quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10475: Blogpoesia (306): S. T. T. L., Sit tibi terra levis!... Que a terra da tua Pátria, ao menos, te seja leve!.. (Luís Graça)


[Imagem à esquerda: Guernica, de Picasso, 1937. Óleo sobre tela, 349 cm × 776 cm. Museu Rainha Sofia, Madrid, Espanha... 

Imagem do domínio público: Cortesia da Wikipedia.]




S.T.T.L... Sit tibi terra levis!... Que a terra da tua Pátria,
ao menos, te seja leve!

por Luís Graça



1. Um dia até as pombas da paz do Picasso
repousarão no museu da guerra.

Em relicários,
de aço.
Mais as moscas,
regressadas dos campos de batalha,

que ficarão lá espetadas em alfinetes
nos respetivos mo(n)struários.

As moscas.
Exangues.

Cobertas de terra.
E a merda das moscas,

liofilizada,
como os grelos que comias na noite de Natal,
a merda agora elevada à categoria
de artefacto cultural.

Um dia ouviste um coronel, 

veterano,
dizer, sem rancor nem fel
(mas nunca viste isso escrito na Ordem de Serviço):
 Chiça!, sempre mais vale uma mosca na sopa
do que um míssil na cozinha.


A tua guerra foi tacanha.

Foi uma guerrinha,
de baixa intensidade,
assegura-te o escriba, submisso,
agora garboso historiador oficial.
Não viste mísseis a cruzar o Geba ou o Corubal,
mas milhões de insetos caíam-te na sopa.

Salgada,
da água da bolanha.
Fria.
Desconsolada.

A responder-lhe,
ao veterano,
seria com a célebre frase de um  general prussiano
(um general das guerras napoleónicas,

ainda por cima prussiano,
sempre é mais ovoestrelado 
do que um coronel do exército colonial):
– A guerra não é mais do que
a continuação da política de Estado
por outros meios. 

Fim de citação. 
Ponto final.
Siga a Marinha.
Até ao Terreiro do Paço. 

2. De megafone em punho,

o guia-mor do museu,
antigo combatente
maneta, 
o olhar baço, 
o peito ainda ardente, 
fala-te da arte e da ciência da guerra.
E da importância que é devida
aos detalhes
de barba.
Lá estava o aviso exposto na tua camarata:
– Mais vale perder um minuto na vida,
do que a vida num minuto.
Confessa, camarada,
que nunca chegaste a perceber
por que é que o soldado tem que ser tosquiado.
E ir ao encontro da deusa da morte... devidamente ataviado.

3. Faltou-te sempre a visão do todo,
que, para um estratega, 
bem escanhoado,
como o teu major de operações,
só podia ser maior do que a soma dos detalhes.
A única filosofia de vida,

de vida sem liberdade,que tu ouviste,
foi na tropa,
ao teu tenente de instrução da especialidade 

de atirador de armas pesadas de infantaria.
Começava em porcaria, 
e rimava com morte.
Era cínica e dissolvente,
como qualquer vulgar detergente
de cozinha:
- A merda é o adubo... da vida;
é fazendo merda, que tu aprendes;
e sobretudo nunca te esqueças
que é com a merda dos grandes,
que os pequenos se afogam.



À quinta feira, 
recordas-te ainda tão bem,
depois da feira do gado vacum, 
em Tavira,
fazia-nos, à malta do nosso pelotão,

rastejar na bosta,
enquanto ele gania como um cão
debaixo da janela da sua amada.  
É por isso que ainda hoje 
nem tu nem eu gostamos... de xarém.

4. Na tropa-do-um-dois-três-e-troca-o-passo

nunca soubeste
onde ficava o norte,

meu desgraçado!
Nem nunca soubeste pôr ao pescoço o baraço.
Nem fazer o nó à gravata.
Nem onde pôr a mão esquerda.
Nem o ombro arma,
a arma no ombro
ou o ombro na arma.

Nem fazer o pino.
Nem adivinhar a hora da sorte.
Nem sequer fazer um manguito de bravata.
Nem por isso te chumbaram,
coitado.

Depois um dia, no meio da guerra,

quiseram mandar-te para a psiquiatria,
o que era estranho,
porque o RDM,
em todo o seu articulado,
não previa a figura do inimputável 
nem a do cacimbado
(muito menos  a do psicopata... do major).
 Deem-lhe um valium dez,
metem-no numa camisa de forças. –
gritou o comandante das tropas em parada
ao médico, amável, 
ao enfermeiro, calado que nem um rato,
ao maqueiro, rapaz cortês:
– Sempre é mais cómodo e barato
do que embrulhá-lo em papel selado!

5. Prometeram-te depois um mundo melhor,

porém chato, chatíssimo,
com escudo de proteção 
e seguro contra todos os riscos;
não te disseram onde,
nem quando,
nem a que preço.
Descobriste que era tarde
e longe do planeta

e caríssimo.

 6. Ter a consciência limpa,

ó meu... sacana ?!
Para ti, é ter a memória com as baterias em baixo.

–   Por favor avisa-me, camarada,
quando elas estiverem a cinco por cento.
Quero fazer 'reset' das minhas memórias da Guiné.


Procuras, além disso, uma mão ?
– Direita, 
com cinco dedos,
disposta a ajudar
o meu pobre braço.
Esquerdo.
Decepado.
Dou alvíssaras,

estou disposto a pagar
com o American Express Card.
Golden, claro!


7. Morrer é 

quando tu chegas um beco sem saída
e não tens um kit de salvação.

Morrer em Nhabijões,
em Madina do Boé,
em Gandembel,
em Mampatá,
na Ponta do Inglês,
em Gadamael
ou em Missirá
... ou no Pilão, numa cena canalha,
tanto faz.
A morte não tem SPM.
E quem morre,  morre de vez,
quer mortalha,
e sobretudo quer que o deixem em paz!

8. A vida com a morte se (a)paga.
Há sempre moscas à espera
do teu cadáver,

mesmo seco e magro.
E jagudis.
E formigas bagabaga.

E um dia aziago.
E um primeiro sorja da CCS que te põe os pontos nos ii.
E um capelão que te fecha os olhos, 
com extrema unção e compaixão.
E um coveiro que te prega as tábuas do caixão.
– Não me perturbem o sono eterno! –,
podia ser o teu epitáfio,
ó tuga dum carago!

9. A prática, dizem-te, leva à perfeição,
exceto no jogo da roleta russa

que jogavas nas picadas da Guiné,
a G3 contra a Kalash,
a pica contra o fornilho,
o coiro, encardido,  contra o Erre-Pê-Gê.
Por isso tu vivias cada dia,
como se aquele fosse
o único que te restasse

no calendário de parede,
no teu abrigo,
grafado com gajas nuas.
E muitos traços, em conjuntos de sete, 
marcando a eternidade de uma semana, 
ou de um mês:

Cada dia era o primeiro, 
o único, 
o original, 
o irrepetivel,
no jogo da vida e da morte!
E todos as manhãs fazias o teste do dedo grande do pé esquerdo,
o do joanete,
o dos calos,
o das bolhas,
o da unha encravada,
o das pisadelas,
o mais azarento, 
o rebenta-minas!

