quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11162: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (9): Ainda cheira a pólvora...


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 45 > Invólucros de granadas de canhão s/r, deixadas na orla da mata contígua à pista de aviação, na noite do ataque a Bambadinca, 28 de maio de 1969... Ainda tenho bem presente, na minha memória, estes "objetos" de guerra, na nossa passagem pro Bambadinca, a caminho de Contuboel, em 2 de junho de 1969...Recorde-se que na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, secas, em estilo telegráfico: "Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros"...



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 39 > Bidões de combustível atingidos pelo fogo do IN, no ataque da noite de 28 de maio de 1969. Recorde-se aqui o sistema de cores dos nossos bidões: Vermelho (gasolina), verde claro (petróleo branco), amarelo (gasóleo).


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 2 > Possivelmente despojos de guerra, recolhidos durante a Op Lança Afiada (8-19 de março de 1969)


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 1 > Não tenho a certeza de quem capturou nem quando nem onde este RPG 2 e a respetiva granada...Pode ter sido  durante a Op Lança Afiada (8-19 de março de 1969)


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 46 > A ponte do Rio Udunduma, objeto de sabotagem por parte do PAIGC, na noite de 28 de maio de 1969, aquando do ataque ao quartel de Bambadinca... Pela escassez de água no rio, vê-se que estamos no fim da época seca...Não me lembro de ter visto o rio Udunduma com um caudal tão fraco...Passei/passámos (a malta da CCAÇ 12...)  muitas noites neste buraco... (do 2º semestre de 1969 ao 1º trimestre de 1971), neste destacamento (?) que depois dessa data foi improvisado para defender esta posição estratégica... Improvisado e definitivamente provisório... Com a construção da nova estrada (Xime-Bambadinca), mais ou menos paralela a esta, foi construída uma nova ponte..



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 38 > Ponte do Rio Udunduma, na estrada Xime-Bambadinca > Possivelmente no(s) dia(s) seguinte(s) ao ataque ao quartel de Bambadinca, em 28 de maio de 1969. Nessa noite, esta ponte, vital para as comunicações com todo o leste da província, foi objeto do "trabalho" dos sapadores do PAIGC... Os estragos, embora visíveis, não abalaram felizmente a sua estrutura. Era uma bela ponte, em cimento armado, construída no início dos anos 50. Esta foto é "histórica". O José Carlos Lopes posou aqui para... a "posteridade".



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 40: Chegada do gen Spínola (ou ainda brigadeiro ?), em data que não posso precisar: (i) em março de 1969, por ocasião da Op Lança Afiada (8-19 de março de 1969), em que o com-chefe se empenhou muitissimo, tendo estado inclusive com as NT no final, na Foz do Rio Corubal, na Ponta do Inglês;  ou então (ii) em junho de 1969, depois do ataque a Bambadinca (em 28 de maio de 1969)...


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 107 > Vista parcial do aquartelamento de Bambadinca: o espaldão do morteiro 81 (ver aqui a posição nº 23 nesta infografia) e à esquerda um abrigo recente... Ao fundo, a grande e mítica bolanha de Bambadinca, na margem esquerda do Rio Geba Estreito... (Vê-se também empoleirado num dos troncos de lenha, usada pelos cozinheiros da messe, um maco-cão, mascote da CCS... Estes meios de defesa terão sido construídos ou melhorados depois do ataque a Bambadinca. Todo o vasto perímetro do quartel foi guarnecido, já no tempo da CCAÇ 12 (a partir de julho de 1969),  com um sistema de valas em ziguezague.. Uma boa parte dessas valas foram abertas por nós, no intervalo do descanso entre duas saídas para o mato...  

Fotos: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)

1. Continuação da publicação do excelente álbum fotográfico  (, constituído por "slides" digitalizados, ) do José Carlos Lopes, meu contemporâneo em Bambadinca, pelo menos na época de julho de 1969 a maio de 1970 (quando o batalhão regressou à metrópole). Embora a sua especialidade fosse "contablidade e pagadoria" (sic), ele exerceu funções como fur mil reabastecimentos da CCS/BCAÇ 2852. É nosso grã-tabanqueiro, nº 604, desde 10 do corrente. Bancário reformado do BNU, vive em Linda a Velha, Oeiras.

Recorde-se, de passagem, que o ataque a Bambadinca, em 28 de maio de 1969, assume alguns aspetos hilariantes (sem ofensa para ninguém...), dois meses depois da Op Lança Afiada (8-19 de março) em que todo o dispositivo político, administrativo e militar do PAIGC, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole- margem direita do Rio Corubal,  terá sido desarticulado... Sorrateiramente, audaciosamente, dois bigrupos (c. de 100 homens), aproximam-se da sede do batalhão, importante posto administrativo e estratégico porto fluvial, e conseguem tirar o sono aos nossos camaradas da CCS/BCAÇ 2852 e subunidades adidas...

Felizmente que não houve baixas de monta... A sorte (ou a nabice dos artilheiros do PAIGC) protegeu  o pessoal de Bambadinca:  segundo os  diversos depoimentos coincidentes que fui ouvindo (, incluindo o do José Carlos Lopes, que podia ter morrido na cama com uma morteirada!),  os canhões s/r enterraram-se no solo e a canhoada foi cair na bolanha... Estávamos já no princípio da época das chuvas.

Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, uns dias  depois, vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de 18 meses de inferno... quando fomos justamente colocados na sede do Setor L1), os nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda falavam do evento com alvoroço e emoção...
- Podíamos ter morrido todos! -  dizia-me 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, da minha terra, Lourinhã, e meu amigo de infância...

