domingo, 25 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10721: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (8): Você agrediu-me?

1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa (Coronel de Art.ª Ref, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), com data de 23 de Novembro de 2012:



Olá Camaradas

Aqui vai a minha colaboração para o blog, no âmbito da série "A Minha Guerra a Petróleo".

O texto já foi submetido a exame prévio pelo Orlando Pauleta e vem na sequência do texto "Ai que Me Dói Tanto!" (*)

Creio que a leitura deste primeiro, facilita a compreensão do que enviei primeiro.

António José Pereira da Costa

A Minha Guerra a Petróleo (8)

Você agrediu-me?

A minha aventura com as minas não terminou com o ferimento do Paiva. Antes pelo contrário, ainda havia muito terreno a palmilhar. Agora, éramos apenas dois – o Ramos e eu – a conhecer o campo. Na única decisão lúcida possível, por determinação do Batalhão, tínhamos começado a levantá-lo e, até o CAOP “descobrir” o que se passava, tínhamos aberto uma brecha, com início no buraco do par de minas que vitimara o Paiva. Uma brecha não sinalizada é uma situação muito perigosa, em qualquer campo de minas e muito mais num implantado em terreno onde a natureza muda constantemente e com grande rapidez.

As referências, todas naturais, poderiam perder-se facilmente, com as consequências que se imaginam. Se o processo de revisão ou de levantamento não se apressasse, corríamos o risco de não conseguir identificar o local onde a “segunda secção” do campo tinha início. Preocupava-me o que pudesse acontecer ao Ramos. Embora um acidente fosse sempre uma hipótese a considerar, nunca me tinha passado pela cabeça que um, nos moldes do que vitimara o Paiva, pudesse acontecer. Admitia mais a possibilidade de um erro de manipulação, uma explosão no momento da colocação da cavilha, ou até a possibilidade de o IN mudar a posição de uma mina que tivesse detectado. Mas aquela, não… Como já disse, o Ramos era casado, vivendo na tabanca com a mulher e o filho de tenra idade e eu começava agora a imaginar a cena que teria lugar se ele viesse a ficar igualmente ferido.

Hoje, à distância no tempo, estou em crer que ninguém, nos comandos superiores, sabia, com clareza, o que fazer perante a situação que se gerara. As minas eram uma coisa “chata”, que existia e com que era necessário contar, mas não era uma coisa intensamente estudada e aplicada com rigor e atenção. Eu estava em final de comissão e, por muito que retardassem a minha partida, não havia a menor garantia de que a situação se resolveria. O Batalhão, mais lucidamente ou procurando alijar a sua parte da responsabilidade, procurara resolver o problema. Mas o CAOP 2 não estava pelos ajustes, talvez por não querer que as suas decisões fossem postas em causa.

Por isso, depois de ter simulado não “ver” o que se passava, deu ordem ao Batalhão para parar com o levantamento das minas. Foi finalmente tido em conta que o número de especialistas era insuficiente para a tarefa a desempenhar. Daí, que eu tenha sido informado de que a verificação do campo ia continuar com o apoio de dois especialistas – um cabo, Fernando Oliveira Neves, “o Oliveira”, e o furriel Orlando Pauleta – do Pel Sapadores do Batalhão. Quase em simultâneo, recebi notícia de que o meu substituto estava para chegar.

O encontro com o meu substituto foi verdadeiramente surrealista. Veio na “coluna grande” – a coluna Bissau-Farim – e eu procurei-o com a ansiedade de quem está farto e não sabe quando se verá livre daquela situação, que se aproximava do absurdo, tanto num nível a que podemos chamar local, como, muito provavelmente, a nível mais geral. Tinha os 24 meses completos e, embora o oficial de operações do Batalhão me tivesse informado que o meu substituto não seria capitão, não estranhei a situação.

Já há algum tempo que era minha convicção de que o potencial humano, pelo menos no que aos quadros dizia respeito, começava a ser insuficiente para as necessidades da “Guerra”, tanto em quantidade como na preparação ministrada ou recebida. Não o encontrei e a coluna acabou por partir em direcção ao Norte. Pensei: “Ainda não foi desta”. Só então vi, a meio da “avenida central” de Mansabá, um militar de camuflado, amparado a uma G3 e com duas malas ao lado. Estava longe, por isso mandei uma viatura buscá-lo. Recebi-o com o calor possível e, depois de instalado, fomos almoçar. Apresentei-o aos graduados da companhia e notei o seu ar não distante, mas fechado. Pouco conversador, talvez por estar desmoralizado, parecia remoer uma certa dose de revolta. No fundo acontecia a todos os que chegavam, pensei. O contacto com a terra era desmoralizante (“Afinal a Guiné é isto? É por isto que me venho arriscar?”) e o não conhecer a “Guerra” e ouvir falar dela, com certa “fluência”, por quem já lá estava, era traumatizante. Pensei que tudo iria passar e que, em breve, estaria adaptado.

 Avenida principal de Mansabá

Foto do Alf Mil Alfredo Montezuma do BCAÇ 2885

Tinha que lhe passar todas as minhas funções e, sabendo que era miliciano, achei que a parte administrativa seria determinante. O primeiro-sargento Canelas e a sua equipa de “administrativos” dariam boa conta do recado. Pensei, por isso, que por aí não surgiriam problemas, mesmo que tenente Tenreiro não fosse muito conhecedor das coisas da “guerra a petróleo”. O mesmo sucederia com a parte operacional, onde os quadros da CAr. mostravam já uma experiência considerável e um bom conhecimento das particularidades da zona de acção.

Neste âmbito, o problema mais importante era o campo de minas. O Tenreiro não sabia uma letra do assunto, o que complicava a tarefa. Contudo, entendi que, como comandante da companhia, deveria saber, ao menos, onde é que elas estavam, com alguma precisão. Como já disse, na parte administrativa da companhia, o Canelas acabou por vir, delicadamente como era seu timbre, informar-me de que ele não entendia as explicações que lhe eram dadas. Ficava apático, não fazia perguntas, nem sequer das que confirmassem a sua ignorância na matéria, mas o pior era que não parecia ter entendido nada dos ensinamentos que lhe eram dados.

Por outro lado, dos oito quartos-duplos de que o alojamento para oficiais dispunha, ele escolhera ficar no quarto com o alferes Antunes, talvez por ambos terem passado por Coimbra: o Antunes em matemática e ele em geografia, com o curso concluído, suponho eu. Ao fim de poucos dias, o Antunes revelou-me que começava a sentir-se pouco tranquilo e até intimidado com a presença do novo habitante do quarto. Não o tomei a sério, mas quando ele mostrou a cama onde o tenente dormia fiquei estupefacto. Os lençóis, enrolados em trouxa, amontoavam-se sobre o colchão e o travesseiro estava apoiado à cabeceira na “posição de tiro anti-aéreo”. Quanto à roupa pessoal, estava arrumada com certa, digamos… displicência.

Além disso, relatou-me um episódio que me preocupou e que não consegui explicar. O Tenreiro tinha-lhe mostrado os pés com umas pequenas feridas que lhe disse serem causadas pela falta de “umas anfetaminas” que tomava “lá na Metrópole”, mas que agora tinha deixado de tomar. Pensei que, com jeito, poderíamos convencê-lo a mudar de quarto, onde pudesse instalar-se mais à sua vontade, mas, por mais voltas que desse, eu não conseguia determinar a origem das tais feridinhas.

Uma manhã, ao pequeno-almoço, contou-me que tinha tido uma noite de insónias e de muita sede, mas que tinha resolvido este último problema “na mercearia”, onde conseguira obter água. Admiti que tivesse ido ao bar, à sala de praças ou, pior do que isso, que tivesse saído do quartel e ido ao restaurante do senhor Zé e da D. Olinda, cuja sorte comecei a lamentar por terem sido acordados de madrugada para a prática da virtude bíblica de “dar de beber a quem tem sede”. Perguntei-lhe onde tinha ido exactamente e apontou-me para o depósito de géneros da companhia. Do mal, o menos… já que os fiéis do depósito dormiam dentro dele.

Este pequeno detalhe fez-me crer que o meu substituto estava bastante desenraizado. De outra vez, o Serras – outro alferes – contou-me que o tinha encontrado, olhando muito fixamente para uma das janelas da messe. Ao ser surpreendido, virou-se para ele com um ar sério e disse-lhe:
 – Jesus não está aqui!

Como é do conhecimento geral, não estava, de facto. Ou estaria? É uma coisa que nunca saberemos, ao certo. Por mim, creio que, tendo tanto sítio para estar, às vezes até passava por ali, mas em permanências curtas… O Serras é que não achou graça e revelou-me as suas apreensões quanto ao grau de sanidade psíquica do Tenreiro. Por mim, comecei a concluir que algo de grave se passava. Admiti que simulasse ter vindo “já apanhado de casa” ou, pior, que fosse mesmo um doente que o recrutamento se recusara a filtrar. Esta última hipótese preocupava-me seriamente por poder contender com a minha rendição, mas era, cada vez mais, notório que era necessário fazer algo.

Aproveitei uma ida a Mansoa para pôr o comando ao corrente da situação, embora eu não soubesse bem identificar que contornos ela tinha. Foi então que fiquei a saber que estagiara, como alferes, em Angola e que não tinha sido promovido a capitão, à data de reembarque, como era de lei, por falta de condições estatutárias. Quais seriam, não me explicaram. Exclui os motivos políticos, pois não me pareceu que fizessem o seu estilo, e pensei que a situação tivesse a ver com uma certa falta de robustez física. O Tenreiro não era propriamente um atleta, mas nunca supus que a parte psíquica tivesse tanta preponderância na situação que se criara.