10. Não sei se o pintor de Guernica 

(ou Gernika, que o topónimo é basco),
gostaria de ter conhecido
Adão e Eva
no Paraíso.

Ou a Terra Prometida quando era rica,
e nela corria então o leite e o mel,
mais o ouro, o incenso e a mirra.
Deve ter achado que 
esteticamente o Inferno
dava muito mais... pica.





PS - Aqui vai, para a comissão de ética,

 a tua declaração de conflito de interesses:
– Não conheço nenhum museu da paz,
apenas este,  o da guerra.

Nada sei de estética.
Não sou columbófilo.
E muito menos fã do Picasso. 


Já agora escreve, 
no teu testamento vital,
a tua última vontade, 
o teu desejo final:
Quando eu morrer, camaradas, 
que a terra da minha Pátria, 
ao menos, me seja leve!

_____________


Nota do editor:


Último poste da série > 2 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10466: Blogpoesia (305): O helicóptero (Jorge Cabral, Missirá, 1970)

Guiné 63/74 - P10474: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/68) (Parte I): De Oliveira de Azemeis a Bula e Empada


1. Mensagem, de hoje, do nosso camarada da diáspora Manuel Serôdio, que vive em Rennes, capital da Bretanha, França, e com quem há dias falei ao telefone, dando-lhe as boas vindas à nossa Tabanca Grande... Ele ainda está a familiarizar-se com as ferramentas da Internet:


Por vezes é mais simples escrever, que dizer de viva voz, o que nos vai no íntimo, assim aproveito a oportunidade que me é dada, para escrever neste blog, um pouco da minha existência e dar a conhecer aquilo que todos nós, ex-combatentes, temos bem presente ainda no nosso espírito - o tempo passado no serviço militar, e principalmente o serviço efectuado em terras de África.

Cada um de nós sentiu na pele os efeitos de uma guerra que não pediu, os efeitos por vezes desastrosos na saúde, e o abandono a que fomos colocados. 


Guiné > Região do Cacheu > Bula > 1967 > População local

 Tomar > Regimento de Infantaria 15 > 967. Em pé, a contar da esquerda: Furrieis Silva, Freitas, Dayves; alferes Beirante, Alberto, Costa, Vairinhos. Em baixo, a contar da esquerda: Furrieis Marques, Monteiro,. Aires, Brito, Henriques, Serôdio.

Fotos: © Manuel Serôdio (2012). Todos os direitos reservados.


1. Manuel de Almeida Andrade Serôdio, ex-Furriel Miliciano na então província da Guiné, CCAÇ 1787, nosso recente membro da Tabanca Grande (*)::

(i) nasci a 21/10/1944 em Oliveira de Azeméis, mais precisamente no lugar de Moinho do Meio;

(ii) após uma infância e adolescência despreocupadas, entrei na vida adulta, e rapidamente, a 7 de Julho de 1964, e com o n° 53, fui declarado apto para o serviço militar, ou por  outros termos, pronto para pegar em armas;

(iii) 16 de Maio de 1966: pela primeira vez entrei na porta de armas de um quartel militar, o  Regimento de Infantaria n° 5, em Caldas da Rainha;

(iv)  Após três meses de recruta fui enviado para Tavira, o CISMI onde cheguei a 21 de Agosto de 1966;

(v) A  28 de Novembro do mesmo ano, no final do curso, fui mais uma vez enviado para outras paragens, desta vez para o Regimento de Infantaria n° 6, no Porto;

(vi) E o tempo corria tranquilo até que...  a mobilização chegou; destino a Guiné, com passagem por Tancos, afim de tirar o curso de minas e armadilhas, findo o qual tinha que me apresentar no Regimento de Infantaria n°15, Tomar, para formar o Batalhão;

(vii)  18 de Junho de 1967:  passei a porta de armas, para fazer conhecimento com todos os camaradas que a partir desta data e até ao final do tempo de serviço, iriam partilhar da minha vida, e eu da deles; dentro de bem pouco tempo, tínhamos uma viagem à nossa espera, o que para alguns seria uma viagem sem regresso.


História da Companhia de Caçadores 1787 / Batalhão 1932


A concentração do pessoal da Companhia iniciou-se em 18 de Junho de 1967, no Regimento de Infantaria n°15, em Tomar. Ali frequentou a instrução da sua especialidade.

Na generalidade o pessoal da Companhia era oriundo do Norte do País.

As principais efemérides ligadas à vida da Companhia foram as seguintes;


(a) 14 de Agosto de 1967 - Início do IAO na região do Agroal, situada entre Tomar e Vila Nova de Ourém;

(b) 11 de Setembro de 1967- Início do gozo da liçença das Normas Reguladoras do Decreto-lei n° 
42937, de 22/04/1960, finda a qual o pessoal se apresentou no CIM em Santa Margarida.

(c)  25 de Setembro de 1967- Continuação do IAO no CIM; 

(d) 26 de Outubro de 1967 - Cerimónia da benção e entrega dos guiões às unidades a embarcar, seguida de missa na igreja do CIM; 

(e) 28 de Outubro de 1967 - Embarque em comboio especial na estação de Santa Margarida pelas 2 horas, com destino a Lisboa, Cais da Rocha; após a chegada ao Cais da Rocha, procedeu-se à cerimónia da despedida e ao desfile, seguindo-se o embarque no Uíge pelas 12 horas.

(f) 2 de Novembro de 1967- Chegada a Bissau e desembarque das nossas tropas;  a CCAÇ 1787 permaneceu na Companhia de Adidos até 15 de Novembro de 1967, data em que marchou para Bula, afim de fazer o treino operacional, e de onde regressou à Companhia de Adidos em 6 de Janeiro de 1968;

(g) 20 de Janeiro de 1968 - Partida para Empada, via Bolama, tendo a Companhia saído desta última localidade em 22, 23, e 24 de Janeiro de 1968.

(Continua)
_________

Nota do editor:


(*) Vd. poste de 14 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10381: Tabanca Grande (360): Manuel Serôdio, mais um camarada da diáspora, ex-fur mil at inf, CCAÇ 1787/BCAÇ 1932 (Bula, Bissau, Empada, Buba, Quinhamel, 1967/68)

Guiné 63/74 - P10473: Tabanca Grande (363): Veríssimo Ferreira, natural de Ponte de Sôr, ex-fur mil, CCAÇ 1422 (Farim, Mansabá, K3, 1965/67)





Guiné >  Região do Oio >  CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858   (Bissau, Bula, Saliquinhedim/K3, 1965/67) >  O fur mil Veríssimo Ferreira em Mansabá, Setembro de 1965


Fotos:   © Veríssimo Ferreira (2012). Todos os direitos reservados.


1. Em 30 de setembro último, na página da Tabanca Grande no Facebook, o nosso camarada Veríssimo Ferreira manifestou a sua vontade de integrar o nosso blogue e colaborar ativamente na preservação e divulgação das nossas memórias, enquanto combatentes na Guiné:


Caros Senhores Luís Graça, Carlos Vinhal e Eduardo Ribeiro:

Pretendo ser dos 600 "antes do fim do ano" e, assim sendo e porque continuo com dificuldades (burro velho aprende...mas demora) em seguir o caminho normal e recomendado, solicito-vos o seguinte: 
Enviaria para aqui as duas fotos e uma 1ª história e os amigos extrairiam para o blogue.