Fomos depois nós, para lá, com os nossos nharros, e em 18 meses nem um tirinho: que o respeitinho (mútuo) era muito bonito... Porrada, porrada, era só quando a gente se atrevia a meter o bedelho na terra deles, na margem direita  do Rio Corubal, que eles consideravam "libertada"...   (LG)
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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > 23 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10993: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (8): Há festa no quartel: visita da Cilinha e do conjunto musical das Forças Armadas, em abril ou maio de 1969

Guiné 63/74 - P11161: Parabéns a você (542): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sap da CCS/BART 2917 e BENG 447 (Guiné, 1970/71)

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Nota do editor

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11154: Parabéns a você (541): João Carlos Silva, ex-1.º Cabo Especialista da FAP (1979/82)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11160: Blogpoesia (322): Não sou nada, não sou ninguém (Ernesto Duarte)

1. Em mensagem datada de 19 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67) enviou-nos um poema de sua autoria a que deu o expressivo título:


Não sou nada, não sou ninguém

Aqui no alto das minhas recordações 
Aqui do alto da minha serra 
Aqui do alto de onde as recordações têm outro sabor 
Eu sempre soube o amanhã 
Eu sempre soube que todos os amanhãs são passos para o fim 
Eu sempre soube que nada é eterno 
Eu sempre soube que mesmo os amanhãs passos gigantescos para o futuro, são igualmente passos para o fim 
Eu já andei muitos passos 
Eu já me sinto cansado de tanto descer 
Eu já estou num patamar em que tenho mais passado do que futuro 
Eu sei que passo mais tempo a recordar do que a sonhar 
Eu sei que já posso dizer com um sorriso, que não sou ninguém, não sou nada porque eu sei que lutarei até ao fim, até para lá do fim 
Eu sei que posso dizer que a minha terra está muito longe 
Eu sei que posso dizer que a terra onde vivo não é a minha 
Eu sei que não conheço as pedras das calçadas 
Eu sei que não conheço as gentes que se cruzam comigo 
Eu sei que vivi sempre em terras que não eram as minhas 
Mas eu vou voltar à minha serra, nem que seja só por um dia, pelos caminhos de ontem de muitos ontens
As serras algarvias são diferentes das outras 
São mais pequenas 
Chove pouco, cai neve uma vez por século 
Mas têm uma luz única 
A paisagem é deslumbrante 
O Sol incide naquela extensão enorme de Oceano 
Naquela estrada marítima, naquele caminho marítimo 
Refletindo-se nas dezenas de barcos que a cruzam constantemente 
No muito ontem 
Já tocado pela história, fico horas ali tentando imaginar os grandes Portugueses do passado 
Os seus grandiosos feitos 
Como seriam surpreendentes aqueles novos pedaços de Portugal 
Coisas deslumbrantes e arrebatadoras com certeza 
Muito maiores do que a história 
Não a história maior do que eles 
E desejava mesmo um dia poder lá ir 
Extasiar na sua grandeza física, mas muito mais na sua grandeza humana 
O tempo foi passando e eu fui esquecendo mais, mas sempre tocado 
Sempre imaginando os feitos naquelas terras, as suas grandezas 
E um dia quase sem perceber apareci dentro de um barco, o Niassa 
Daquele barco naquele Atlântico eu olhei a minha serra com saudade 
Chego à Guiné e a desilusão é muito grande 
Eu chego mesmo a pensar que estou em 1400 
Interior comigo, encontro os de 1963 a quem vamos render 
Eles falam connosco, tentam nos dizer o máximo 
Cada palavra que nos dizem, é uma afirmação de que aquilo, esteve, continua a estar igual 
Quase dois longos anos se passam 
E um dia aparecem outros para nos render 
E nós temos para dizer o mesmo, nada 
Naqueles primeiros anos deram-se muitos tiros 
Limparam-se muitas estradas 
Fez-se muitos golpes de mãos, trabalhou-se duro e com sacrifício 
Resultados! 
Em cada rendição estava sempre tudo igual, para não dizer pior 
Mais triste me sinto hoje no meu emaranhado de recordações 
Quanto mais penso, mais confirmo a inutilidade 
E como posso dizer sou nada 
Não sou ninguém

Ernesto Duarte
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 17 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11104: Blogpoesia (321): Não à filha-de-putice-da-vida, camarada! (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P11159: Bibliografia de uma guerra (67): Alguns comentários sobre a guerra na Guiné e a sua literatura (1) (René Pélissier / Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Fevereiro de 2013:

Queridos amigos,
Alguns meses atrás, recebi uma carta do Prof. René Pélissier solicitando-me livros e alguns contactos, ele continua indefetivelmente, infatigavelmente, a fazer recensões de livros em torno dos nossos conflitos coloniais. Daí nasceu a ideia, mais tarde, de sugerir a esta autoridade internacional na historiografia das nossas guerras que pusesse por escrito as suas reflexões sobre escritores e escritos de antigos combatentes.
Penso que este trabalho científico nos deve orgulhar e não escondo uma certa ufania em ter participado neste exclusivo que inclui fotografia inédita do historiador a mostrar leituras onde a Guiné é preponderante.

Um abraço do
Mário



Alguns comentários sobre a guerra na Guiné e a sua literatura (1)

René Pélissier

É com toda a franqueza que confesso ter hesitado em publicar esta pequena crónica num blogue de antigos combatentes portugueses na Guiné. E porquê? E, finalmente, como é que eu cheguei aqui? Antes de mais, não sou nem antigo combatente nem mesmo português, nem até alguma vez pus os pés na Guiné. Nem – nunca – alguma vez estive implicado em qualquer outro conflito tropical. Contento-me em estudá-los atentamente há mais de 50 anos, sempre que me interessam. Depois, procurando encontrar argumentos plausíveis, disse a mim próprio que os frequentadores deste blogue terão passado, na maior parte dos casos, de 20 a 26 meses no tarrafo e nas picadas da Guiné, enquanto eu, pura e simplesmente, passei mais de 4 intensos anos a escrever uma história da ocupação militar deste território. Isto não se compara com os sofrimentos suportados pelos jovens- ou menos jovens – soldados, sargentos e oficiais que arriscaram a sua pele e a sua saúde para defender, a despeito do que pensavam, um mito. Eles andavam nos Unimogs, procuravam detetar as minas, viviam em destacamentos fortificados, enquanto eu, no meu escritório, procurava,mas mais tarde (1984-1988) organizar centenas e até mesmo milhares de informações que poderiam ajudar a explicar porque é que eles tinham sido enviados para um país que lhes tinham dito ser Portugal mas que, a seus olhos, não tinha muitas semelhanças com os Açores ou o Minho. É um eufemismo da minha parte. Enfim, a minha qualidade de historiador da colonização portuguesa moderna em Angola, em Moçambique, na Guiné e em Timor, não era argumento suficiente para falar a pessoas que, como todos os antigos combatentes do mundo, gostam de se reencontrar para falar da sua história pessoal vivida no terreno, mas que têm pouco interesse pela história militar do passado.