Tendo recebido ordem para continuar a verificação do campo de minas, resolvi aproveitar para lho ir “passando”. Éramos, agora, quatro a operar aquela máquina de morte e o meu substituto ficaria com uma ideia da localização. Poderia ser importante durante a realização de um patrulhamento, onde o Ramos, por acaso, não fosse, uma vez que os dois sapadores do Batalhão não estavam, em permanência, em Mansabá.

No dia 9 de Julho de 1973, lá fomos até Mamboncó. Descemos ao local do campo e começámos a pesquisar a partir da primeira mina existente, em direcção a Sul. O Tenreiro, com o mapa nas mãos, ia ficando “familiarizado” com a localização das minas. Segundo as indicações que nos ia dando, nós, os quatro, íamo-las destapando, verificando o estado de conservação e voltávamos a tapá-las. Admitíamos a possibilidade de ter de substituir uma ou outra que nos levantasse suspeitas de mau funcionamento e, por isso, tínhamos levado dois canudos com minas. As minas M-35 eram fornecidas em tubos de cartão que continham umas cinco ou seis, cada um. A certa altura veio a frase que nos fez gelar:
 – Em que mina é que estamos agora?

Tinha-se perdido. E nós a jardinar no meio daquele “lago de nenúfares”. Orientámos cuidadosamente o croqui e, pelos azimutes e medidas para as referências, localizámos a mina a partir da qual iríamos continuar. A partir daí, o cabo “Oliveira” passou a ser o portador do croqui e o Tenreiro apenas espectador hipoteticamente interessado. E fomos progredindo até que resolvi dar os trabalhos como terminados. Por experiência, tinha concluído que o cansaço – acrescido, naquelas condições de trabalho – era inimigo da concenttação e a distracção é algo que, quem trabalha com minas, deve evitar, a qualquer preço. Sei hoje que a perda constante de água e sal criava condições para que o nosso nível de concentração diminuísse.

O Ramos e eu saímos do campo e começámos a equiparmo-nos. Os dois sapadores do Batalhão estavam a verificar a “última” mina daquele dia. De repente, uma explosão. Olhei para o sítio onde ambos estavam. O Pauleta de pé, mas dobrado para frente e com as mãos abertas para trás, ao lado do corpo não se mexia. Mas o cabo caíra no chão e contorcia-se num esgar de dor, gritando:
– Eu nunca mais vejo o Sol!

Foi o que, na altura, me mereceu mais atenção, mas, de acordo com as informações de que disponho, sei que, felizmente, não ficou com a vista afectada. Uma lesão num dos ouvidos determinou a sua baixa ao HMP, no dia seguinte, para ser assistido no serviço de otorrinolaringologia, com posterior regresso à Guiné, logo que foi considerado como “curado”. O ferimento mais sério tinha-o o Pauleta que perdeu um dos olhos.

Num primeiro relance pareceu-me ver um cabo eléctrico, semi-enrolado, no chão. Deu-me até a ideia de que estava um bocado descamisado, como dizem os electricistas. Por momentos ocorreu-me a ideia de uma armadilha do IN ou de uma explosão electricamente comandada. O PAIGC não tinha este hábito, mas, sendo apoiado por estrangeiros, poderia ter sido aplicada esta técnica, que começava a surgir em diversos TO mundiais.

Aproximei-me e vi a “pica”, de verguinha de ferro, que se encaracolara com a potência da explosão. O punho, feito de num emaranhado de adesivo encarniçado, foi o que me tinha sugerido o cabo eléctrico que, afinal, não existia. Há horas de azar e aquela fora uma delas. A ponta da “pica” acertara, em cheio no perno da espoleta de uma das minas do par ali enterrado. Da explosão de ambas resultara a invulgar deformação da “pica”. O Ramos e eu ajudámos os dois feridos a sair da área perigosa e eu pedi ao tenente Tenreiro que recolhesse as armas, os equipamentos que lhes pertenciam e os “canudos” das minas não utilizadas. Ficou parado. Estático, mesmo. Gritei-lhe e ele balbuciou:
–  E as minas?

Larguei o Pauleta. Fui-me a ele, estiquei-lhe os braços e pus-lhe os materiais ao colo. Depois, enfiei-lhe um pontapé no sítio onde as costas mudam de nome para o pôr a andar para as camionetas que estavam na estrada. Só então começou a reagir e, voltando-se para mim, perguntou:
– Você agrediu-me?”
– Agredi, sim! Vá pôr isso às viaturas e depressa.

Ele foi e não voltou. Depois, foi a corrida para Mansoa, à velocidade que a estrada permitia. À chegada, o oficial de operações perguntou-me o que sucedera.
– Toma lá mais dois para a corda do sino. – foi tudo o que me ocorreu responder.

Depois contei o sucedido e queixei-me da inacção do meu putativo substituto. Desta vez não houve comentários desajustados do meu superior hierárquico (que nem se aproximou de nós) e não me lembro de ter visto ninguém do CAOP a perguntar o que quer que fosse. A partir daqui era o Batalhão quem tratava dos feridos. O Tenreiro, perturbadíssimo, ficou em Mansoa, quando regressámos a Mansabá. Eu nem sabia o que pensar da situação que se criara. O campo acabara de fazer mais duas vítimas, nas nossas tropas, e eu não sabia o que fazer. Tinha a sensação de que tudo voltara à estaca zero, mas o que mais me danava era eu ter sido contrário àquela manobra, que se estava a revelar completamente contraproducente, e alguém ter insistido para que eu prosseguisse com ela. O que fazer?

Como já disse noutro local, o Ramos e eu, devidamente autorizados – assinale-se – desmontámos aquela inutilidade, sem mais percalços. Deus (às vezes) estava ali, afinal.

Contaram-me que o tenente Tenreiro, depois de eu ter saído de Mansoa, foi ao médico do Batalhão. Este era um minhoto bonacheirão e gordo que suava desalmada e permanentemente. Quando lhe perguntou de que se queixava, o Tenreiro disse que suava muito e que não se dava bem com o clima. Aí foi interrompido pelo médico que lhe mostrou a camisa encharcada e disse:
– E eu ? Você acha que eu me dou bem com o clima?
– Ora tenha calma e verá que se habitua!

O Tenreiro não se deu por vencido e pediu para ser evacuado. O médico, perante este pedido absurdo, explicou-lhe que, se quisesse, poderia ir a Bissau e, nas urgências do hospital, atirava-se para o chão, gritava que estava doente e podia ser que fosse evacuado.

O doente mudou de maleita e pediu uma consulta de ginecologia. O médico, ainda com alguma paciência, procurou confirmar o nome da consulta. Perante a exacta confirmação, relembrou-lhe que estavam numa consulta médica, que estava a trabalhar e terminou dizendo-lhe:
– Eu até admito que goze comigo, mas com os dois pés, é que não!

O médico era realmente uma pessoa bem-humorada, que fazia bom ambiente e de quem toda a gente era amiga. Vendo que o doente apontava para os “genitais”, mandou-o baixar as calças e verificou que, efectivamente, fora operado naquela área, mas um varicócelo, cuja cicatriz não tinha qualquer indício de poder dar queixas. O doente não conseguiu explicar as razões do seu mal, que justificassem a frequência de consultas daquela especialidade que, naquele tempo, era impossível serem frequentadas por quem nascera homem. Por isso, o médico entendeu despedi-lo. Já à saída, o tenente voltou atrás e, debruçando-se sobre a mesa do médico, exclamou:
– Ah! E também não vejo bem da vista!

Não teve tempo de prosseguir. O médico saiu de trás da secretária e, aos gritos, expulsou-o do gabinete. Não sei exactamente porquê. Talvez a oftalmologia não fosse a sua especialidade…

Uns dias depois, fui chamado ao Batalhão, onde me foi entregue uma nota, em envelope fechado, para levar, em mão, ao QG. Nunca li a nota e o oficial que me atendeu, reconhecendo-me e, conhecendo a minha história, ironizou:
– Olá ilustre guinéu!
– Só se for por naturalização  –respondi.

Olhando para o envelope, entendeu melhor levar-me ao chefe da repartição. Este devia ser alérgico ao mato e seus derivados. Ao ver um capitão de camuflado e com um envelope na mão, nem sequer me cumprimentou. Eu bem tentei, mas não consegui. Creio que o “bacalhau”, já nessa altura, não era barato, mas também admito que terá tido receio de sujar as mãos. Consultou o envelope, onde rezava CEM/QG/1ª REP, e palpitou-lhe que o assunto era complicado. Por isso, optou por me levar ao gabinete do tenente-coronel Salazar Braga, que era o CEM do Quartel-general. O envelope foi finalmente aberto e, no seu estilo frontal, perguntou-me:
– O que é vocês – tu e o teu Comandante de Batalhão – querem?
– Precisava que fosse nomeado outro substituto para mim. Este não serve. – Tentei esclarecer.
– Não serve? Não serve, pune-se! De que é que estás à espera para lhe dares uma porrada? O tipo está a fazer-se de maluco, não há que ver.

Argumentei que, por acaso, ele era mais moderno e menos graduado que eu. E se não fosse assim? Seria a primeira vez que um substituído punia o substituto. Trocámos mais alguns pontos de vista e ele acabou por convocar o Chefe do Serviço de Justiça, o tenente-coronel Lobão da Cruz que, ao que se dizia, era, no Exército, mais antigo que o próprio general Spínola. Era um homem conhecedor em matéria de justiça e disciplina, mas confessou, de imediato, a impossibilidade de resolver o problema na sua área e alegou:
– Não há nada a fazer. Eles agora põem a boina com as fitas para frente e dizem que estão malucos. Os médicos não sabem o que fazer e dão cobertura. Que é que se há-se fazer?