Pode ser?


Abraços, Veríssimo Ferreira [, foto à esquerda, em Loures, em 1980, vestido "à homem grande"]


2. Os melhores 40 meses da minha vida > Introdução


Após alguns anos a procurar não recordar memórias que incomodavam, resolvi agora fazê-lo e em relação ao tempo prestado na vida militar. Sim. Porque eu fiz o serviço militar, e com honra, cumpri o meu dever.

Certo é que poderia ter desertado e hoje seria considerado "um senhor",  com chorudas reformas e sem nada ter descontado ou trabalhado. 

Certo é que poderia ter "fugido com medinho" para França e ter tocado xilofone, nas ruas e hoje seria um herói, aqui nesta terra que amo e que se chama e chamará Portugal. 

Certo é que poderia ter tido uns pais ricos (mas não...os meus pais sempre foram pobres...mas muito...muito honestos e trabalhadores), pais ricos esses que me mandariam para Londres e hoje eu seria ainda o verdadeiro artista, aplaudido mesmo que não tocasse ou cantasse. 

Só que não!!

O que sou é mal visto quer pelos políticos de ontem, quer pelos d'agora, pois que combati...mas não fugi e estou-me verdadeiramente nas tintas para tais gentes, se é que são gente.  

De nada me arrependo e comigo estão centenas de milhares de veteranos que, tal como eu, cumprimos e sofremos uns mais outros menos, mas que hoje somos uma irmandade e rimos...e lastimamos cada vez mais o desprezo e a sobranceria, com que, repito, "tais gentes, se é que são gente" nos pretendem marginalizar.

Estes maus filhos da Pátria (saberão o que é a Pátria ? acho que sabem apenas o que são Euros), por muitas honrarias que tenham após o 25 do 4, nunca conhecerão o que foi ter disparar para não morrer. Mas desejo que a terra lhes seja leve, antes porém deviam fazer um acto de contrição, embora "perdão",  para estes, seja palavra que não quero saber o que significa. (...)


(Continua)

3. Comentário do L.G.:


Meu caro Veríssimo Ferreira:  

Senhores,  todos somos, e grandes senhores!... Na Tabanca Grande tratamo-nos por tu, como camaradas que fomos e continuamos a ser. É pressuposto conheceres e aceitares as nossas 10 regras de convívio: consulta aqui o Nosso Livro de Estilo

Dás-nos a honra da tua presença, engrossando as fileiras do nosso blogue, com os seus quase  600 magníficos,  camaradas e amigos da Guiné. Serás o grã-tabanqueiro nº 581 e o teu nome passará a figurar no nosso quadro de honra, que vai de A a Z (vd. coluna do lado esquerdo da página de rosto do blogue). Depois de ti, faltarão apenas 19 para chegarmos às 6 centenas. 

Já recuperei as tuas fotos, na tua página no Facebook. Preciso apenas um endereço de email para a gente se comunicar internamente. Contactas connosco através do nosso email oficial:
luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com. 

Sei que já fizeste muitas coisas na vida, e que agora gozas a tua merecida reforma. Que és pai e avô. Que nasceste e viveste em Ponte de Sôr até à tropa. Que trabalhaste na tesouraria da fazenda pública local. Que tiveste um conjunto musical. Que foste para a Guiné como furriel miliciano, integrado na CCAÇ 1422. Que andaste pela região do Oio (Farim, Mansabá, K3), nos idos anos de 1965/67. Que, depois da peluda, foste bancário, mas também árbitro de futebol... E, por fim, que vives em Loures. 

Registe-se a propósito da CCAÇ 1422, de que tu és o primeiro representante no blogue:

(i) foi mobilizada pelo RI 15;

(ii) partiu para o TO da Guiné em 18/8/65 e regressou a 15/4/67; 

(iii) andou por Bissau, Bula, Saliquinhedim ou K3);  

(iv) comandantes:  cap mil  inf Diniz Alberto de Almeida Corte-Real;  alf mil  inf António Fernando da Cruz Macedo; cap inf Daniel Andrade de Carvalho.

O BCAÇ 1858, por sua vez,  esteve em Bissau, Teixeira Pinto e Catió. e conheceu 3 comandantes (ten cor inf Manuel Ferreira Nobre da Silva, ten cor cav Francisco José Falcão e Silva Ramos; ten cor inf António Veiga Fialho). Além da CCAÇ 1422, pertenciam a este batalhão a CCAÇ 1423 (Bolama, Empada, Cachil)  e a 1424 (Bolama, Cachil, Guileje, Sangonhá, Bissau)

 Em meu nome, dos demais editores, colaboradores e membros da Tabanca Grande, és bem vindo e recebido de braços abertos. Vamos seguir a série a que tu próprio chamaste Os melhores 40 meses da minha vida... Senta-te à sombra do fraterno e mágico poilão da nossa Tabanca Grande e conta-nos a(s) história(s) desse tempo, que nós seremos todos ouvidos...
__________________


Nota do editor

Último poste da série > 27 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10443: Tabanca Grande (362): Vasco Pires, ex-Alf Mil, CMDT do 23.º Pel Art.ª (Gadamael, 1970/72)

Guiné 63/74 - P10472: Agenda cultural (219): Lançamento do livro de Julião Soares Sousa, "Guiné-Bissau: A Destruição De Um País", dia 5 de Outubro de 2012, pelas 18h45 na FNAC do Colombo, Lisboa


LANÇAMENTO DO LIVRO, DE JULIÃO SOARES SOUSA, "GUINÉ-BISSAU: A DESTRUIÇÃO DE UM PAÍS", DIA 5 DE OUTUBRO DE 2012, PELAS 18H45, NA FNAC DO COLOMBO, LISBOA




Julião Soares Sousa* é guineense (Guiné-Bissau). Licenciou-se em História pela Universidade de Coimbra em 1991, concluiu o Mestrado em 1996 e o doutoramento na mesma Universidade em 2008.

É o primeiro guineense a concluir o Mestrado e o doutoramento na Universidade de Coimbra. Atualmente é Investigador no Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra.

Entre algumas das suas publicações destacam-se: Amílcar Cabral (1924-1973). Vida e morte de um revolucionário africano (Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História Moderna e Contemporânea, da Academia Portuguesa da História (2011); “Os movimentos unitários anticolonialistas (1954-1960). O contributo de Amílcar Cabral”, in Estudos do Século XX, 3, Coimbra, 2003; Um Novo Amanhecer, Coimbra, Minerva, 1996; “Amílcar Cabral: do envolvimento na luta antifascista à manifestações de tendência autonomista no Portugal do pós-Guerra (1945-1957)”, In Cabral no cruzamento de épocas. Comunicações e discursos produzidos no II Simpósio Internacional Amílcar Cabral realizado na Cidade da Praia, 9 –12 de Setembro de 2004, Praia, Alfa Comunicações, 2005; “O fenómeno tribal, o tribalismo e a construção da identidade nacional no discurso de Amílcar Cabral”, In Comunidades Imaginadas. Nação de nacionalismo em África, Coord. Luís Reis Torgal, Fernando Pimenta e Julião Soares Sousa. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008; "MPLA: da Fundação ao Reconhecimento por parte da OUA", Latitudes, Cahiers Lusophones, nº 28, 2006; “Amílcar Cabral: um contemporâneo de Francisco José Tenreiro no Portugal dos anos 40/50”, in Francisco José Tenreiro: As múltiplas faces de um intelectual, Coord: Inocência Mata, Lisboa, Edições Colibri, 2010; As associações protonacionalistas guineenses durante a I República: o caso da Liga Guineenses e do Centro Escolar Republicano (no prelo, Afrontamento); A cisão sino-soviética e suas implicações nos movimentos de libertação em África (no prelo, Universidade da Beira Interior).
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Notas de CV:

(*) Vd. Poste de 25 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8322: Agenda cultural (125): Odivelas, Biblioteca Municipal, 25 de Maio, 18h30: Apresentação do livro Amílcar Cabral (1924-1973): Vida e morte de um revolucionário africano, da autoria do guineense Julião Soares Sousa

Vd. último poste da série de 2 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10470: Agenda cultural (218): Conferência Militar intitulada Portugal Militar em África|1961-1974, 5 de Outubro de 2012 em Góis

Guiné 63/74 - P10471: Parabéns a você (476): Carlos Prata, Coronel Reformado (Guiné, 1973/74) e Hélder Sousa, ex-Fur Mil (Guiné, 1970/72)


Para aceder aos postes dos nossos camaradas Carlos Prata e Hélder Sousa, clicar nos seus nomes
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10453: Parabéns a você (475): António Bastos, ex-1.º Cabo do Pel Caç 953 (Guiné, 1964/66) e Manuel Moreira Vieira, ex-1.º Cabo da CART 1746 (Guiné, 1967/69)

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10470: Agenda cultural (218): Conferência Militar intitulada Portugal Militar em África|1961-1974, 5 de Outubro de 2012 em Góis



1. Recebemos de Liliana Pinto - Município de Góis -, a mensagem que a seguir publicamos. 

Conferência Militar intitulada Portugal Militar em África|1961-1974


Exmºs senhores:

Para conhecimento e divulgação, junto enviamos a V. Exª. Cartaz alusivo à Conferência Militar intitulada Portugal Militar em África|1961-1974, a decorrer na Biblioteca Municipal António Francisco Barata, no próximo dia 05 de outubro, pelas 14 horas, iniciativa promovida pelo Município de Góis em parceria com o NICCM - Núcleo Impulsionador das Conferências da Cooperativa Militar e com os Combatentes do Ultramar do Concelho de Góis. 



Com os melhores cumprimentos,
Liliana Maria Rosa Pinto
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 

 26 DE SETEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10439: Agenda cultural (217): RTP1, 28 de setembro, 6ª feira, 22h45 > Programa Portugueses pelo Mundo ... Episódio 8/25: Bissau... Uma oportunidade para redescobrir a cidade e rever amigos como a Isabel Levy Ribeiro, nossa grã-tabanqueira, formadora da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, mulher grande da Tabanca de São Martinho do Porto...


Guiné 63/74 – P10469: Memórias de Gabú (José Saúde) (25): Deus, virtualmente presente. A fé na guerra


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.

Deus, virtualmente presente

A fé na guerra

A inabalável fé que cada um de nós, cidadãos comuns do mundo, suporta ao longo da vida, afigura-se como uma junção espiritual que nos transporta a um mundo virtual onde as barreiras do imaculado não ousam ferir princípios que catapultam o ser humano para uma bênção divina. O conceito de fé não deve de forma alguma ser susceptível de hediondas concepções que tornam o homem uma criatura mártir de preconceitos falsamente concebidos. 

A guerra, melhor, viver no terreno as agruras que o conflito teimava em não dar tréguas a um soldado sem medo, tinha também uma outra vertente que conduzia o combatente a venerar algo oculto que permitisse sentir um melhor estar emocional. Afinal, ninguém foge às escarpas que a vida nos contempla, conclui-se. 

Assim, partindo do princípio que a fé, embora na concepção dos laicos a convicção seja irreal, remeto-me ao sentimento nobre de um persuadido que olvidou por completo o parecer do mundo pagão e assumiu convictamente penetrar num universo onde a fé sempre pernoitou. 

Penso que cada um de nós perfilha uma ideologia religiosa, ou não, que nos transporta para infindáveis presenças espirituais que em momentos extremos nos conduz a evocar a palavra de Deus. O ateu, que se afirma completamente adverso ao catolicismo, ou a uma outra religião, tem, a espaços, particulares momentos na vida que inadvertidamente o leva a momentos de reflexão, sendo comum vociferar o nome de Deus. Esta a minha conceção. Respeito, todavia, outras opiniões. 

A minha experiência no conflito da guerrilha na Guiné, teve como singularidade testar o meu mundo espiritual. Sabia que em casa dos meus pais, Aldeia Nova de São Bento, uma urbe situada num Alentejo sempre desperto, e astuto, a minha saudosa mãe convivia no dia-a-dia com uma promessa feita a partir do momento em que embarquei para a Guiné que a acomodava em manter as suas “santinhas” velinhas ininterruptamente acesas, deixando a sua jura antever que a fé superava um sofrimento superior com o qual o seu querido filho se deparava numa guerra que, por sinal, não dava folgas. 

Hoje, com a distância do tempo a prevalecer, confesso que essa candeia incandescente que a fé justamente ditou, elevou a minha auto-estima, assumindo em momentos considerados chaves, de apuro, atitudes que me catapultaram, e sempre, para virtuais sinais de esperança. 

Aliás, esta iniciativa da minha querida mãe expandia-se certamente por uma imensa diversidade de lares situados algures no mais discreto lar deste cantinho à beira-mar plantado. A família, no seu todo, convivia com a barbaridade que a guerra no Ultramar impunha ao mais modesto cidadão luso. A fé incutia na família um estado de espírito que gerava díspares situações que conduziam as mães, em particular, a orar a Deus e depararem-se com pagamentos de promessas. 

Naquela tarde o silêncio protelava-se com o avançar dos ponteiros do relógio. O calor apertava, era normal. Não havia ordens de saída, tão-pouco conhecimento de eventuais investidas ao mato. Prevalecia a serenidade. O pessoal dispersava-se no interior do arame farpado e passava o tempo a emborcar cervejas para contemplar os seus bebíveis desejos. Outros divertiam-se a jogar às cartas e havia também quem aproveitasse a ocasião para colocar a escrita em dia, enviando notícias para a metrópole, boas como era da praxe. Nada de insinuar potenciais desgraças entretanto conhecidas. 

A polícia do Estado – antiga PIDE – era uma organização que se mantinha sempre atenta. Uma pequena frase a denunciar o flagelo era fatídica. Nada de riscos. O cuidado atempado recomendava-se. Pintava-se a prosa em tons líricos. O sítio onde nos depositaram era esplêndido e tiros, ou desgraças, passavam completamente alheios ao nosso bem-estar. Mortos? Estropiados? Nem pensar, estávamos no paraíso. A mãe, o pai, os familiares e os amigos rejubilavam entretanto com as boas notícias recebidas do combatente. 