Mas a minha segunda identidade de crítico de livros publicados por antigos combatentes é ainda mais conflituosa. Um historiador deve conservar uma distância profissional com o que estuda. É o mínimo de imparcialidade que se espera dele. Esta condição é raramente alcançada quando o historiador e os atores têm a mesma nacionalidade ou o mesmo credo político ou religioso que o autor e, pior ainda, quando as nacionalidades e as posições são antagónicas. Acreditem na minha experiência, os historiadores militares são quase sempre historiadores comprometidos. Veja-se como divergem as suas interpretações sobre Naulila, no sul de Angola, em 1914, na perspetiva portuguesa ou alemã. A mesma coisa para os combates de Cuíto Cuanavale (1987-1988), quando se é angolano, cubano, soviético ou sul-africano. Quando se quer passar uma determinada opinião sobre um acontecimento é certo e seguro que vai trazer descontentamento a dois, três ou quatro adversários, e, em primeiro lugar, às testemunhas que o viveram. Conhece-se a suscetibilidade – por vezes patológica – de autores e editores em geral, e a dos portugueses em particular; o ofício de crítico é o melhor meio de fazer inimigos e de se ver ligado a polémicas em cadeia. Detesto polémicas, mas não posso dizer o contrário do que penso se o livro é mau. Eu respeito o meu leitor e procuro não o enganar induzindo-o em erro. Graças a Deus, poucas vezes passo o meu tempo a falar das qualidades e dos defeitos literários dos autores. Não possuo as competências para tal, é coisa que não me diz respeito.

Enquanto historiador, o que me interessa é o valor documental, a sua pertinência, se possível a sua cronologia, se ela até se apoia num diário de operações. Desconfio da memória, se bem que aprecie a exposição de estados de alma para conhecer o ambiente local num dado período, os ajustes de contas pessoais, as críticas ad hominem entre “camaradas” não me entusiasmam. Em contrapartida, as críticas que incidem sobre a condução das operações ou as insuficiências deste ou daquele oficial são preciosas. Os casos mais notáveis são os que se referem a Spínola na Guiné, genial, corajoso e visionário para uns, insuportável, pretensioso e péssimo estratega para outros.

Em suma, a minha dupla identidade de historiador africanista e de Timor, por um lado, consumidor de literatura memorial e, por necessidade, divulgador de novas perspetivas com vista a uma hipotética história da última guerra colonial portuguesa, por outro lado, não me predispõe para falar de novidades num fórum ou num ambiente de camaradagem em que os elogios mútuos são muitas vezes a regra de ouro.

Acontece que vocês me estão a ler no vosso blogue. Quem venceu as minhas hesitações foi Mário Beja Santos, que eu nunca encontrei e tem, pelo menos, um editor (Temas e Debates e Círculo de Leitores) que nunca se dignou a enviar-me uma só informação ou livros para recensão, provavelmente porque eu escrevo geralmente em revistas que não têm impacto sobre as grandes vendas, e outro editor (Âncora Editora) que nunca mais me enviou nenhum livro talvez por ter sido demasiado crítico a propósito de um dos seus autores, ou, sabe-se lá, porque os livros estão muito caros.

Suponho, observador longínquo da cena mediática portuguesa, que Mário Beja Santos goza de alguma notoriedade em Portugal. Em todo o caso, não foi a sua posição social que me decidiu a ultrapassar as minhas reticências iniciais, foi, acima de tudo, o facto de que ambos praticamos em dose elevada o mesmo ofício: o da crítica de livros ultramarinos e porque ele é, tanto quanto sei, o primeiro em Portugal a ser bem-sucedido com uma iniciativa espetacular: a de coligir em volume dezenas e dezenas de resenhas e longos comentários, que publicou em diferentes meios de comunicação social, por os ter classificado em categorias (romance e conto; memórias; ensaios; poesia; reportagem; história; diários), sintetizando-os e classificando-os pela sua devida importância. E, finalmente, encontrou um editor (Âncora Editora), bastante corajoso e profissional para publicar o resultado final (Mário Beja Santos, Adeus, Até ao meu Regresso, Âncora Editora, Lisboa, 2012, 408 páginas).

Sem qualquer adulação da minha parte, considero, enquanto autor precursor com três recolhas de (cerca de 3000) recensões de livros espalhados por uma cinquentena de revistas e jornais publicados numa meia dúzia de países(1) , que Adeus, até ao meu Regresso é não só um livro indispensável para todos os antigos militares que combateram na Guiné, mas que deveria estar disponível pelo menos em 100 bibliotecas universitárias ou públicas portuguesas. E porquê? Porque o autor enfatiza a necessidade de estudar seriamente este ramo da literatura portuguesa, não só para satisfazer os antigos combatentes que a sociedade atual tende a esquecer e mesmo a desprezar, ou a denegrir em certos casos, mas também porque, pela primeira vez depois dos Descobrimentos e até ao século XVII, esta literatura exótica tornou-se parte integrante da história portuguesa, não se pode ficar indiferente à abundância destas publicações. Se se comparar o número de livros publicados em Portugal sobre a Guiné entre 1840 e, digamos, 1940, com o número de publicações de essência guineense aparecidas depois da guerra colonial, é fácil concluir que a explosão atual anuncia, pela primeira vez, a entrada desta Guiné nas preocupações de muitos portugueses.

