foi substituir, a vocês CART 1746).

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Notas do editor:

(*) vd. poste de 28 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9673: O Nosso Livro de Visitas (131) ): Antonio Vaz, 75 anos, lisboeta, ex-cap mil, CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69: A Tabanca Grande é um fenómeno sem paralelo, que me deixa abismado e surpreendido



(**) Último poste da série > 15 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9608: Tabanca Grande (325): António Eduardo Jerónimo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873 (Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74)


sexta-feira, 30 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9683: O tempo que ninguém queria (António Eduardo Ferreira) (4): De Cobumba para Bissau e regresso à Metrópole

1. Conclusão do trabalho do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74), intitulado O tempo que ninguém queria:

O TEMPO QUE NINGUÉM QUERIA (4)

DE COBUMBA PARA BISSAU

Chegou o dia do regresso a Bissau, nessa manhã a única viatura que tínhamos operacional avariou, todas as coisas que tínhamos connosco para levar para a LDG que nos foi buscar, tiveram de ser transportadas às costas, mas por essa altura eu estava fisicamente bastante fragilizado, tive que pagar a um homem da população para me levar o caixote com os meus pertences, tendo eu levado apenas a G.3, as cartucheiras, e um pequeno malote onde transportava dois ou três quilos de peso, mesmo assim, ao fim de escassas centenas de metros até chegar ao barco, já não conseguia caminhar mais. Há pouco tempo tinha passado por lá o médico, que creio estava sediado em Bedanda a quem eu me queixei, tive como resposta; de facto estás doente, mas não te posso mandar para Bissau.

Deixamos Cobumba descendo o rio Cumbijã, alguns quilómetros mais abaixo estava outra companhia à espera para seguir connosco para a cidade, vindo de Cafal Balanta. Dessa companhia fazia parte um vizinho nosso, o Victor Santos, da Lagoa do Cão. Se um vizinho deixava aquela zona, um outro que o tinha ido render ficava bastante triste e só; era o José Balbino, sabendo que eu vinha a caminho de Bissau quis vir ver-me, não foi fácil para ele, como não seria para qualquer um, despedir-se de um vizinho com a comissão quase terminada… e ele ainda no inicio e numa zona tão má como era aquela.

Normalmente as companhias quando vinham do mato para a cidade era porque estavam para regressar à Metrópole, ou fazerem trabalhos de menor risco. Sabíamos ir estar mais alguns meses na cidade, o que não sabíamos era que a nossa companhia ia passar a ser cem por cento operacional, só os criptos exerciam a sua especialidade, todos os outros faziam os mesmos serviços. Para além do serviço de segurança à cidade que constava de percursos a pé durante a noite na periferia, em grupos de três ou quatro homens, serviços ao paiol, ao Palácio do Governador, no cais quando chegava algum barco da Metrópole, e também serviço junto ao arame que em alguns sítios circundava a cidade.

Como se tal não chegasse com vinte e seis meses de tropa, fizemos uma coluna a Farim, viagem de alto risco. Por essa altura a minha saúde não era a melhor, pela primeira vez tinha tido paludismo, e dois dias antes de se realizar a coluna fui ao médico tentando que ele me dispensasse de serviços pesados.Tive sorte, fui dispensado de ir a Farim, apenas eu e outro camarada que estava também de baixa não fomos.

No tempo em que estivemos em Bissau, o quartel ficava a poucos quilómetros do centro da cidade, na Combis em Brá, nós de vez em quando íamos até lá. Na cidade havia muito movimento apesar de mesmo por lá as coisas começarem a não ser totalmente seguras. Por essa altura, rebentou um engenho explosivo no café Ronda, sempre muito frequentado por militares, também dentro do QG houve uma explosão, e no Pilão certa noite houve tiroteio durante bastante tempo, estando a nossa companhia pronta para sair. eA tropa esteve mais de uma hora em cima das viaturas à espera de ordem para avançar, era cerca da meia noite os tiros pararam pelo que o estado de prontidão foi suspenso. Nesse dia eu estava de cabo dia, razão pela qual se a companhia tivesse saído eu teria ficado no quartel.

Um dos locais com paragem obrigatória para quase todos que vagueavam pela cidade, era o café Bento, ou a 5ª REP como toda a gente lhe chamava. Assim que nos sentávamos, ainda antes do empregado de mesa, chegavam os engraxadores que se preparavam e insistiam para nos engraxar as botas a troco de dois pesos e meio, ou três. Naquela tarde sentei-me na esplanada e logo apareceu um dos muitos engraxadores, o marreco. Disse-lhe que só lhe dava dois pesos e meio, ele começou a engraxar as botas, quando acabou a primeira disse-me, olha que são três pesos, eu disse-lhe que não, e ele levantou-se e foi embora, deixando-me com uma bota engraxada e outra não, mas o mais caricato é que as minhas botas uma era mais velha que a outra e eu coloquei primeiro a nova a jeito de ser engraxada, e assim a mais velha mais mal ficou a parecer ao pé da engraxada, ainda prometi os dois pesos e meio aos outros engraxadores que estavam por ali para me engraxarem a outra, mas solidários com o marreco nenhum quis. Não me restou outra alternativa a não ser sair pela porta oposta à esplanada e voltar a sujar a bota engraxada, com terra para não parecer tão mal.

Os serviços continuavam na cidade, o tempo normal de comissão já há meses que tinha passado, e nós sem saber quando seria o nosso regresso à Metrópole. Poucos dias antes de virmos embora tivemos uma baixa, o furriel Trindade, o homem que tantas minas tinha levantado, ao ser atropelado pela viatura que lhe ia levar o almoço, quando se encontrava em serviço com alguns homens num dos postos de guarda junto ao arame farpado que existia em alguns sítios em redor da cidade.

Faltavam três dias para o nosso regresso, fomos informados que teríamos de fazer mais uma coluna a Farim p+elo que à tarde fomos levantar as viaturas que íamos levar na madrugada seguinte. Estávamos completamente arrasados, a dois dias de terminar o nosso tempo de Guiné, irmos fazer uma coluna a Farim, para essa também eu já tinha levantado viatura, mas a poucas horas do inicio da viagem alguém teve o bom senso, e decidiu que não seriamos nós a ir na coluna.

Faltavam dois dias mas não tínhamos a certeza que seria assim, só quando nos encontramos dentro do Boeing e já no ar acreditamos que era desta que a nosso regresso ia acontecer. Embarcamos perto do meio dia em Bissau no dia dois de Abril e chegamos ao fim da tarde a Lisboa.

Passados trinta e oito anos da minha chegada à Guiné dando uma volta pela memória encontrei os factos aqui relatados, certamente muitos não terei conseguido lembrar-me, mas fiquei satisfeito com aqueles que consegui lembrar em apenas três semanas.

Se alguém chegar a ler este relato de vida que foi a minha, durante o tempo de tropa que passei em África, e que foi também o de muitos jovens do meu tempo, em particular aos que passaram pela Guiné, verá que as coisas agora não são tão más como parece!

Outubro de 2010
António Eduardo Jerónimo Ferreira
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Nota de CV:

Vd. postes anteriores da série de:

15 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9608: Tabanca Grande (325): António Eduardo Jerónimo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873 (Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74)

18 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9623: O tempo que ninguém queria (António Eduardo Ferreira) (2): De Bissau para Mansambo
e
21 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9635: O tempo que ninguém queria (António Eduardo Ferreira) (3): De Mansambo para Cobumba