As leituras de livros em tempos de pausa favoreciam os nossos laboriosos espíritos. Com uma pequena foto da então namorada sobre a minha mesa-de-cabeceira, estiraçado numa cama onde os ferros apresentavam resquícios de uma ferrugem atroz que se sobrepunha a uma ténue cor de café com leite e uma ventoinha que me deleitava o corpo, lia atentamente um livro intitulado “UM DEUS NA PALMA DA MÃO”. Um Deus, algures num universo imaginado, que copiosamente teimava proteger a minha aureola humana e adornava os meus intuitos de uma luta constante pela sobrevivência. 

A luta, não titânica, travava-se, agora, entre as quatro paredes do meu afrodisíaco quarto. Esquecia-me, por momentos, do horrível som emitido pelas armas, dos rebentamentos das minas nas picadas, dos famigerados ataques noturnos aos quartéis, da imprevisibilidade do trilho no mato, ou dos momentos extremos e de ansiedade pura que a guerra sensatamente impunha. 

Ao lado, um camarada entretinha-se numa leitura sobre os heróis da banda desenhada. O ator principal era, no final, o vencedor. A personagem, obviamente mítica, ultrapassava barreiras inimagináveis. Vencia obstáculos. Nada temia. Era virtualmente o autêntico vencedor do chamado conto de fadas. Nós, recatados ao conflito, mergulhávamos num universo onde a prudência ditava ordens. 

Neste eloquente vaguear pelo mundo do ilusório, nós, jovens forçados a integrar esquadrões enviados para os campos de batalha, concluíamos: a guerra é um cosmos devastado por múltiplos interesses e assumidos por gentes que jamais conheceram os contornos de uma peleja onde a dignidade acaba por resvalar para conflitos incontornáveis!  

Revia-me, na altura, como uma pequena peça que integrava a plenitude de um xadrez onde um simples peão se limitava a evocar, apenas, a palavra de Deus. Avocava, fielmente, uma fé inacabada. Lembrava-me das orações da minha saudosa mãe; as suas idas constantes à Igreja; às missas domingueiras; as suas devoções, da sua entrega ao Pai Todo Poderoso. 

Crenças que se estendiam aos ilustres soldados enviados para o então Ultramar a fim de combaterem um inimigo com rosto e de ideais seguros. Homens joviais que deixavam no seu torrão sagrado um vínculo real para o seu chamamento a terras de além-mar. “Carne para canhão”, falava-se nas velhinhas ruas de uma recôndita urbe portuguesa ou em redor de um balcão de uma velha taberna. “Deus o proteja”, asseverava uma venturosa senhora que conhecia a preceito o rapaz, agora feito militar, numa das lojas da aldeia. 

Restava a inequívoca verdade que a fé na guerra do ex-ultramar prevaleceu entre os homens que combateram no terreno com o IN. Por outro lado ficará a inquestionável dúvida: será que a Pátria agradeceu toda a nossa entrega? Será que os nossos companheiros que fazem parte do rol dos falecidos, desaparecidos, estropiados bem como todos aqueles que ainda hoje se deparam com exequíveis sequelas de uma guerra que teimam em persegui-nos, são reconhecidos? O que resta de uma guerra atroz que implicou no rumo das nossas vidas? Responda quem de direito. Nós, piamente esperamos, como sempre! Que Deus os oiça e ilumine as suas mentes.


Mini-guião e emblema de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 


Guiné 63/74 - P10468: Carta aberta a... (8): Meu amigo português de Cufar, António Graça de Abreu (Cherno Baldé)

1. Mensagem de 1 de outubro, do Cherno Baldé, em resposta á cara aberta do AGA, no poste P10448 (*)

 
Caro amigo Luís Graça,

O título desta carta, ficava melhor assim: Carta aberta ao meu amigo Guineense (Cherno) Cufar... (Baldé), porque não creio que ela seja endereçada a mim, pois o mais provével é ter o AGA [, António Graça de Abreu], o grande vencedor, ter feito esta carta para se exorcizar ou melhor reconciliar-se com os seus fantasmas de Cufar que, pelos vistos,  continuam a incomodá-lo.

Primeiro, porque eu não sou propriamente um militante anti-colonialista visto que, feliz ou infelizmente, tanto eu como os meus familiares próximos e longínquos, não aderimos a luta anticolonial, bem ao contrário. 

Em segundo lugar,  não sou dos que vêm a história e o mundo a preto e branco pois, ainda criança, desafiei tudo e todos ao quebrar, por iniciativa própria, todas as barreiras sociais e culturais levantadas pela nossa gente para de seguida atravessar os arames farpados levantados à volta dos soldados portugueses e partilhar com eles momentos de alegria, tristeza, medo e angústias ,próprios de uma guerra sem rosto que não poupava a ninguém. 

Parece-me que entre o lúcido e comedido AGA que escreveu o Diário da Guiné e o ultranacionalista e super-herói "vencedor" AGA que agora se nos apresenta neste Blogue, há uma grande diferença. 

De resto, não estou interessado em alimentar controvérsias a volta de manifestações de um patriotismo tardio, ainda que tenha, também, por ele todo o respeito deste mundo.

No post da tua autoria (*), o sentido das minhas palavras ficou incompleto sem a inclusão da última parte do meu comentário, pois embora tenha reconhecido que nem sempre concordei com a linguagem utilizada pelo historiador [, René Pélissier,] , no fim acrescento que factos são factos e que não adiantava tentar tapar o sol com as mãos, o que significa que posso concordar com o conteúdo e não estar, necessariamente, com a forma. 

Mas, é como dizem: uma vez jornalista, é-se jornalista para sempre. 


Um grande abraço,
Cherno Baldé
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Guiné 63/74 - P10467: Do Ninho D'Águia até África (14): O herói "Curvas" (Tony Borié)

1. Continuação da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (14)

O herói Curvas

O cenário da área onde se encontram uns tantos militares que seguiam em normal patrulha e que neste momento esperam pela ajuda de um helicóptero, para fazer pelo menos duas evacuações, é este: capim e arbustos rasteiros, algumas árvores, também rasteiras, algumas até têm picos, um homem natural da província, que era guia e tradutor, está morto depois de uns minutos de agonia, no chão, um pouco encolhido, com duas balas alojadas na zona do peito que quase lhe perfuraram o corpo de um lado ao outro; um militar, com sangue em ambas as pernas, chora e lastima-se da sua pouca sorte, e um pouco retirado, encostado a uma dessas árvores sem picos, está o Curvas, alto e refilão, que chama filho da puta a toda a gente, pois vê o seu amigo Trinta e Seis, que tem uns arranhões dos picos das árvores que o feriram nos braços, porque é baixo, e tem a mania de andar sempre de camuflado com mangas arregaçadas.

A história foi contada pelos intervenientes, que ao chegaram ao dormitório, beberam água e se atiraram para cima das camas, alguns rompendo mesmo o mosquiteiro, pois vinham exaustos mas com um ar de pessoas importantes, e tinham alguma razão. Na noite anterior, o furriel miliciano entra no dormitório e avisa uns quantos:
- Amanhã, ao romper do dia, vamos sair em patrulha, preparem as G3 e carregadores, vejam se têm suficientes munições, se não tiverem, alguém que vá buscar uma caixa e carreguem os carregadores, pois as granadas, logo ao sair serão distribuídas, vai ser coisa simples, de rotina.