Com efeito, é o fator colonial a corpo inteiro e as suas desditosas realidades que penetram nas casas de centenas de milhares de famílias, tanto as dos antigos combatentes como as dos retornados de Angola e Moçambique. Mesmo se eles não comprarem muitos livros, o fenómeno durará muito após o desaparecimento dos protagonistas e provavelmente durante, pelo menos, a geração que está para vir. Veja-se o que se está a passar com o impressionante movimento editorial francês que invade atualmente as livrarias com recordações e estudos referentes à I Guerra Mundial.

Mas regressemos a Mário Beja Santos, pondo-lhe uma questão ligeiramente impertinente. Se ele tivesse publicado há 50 anos um livro sobre a Guiné ele teria posto “do Tangomau” no seu título? Vejamos o que nos diz a 11ª edição do Grande Dicionário Português/Francês de Domingos de Azevedo, 1998. “Tangomau”, V. “Tanganhão”. “Tanganhão” = 1º) [Mercador de escravos]; 2º) [Negociante de gado, vigarista, adelo, vivaldino]. Mário Beja Santos, defensor do consumidor, a vender escravos em África? Impossível.

Historiador da Guiné, sei e já o sabia, o que a palavra quer dizer na Senegâmbia, mas o grande público e os próprios autores do dicionário não sabem. Eu quero provar, neste caso, que uma aceitação tão pejorativa do termo era corrente no regime de Salazar, mas agora que África é menos estranha à população letrada, pôr o sentido guineense do termo no título de um livro destinado a uma vasta difusão não choca ninguém. Estando o Império morto há mais de uma geração, assistimos à africanização da língua. Paradoxo da História.

Por conseguinte, Mário Beja Santos, A Viagem do Tangomau. Memórias da Guerra Colonial que Não se Apagam, Temas e Debates, Círculo de Leitores, Lisboa, 2012, 518 pp. é uma espécie de livro-balanço que começa pela narrativa de um estudante politicamente vigiado, se bem que simplesmente cristão de esquerda, que foi obrigado a sair da universidade para ser transformado num futuro alferes, será punido e afetado à colónia mais perigosa para a sua saúde física e mental. Evidentemente que falo da Guiné.

Amigo de Teixeira da Mota (o oficial de Marinha historiador que acabará a sua carreira como almirante e com quem eu encarei a hipótese, um pouco antes do seu falecimento, de coordenarmos um livro em 5 ou 6 volumes sobre a história colonial integral de Portugal, obra que não existia nos primeiros anos após a queda do antigo regime), o nosso autor embarca para África, e, se eu entendi bem, apaixona-se pela Guiné e pelas populações com quem convive. Não é um caso excecional na literatura dos antigos combatentes, mas não é, de facto, a norma. Não vamos segui-lo nas suas deambulações, mas não devem ter sido muitos os jovens oficiais que frequentavam o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa entre duas consultas no Hospital Militar de Bissau. Que pena que a minha História da Guiné (Editorial Estampa) tenha aparecido em 1989, 20 anos demasiado tarde para que ele tenha podido andar com ela. Ele teria visto que estava numa zona de rebeldes (o Cuor) à dominação portuguesa, no princípio do século XX.

Após o termo da guerra, ele regressará por três vezes à Guiné (1990, 1991 e 2010), irá rever os antigos combatentes da milícia e os caçadores nativos que comandou no seu tempo de alferes. E aqui as coisas tornam-se sombrias no livro: execução dos “traidores”, deliquescência, afundamento da economia, etc. Este “caderno de um regresso ao país quase natal” não se aconselha a toda a gente, mesmo a um leitor sentimental. Retrospetivamente, a idade de ouro era talvez o tempo dos portugueses, pelo menos para os que estavam do seu lado.

(continua)
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(1) Cf. René Pélissier, Africana. Bibliographies sur l’Afrique Luso-Hispanophone (1800-1980), 1981, 206p ; Du Sahara à Timor, 700 Livres Analysés (1980-1990) sur l’Áfrique et l’Insulinde Ex-Ibériques, 1991, 350p. ; Angola-Guinées-Mozambique-Sahara-Timor, etc. Une Bibliographie Internationale Critique (1990-2005), 2006, 748 p. 

Estas três obras descrevem cerca de 3000 livross e brochuras publicados em 20 línguas, em que uma cinquentena de páginas é dedicada a Portugal. Só para a Guiné, considerada individualmente, esta três obras referem 167 livros e para a Guiné inclusive nas obras existem muitas páginas, cerca de 200 outros livros. De acordo com uma sondagem feita pela Porbase, dois terços destes 367 títulos estão ausentes das bibliotecas universitárias ou públicas portuguesas, incluindo a Biblioteca Nacional de Lisboa. Estes três livros foram publicados por Éditions Pèlissier, 78630 Orgeval (França), viapelbooks@wanadoo.fr
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 20 de Janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10969: Bibliografia de uma guerra (66): A morte de Amílcar Cabral no livro "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu" (Manuel Luís Lomba)

Guiné 63/74 - P11158: Contraponto (Alberto Branquinho) (49): O Spínola que eu... entrevi

Foto: © Pierre Fargeas / Jorge Félix (2009). Direitos reservados.

1. Em mensagem de 17 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) enviou-nos o seu quadragésimo nono contraponto.


CONTRAPONTO (49)

O SPÍNOLA QUE EU… ENTREVI

Não me pareceu que este texto pudesse ser colocado na série “O Spínola que eu conheci”, porque não o conheci. O que posso dizer é que, por duas vezes, pude entrevê-lo.

A primeira foi durante o período de permanência da minha companhia em Bissau (onde nunca estivera), aguardando o embarque de regresso a Lisboa. Encaminhava-me para a messe em Santa Luzia, quando o vi, ao longe, em frente à messe, entre meia dúzia de oficiais.