Ainda contei algumas aventuras do meu substituto, insistindo na sua inabilidade para compreender a administração e a logística da companhia e o seu comportamento em mais um acidente no campo de minas, mas ficámos por ali. Saí desmoralizado de uma reunião tão inconclusiva. O problema da minha rendição adensava-se, mas, para além disso, eu não via como seria resolvido o problema do comando da CArt n.º 3567 que, certamente, não merecia ser assumido por um homem cuja sanidade mental tinha de ser seriamente posta em causa.

Sei que não fui efectivamente substituído por ele. Julgo que voltou a Mansabá e aí manteve os seus comportamentos insólitos até que lhe terão dado a comissão por terminada. O alferes Serras ficou a comandar a CArt  até à chegada de um capitão miliciano que a conduziu até ao regresso, já depois do 25 de Abril.

Eu embarquei para Lisboa, a 4 de Agosto, com 26 meses concluídos, depois de ter elaborado uma declaração sobre o estado dos campos de minas e engenhos explosivos implantados no meu sector. O processo da minha substituição por um homem que a estrutura se recusara a tratar como legalmente era devido, por razões que não conheço mas suspeito, levou-me a concluir que o potencial humano da “Metrópole” estava esgotado, indício técnico de algo estava a correr mal, numa área que até aí se tinha como inesgotável. Hoje penso que, se houve tarefa inútil que cumpri na “Guerra”, uma delas foi o lançamento daquele campo de minas.
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Nota de CV:

(*) Vd. postes de:

4 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8505: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (5): Ai que me doi tanto!... ou o drama dos especialistas de minas e armadilhas - I Parte
e
5 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8507: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (6): Ai que me doi tanto!... ou o drama dos especialistas de minas e armadilhas - II Parte

Vd. último poste da série de 29 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10206: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (7): Um casal estranho

sábado, 24 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10720: Blogpoesia (307): Não, não havia nada na antiga estrada do Xime-Ponta do Inglês (Luís Graça)

1. Segunda feira, 26 de novembro de 2012, passam  42 anos (!) sobre a Op Abencerragem Candente. 

Por poucos ou muitos anos que eu ainda viva, nunca conseguirei esquecer esse dia. 

A 22, estava a decorrer a Op Mar Verde, envolvendo - entre outros - os nossos camaradas da Companhia de Comandos Africanos, nossos vizinhos de Fá Mandinga; a 24, o Tony Levezinho fazia 23 anos, e celebrámos a efeméride como mandava o RDM de Bambadinca; a 25 mandaram-nos curtir a bebedeira para o Xime, para uma operação a nível de batalhão; a 26, íamos conhecer o inferno...

Dedico este texto poético a todos os meus camaradas da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), da CART 2715 (Xime, 1970/72) e CART 2714 (Mansambo, 1970/72), num total de 8 Gr Comb, que participaram na Op Abencerragem Candente, seis dos quais não regressaram vivos (o Seco Camará, o Rufino Correia de Oliveira, o P. Almeida, o Manuel da Silva Monteiro, o Joaquim de Araújo Cunha e o Fernando Soares) e nove dos quais foram gravemente feridos.

Não, não havia nada na antiga picada do Xime-Ponta do Inglês
por Luís Graça

Não, não havia nada
Na antiga estrada
Do Xime-Ponta do Inglês,
Ligando o Geba ao Corubal.

Não havia nada naquele lugar
Que era de tormento,
Àquela hora mortal
Da madrugada.
Nada, onde um homem
Pudesse afogar a sua fome,
Matar a sua sede,
Aliviar o seu sofrimento.

Nem sequer um banco de pedra
Como aquele em que agora me sento,
Frente ao Tejo,
Fresco, límpido, matinal,
E onde alguém escreveu,
Em letra garrafal:
Amo-te, Marta,
És a razão do meu viver.


Hoje estou à beira Tejo
E não vou a caminho da Foz do Corubal.
O Tejo corre para o Atlântico,
E o Corubal para o Geba.
Em Lisboa tenho o azul do céu,
Que, dizem, é o azul mais puro do mundo.
No Geba, tenho uma G3,
Tarrafo, lodo, merda,
Dois cantis vazios,
Um céu de bronze,
E mil e uma razões para (sobre)viver.

Nem poderia haver
Nenhum banco de pedra,
Nem nenhum jardim,
Nem nenhuma Marta
À minha espera.
Nem muito menos nenhuma Marta
Que fosse a minha razão de viver.

Quando muito, um fantasma,
Surgido do cacimbo matinal,
Por detrás do baga-baga,
Armado de Kalash!

Não tinha, de resto, razão de viver,
Raison d’ètre, diria a minha copine,
Se eu fosse faltoso, refractário ou desertor
E tivesse dado o salto para França.

Não tinha nenhuma razão de viver,
Nem de morrer,
Nem de matar,
Não tinha sequer nenhuma razão
Para estar ali, àquela hora.

Não havia nada
Na antiga picada abandonada
Do Xime-Ponta do Inglês.
Nem um pub  irlandês
Com a ruiva Guiness
A piscar-te olho,
A ti, herói português,
Com um improvável genoma celta.
Nem uma tasca afadistada
Da tua saudosa Lisboa,
Com a perna da morena,
Esbelta,
Lânguida,
A faca na liga,
Deixando antever
Os doces mistérios da sua floresta-galeria.

Não, não havia nada,
Nem uma decrépita gasolineira
Dos filmes do Faraoeste da tua infância,
Onde abastecer a tua Daimler,
Salta pocinhas, minas e armadilhas,
Em que ias de Bambadinca ao Xime
Simplesmente para beber uma cerveja,
Sem escolta nem picagem,
Num jogo de roleta russa.

Nem muito menos a Marta-Mátria,
Republicana e laica,
Verde e rubra,
De busto farto,
De peito feito às balas,
Dando a volta à cabeça dos rapazes,
Dando-lhes tusa,
Na Feira Grande de Setembro:
- Vai mais um tirinho, ó freguês!

Não, não havia nada,
Nem sequer uma simples mulher,
Uma fêmea de bunda larga,
Ou até uma simples mulher polícia sinaleira,
Cata-ventos,
Bailarina,
Redondinha,
Assexuada,
De pelo na venta
E apito na boca,
No cruzamento dos quatro caminhos.

Não, já não vou de G3 em punho,
Em defesa da honra das donzelas
Da minha Pátria.
Chamem-se elas Marta ou Mátria.
Não, já não vou, cego, surdo e mudo,
A correr,
Disposto a morrer,
Com ganas de gritar Pátria ou Morte!,
Na velha picada, abandonada,
Do Xime-Ponta do Inglês
Onde não havia nada.
Nem ao menos um tosco espanta-pardais,
Especado no meio do capim,
Em vez do campo de mancarra do fula,
Ou do teu jardim,
Do Éden,
Ou até uma simples seta,
De pau tosco,
A apontar-te a direcção do inferno,
A maldição bíblica do pecado,
Omnipresente,
Obsessivamente eterno.

Havia apenas,
No fim da picada, o inferno.
À tua espera,
À espera dos teus camaradas.
Às 8h45 da manhã
Do dia 26 de Novembro
De mil novecentos e setenta.
Da era de Cristo.
E Conacri ali tão perto!

O caminho mais curto para o inferno ?
Não o vês ?
A picada, abandonada, do Xime-Ponta do Inglês,
Onde Cristo seguramente nunca parou
Nem amou,
Nem penou,
Nem sofreu,
Nem pecou,
Nem rezou.

O teu Cristo etnocêntrico,
Judeu,
Semita,
Que nem sequer era caucasiano,
E nem muito menos sonhava onde era a Senegâmbia
Nem o Império do Mal(i).

Pensar global,
Sonhar alto,
Agir local,
Meu sacana
Ou melhor ainda:
Não pensar,
Muito menos sonhar,
Tiro instintivo, a varrer o capim.

Eis a ordem do capitão
Que tem acima o major,
Na sua avioneta,
No seu PCV,
E no topo o general,
O Com-Chefe,
O Caco Baldé,
O Homem Grande de Bissau,
Herr Spínola.

E à frente de todos,
Com o seu inseparável cachimbo,
O Seco Camará,
Seco de carnes,
Velho e valoroso guia das NT,
Pau para toda a obra,
Cão de fila,
Mandinga do Xime,
Herói da tua galeria de heróis,
Verdadeiro líder, etimologicamente falando,
Aquele que vai à frente mostrando o caminho.

Nesta guerra de baixa intensidade,
Não dês vazão ao Tratado das Paixões da Alma.
E por favor, camaradas, poupem as munições.
Da NATO.
Dizem que a glória te espera,
Escreveu um serial killer,
Roqueteiro,
Com fama de fazer saltar cabeças a 50 metros,
Ao longo da alameda dos bissilões.
Vai para casa, tuga,
Que a tua namorada põe-te os cornos!


Não, não havia nada
Naquela picada, abandonada,
Do Xime-Ponta do Inglês.

Lourinhã, 19 de agosto de 2010 / Alfragide, 24 de novembro de 2012

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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10719: Blogpoesia (306): O povo a que pertenço (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P10719: Blogpoesia (306): O povo a que pertenço (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 18 de Novembro de 2012:

Carlos
Mais uma achega nestes tempos que nos consomem e nos ferem.
O povo português tem orgulho nos seus antepassados, mas bem vistas as coisas o que é que o povo alguma vez beneficiou das riquezas que ajudou a conquistar? Os nobres e o clero praticamente dividiram entre si as riquezas e os beneficios comerciais, e a plebe continuou miseravel, a viver em condições degradantes debaixo do poder feudal.
Mais tarde esse poder mudou de nome mas o povo continuou só para servir e nunca foi servido.
Quanto ao poema se tiver valor para ser publicado avança.