O grupo estava formado à hora e subiram para os Unimogues que os deixaram a sudoeste, numa zona de mato e capim, quase seca, de onde deviam começar o patrulhamento em direcção ao aquartelamento, onde estava previsto regressarem antes de anoitecer. Alguns já tinham feito este tipo de patrulhamentos e às vezes adiantavam-se, chegando a meio da tarde, ao aquartelamento, o que levava muitas vezes o Setubal dizer ao Cifra:
- Porra, quando sou eu, deixam-nos em casa do caral...! Mas estes deixaram-nos à porta do aquartelamento!

Enfim, voltando à história, andaram por mais de uma hora, nada de suspeito, não tiveram qualquer contacto com pessoas, o que leva o Curvas, alto e refilão, a falar na linguagem que todos lhe conhecem, dizendo:
- Aqui há merda. Não se vêm pessoas. Será que já entramos noutro País?

E o Trinta e Seis, baixo e forte na estatura, que ia como de costume a seu lado, logo lhe diz:
- Tão alto e tão burro. Nós estamos perto do aquartelamento, que fica a dezenas de quilómetros da fronteira.

Mas o Curvas, alto e refilão, que não acatava ordens, não se convencia, e voltava a dizer:
- Não, isto não é normal. Não fales merdas, tem que haver aqui pessoas.

Ainda não tinha acabado de pronunciar estas últimas palavras e já se ouviam tiros de metralhadora, vindos de umas árvores, um pouco ao longe.

- Abaixem-se, é uma emboscada. Grita o furriel miliciano que comandava este grupo.

Seguiu-se um tiroteio, não muito longo, pois passado uns minutos deixou de se ouvir tiros e o resultado foi a morte de um guia tradutor, que seguia na frente do grupo, e ferimentos com balas nas pernas de um militar, acima dos joelhos, que chorava com fortes dores, mesmo depois de estancado o sangue com ligaduras.

O helicóptero veio, evacuou o ferido e o morto e a título de curiosidade, pois a ordem era regressar ao aquartelamento imediatamente, mas o Curvas, alto e refilão que não acatava ordens, disse, tentando desapertar o cinto:
- Porra, esperem só uns minutos. Estou à rasca! Vou ali fazer um serviço que ninguém pode fazer por mim e volto já.

E foi revistar a zona de onde tinham vindo os tiros, deparando com uma pequena aldeia, apenas com duas casas, muito baixas, que se confundiam com o capim e demais vegetação, com um arsenal de armas e munições, assim como alguns documentos importantes.

Um achado valioso em termos militares, muito mal guardado, pois segundo se soube, deviam ser poucos os guerrilheiros, que ao darem pela presença dos militares, deviam ter disparado tiros, mas julgaram que se tratava de um grande grupo de militares logo se puseram em fuga, como era seu costume. E o Curvas, alto e refilão, continuava, dizendo:
- Eu sabia! Eu sabia! Vejam o que estes filhos da puta, aqui tinham escondido. Vou matá-los a todos, todos!

Entraram de novo em contacto com o comando, que enviou alguns reforços, assim como viaturas e veio o helicóptero de novo, que recolheu todo aquele arsenal, por diversas vezes, para uma zona próxima, onde podiam circular as viaturas, que por sua vez, transportaram todo o arsenal para o aquartelamento, todos olhavam o Curvas, como um herói e poucos recriminavam a sua linguagem, alguns, até o imitavam.

Este pequeno arsenal estava a poucos quilómetros do novo aquartelamento, sinal que os guerrilheiros avançavam e andavam por perto.

E o Setubal, dizia ao Cifra:
- Isto está a aquecer, qualquer dia escalda.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10454: Do Ninho D'Águia até África (13): O Bóia (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10466: Blogpoesia (305): O helicóptero (Jorge Cabral, Missirá, 1970)





Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) >CCAÇ 12 (1969/72) > Uma helievacuação em Madina Colhido (muito provavelmente), no subsector do Xime... Pelos vestígios de queimadas, nota-se que estávamos na época seca, logo a foto será dos primeiros meses de 1970... O riquíssimo Álbum Fotográfico do meu querido amigo e camarada Arlindo Teixeira Roda (naturald e Pousos, Leiria, a viver em Setúbal há décadas) não tem, legendas...

Fotos: © Arlindo Teixeira (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



O Helicóptero

Pelo ar lento que aquece,
Um pássaro de ferro e aço
Leva o morto que apodrece,
Na boca mais um abraço.

A gente fica a pensar
Mas mais um morto que interessa,
Já vêm mais pelo mar,
Vêm muitos e depressa.

A gente pensa,
Mas fica com o dedo no gatilho,
Na garganta um nó que pica,
Na preta o ventre com o filho.


Jorge Cabral, Missirá, 1970

Jorge Cabral 
(ex-alf mil art, Pel Caç Nat 63, Fá e Missirá, 1969/71).

In jornal “Apoiar”, 23 (Jan/Mar 2002), 
órgão da Apoiar - Associação de Apoio aos Ex-Combatentes, Vítimas de Stress de Guerra

(Selecção de Jorge Santos, membro da nossa Tabanca Grande, 
e autor da página sobre A Guerra Colonial
republicado na I Série do nosso blogue, 

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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10458: Blogpoesia (304): Cangalheiros deste povo (Ricardo Almeida, o poeta da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71)

Guiné 63/74 - P10465: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (5): Guileje: a messe de oficiais...



Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Entrada da messe de oficiais.




Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Edifício do comando > Entre portas, de óculos. está o alf mil Armindo Batata. "De costas, t-shirt branca, calças do camuflado e quico, [ao centro], creio ser o cap Barbosa Henriques [, da CART 2410]", segundo a explicação dada pelo Armindo Batata.

1. O nosso camarada Armindo Batata que, depois da peluda, se formou, pelo ISEL - Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, sendo hoje engenheiro técnico mecânico e formador, especialista em automação industrial, tem tido a gentileza de me mandar algumas notas para melhor enquadramento e compreensão das suas fotos de Guileje (mas também, e vamos publicar, de Cacine, Cufar e Catió)... Ontem mandou-me duas fotos, novas, que não constavam dos nossos arquivos... Aqui vai a legenda:


"A messe de oficiais era o alpendre do edifício comando/quarto do capitão/quarto dos alferes. Na fotografia [, a primeira de cima,] pode-se ver esse alpendre, com a mesa para refeições no primeiro plano e as cadeiras do bar de oficiais (aqui apetece-me sorrir) ao fundo em segundo plano. 

"A passagem em primeiro plano era habitualmente muito concorrida durante o jantar, já que estava no caminho de um dos espaldões de morteiro 81, dos espaldões da artilharia e dos abrigos de 3 ou 4 grupos de combate. 

"Nos lados perpendiculares a este corredor/messe ficavam o chuveiro e lavatório abastecidos por bidão (o lado onde está o militar a fumar) e no lado paralelo oposto, o sanitário, que constituía um excelente abrigo para quem fosse lá apanhado sentado. Em último plano o depósito de géneros.
"O militar nesta fotografia era o alferes comandante do pelotão de artilharia que substituiu o alferes (Gonçalves?) morto em combate em Fevereiro de 1969. [José Manuel de Araújo Gonçalves, natural de Lisboa, morto em 14/2/1969, ao tempo da CART 2410; era alf mil art, do BAC1, os seus restos repousam no cemitério do Alto de São João, em Lisboa]

"Na outra fotografia é visível a protecção do alpendre/messe de oficiais. Entre portas estou eu. De costas, t-shirt branca, calças do camuflado e quico, [ao centro], creio ser o cap Barbosa Henriques [, da CART 2410].