A segunda vez foi durante a formatura de despedida das tropas que, no dia seguinte, embarcavam para Lisboa. Que me lembre, na formatura, estava o meu batalhão, outro batalhão e, lá mais à frente, sob a minha direita, tropas da marinha, impecáveis, nas suas fardas brancas.

Eu estava à frente do meu pelotão e tinha a tapar-me a visibilidade sobre um palanquim de madeira (onde estava um microfone) o meu comandante de companhia e, em frente a ele, o coronel que comandava a tropa em formatura. Chegou o ComChefe, acompanhado de um oficial que se colocou mais atrás, sob a sua esquerda. Toque de “Sentido”. A seguir, o coronel fez o cumprimento militar. O ComChefe respondeu, elevando a mão direita, enluvada, mais ou menos à altura do rosto. Toque de “À-vontade”.

Colocaram um microfone em frente ao coronel. Compasso de espera para o acertar à altura adequada. O coronel colocou os óculos e retirou umas folhas de papel do bolso direito das calças. (Aproveitei para espreitar discretamente, ora sobre a direita ora sobre a esquerda.) O coronel começou a ler. Eu não prestava atenção ao que ele dizia, tentando entrever o general, que dava sinais de impaciência. Apurei o ouvido. O coronel falava da arma de Artilharia, da excelência do artilheiro, da história da Artilharia.

O general, que estava cada vez mais impaciente, chegou-se ao microfone do palanquim e ouviu-se, por entre as palavras do coronel, em som nasalado e grave:
- Já chega!

O coronel pareceu não ouvir e continuou a passar folhas e a ler. E o general:
- Schh! Schh!

De cabeça baixa, continuei a procurar entrever o palanquim e o general, olhando por cima do sobrolho e pensando: - Vai haver esturro!

O general, de novo:
- Já chega! Schh!

O coronel continuou. Acabou. Dobrou e guardou as folhas.

Ouviu-se o toque de “Sentido” e, logo a seguir, o coronel fez continência. O general mandou, com um gesto, fazendo oscilar o pingalim sobre o seu lado direito. Então recuou um pouco, ficando, assim, visível, olhou o oficial que o acompanhava e que estava à sua esquerda e, com o pingalim apontando o microfone, disse em voz bem audível, mais ou menos isto:
- Diz lá umas palavras aos rapazes sobre o significado deste acto, que voltam para as famílias, para as mulheres, para os filhos… que era o que o senhor coronel devia ter feito.

Alberto Branquinho
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 5 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11062: Contraponto (Alberto Branquinho) (48): Cuando sali de Cuba...

Guiné 63/74 - P11157: Memória dos lugares (219): Olossato, anos 60, no princípio era assim (5) (José Augusto Ribeiro)

1. Quinta série de fotos do Olossato que o nosso camarada José Augusto Ribeiro (ex-Fur Mil da CART 566, Cabo Verde (Ilha do Sal,  Outubro de 1963 a Julho de 196464) e Guiné (Olossato) (Julho de 1964 a Outubro de 1965), nos enviou em mensagem do dia 13 de Fevereiro de 2013.


MEMÓRIA DOS LUGARES

OLOSSATO - O princípio (5)


Foto 164 > Como era o nosso único carro de combate

Foto 165 > Material de guerra aprendido em combate ao IN

Foto 166 > Sem legenda

Foto 167 > Quintal do cabo-verdiano residente dentro da área do nosso quartel

Foto 168 > IN morto em combate 

Foto 169 > IN morto em combate

Foto 170 > Sem legenda

Foto 171 > Sem legenda

Foto 172 > Uma coluna militar

Foto 173 > Operações militares realizadas a partir do Olossato

Foto 174 > Sem legenda
Foto 175 > Sem legenda

Foto 176 > Sem legenda

Foto 177 > Sem legenda

 Fotos: © José Augusto Ribeiro (2013). Direitos reservados
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Nota do editor:

Vd. poste anterior de 24 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11147: Memória dos lugares (218): Olossato, anos 60, no princípio era assim (4) (José Augusto Ribeiro)

Guiné 63/74 - P11156: Do Ninho D'Águia até África (54): Ano e meio já lá vai (Tony Borié)

1. Quinquagésimo quarto episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177:


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA - 54


Os últimos meses de presença em cenário de guerra foram passados quase como todos os combatentes que cumpriram vinte e quatro meses de estadia na então província da Guiné, mais ou menos naqueles anos, portanto é quase um reviver de acontecimentos, as porporções do conflito estavam a aumentar de dia para dia, já era difícil viajar de uma povoação para outra sem haver contacto com os guerrilheiros ou com qualquer das suas armadilhas, colocavam minas e fornilhos nas principais vias de comunicação, utilizavam os seus corredores de abastecimento durante a noite, tinham as suas “casas mato”, na verdade os guerrilheiros já tinham alguma experiência em guerrilha e sabiam o terreno que pisavam.
O Cifra ia sobrevivendo, já tinha o seu calendário em papel quadriculado, onde todos os dias colocava uma cruzinha, a caminho de se completar. Já não eram tantos assim os dias que lhe faltavam para um possível abandono do mesmo cenário e regresso a Portugal.


Todos os dias pela manhã, ao colocar uma cruzinha no referido quadrado, considerava uma conquista. Não era bem uma conquista, era uma reconquista, era uma satisfação interior que não cabia dentro dele. Passavam dias, semanas e meses, e lá ia sobrevivendo, preenchendo os referidos quadrados do seu calendário. Não sai do aquartelamento, a não ser por motivos de ordem maior, tirando claro, as suas idas quase todos os dias, à vila e à tabanca com casas cobertas de colmo, que existia próximo do aquartelamento, onde estavam pessoas que já considerava família. Tirando isso, procura todas as desculpas possíveis para não se deslocar na distribuição do tal material classificado que era o novo código de cifra, que era renovado todos os meses, e tinha que ser distribuido por mão própria a todas as unidades que se encontravam em diferentes zonas de combate, a palavra “sobrevivência”, agora sim, era muito importante para o Cifra.