Bom fim de semana
Juvenal Amado


O POVO A QUE PERTENÇO 

Nação de mãos postas e joelhos em terra 
De soldados e marinheiros rasos não reza a História 
Heróis abstratos e invisíveis sempre o foram 
Povo que teima em se benzer em cada cruzamento 
Que entra com o pé direito para ter sorte 
Que apresentou sempre uma bucólica existência 
Que se esconde no fausto a sua pobreza 
Que agradece o que lhe é devido 
Que chora a cantar a sua melancolia 
Nunca regateou o sangue que derramou 
Com ele foram regadas as paradas flamejantes 
Para os poucos que lucraram com as sua desdita 
Encheram os bolsos de prata e ouro 
A cabeça de penachos e o peito de honrarias 
Banham-se estes em luxo e iguarias 
Enquanto nós pobre povo olhamos 
As velas que apodrecem rasgadas pelo vento 
Caravelas viradas ao Sul e Oriente 
Agora para sempre em terra 
Nada do que trouxeram foi para o povo 
A este povo com Séculos de história 
Só resta ao povo clamar por Portugal e por Justiça.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10637: Blogpoesia (305): África... (J. L. Mendes Gomes)

Guiné 63/74 - P10718: Em busca de ... (210): Ex-Tenente Esteves da CCS/BCAÇ 2834 que esteve em Buba, Aldeia Formosa e Gadamael nos anos de 1968/69 (Francisco Gomes)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Gomes* (ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2834, Buba, Aldeia Formosa e Gadamael, 1968/69), com data de 17 de Novembro de 2012:

Olá, boa tarde
Pretendo saber o contacto/paradeiro do, hoje, Capitão de Artilharia Luís Esteves (penso que ainda mantém este posto), que era o Chefe da Secretaria da CCS do Batalhão de Caçadores 2834 (Guiné 68/69), na altura Tenente Esteves, cuja última morada civil era em Queluz e encontrava-se destacado no Quartel da Carregueira.

Quando mudei de residência, roubaram-me duas caixas com documentos, agendas, cassetes de vídeo e outros pertences, onde tinha o contacto dele e de outros camaradas da minha Companhia, e a última vez que o contactei pessoalmente, mais o 1.º Cabo Luís, foi precisamente no Quartel da Carregueira há uns anos. Penso até que já se encontre retirado do serviço mas de qualquer forma, foi um Oficial por quem sempre nutri muita admiração, dada a sua forma de tratamento digno com os subalternos e gostaria de saber como se encontra.

Alguém que o conheça ou saiba do seu paradeiro/contacto, agradeço o envio de um e-mail para: fragom@outlook.com.

Obrigado
Francisco Gomes
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10308: Tabanca Grande (357): Apresenta-se o ex-1º. Cabo Escriturário Francisco Gomes, CCS/BCAÇ 2834 (Buba, Aldeia Formosa, Guileje, Cacine, Gadamael, Buba, 1968/69)

Vd. último poste da série de 20 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10698: Em busca de ... (209): Meu parente José Diamantino Pereira, que morou em São Francisco do Sul e no Rio de Janeiro, Brasil, antes de se ter alistado na marinha de guerra portuguesa, por volta de 1963 (Salete Ramos)

Guiné 63/74 – P10717: (Ex)citações (203): Comentário ao poste P10555: O nosso livro de visitas (150): À procura de camaradas da 3ª C / BART 6520/73 que estiveram no inferno de Jemberém, em maio/junho de 1974 (Norberto G. Pereira, ex-fur mil)


1. Pela importância dos esclarecimentos e achegas prestadas, passamos a “poste” o comentário inserido pelo nosso Camarada-de-Armas Abreu dos Santos na mensagem P10555, tendo também como intuito apurar-se a verdade dos factos e, fundamentalmente, a identidade do (eventualmente malogrado) militar. 

“Joaquim Rebocho Sabido, Norberto Gonçalves Pereira, Manuel Andrade, e outros veteranos da Guiné-do-fim, interessados em contribuir para o completo apuramento sobre a concisa identificação do militar, supra referido – em "comentários" –, como tendo "morrido afogado no dia 04-06-1974 em Cacine" e cujo corpo não terá sido passível de resgate: 

a) - em nenhum dos concelhos madeirenses, consta que algum militar tenha falecido, pós-25Abr74, por causa de acidente/afogamento; 

b) - na supra citada "Companhia Madeirense", foram registadas as mortes, de Fernando António Gomes Henriques (27Jan74 por "doença"), de Celestino de Freitas Reis (13Fev74 por inopinada deflagração de "granada encontrada abandonada"), e de João Heliodoro Rodrigues Figueira (17Ago74 por "tiro inopinado c/arma-de-fogo").

Aceitemos então, concedendo o benefício de dúvida, estarmos perante a hipótese de uma lamentável omissão nos registos castrenses, plausível face aos conturbados tempos que então se viviam, quer naquele teatro-de-operações como também na rectaguarda metropolitana. 

A título de ajuda-de-memória(s), relembra-se que em Cacine e na data indicada, estava desde 29Out73 aquartelada a CCav8354 (que em 12Ago74 entregou ao IN aquelas instalações das NT). 

Resta-nos recorrer: ao que existe, da citada subunidade mobilizada pelo BII19, no acervo do AHM (2ª Divisão, 4ª secção, Caixa nº 116); e tb aguardar que algum ex-militar das CCac4946 e CCav8354 – preferencialmente os seus respectivos comandantes (capitães milicianos Abílio Fernandes Machado e António Lourenço Dias) –, se "apresentem na parada" para nos elucidar, através de meios-de-prova substantivos e inequívocos, sobre este estranho caso de "um soldado afogado em 04-06-1974 no rio Cacine e não "recuperado", do qual apenas os veteranos supra nomeados – nenhum testemunha presencial da ocorrência –, se recordam difusamente e sobre o qual escreveram, 'en passant' e em jeito de comentários à margem do tema proposto, neste postal 10555 do Blogue dos Camaradas da Guiné.

Melhores cumprimentos,
Abreu dos Santos” 
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Nota de MR: 

Guiné 63/74 - P10716: Do Ninho D'Águia até África (29): Maldita matacanha (Tony Borié)

1. Vigésimo nono episódio, enviado em mensagem do dia 20 de Novembro de 2012, da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (29)

Maldita “Matacanha”

Eram quase cinco da tarde, o pessoal andava por ali, eram quase todos veteranos, estávamos na época quente, no dormitório a temperatura era quente e abafada, ainda bem que não havia portas, pois havia duas entradas ou saídas, depende do que lhe queiram chamar, uma ao norte e outra ao sul, mas não corria nenhuma aragem, uns andavam quase nus, só com uma toalha suja e encardida enrolada à cinta, outros com os calções sobre o corpo, quase ninguém usava roupa interior, pois a experiência dizia-lhes, que depois de andarem durante um certo tempo molhados com o suor e a água da bolanha, ficavam com as partes mais íntimas cheias de “rosetas”, que era umas marcas vermelhas na pele, que cresciam de dia para dia até ficarem com essas mesmas partes inflamadas, fazendo-os caminhar com as pernas abertas, e queixando-se de algumas dores e um desconforto que fazia alguns dizerem:
- Ando com aquela doença, entre as pernas, que na minha aldeia lá em Portugal, dava nos coelhos, e a que chamavam “micose”, ou coisa parecida!

Quando isso acontecia, iam ver o Pastilhas, que depois de os analisar, dizia:
- Abre as pernas, segura no pénis, e fica quieto!

E logo em seguida, ia buscar o frasco da tintura de iodo, e com um pouco de algodão, pintava as referidas partes, que depois de uns segundos de acabar com este curativo, o homem começava aos gritos com dores da forte queimadela que acabava de sofrer na parte mais íntima do seu corpo. Então o Pastilhas, dizia de novo:
- Continua a segurar no pénis, e com a outra mão abana com este bocado de papelão, que a dor vai passar em cinco minutos. E era verdade, e o bocado de papelão em forma de abanador, era uma peça de ferramenta que o Pastilhas tinha feito de uma caixa de remédios, e que lá estava guardado em cima do caixote dos medicamentos. Passada uma semana, a pele caía, e as feridas ficavam curadas.

Mas vamos continuar, pois já nos estávamos a desviar do assunto principal que era andavam por ali.
Era verdade, eram quase todos veteranos, com os dedos amarelos do cigarro, os dentes pretos da água e não só, as unhas grandes e pretas também, o cabelo e a barba grande, o bigode retorcido, que lhes dava um aspecto de pessoas mais velhas, do que na realidade eram, já quase todos tinham chorado de angústia e medo, debaixo de fogo, em emboscadas, conheciam o cheiro do sangue quente e da pólvora, das munições que naquela altura a sua amada G3 com o cano em brasa consumia, alguns já tinham marcas no corpo de estilhaços de granadas, e nos seus ouvidos, já tinha entrado por diversas vezes o som de tiros e gritos de dor e desespero, que alguns seus companheiros, feridos de morte lhe pediam, que deixassem os guerrilheiros em paz, e que lhe dessem um tiro a eles, pois não suportavam mais a agonia das dores.

O comando a que o Cifra pertencia, ultimamente retardava as ordens, e só comunicava aos militares umas horas antes de saírem, e como tal, aparece o furriel miliciano, fumando um cigarro feito à mão, entra no dormitório, tira o cigarro da boca, e quase que se queimava com o cigarro nos dedos, pois já só era uma “pirisca”, mas continuava a segurá-la, e de vez em quando chupava-a, e no intervalo dizia:
- Já sabem o costume, saímos às seis da manhã.