"Não me recordo de que festividade se tratava, mas era a apresentação de uma cerimónia fula à tropa".

Fotos (e legendas): © Armindo Batata (2012). Todos os direitos reservados [Fotos editadas por L.G.]





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 > 1971 > Álbum fotográfico do cor inf ref Jorge Parracho > Foto nº 40, sem legenda > O comandante da companhia, Jorge Parracho,  sentado à entrada  do edifício que era simultaneamente messe de oficiais, comando, quarto do capitão e quarto dos alferes, segundo a explicação que agora nos é dada pelo Armindo Batata.

Foto: © Jorge Parracho / AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

 [As fotos de Jorge Parracho foram disponibilizadas à ONG AD- Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, em 2007, no âmbito do projecto de criação do Núcleo Museológico Memória de Guiledje. Não têm legendas, vêm apenas numeradas. Legendagem da responsabilidade de L.G.].

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Nota do editor:

Último poste da série > Guiné 63/74 - P10456: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (4): Guileje: abastecimento de água...

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10464: In Memoriam (127): António Martins, ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 675 - Presente (José Eduardo Oliveira)

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO), ex- Fur Mil da CCAÇ 675, (Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com data de 24 de Setembro de 2012: 

Caro Amigo Carlos
Votos de que esteja tudo bem contigo e com os teus.
Depois de longa ausência arranjei coragem, tema e tempo para mandar alguma coisa para o nosso blog.
Mandei para o endereço do Luís Graça a pensar no "facebook" da Tabanca Grande - o que fiz pela 1ª. vez - e não sei se fiz alguma coisa mal, pois não tive qualquer indicação de o meu texto ter sido recebido. Porque já passou mais de uma semana mando para ti à "antiga portuguesa", ficando na expectativa das tuas notícias.

Um grande abraço de Alcobaça.
JERO


De vez em quando… uma viagem ao passado 

A primeira paragem foi em Tondela. O Belmiro Tavares e a sua mulher, Luísa, tinham partido de Lisboa e deram-me boleia a partir de Alcobaça. Para ali chegar já tínhamos andado uns bons quilómetros. Em números redondos cerca de 300.

Entrámos no cemitério e encontrámos a campa do 1.º Cabo Enfermeiro António da Silva Martins sem dificuldade. O Tavares já cá tinha estado anteriormente. Eu vi pela primeira vez a sepultura do “Rato”, alcunha por que ficara conhecido por toda sua Companhia – a nossa CCaç 675. Em 1970 não tinha resistido a um acidente de motorizada numas fatídicas férias que passou na sua terra natal. Contava 28 anos. Anteriormente tinha vivido – ou sobrevivido - em Lisboa, após o regresso da Guiné.

Na sua humilde sepultura estavam também a mãe e uma irmã (Maria Manuela Silva Martins Neves Antunes – 1946/1998), conforme informação do coveiro, que nos acompanhou na visita. O pai também já tinha falecido e o nosso solícito informador nada mais nos conseguiu dizer sobre familiares do Martins, que estivessem vivos. Depois do nosso regresso da Guiné em Maio de 1966 os primeiros reencontros entre camaradas da guerra haviam acontecido por causa de casamentos, que aconteceram quase por todo o País. Depois do nosso regresso para a vida o “Rato” fora o primeiro a encontrar a morte.


Todas estas recordações me passaram pela cabeça enquanto colocávamos a lápide na campa n.º 31 do nosso camarada: PRESENTE /António Martins/ 1.º Cabo Enfermeiro/ Os Companheiros.

Abandonámos o cemitério. Antes de sair da cidade visitámos ainda a Igreja Matriz de Tondela. Continuava a “ver” o “Rato” com o seu sorriso inconfundível, que fazia parte da sua imagem de marca. Irreverente, malandro, irresistível no quartel e na tabanca com as “bajudas”, mas valente e desenrascado no “mato”. Voltara da guerra sem um arranhão e, dois anos depois, morreu num desastre de viação. Num tempo em que não havia telemóveis a notícia da sua morte chegou-me com algum atraso. Felizmente que alguns meses antes tinha-o conseguido levar a casa dos meus pais, em Alcobaça, onde tinha sido tratado como um filho. Esse tempo feliz ficou-me gravado na alma.

Seguimos depois para Freinedo, junto a Vilar Formoso, onde nos deslocámos para honrar a memória de outro camarada: - António de Jesus de Encarnação, que fora 1.º Cabo Rádiotelegrafista.

Cabe aqui fazer um pequeno parêntesis para recordar que durante a permanência da Guiné (1964-66) tivemos 3 mortos em combate: - Furriel Miliciano Mesquita e os soldados Gonçalves e Nascimento.

Depois, pela ordem natural da vida, que envolve a morte, “deixaram” a família da CCaç 675 mais 4 dezenas de camaradas.

Graças à iniciativa do ex-Alferes Miliciano Belmiro Tavares temos, desde há uns anos a esta parte, vindo a colocar lápides nas suas sepulturas com a mensagem de PRESENTE, que faz jus ao lema da Companhia, que no seu emblema referia “Nunca Cederá”.

Na visita à sepultura do Encarnação, que faleceu em 2008 com 66 anos de idade, tivemos a companhia de uma sua filha, que também reside em Freinedo. Ficámos a saber que o nosso antigo camarada foi emigrante em França, durante grande parte da sua vida.

No dia seguinte cumprimos um “programa” diferente, dedicado aos “vivos”. Fomos ao encontro de 2 camaradas que residem perto de Almeida, uma terra com história e com alma… até Almeida (1).

Como o Belmiro Tavares gosta de dizer fizemos nessa tarde um “mini-convívio” da “675”.

Reencontrámos o António Alberto Nunes Espinha, por alcunha o ”Cara Rota”, e o Silvestre Fernando Verges Flor, que passou à história como o “Aguardente”. Vá lá saber-se porquê !

São agora “rapazes” com 70 anos e a vida marcou-os de maneira diferente.

Curiosamente o “Aguardente” afastou-se da dita e passa a imagem de um homem tranquilo, com “as coisas” todas bem arrumadas. Em relação à sua idade actual passou mais tempo em França que em Portugal. Está bem na vida. O “Cara Rota” vê-se que é um homem desenrascado, que conhece bem o solo que pisa e que vive o seu dia … ”à sua maneira”. De manhã bebe uns “copos” com uns amigos. À tarde faz “alguma coisa” e, logo que está livre, joga à sueca com uns parceiros habituais. E o tempo vai-se passando.

Espinha, Tavares, Luísa, Flor e JERO 

Prometeram comparecer no próximo convívio da CCaç 675, desde sempre marcado para o 1.º domingo do mês de Maio de cada ano.

E já passaram 46 anos desde que o navio “UÍGE” nos transportou de Bissau para Lisboa, onde aportámos em Alcântara em 3 de Maio de 1966.

Para uma próxima “agenda”, a cumprir ainda este ano, temos para entregar as placas do Alferes Miliciano Artur Mendonça (Felgueiras) e do 1.º Cabo Cozinheiro Rogério Romão (Sabrosa/Vila Real).