O movimento de militares aumentou na área, quase que triplicou em alguns dias, são centenas de militares em constante movimento, com as viaturas ocupando todos os espaços. É uma barafunda. Com a chegada de novos militares já ninguém se conhece. No dormitório colocaram mais do dobro das camas, neste momento existe dois andares de camas, muito chegadas umas às outras, com roupa camuflada, alguma molhada, a secar, colocada em cima dos mosquiteiros e em outros locais, dos militares que vão chegando das patrulhas. Os militares caminham por um labirinto de camas, como andassem dentro de um submarino, logo à entrada do dormitório está sempre uma caixa com uns resto de munições, que não auxiliam nada a quem quer passar, mas ninguém se importa com isso, e sempre que passa por lá um militar, dá-lhe um empurrão com a perna, mas alguém volta a colocá-la no lugar inicial, pois o militar que dorme na cama ao lado quer mais espaço. Em alguns dias de calor infernal, o cheiro a suor e outras coisas é insuportável, e alguns vêm dormir na rua, encostados ao dormitório, onde alguns dias por mês, alguém, muitas vezes até é o Cifra, vai buscar um balde, onde com um pouco de criolina e água, pincelam, com uma vassoura feita de ramos de alguns arbustos, em volta do dormitório. Na área ao fundo do aquartelamento, onde existem os tais furos de água quente, muito quente, a cheirar a enxofre ou coisa parecida, é um pandemónio. As couves e alfaces, que o Cifra tinha plantado, desapareceram. A área agora, está cheia de bidons, uns com água, outros vazios e amolgados, ao sol quente, abafado e húmido.


O Cifra ia escrevendo o seu diário, mas as palavras que completavam as frases eram sempre as mesmas, ataques ao aquartelamento, emboscadas, feridos, mortes, só mudava as datas, às vezes ficava desesperado e gritava:
- Merda, tirem-me daqui, pois estou a ficar doido.

Alguns diziam:
- O Cifra, ou está sobre influência, ou já está “apanhado”!
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 23 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11141: Do Ninho D'Águia até África (53): Comando de Agrupamento 16 (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P11155: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (8): Casamento tradicional, família, religião, homens, mulheres, gestão de conflitos... e pesca desportiva!

1. Comentário da nossa Anabela Pires, com data de 20 de corrente, ao poste P11098:

Luís, acabei de receber o teu e-mail e estou em estado de choque. Nunca percebi de que mal padecia a Cadi mas depois de ir para o Senegal e para o hospital de Cumura nunca pensei que o desfecho fosse este. Não imaginas como lamento esta notícia. E cuidado com a menina que pouco depois da mãe adoecer também ela andava doentita. Nunca me esqueço delas até porque no dia em que a Alicinha fez 2 anos (dia da minha chegada a Cantanhez) também eu ganhei uma "afilhada" em Catesse que tem o meu nome. As nossas "afilhadas" têm exactamente 2 anos de diferença. E não esqueço a visita que recebi da Cádi, da sua mãe (lindíssima mulher também), da Alicinha e do Ansumané (irmão mais novo da Cadi). Para sempre ficarão também no meu coração. Um grande abraço para ti e para a Alice. Anabela Pires

[Foto acima, à esquerda: Anabela Pires, em Catesse, Cantanhez, Região de Tombali, Guiné-Bissau, 20012. Créditos fotográficos: AD - Acção para o Desenvolvimento]

2. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires  (Parte VIII) (*)

16 de Fevereiro de 2012

Há seis dias que nada escrevo. Não tenho tido tempo!

Voltando mais atrás …. Aqui há dias um homem jovem deu uma surra no antigo namorado, também jovem, da mulher. A mulher fora-lhe prometida pela família, de acordo com os costumes muçulmanos. No entanto, a rapariga foi durante muito tempo namorada do filho do ex-régulo, falecido há pouco tempo. Deste namorado teve uma menina e claramente é dele que ela gosta mas chegada a hora de casar, e apesar de já ter uma filha do namorado, teve de casar com o rapaz a quem os pais a haviam prometido, levando para o casamento a sua filhinha.

Alguém a ouviu telefonar à família do antigo namorado, a dizer que ele andava doente e que cuidassem de lhe comprar os remédios, e foram contar ao marido. Este não esteve com mais – foi ter com o outro e deu-lhe uma surra que o deixou desmaiado e a sangrar dos ouvidos, boca e nariz. O rapaz foi socorrido, levado para o hospital mais próximo, onde estava o chefe da polícia que tomou parte da ocorrência.

Aqui no complexo existe um espaço aberto mas coberto que supostamente é o local de convívio dos turistas, chamada a Casa Redonda.  No entanto, este espaço é utilizado para diversos fins, e muito bem. Nele se reuniram todos os chefes de família de Iemberém, com a presença do chefe de polícia, e lá estiveram toda a tarde para discutir o incidente entre os dois jovens homens.

O objetivo destas reuniões é tentar uma reconciliação entre as partes mas sempre tem de ser determinado o culpado. Nestas reuniões não participam as mulheres, que toda a tarde mostraram uma grande preocupação com o que seria o final da estória. Foi uma longa tarde, mas no final o marido foi determinado culpado e teve de pedir desculpa ao agredido. Este aceitou as desculpas e deu-lhe o seu perdão. Tudo acabou em bem para grande alívio da população.

 O Abubacar explicou-me que a determinação do culpado é fundamental para que o agredido possa perdoar do fundo do coração pois caso contrário vai perdoar de boca mas não vai esquecer. Pergunto-me a mim própria se ele de facto perdoou do coração. A verdade é que a estória, pelo menos para já, ficou resolvida. Apesar das minhas dúvidas, não deixei de admirar este sistema de justiça em que o principal objetivo é a reconciliação entre as partes, sem processos judiciais, daqueles que nunca mais chegam ao fim, sem cadeia, sem mais delongas.