O Marafado, diz:
- Eu não posso, ando a mancar, por causa d.... - E não acabou de falar, pois o Trinta e Seis, que dormia a seu lado, e estava sentado na cama, interrompe e diz:
- Ele não pode pôr o pé no chão, tem lá uma “matacanha”, e não a quer arrancar.

O furriel, que já tinha acabado de fumar, e preparava-se para fazer outro cigarro, diz:
- Deixa lá ver essa merda!

E o Marafado mostra o pé, e por baixo de um dedo tinha uma saliência na pele, como se fosse um típico “calo”, mas com uma pintinha preta no meio. O Furriel miliciano, olha para ele e diz, quase a sorrir:
- Marafado, é uma ordem, vai ver o Pastilhas.

E ele lá foi ver o Pastilhas, que ao reparar no pé, logo lhe diz:
- Porco, tens umas unhas que pareces uma daquelas ovelhas do campo, toma lá este alicate e corta essas unhas, javardo.

Depois de cortar as unhas, conforme pode, e sentindo-se um pouco desconfortável, pois as unhas grandes, faziam parte do conforto dos seus dedos, o Pastilhas, derrama um pouco álcool nos dedos, e perante a cara de sofrimento do Marafado, diz:
- É uma “matacanha”, vamos arrancá-la.

Vai à cozinha e pede um pouco de pão e um copo de leite condensado morno, ao Arroz com Pão, ele já sabe, e traz.
- Anda vai depressa que já é quase noite, e depois não vejo.

Deita o Marafado no chão, em cima de uma capa de camuflado, que servia para usar quando chovia, coloca-lhe o pão embebido em leite morno no local da “matacanha”, e passado uns minutos, com uma espécie de bisturi, começa a cortar a pele, com uma habilidade tal, que retira uma bolinha forrada de pele, deixando a marca debaixo do dedo, igual ao formato da bolinha que retirou, que em seguida queimou num pouco de algodão, embebido em álcool.

O Marafado, passado dois dias, estava pronto para ir dar o corpo às balas, com dizia o Curvas, alto e refilão.


Ilustrações: © Tony Borié (2012). Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10699: Do Ninho D'Águia até África (28): A avioneta do correio (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10715: (In)citações (45): Carlos Guedes e Teco com livro sobre a CCAÇ 726, em preparação (Virgínio Briote)




Guné > s/l > 1966 > O Carlos Guedes e o João Parreira (os dois primeiros à esquerda), mais dois camaradas dos comandos de Brá, pertencentes aos "Vampiros. Foto do final da comissão.

Foto: © Carlos Guedes (2012)]. Todos os direitos reservados

 1. Através do veteraníssimo Virgínio Briote, nosso coeditor jubildo, e agora senador da Tabanca Grande, sempre amável, sempre prestável, sempre pronto a dar uma mãozinha, recebemos notícias (boas) do Carlos Guedes e do Teco, os dois furrieis da CCAÇ 726. Há dias perguntei ao VB pelos dois, de quem ele é amigo, já que estava a precisar (e continuo a precisar)  deles para me ajudarem a legendar as fotos do álbum do Teco.

Recorde-se aqui o perfil do nosso mui grã-tanqueiro Virgínio Briote, mas agora menos "habitué" do nosso blogue  (foto à direita, em julho de 1966, em Mansoa): 

(i) Nascido em Cascais, foi Alf Mil em Cuntima, CCAV 489 / BCAV 490 (Jan-Mai1965);  (ii) fez o 2º curso de Comandos do CTIG; (iii) comandou o Grupo Diabólicos (Set 1965 / Set 1966); (iv) regressou a casa em Jan 1967.

 Amigo Briote.

Tenho sido um amigo da "onça", mas fiz umas férias prolongadas no Algarve e quase nunca fui ao email, pelo lapso peço desculpa.

O Teco tem estado nas Caldas da Raínha e deve estar quase a regressar para continuarmos o livro da 726. 

Quando chegar informo-o sobre o teu email e do Luís.

Envio uma foto que achei muita piada. Quase no final da comissão nos comandos, o [João] Parreira, ainda alinhou nos "Vampiros".

Um abração,  camarada, e também ao Luís.

Carlos Guedes
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10674: (In)citações (44): Imagens da minha terra, tão bela e tão sofrida (Cherno Baldé)

Guiné 63/74 - P10714: Parabéns a você (500): António (Tony) Levezinho, ex-Fur Mil da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10709: Parabéns a você (499): José Romeiro Saúde, ex-Fur Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10713: Memória dos lugares (196): Bolama, Agosto de 1966 (José António Viegas)



 


Monumento aos Pilotos italianos (**)

Bolama, Agosto de 1966


1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas* (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68), com data de 17 de Novembro de 2012:


Da minha estadia em Bolama, antes de ser colocado com o meu Pel Caç Nat 54 em Mansabá, lembro-me bem daquela cidade já em degradação mas ainda com várias edificações em bom estado, como os correios, junto à piscina do Cabo Augusto onde se passavam os bons tempos de lazer, a casa do Governador e o Hotel, que estava em boas condições, onde muitos camaradas vinham descansar e passar férias.

No fim de Agosto, depois de ter terminado o treino operacional, seguimos para Bissau e depois para Mansoa, numa coluna enorme, onde se juntaram mais militares com destino a Mansabá.

A coluna até Cutia decorreu com normalidade, mas a partir daqui foram tomadas todas as precauções até Mansabá, onde se ouviram alguns tiros e aviso.

Em Mansabá estivemos 45 dias com a CCAÇ 1421. Aqui começa a nossa entrada na guerra. Logo nos primeiros dias fomos fazer um golpe de mão e, como tal, foi posta à prova a nossa impreparação para reagirmos debaixo de fogo. Quando se chegou ao objectivo, foi lançado o ataque pelo homem da bazuca e, debaixo daquele fogachal, eu de pé com as balas a assobiar sem saber o que fazer.

Aqui começa a minha preparação com os melhores operacionais, os meus soldados nativos, o meu Cabo Ananias Pereira Fernandes, o homem que não gostava de G3 e só usava a Madsen, que me joga para o chão e me ensina a organizar e dispersar debaixo de fogo.

Lembro-me o que aprendemos em Vendas Novas com aqueles filmes da guerra da Argélia, no meio de dunas, e nós íamos para a selva, enfim ainda havia poucos formadores com experiência de combate.

Acabo aqui a primeira fase de Mansabá voltarei às peripécias destes 45 dias. (***)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10626: Tabanca Grande (368): José António Viegas, natural de Faro, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54 (1966/68), grã tabanqueiro nº 587

(**) Homenagem de Mussolini aos 5 aviadores italianos, vitimas de queda dos seus aparelhos em 5 de Janeiro de 1931 quando faziam a ligação Itália/Brasil com escala por Bolama.

Vd. também excerto publicado na I Serie do nosso blogue:

(...) Finalmente: Bolama que tem em si um dos raros monumentos ao esforço fascista de paz, quando Mussolini e Ítalo Balbo tentaram o cruzeiro aéreo para unir Roma ao Brasil. Com efeito, dois dos aparelhos despenharam-se em Bolama e a missão esteve em riscos de se malograr. Tal não aconteceu porque a tenacidade de Ítalo Balbo a isso se opôs. Resta desse desastre o belo monumento aos «Caduti di Bolama» no qual se reproduz um aspecto dos destroços dos aviões — duas asas, uma das quais ainda erguida aos céus e a outra quebrada e caída em terra.

O monumento foi feito por italianos e com pedra italiana, vinda de Itália, para esse fim. Mandou-o erguer Mussolini e na sua base lá se encontra a coroa de bronze por ele oferecida, com estes dizeres — Mussolini ai cadutti di Bolama. Ao lado, a águia da fábrica de hidroaviões Savoia, uma coroa com fáscios da Isotta-Fraschini e a coroa de louros da Fiat. É curioso notar que este será um dos raros monumentos do fascismo, no mundo, que no fim de 1945 não foi apeado. Virado para diante e no alto, o distintivo dos fáscios olha ainda com alienaria o futuro, no seu feixe de varas e no seu machado, a lembrar a grandeza da Roma do passado. (...)

Fonte: Extractos de: César, A. - Guiné 1965: contra-ataque. Braga: Pax, 1965.

Guiné 63/74 - P10712: Meu pai, meu velho, meu camarada (34): Tropas expedicionárias portuguesas, em São Vicente, Cabo Verde, 1941/45, mostram solidariedade com o povo sofrido da ilha (Adriano Miranda Lima, cor inf ref, Tomar; cortesia de Praia de Bote)


Reprodução (parcial) do poste nº 8 da série Tropas expedicionárias portuguesas em Cabo Verde durante a II Guerra Mundial, da autoria de Adriano Miranda Lima, publicado no blogue Praia de Bote


1. Já aqui falámos do blogue Praia de Bote e do nosso leitor Adriano Miranda Lima, cor inf ref, residente em Tomar, e natural de São Vicente, Cabo Verde. O cor Miranda Lima serviu, durante muitos anos, no RI 15, o prestigiado RI 15, donde saíram, ao longo da nossa história, milhares e milhares de combatentes. E tem um especial carinho não só pela sua terra de origem, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, como pelos "nossos pais" que estiveram lá, em missão de soberania durante a II Guerra Mundial... 