O Belmiro Tavares e sua mulher ficaram mais uns dias no “Retiro dos Caetanos”, em Souto Chão (Rocas do Vouga), que foi o nosso” quartel-general”. Grato pela hospitalidade regressei a casa pelos “meus meios” e com a ajuda da Rodoviária Nacional.


Desta jornada de saudade a recordação mais viva, mais marcante foi a visita à campa do “Rato e ter visto a sua fotografia sumida, esfumada, apagada pelo tempo. Encaixada na sua lápide do cemitério de Tondela.

Que saudades eu tenho do “puto” irreverente da Guiné dos longínquos anos de 1964-66 em Binta, na Vila Tomé Pinto!

Desse tempo que não volta e do tempo que corre e… não se detém .

Quanto mais tempo andaremos nesta saga???

Num dia recordámos os mortos. No dia seguinte confraternizámos com os vivos!!! Todos nós sabemos que só uma coisa é certa…

Mas… a nossa amizade NUNCA CEDERÁ.
JERO

(1) - Evoca este grito – “alma até Almeida” - a importância que teve Almeida, fortaleza que só passou a integrar definitivamente território português no século XIII, com a celebração do Tratado de Alcanizes, na defesa de toda a Beira, face às muitas incursões castelhanas, e à valentia com que os seus guardiões disso fizeram um ponto de honra.

Porta da Fortaleza de Almeida
Foto: Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10334: In Memoriam (126): António Rodrigues Soares da CART 1689/BART 1913 (Guiné, 1967/69)

Guiné 63/74 - P10463: Estórias cabralianas (74): Danado para as cúpulas... (Jorge Cabral)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Jorge Cabral, ele mesmo, ex-alf mil art, Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71.

Foto: © Jorge Cabral (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Mais um estória do nosso alfero (*)... Começou em abril de 2007,  a nº 1... Já lá vamos na 74, à espera do lançamento do prometido livro de antologia que será, dizem, um acontecimento social de arromba na noite de Lisboa... (LG) (**)

Danado para as cúpulas ? 
por Jorge Cabral


 – Branquinho, eu era danado para as cúpulas ? –  perguntei-lhe um dia destes, porque  habitualmente me socorro da sua memória. Ainda há meses, logo depois do almoço da CCS do Bart 2917, em Guimarães, no qual contaram tantas estórias do meu  Missirá, tive de procurar confirmação junto dele. Praticamente eram todas invenções, pois também têm direito…

A esta questão, o Branquinho nem soube responder.
Cúpulas ? Quais cúpulas?

Lá lhe relatei o encontro com o Belmiro, um Rapaz dos  Morteiros, que esteve connosco largos meses. Vinha com um cunhado e a certa altura  afiançou-lhe:
Aqui o Alferes era danado para as cúpulas!

Não percebi.. Sorri e concordei:
– Pois era !  Mas a expressão não me saiu da cabeça.

Danado para as cúpulas? Matutei, matutei e penso que descobri.

Em Missirá, a mesa das refeições servia também de secretária, na qual escrevíamos  as nossas cartas e aerogramas. No início até me pediam para escrever às namoradas. Mas depois da má experiência, documentada na estória “O Básico Apaixonado” (***), passei a funcionar como uma espécie de Ciberdúvidas [da Língua Portuguesa]:
 – Meu Alferes,   como se escreve isto? Meu Alferes como se escreve aquilo?

Ora, uma tarde o Belmiro perguntou-me:
– Meu Alferes, f…..é com u ou com o?
– Mas para quem estás a escrever? Põe copular, é assim que se diz.

Não sei se seguiu o meu conselho. A carta era para o irmão e certamente o Belmiro  gabava-se das suas proezas sexuais.

Mais de quarenta anos depois deve ter relembrado a palavra.
– Mas atenção,  Belmiro, como  a outra, esta também se escreve com um o.

Bem, aqui entre nós, o ou u não interessa mesmo nada. Até porque é bem melhor de fazer do que de escrever…

 Jorge Cabral
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Notas do editor:

(*) Últimos postes da série, publicados no ano em curso:

29 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10307: Estórias cabralianas (73): O Conde de Bobadela (Jorge Cabral)

(...) Estou no Tribunal de Mafra à espera de um Julgamento, quando uma mulher me interpela:
- É o Senhor Conde, não é?

Hesito, mas para evitar mais conversa, respondo:
-Sou sim. Como vai a senhora?
-Ai, que já não se lembra da Aurora! Eu trabalhava em casa do Senhor D.Ilídio. O Senhor Conde ia lá muito, quando estava na tropa. (...)


9 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9873: Estórias cabralianas (72): Ressonar... à fula (Jorge Cabral)

(...) Além de ressonar, sempre falei a dormir. Um dia em Missirá propus-me descobrir, de que falava, o que dizia. Ora, havia lá um velho gravador de fita, máquina pertencente a não sei quem, enfim nossa, pois viviamos numa espécie de “economia comum”. Resolvi pois gravar uma das minhas noites. (...)
(...) Há uns tempos recebi uma simpática mensagem de uma leitora das “estórias cabralianas”. Gabava-me o humor mas alertava-me, algumas indiciavam uma certa “fixação mamária”. Nada de grave, que não pudesse ser tratado no seu divã, de psicanalista, presumo. (...)

3 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9304: Estórias cabralianas (70): Sambaro, o Dicionário e o Afecto (Jorge Cabral)

(...) Agora que tenho tempo, tornei-me um caminheiro. Logo pela manhã abalo pela cidade. Travessas, calçadas, pátios, becos, vilas, percorro devagar essa Lisboa escondida, quase invisível. Foi num desses passeios que encontrei Ansumane. Um negro velho e calvo, que entre a Travessa da Lua e o Beco das Estrelas, arengava em crioulo. (...)

(**) O nosso alfero veio logo protestar: "Luís, a antiguidade é um Posto! Comecei em Dezembro de 2005! O 'Básico Apaixonado' é de 7 de Janeiro de 2006, tendo sido posteriormente republicado". 

 E eu tive que lhe dar razão: "Querido 'alfero': Os meus neurónios já não andam bem!... Fui lá atrás, a dezembro de 2005 (!), aos postes da I Série (que já ninguém lê), descobrir algumas preciosidades tuas, as primeiras estórias cabralianas, de que fiquei logo fã, repubicadas depois,  mais tarde,  na série do mesmo nome... Bato-te a pala e peço-te mil e uma desculpas pelo lapso biocronológico. É verdade, aqui(e lá) a antiguidade é(era) um posto... Foi "pela mão do Humberto Reis" que a gente se reencontrou em Lisboa, em dezembro de 2005... Abraços, longos. Luís".
  
(***) Vd. poste de 23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)

(...) O Pel Caç Nat 63 esteve quase sempre em Destacamentos. Comigo em Fá e Missirá. Antes no Saltinho, e depois no Mato Cão. Para os Destacamentos eram mandados os especialistas que a CCS [do Batalhão sediado em Bambadinca] não queria. Assim, tive maqueiros que não podiam ver sangue, motoristas epilépticos e até um apontador de morteiros cego de um olho. Tudo boa rapaziada, aliás! (...)