Aqui na tabanca não há cadeia mas há um armazém onde, caso alguém faça um mal muito grande, se pode prender uma pessoa até ser transferida para a cadeia mais próxima. Nas tabancas a prisão parece que só acontece em casos muito extremos mas,  se houver queixas aos régulos,  eles podem determinar castigos corporais, chibatadas. E assim se processa a justiça por aqui. É evidente que a Guiné tem sistema judicial, tribunais, cadeias, advogados, etc.. mas nas tabancas é em reunião de chefes de família que tentam resolver os conflitos.

Esta questão do casamento obrigatório é cada vez mais controversa e origina conflitos frequentes. Quando vinha de Bissau para aqui o jipe parou numa tabanca e também por lá havia um grande banzé! Uma rapariga prometida andava a fugir para ir ter com o namorado da sua escolha à tabanca vizinha. A família dela foi à outra tabanca atirar pedras ao rapaz, depois veio a família dele ao lado de cá e a discussão era acesa!

As raparigas cada vez estão menos dispostas a casar com quem os pais escolhem mas muitos pais insistem ainda neste costume. E é curioso ver a posição de pessoas diversas relativamente a este assunto.

[Já tinha falado em tempos com um casal meu amigo, os dois guineenses, obre esta questão. Ele],que apesar de muçulmano é um homem instruído e que já andou pelo mundo, é absolutamente contra este costume [, dos casamentos tradicionais arranjados pelos pais]. [Ela], bastante religiosa, achava que estava bem assim porque a religião diz que é assim, mas encontrava-lhe com frequência contradições no discurso. Ela era já a 2ª mulher dele, e para sorte dela a 1ª morreu. Apesar de ser a 2ª, também foram os pais que a ofereceram ao [atual marido], ela nunca o tinha visto quando casou com ele. Passou um mau bocado com a 1ª mulher que até uma dentada lhe deu numa orelha. Hoje tenho a sensação de que ela o ama (será? Ou não quer simplesmente confusões na sua casa?) e não quer, de modo algum, que ele tenha outras mulheres, pelo menos na mesma casa. Porque fora de casa ele [terá tido] filhos, [segundo julgo saber] (...).

Mas outras mulheres não se importam nada que os maridos tenham outras mulheres (combossas) em casa e acham até que isso é uma necessidade. É o caso da X... de Farosadjuma [...]. O marido dela tem 4 mulheres e creio que 20 filhos vivos. Vivem todos na mesma morança mais uma das mulheres do seu filho e respectivas crianças. Que grande confusão!

Mas a X... diz que não há problema nenhum e que há sempre alegria. Diz que tem de ser assim pois têm “manga” de trabalho (aqui muito é “manga”, em Moçambique é “maningue”). O marido é agricultor [...] e com tanta gente em casa há que fazer dinheiro para a todos alimentar e há muito trabalho doméstico para fazer. A X... é a 1ª mulher e a oficial, porque oficialmente só podem ter uma mulher. Parece-me que ela é quem manda nas outras todas.

Perguntei-lhe com quem é que o marido dormia e pelos vistos dorme duas noites, em rotação, com cada uma. E não chegam os sete dias da semana para uma rotação completa! E o pobre, pelos vistos, nem tem direito a descanso! Perguntei-lhe se não ficava incomodada, aborrecida, quando o marido vai dormir com as outras. Disse-me que não, que têm “manga” de trabalho. Não percebi se o que me quis dizer é que trabalhava muito e estando cansada até gostava de não ter de dormir todos os dias com o marido ou se aceita este sistema com agrado porque acha impossível terem tão grande labuta sem que o marido tenha outras mulheres.

Bom, um destes dias terei de ir a Farosadjuma dar formação à Fatu e nessa altura espero conhecer as tais mulheres de que me falaram. A Fatu tem 3 bungalows e também recebe turistas mas parece-me que por lá há grandes limpezas a fazer e muito a ensinar. Mas tem muita pose,  esta Fatu. É já mulher com 50 anos mas uma bela e forte mulher. Veio estes dias para aqui para ir vendo como se processam as grandes limpezas e aprender alguma coisa na cozinha.

No dia em que chegou estivemos aqui em casa, com a Satu também, a fazer sopa de alface e ovos verdes. Bem, o que eu me ri com as duas a provarem a sopa de alface! Até lhes tirei umas fotos! Nunca tinham comido sopa! Já outro dia tinha feito com a Satu sopa juliana, com repolho e cenoura ralada e ela adorou. Também adoraram os ovos verdes que só conseguimos fazer porque veio salsa de Bissau.

Ando a ver se as convenço a fazerem uma pequena horta com os legumes que aqui se derem para não estarem sempre na dependência do que pode vir de Bissau. Afinal ambas são mulheres de agricultores e o Abubacar é engenheiro agrónomo. A questão é que aqui não estão habituados a comer sopas e saladas e como tal valorizam muito pouco os legumes – usam cebola, pimentos e tomate, para fazer o tal molho e quando não têm tomate fresco substituem por massa de tomate em lata. Os legumes são todos pequeninos! Quase miniaturas! E eu que adoro trabalhar com cebolas grandes!

Hoje, para terminar, vou só relatar a minha 1ª ida à pesca no Domingo passado. Fui com o Sambajuma, que é aqui jardineiro e guarda durante o dia, que tem uns 65 anos e com quem falo francês pois só sabe esta língua e crioulo,  e o Gassimo, de quem já falei, e que é um menino adorável pela sua bondade. Fomos a pé até Camucote, tabanca pequena a que chamam porto, à beira de um largo braço de ria, todo ladeada de mangal (aqui chamado tarrafe) e com o solo de lodo e pedras e que fica a uns 2 ou 3 km daqui. Fomos todo o dia. Eu pensava que íamos pescar de terra mas afinal fomos de piroga. Enfim, 3 pessoas dentro de uma piroga, com a tralha toda da pesca e eu com uma cana de 5 metros de comprimento! 