Sobre esses "expedicionários" ele tem vindo a escrever no blogue Praia de Bote, estando de resto autorizado a utilizar textos, vídeos e fotos do nosso blogue, e nomeadamente da série "Meu pai, meu velho, meu camarada"... Com data de ontem, 22, saiu mais um poste, que traz um sugestivo título: "Levaram na mochila o espírito de solidariedade"... Tenho pena que o "meu velho" já não esteja vivo para lhe poder ler alguns excertos... 

 Aqui vão eles, de qualquer modo, para conhecimento dos nossos leitores, enquanto ao mesmo tempo reitero o meu convite ao Adriano Miranda Lima para aceitar o meu convite para ingressar na Tabanca Grande (ambos temos no coração Cabo Verde, e esta terra está intimamente ligada à história da Guiné e da guerra colonial) (*): 

(i) (...) " Até as praças do contingente expedicionário arranjaram o seu 'impedido', glosando-se aqui, claro, o significado militar do vocábulo. E quem eram esses 'impedidos'? Nada mais que a miudagem que se acercava dos portões dos quartéis à procura de um pouco de alimentação. As praças precisavam de alguém que lhes levasse a roupa a uma lavadeira, que lhes desse um recado ou até que lhes engraxasse as botas".

(ii) (...) "Em relatos que ouvi a muitos desses ex-militares, raros são os que não conservaram para sempre na memória o triste episódio da fome que assolava o arquipélago e dizimava impiedosamente vidas humanas (cerca de 50.000 mortos entre 1943 e 1945). É por esta razão que o coração dos militares não era insensível ao espectro da fome estampado nos rostos dos rapazinhos que se abeiravam dos quartéis. Muitos reservavam um pouco da sua alimentação diária aos seus 'impedidos', quer fosse pão quer fosse comida confeccionada nos caldeiros do rancho geral. Só quem nunca sentiu a tortura da fome não imagina o valor que teria naquela altura uma simples côdea de pão ou uma tijela com uns restos de sopa". (...)




Cabo Verde, Ilha de São Vicente > "Luís Henriques, em 10 de maio de 1942. Na praia do M. [Monte] Branco, Lazareto, São Vicente". Foto do álbum de Luís Henriques (1920-2012). No verso, além da legenda transcrita, há  um carimbo com os dizeres: "MELO Foto. Secção de amadores. São Vicente".

 Foto: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados



Cabo Verde, São Vicente, Mindelo (?) > "Festa em San Vicente, nosse terre. Nativos em festa. Recordação da minha estada em C. Verde, expedidição 1941-1943. Luís Henriques". Foto do álbum de Luís Henriques (1920-2012).

Foto: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados


(iii) (...) "De entre muitos testemunhos, vale a pena registar aqui o do antigo expedicionário 1º cabo Luís Henrique, do Batalhão de Infantaria 5, aquartelado em Lazareto, que me foi transmitido em mail pessoal pelo seu filho (,..), editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, espaço no qual o mesmo testemunho foi reportado há alguns anos, assim como factos relevantes da vida militar do seu pai em terra cabo-verdiana. 

Textualmente, transcreve-se esta seguinte passagem do citado mail: 'O meu pai lembra-se da epidemia de fome que assolou as ilhas, no tempo em que lá esteve (1941/43). O seu 'impedido', o Joãozinho, que ele alimentava com as suas próprias sobras do rancho, também ele morreu, de fome e doença, em meados de 1943. Comove-se ao dizer que deu à família do miúdo todo o dinheiro que tinha em seu poder (cerca de 16$00), para ajudá-la nas despesas do funeral'. Luís Graça explicou que o seu pai estava na altura hospitalizado mas que acompanhou o triste episódio da morte do seu 'impedido' .(...) 

 Não há exemplo mais tocante e mais grandioso do que o daquele que dá o pouco que tem para mitigar a fome e o sofrimento do seu semelhante. Foi o caso do senhor Luís Henrique e de muitas praças dos contingentes militares expedicionários" (...).

(iv) (...) "Em narrativas anteriores, referi a importância particular que para mim reveste o Batalhão de Infantaria 15, nomeadamente a sua 3.ª Companhia de Atiradores, a que ficou em S. Vicente enquanto o grosso do Batalhão foi destacado para a ilha vizinha. Vamos ver o porquê desse meu sentimento. Essa companhia, sob o comando do capitão Fernando de Magalhães Abreu Marques e Oliveira, ficou aquartelada no centro do Mindelo (...). Aquele capitão era venerado pelos seus antigos subordinados, que o recordavam pela sua competência profissional e pelo espírito humanitário oculto atrás do seu ar sóbrio e grave. (...)

(v) (...) "Condoído com aquela dramática situação [, a fome que lavrava na ilha], o capitão Oliveira ordenou ainda a montagem de um mais organizado serviço de distribuição de sobras de rancho, autorizando que aqueles pobres civis entrassem mesmo para dentro da área militar. À certa altura, reparando que o número de necessitados crescia a olhos vistos, disse ao furriel que tinham de arranjar um processo de maximizar as sobras de alimentação de forma a responder melhor àquela situação. Perante as dúvidas do subordinado, explicou-lhe que era preciso recorrer a todas as situações administrativas e meios possíveis". (...)





" Foto pertencente à família do capitão Paiva Nunes e por ela cedida ao autor [, Adriano Miranda Lima]. Os oficiais presentes são todos capitães. (...) À frente, e da esquerda para a direita, o capitão Mário de Paiva Nunes e o capitão Fernando de Magalhães Abreu Marques e Oliveira (aos 40 anos de idade), benfeitor do povo faminto do Mindelo", assinalado com elipse a vermelho. 




(vi) (...) "Recorda-se ainda [, aquele antigo furriel,] de o seu comandante de companhia ter ido falar com o comandante do Regimento de Infantaria 23, designação da unidade que englobava os batalhões de infantaria de S. Vicente, no sentido de sugerir ao seu superior hierárquico que todas as companhias procedessem de igual forma, e dentro dos possíveis, para ajudar as pessoas carentes de alimentação. E a verdade é que o gesto humanitário do capitão Oliveira em prol dos necessitados de S. Vicente não tardou a ser seguido nas outras companhias e baterias destacadas na ilha de S. Vicente". (...)

(vii) (...) "Mas o apoio e o espírito de solidariedade das forças militares tiveram uma expressão alargada e transversal, passando por actos individuais e colectivos e por diferentes sectores das estruturas militares. Destaca-se a acção médica e medicamentosa que a população recebeu durante a permanência das tropas de uma forma sem precedentes na história colonial das ilhas, sobretudo em S. Vicente. Essa acção permitiu salvar inúmeras vidas mediante intervenções cirúrgicas e uso de meios terapêuticos que não teriam sido 
possíveis sem a presença dos militares". (...)


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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10496 Meu pai, meu velho, meu camarada (33): Mais notícias das forças expedicionárias da ilha de São Vicente, Cabo Verde (1941/45) (Adriano Miranda Lima, cor inf ref)


Guiné 63/74 - P10711: Blogues da nossa blogosfera (58): "O Homem sem cérebro" no Blogue "Coisas da Vida" (Jorge Teixeira - Portojo)

1. Em mensagem do dia 17 de Novembro de 2012, o nosso camarada Jorge Teixeira (Portojo), (ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70), enviou-nos este seu trabalho dedicado ao seu camarada Dias Pinheiro, mais um dos mortos/vivos da nossa guerra, publicado no seu Blogue Coisas da Vida:








O Homem sem cérebro*

Presumo ser normal lembrarmo-nos com frequência de amigos, muitos deles já idos deste mundo, principalmente quando encontramos outros amigos que na nossa juventude tratámos como camaradas, pois assim nos ensinaram.

Refiro-me à "Juventude de África" dos anos 60 e 70 do século passado. Muitos desses camaradas de outrora só passados dezenas anos se conheceram ou se reencontraram. E por aí vão convivendo em tertúlias, lembrando aventuras, amores, desilusões. E continuam a tratar-se por camaradas.

Num dia sensível em que um de nós nos deixou, neste caso, uma, a camarada Enfermeira-Paraquedista Reimão, recebi várias notícias e emails tocando a alma. Umas vindo através do Paraquedista Mampego e do Blogue da Tabanca Grande sobre a Reimão e os outros vindo através da Cirea, do Brasil, assinado pelo A. Ramalhete, Memórias do tempo; e do Santos Oliveira, por causa da feliz novidade lida e falada na Rádio Liberdade de Argel pelo traidor Alegre. Reenviei esses emails, porque aqui é impossível colocá-los. Mas fica este link fácil de encontrar. http://ultramar.terraweb.biz/Livros/SantosOliveira/PelMort912_upd3.pdf

A Pátria sou eu és tu..., Celebração de Amigos, Efemérides, Poemas de Guerra.

Por um acaso, chegou-me outro email do programa do Jô entrevistando um reputado médico Mineiro o Dr. Murilo Ranulfo. (http://tvg.globo.com/programas/programa-do-jo/programa/platb/2012/11/05/muri

Entre os minutos 28 e 30, refere-se o Dr. Murilo a um pormenor que me fez vir à memória, mais uma vez, os meus camaradas Vítor Condeço - já falecido - e o Dias Pinheiro.

Ambos já eram residentes em Catió há cerca de um ano quando lá cheguei. O Condeço especialista em Armamento, o Pinheiro, Sapador, isto é, especialista em Minas e Armadilhas. Numa coluna a Cufar em que participei na segurança da picada, junto ao célebre cruzamento de Camaiupa, após várias minas detectadas, a última da do Pinheiro explodiu. Evacuação pedida, retrocede para Catió uma viatura com o Pinheiro "sem vida". Assim julgamos nós e no relatório do BART 1913, dá-se baixa aos efectivos do Furriel Pinheiro, evacuado para o HM 241 em Bissau. Só isso.

Passados uns anos e por causa de um amigo comum, o Barrinhos, (que foi assassinado por alguém duma facção do PAIGC, presume-se e já muito depois da guerra terminada, e sobre o qual escrevi aqui um artigo em Novembro de 2006, que pura e simplesmente desapareceu, ficando apenas um retalho, sem foto, de uma recapitulação que fiz em 30.Junho.2009. Nessa altura estava tudo direitinho ainda. Mas agora que fui bisbilhotar o que escrevi deparei com esta cena.) o Vítor Condeço encontrou-me e começamos a conversar. Entre as várias lembranças veio a do Pinheiro. Ele não morreu, disse-me o Condeço. Então foi uma das ressuscitações de Catió, disse-lhe, pois um dos condutores das Daimlers ficou cheio de buraquinhos num dos ataques em final de comissão, foi evacuado morto e encontrei-o uma vez na Avenida da Liberdade em Lisboa, são como um pero, embora cheio de recauchutagens.

Em 20 de Maio de 2007, na confraternização da CCS do BART 1913, encontro pessoalmente o Condeço. E peço-lhe, diz-me se está cá o Pinheiro. E estava sim. E ouvi uma das histórias de guerra ao vivo e na primeira pessoa.

Estava a armadilhar a mina depois de escavar, a meter o fio, mas essa puta estava também armadilhada o que a fez explodir. Não me lembro de mais nada a não ser que ia pelo ar e a ver tudo vermelho.


E então como conseguiste sobreviver?
- Não sei, sei que fiz uma dúzia de operações e plásticas e fiquei sem uma parte do cérebro. Felizmente é aquela parte de que não precisamos. - E disseste isso muito sério.

Ri muito na altura, bem como alguma rapaziada que ouviu a nossa conversa. Também houve uns comentários giros na postagem que o Blogue da Tabanca Grande publicou do nosso encontro.

Hoje ao ouvir a entrevista do Dr. Ranulfo (nome de Santo) ao Jô, lembrei-me de ti, Pinheiro. Falavas verdade e afinal não era para rir. Demonstras à Ciência que o nosso corpo tem excessos.

Na foto, o Pinheiro, que me disse, quando lhe pedi autorização para fotografar e contar a história dele:
- Não me mandes outra vez pelo ar.

 (Maio de 2007)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10603: Blogues da nossa blogosfera (57): Amante da Rosa, de Carla Amante, calou-se de vez, mas continua em linha, oferecendo-nos histórias deliciosas como a do primo Constant que foi morrer a Bissau, vomitando coisa preta depois de ter comido coisa branca...

Guiné 63/74 - P10710: Notas de leitura (431): "Crónica dos (Des)Feitos da Guiné", por Francisco Henriques da Silva (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2012:

Queridos amigos,
Para os investigadores, estas Crónicas dos (Des)feitos da Guiné serão um manual de consulta obrigatória, não havia nada de tão detalhado, trata-se do testemunho de um participante direto, o diplomata que ia alertando as autoridades de Lisboa, estiveram sempre a assobiar para o lado até à eclosão do conflito. Estão aqui as peças principais que levam a perceber como o PAIGC tinha entrado numa deriva, Nino Vieira perdera autoridade e se tornara, aos olhos da população, como o responsável pela imensa corrupção e inércia a que chegara o país, e, simultaneamente, assiste-se à ascensão de um poder militar que posteriormente passou a ser dominado pela etnia Balanta.

Um abraço do
Mário


Crónica dos (Des)feitos da Guiné (2)

Beja Santos

O levantamento militar desencadeado em 7 de Junho de 1998, vai deixar Bissau sitiada e transformada numa interminável carreira de tiro. Um pouco ao jeito da “guerra do Solnado”, havia pausas negociadas pelas partes beligerantes no sentido de haver mobilidade com um mínimo de segurança. A embaixada de Portugal, a partir de 8 de Junho, está a abarrotar com refugiados, há pessoas a pedir o impossível, felizmente um cargueiro pôs-se à disposição para evacuar os cidadãos portugueses. No seu relato dos acontecimentos, o livro “Crónicas dos (Des)feitos da Guiné”, Edições Almedina, 2012, Francisco Henriques da Silva confessa-se: “Foi o pior dia de toda a minha vida”.

Nos dois dias anteriores à evacuação, que decorreu em 11 de Junho, procura-se acertar com o comandante Hélder Almeida, do cargueiro “Ponta de Sagres” o mais relevante para que a evacuação se pudesse efetuar com o mínimo de segurança e organização. Henriques da Silva conta ao detalhe como se preparou a evacuação e como, na prática, tudo acabou por ser extremamente difícil de gerir, temia-se perdas de vidas humanas, caso se bombardeasse o porto de Bissau. Escrevo num estado de ansiedade indescritível: “Bastava a explosão de um só míssil ou morteiro no cais de Bissau, abarrotado de pessoas, para termos uma tragédia de dimensões incomensuráveis, leia-se, pelo menos 50 mortos e mais de 120 feridos”. O primeiro-ministro telefona-lhe a assumir a responsabilidade pelo que viera suceder e pede-lhe para se manter em contacto permanente com o seu gabinete. Os refugiados e ele atravessam uma cidade em pé de guerra: tropa senegalesa recém-desembarcada a instalar ninhos de metralhadoras, a bandeira portuguesa tremula à frente do desfile, segue-se o embarque com a turbamulta frenética para ter lugar no cargueiro. Um tipo sem vergonha tenta embarcar vestido de mulher e com lenço na cabeça. Ele escreve: “Nestas situações, a natureza humana revela-se em todas as suas dimensões. Por vezes, no meu íntimo, interrogava-se quanto ao pânico de certas pessoas, porque eu não o sentia da mesma forma, nem tão pouco o compreendia”.

Vai suceder-se um período de intoxicação da informação, os próprios jornais portugueses caíam facilmente nas manobras de contrainformação. As missões diplomáticas da China, França, Comissão Europeia, Rússia e EUA foram fortemente atingidas por mísseis, morteiros e fogo de artilharia, nos dias 13 e 14. A França dava a rebelião como perdida, fazia a leitura de que a intervenção estrangeira faria recuar as tropas fiéis de Ansumane Mané, e as evacuações continuaram, incluindo os diplomatas da Rússia, Egito Líbia e Palestina. Numa breve trégua entre combates, um carro foi recolher o embaixador russo e três membros do seu pessoal, a situação na embaixada tornara-se crítica: sem eletricidade, sem alimentação decente, sem água, viviam todos refugiados na cave.

Há episódios indiscritíveis das evacuações que envolveram transportes portugueses, franceses e senegaleses. Calcula-se que cerca de 200 mil habitantes de Bissau terão abandonado a capital, foi um êxodo por etapas, as povoações na periferia de Bissau rebentavam pelas costuras. Henriques da Silva pega num trecho do romance “Jardim Botânico”, de Luís Naves (de que já aqui s fez recensão), lapidar dessas fugas numa atmosfera de tragédia: “Na cidade, nas primeiras horas, instalou-se uma espécie de estupefação geral marcada por um silêncio trágico. Então, como se obedecessem a uma ordem automática, as pessoas começaram a avançar na direção da estrada e formaram-se espessas colunas de civis em fuga. Tudo o que tinha rodas avançou rumo ao interior (jipes, camiões, toca-tocas, bicicletas e carrinhos de bebé). Mas o grosso da coluna marchava. Havia mulheres de trouxa à cabeça e crianças agarradas às saias; um formigueiro em marcha, com fanatismo de insecto: os do meio sem saberem porque seguem aquele caminho, os da frente nunca se sentindo os da frente; pois que cada um vai atrás do outro, esse outro de ainda outro, e assim sucessivamente, numa correnteza. Viam-se pernas finas e pés descalços, braços empunhando objetos inúteis, um rádio, a ruína de um motor, ripas de madeira, colchões, pedaços soltos, a cadeira viajando no topo do monte de roupa, como se fosse um trono”.

Com o decorrer da guerra, tornou-se claro que o presidente da República dispunha de um frágil apoio, a maioria do país apoiava os rebeldes. Nino Vieira e os seus apoiantes dispunham do controlo do centro de Bissau, de parte do Leste e o arquipélago dos Bijagós, o resto do país tinha caído sobre o controlo da junta militar. A 22 de Julho, na chamada “batalha de Mansoa”, as forças senegalesas inimistas sofreram uma pesada derrota, a partir daí o caminho para Leste estava aberto. O avanço só foi contido pela assinatura de um Memorando de Entendimento entre o Executivo de Nino e a Junta Militar, a bordo da fragata “Corte Real”. No princípio de Agosto o chefe do Estado-Maior da Armada e uma dezena de soldados senegaleses que tentavam desembarcar no Xime foram mortos. Em Outubro, Bafatá caía sem combate e a seguir o Gabu. A situação estava realmente caótica para Nino Vieira e nisto o ministro dos Negócios Estrangeiros português chega a Bissau e propõe um novo encontro entre Nino e Ansumane Mané que virá a ter lugar no final do mês em Banjul, na Gâmbia, a que se seguiu, pouco depois, o Acordo de Abuja.

Todo este vasto e complexo processo negocial é detalhado por Henriques da Silva, descreve igualmente as violações do cessar-fogo e comenta criticamente as fragilidades do Acordo de Abuja. A embaixada é atingida por um míssil em 21 de Julho, dia que o presidente Jorge Sampaio lhe escreve manifestando a expressão do maior apreço pela coragem e serenidade do embaixador e do pessoal da missão. Então, a imprensa portuguesa desdobra-se em elogios, tratam-no por um homem abnegado, o resistente, o embaixador que resolveu ficar.

"Crónica dos (Des)feitos da Guiné" é um documento indispensável para os estudiosos e sobretudo os historiadores. Fica-se com uma visão sobre a ajuda humanitária, o processamento das evacuações, o quotidiano de Bissau durante a guerra civil, a paz intermitente em que se viveu depois do Acordo de Abuja, a pesporrência da diplomacia francesa, os problemas colocados ao novo governo dirigido por Francisco Fadul.

E temos a derradeira etapa, a contraofensiva de 31 de Janeiro a 3 de Fevereiro de 1998, a artilharia pesada fazia-se ouvir em toda a cidade de Bissau. Em 9 de Fevereiro chegou a força da ECOMOG prevista no Acordo de Abuja, as tentativas de desmilitarização falharam e no início de Maio a Junta Militar procedeu ao assalto final ao Bissauzinho que levou à rendição incondicional de Nino Vieira que se refugiou na embaixada de Portugal. Estes meses de guerra deram azo a que Henriques da Silva se espraiasse a contar historietas e instantâneos da guerra.

Enfim, temos aqui um depoimento avassalador sobre um conflito dramático que, por um lado, revelou a tenacidade e o heroísmo dos habitantes da Guiné-Bissau que repeliram as forças estrangeiras e que, por outro lado, deixou fracturas que chegam à sociedade atual.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10694: Notas de leitura (430): "Crónica dos (Des)Feitos da Guiné", por Francisco Henriques da Silva (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10709: Parabéns a você (499): José Romeiro Saúde, ex-Fur Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10693: Parabéns a você (498): Mário Miguéis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Guiné 63774 - P10708: (In)citações (45): O Cão, o Geba, o melhor amigo da tropa de Mansambo... o meu amigo Geba (Torcato Mendonça)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > "Eu e o Geba"...

Foto:  © Torcato Mendonça (2012). Todos os direitos reservados.















Fundão > 27 de janeiro de 2007 > O Torcato Mendonça é um incrível contador de histórias... Escreve bem mas ainda fala melhor... Sobre o seu cão, o Geba, descreve-o magistralmente em três linhas... "O meu amigo, o Geba, amigo da tropa e militar, pois ia cheirando o chão junto dos homens da pica"... Sobre as peripécias da grande operação Lança Afiada (10 dias, uma eternidade, em março de 2009), ele perde-se, a falar, a falar ... de tal maneira que desde 2007 que eu estou à espera de um depoimento dele, sucinto, claro, conciso, preciso, que caiba numa folha... A4. (Esta sequência fotográfica foi obtida em 27/1/2007, na casa da minha irmã caçula, enfermeira no Fundão)...

É um dos raros grã-tabanqueiros que participou  nesta megaoperação, a Lança Afiada,  que varreu o triângulo Bambadinca-Xime-Xitole, como um verdadeiro rolo compressor... Aproveito para homenagear, no nosso blogue, este camarada de coração grande, que é arraçado de algarvio, alentejano e beirão, mas que acima de tudo é um grande português e um orgulhoso "viriato" da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

Finalmente ele prometeu, ao Carlos e a mim, que vai escrever, está mesmo a escrever, um comentário sobre a tal "Lança, mais romba do que afiada"... (LG)

Fotos:  © Luís Graça  (2007). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do Torcato Mendonça, com data de ontem:

Assunto: Os cães

Carlos acabei de ver A Guerra e fiquei apardalado. O Amadú Djaló falou bem e eu não sei como ele está de saúde. Mas eu escrevi para te enviar o Geba, cão de quatro patas e amigo di tropa, pá... Se continuarem a escrever sobre cães,  põe lá este meu amigo, o Geba. Amigo da tropa e militar,  pois ia cheirando o chão junto dos homens da pica...

Abraço T

[Comentário de L.G.: O Carlos Marques dos Santos, talvez para não ficar atrás do T., arranjou também um farejador de minas, o Xime... " Op Cabeça Rapada I... Em 25 de Março de 1969, uma semana depois da Op Lança Afiada, inicia-se a primeira Op Cabeça Rapada, com a duração de 2 dias, no itinerário Bambadinca/Mansambo. Picagens, seguranças de flanco, etc. Trabalhos de nativos em desmatação das bermas da estrada. Estava dado o pontapé de saída, para maior segurança nas deslocações na estrada Bambadinca/ Xitole. Mas, do nosso ponto de vista, maior exposição à observação IN. Só o meu cão, Xime de nome, porque o herdei da anterior Companhia aí aquartelada, era capaz de fazer a segurança completa. À nossa frente na picada, farejando, entrando e saindo da mata, flanqueando em zig-zag, detectando minas, dormindo quando eu estava de olhos abertos, de olhos, nariz e orelhas atentas quando eu dormia. Um verdadeiro guerrilheiro responsável das suas missões. Não me lembro se ficou em Mansambo, se o levei de volta ao Xime, quando regressei. Dias sem incidentes. (...)]


2. Mensagem, off record, que o T mandou ao Carlos Vinhal, em 19 do corrente:

Sou chato,  meu caro Carlos, chato mas não baribi [?] que é o chato que se aloja nos testículos do chato... pára o chato...

O Luís,  de sua Graça,  comentou e com razão. Quer a "Lança..." e eu em comentário respondi. Vai ele ler? I don´t known e não sei o mail dele. Se fizeres favor - que chato - quando ele aparecer à tua "beira",  dizes para ver o comentário e estou a escrever 'A Lança... mais romba do que afiada'...

Um abraço do T. (está no Poste das Fotos com capacete...porra que os miolos deviam ficar liquefeitos...)


Torcato Mendonça disse...

Se calhar ou, como se diz lá para o meu Sul, calhando tens razão...tanta molhadela...até na picada que em dez minutos virava rio, ir para a Operação e o "céu" a desabar em água, na emboscada e "desatar" a chover (uma tromba daiágua como se diz por aqui) e os ossos sinto-os hoje...mas servia, as primeiras chuvas de Maio, para tomar um valente banho com Lifebuoy - encarnado a cheirar a "valha-me deus" e a lica a desaparecer...

Estou a escrever, docemente, sobre o Fiofioli do meu descontentamento e um pouco do que vi, me fizeram e fiz, deviam ter feito e não o foi...ai, ai, tantos ais e há-de sair...escrever é um acto (com c porra) solitário e, por vezes, doloroso, inquietante, denunciante de isto ou aquilo, questionador, hoje e ontem (?), de tanta malvadez, de tanta solidariedade ou camaradagem, de tanto ódio gerador de tanta destruição física e não só... aquilo nunca podia ser vencido pela força das armas e, a ser, seria caso único. 

Mesmo assim, lá, queria emboscadas com tropa especial na margem esquerda do Corubal... Eu escrevo o que me for lembrando,  quarenta e tal anos passados. Era um puto,  pá, era um puto em idade pois por dentro tudo estava já quebrado, escaqueirado, e hoje mesmo remendado, não está bem... ninguém que passou por aquilo está bem. Se estiver é porque não viu, não viveu, não sentiu e tinha "ar condicionado"...estive meses sem beber água decente, sem ver casa caiada, mulher loura, morena ou ruiva, comer um pão, pá, ou beber algo fresco... Eu escrevo Ab, caro Luís. T

Segunda-feira, Novembro 19, 2012 4:52:00 p.m. 
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10674: (In)citações (44): Imagens da minha terra, tão bela e tão sofrida (Cherno Baldé)

Guiné 63/74 - P10707: Mensagem do nosso camarada José da Câmara aos amigos, a propósito do dia de Acção de Graças, hoje festejado nos Estados Unidos da América

Thanksgiving Day is a federal holiday in the United States. 
© iStockphoto.com/Olga Lyubkina

1. Mensagem do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73) datada de 22 de Novembro de 2012, a propósito do Thanksgiving Day que hoje se celebra nos Estados Unidos da América:

Caros familiares e amigos,
Hoje, nos EUA, celebramos o dia de Acção de Graças, o chamado Thanksgiving Day.

Nós, aqueles que temos o privilégio de viver e fazer parte desta grande Nação Americana, sabemos o que este dia significa nas nossas vidas e na dos nossos familiares e amigos. Damos Graças, não tanto por estarmos mais ou menos bem na vida, mas pelas oportunidades que nos foram oferecidas e que aproveitámos para também realizarmos o grande sonho americano: ter casa, carro e, acima de tudo, ajudar na melhor educação escolar possível dos nossos filhos.

Esta é, ao fim e ao cabo, a melhor herança que lhe s podemos deixar. Muitos de nós aproveitámos os anos para cultivarmos as nossas hortas de amizades. Tomamos conta delas e fazemo-las crescer e produzir bons frutos. Eu também consegui uma fantástica horta de amizades. Nela as raízes e os ramnos dos seus membros entrelaçam-se numa sã convivência, porque têm a certeza que são todos importantes no meu coração. A minha horta é muito importante na minha vida. Ajuda-me a viver e a acreditar que os meus melhores anos de vida ainda estão para vir. Pelos familiares que tenho, por aqueles que me deixaram ser seus amigos e pelas oportunidades que recebi na vida dou Graças a Deus.

Para os que celebram o Dia do Thansgiving os meus sinceros votos de que seja passado com muita alegria na companhia dos vossos entes queridos.
Para aqueles que não celebram este dia, fiquem com a certeza que não ficarão esquecidos nas minhas preces. Sim, eu tenho muitas razões para dar Graças a Deus e celebrar o Thanksgiving Day.

Um abraço do
José Câmara
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Nota de CV:

Para saber mais sobre o Dia de Acção de Graças vd. http://www.timeanddate.com/holidays/us/thanksgiving-day