O Sambajuma é pescador mas gosta mesmo é de pescar com rede. Só apanhei um pequeno peixe a que eles chamam barbo mas que penso ser da família da nossa faneca. O Sambajuma apanhou um esquiló, que se parece com um ruivo mas é cinzento. Apesar do fracasso desta 1ª pescaria devo dizer que adorei andar por lá todo o dia. Na 1ª piroga ainda tinha uma tábua para me sentar mas na 2ª piroga o meu banco e o do Gassimo eram pedras!

Valeu-me ter trazido as botas com que costumo andar na ria de Faro ao lingueirão pois na maré vazia o lodo é terrível. Mas a ria ou rio, como dizem aqui, é muito bonita sobretudo com a maré cheia. Tirei umas fotos e até ajudei o Sambajuma a remar. Assim que tivermos tempo vamos voltar e ele disse-me que me vai levar mais longe, até ao grande mar, que é o local onde começa o braço da ria junto ao mar. Penso que já percebeu que estou habituada a estas actividades e que não tenho medo. Para a próxima já levarei a cana adequada. 

No regresso viemos de jipe – estava cá um da AD e o Abubacar mandou-nos lá buscar. Soube bem vir de carro no regresso pois estava cansada e cheia de lodo por todo o lado! Depois foi o costume – lavar tudo e tirar o lodo de botas, mochila, etc… Mas foi um lindo dia, o dia 12 de Fevereiro. Antes de ir enviei sms de parabéns à Benilde e à Élia. Esta recebeu-a pois respondeu-me mas a Benilde não sei. O importante é que eu não me esqueci delas no dia dos seus aniversários.

Bom, tenho mesmo de me despachar para ir trabalhar.

[Fotos: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11121: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (7): Fogo!!!.... O forno do meu vizinho padeiro, o Mumini, completamente em chamas!

Guiné 63/74 - P11154: Parabéns a você (541): João Carlos Silva, ex-1.º Cabo Especialista da FAP (1979/82)

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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 25 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11149: Parabéns a você (540): Gumerzindo Silva, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3331 (Guiné, 1970/72)

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11153: Para que a memória não se perca (2): Histórias da dobragem do século XIX para o século XX (José Martins)



1. Segunda parte do trabalho de pesquisa e compilação do nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), sobre a História da Guiné na dobragem do Século XIX para o Século XX, que se irá prolongar por quatro postes. Este trabalho foi enviado ao nosso Blogue em mensagem de 13 de Fevereiro de 2013.




Para que a memória se não perca…

Histórias da dobragem do século XIX para o século XX (2)

Brasão da Guiné Portuguesa 
Foto: Portal UTW


Operações em Geba em 1892
É recorrente, nas terras da Guiné, entre as diferentes etnias e/ou com as autoridades portuguesas, haver revoltas e escaramuças, quer por espírito guerreiro quer pelas razões que, por certo, a própria razão desconhece.
Mali-Boiá, régulo já conhecido das autoridades civis e militares da província, resolve, no final do ano de 1890, arrastar os seus súbditos e outros à rebelião, hostilizando aqueles que eram fiéis às autoridades provinciais.
É organizada uma coluna que, sob o comando do Capitão Carlos Augusto de Almeida Saraiva, era formada por 1 Oficial e 5 Praças, no Comando; 20 praças de artilharia com uma peça de 7 c.; 144 praças de infantaria, distribuídos por 3 pelotões com 5 oficiais; e 1822 auxiliares, em cujo número se contavam integrados 20 cavaleiros, 350 carregadores e 10 negociantes europeus, que se alistaram voluntariamente.
A coluna parte em 21 de Janeiro do Geba e, no terceiro dia o comandante é atacado por doença súbita que o vitimou, quando a força se encontrava acampada em Priano. No dia 4 de Fevereiro seguinte, assume o comando da coluna o Capitão Zacarias de Sousa Lage, que reinicia o plano de operações. Atravessando florestas e bolanhas, a força vai dando combate ao inimigo nas povoações de Gandafi, Pacôa, Ardo, Gasanti, Jenany, Córóbo, Numandu e Guanará-Dandú, onde se viria a travar o confronto mais violento.
A tabanca de Guanará estava instalada num local junto a um braço do rio Geba, que servia de protecção a três flancos, estando o flanco principal, e de maior extensão, protegida por forte paliçada.
Durante o combate os auxiliares, assustados, abandonam a carga de víveres e munições, que transportavam, em locais a que os revoltosos podiam aceder com facilidade, pelo que foi necessário alguns elementos rastejarem até junto das mesmas, ficando mais expostos, para assim as recuperarem.

Distinguiram-se e foram citados no relatório:
• Capitão Zacarias de Sousa Lage; Tenentes Estevão Gonçalves da Cruz Chaves e Antão Romão Vieira; Facultativo [médico] de 3ª classe Filomeno Francisco Xavier da Piedade e Sá; 2º Sargento Francisco de Barros Cardoso; 1º Cabo de Artilharia Felizardo Fernandes da Costa; Soldados de Artilharia João Clemente Lopes, 1º Cabo de Infantaria José Pacheco, Soldado Peio; Negociantes: Francisco Rodrigues, João José Rosa, Aníbal Gomes de Carvalho e José Duarte Ribeiro.

Guerra de Bissau em 1894 
O forte espírito tribal das gentes da Guiné e a sua forte propensão para guerrear e desafiar as autoridades, que não fossem as da sua própria etnia, aliado ao fraco dispositivo militar, muitas vezes dependente de militares sujeitos a castigos de deportação, quer da metrópole quer de Cabo Verde ou mesmo outra colónia, eram a causa, mais que natural, para haver variados confrontos com as autoridades do reino, instaladas na província.
Os gentios, das zonas de Geba e Mansoa, praticaram vários actos de pilhagem e desmandos, tentando inclusivamente investir conta a fortaleza de Bissau, provocando alarme entre os moradores.
Estes actos desprestigiavam o Governador da Província, pelo que este solicitou, à metrópole, o envio de uma força expedicionária que, em conjunto com as forças disponíveis da colónia, pudesse acabar com os desmandos.
Apoiado com as canhoneiras “Zaire”, “Lima”, “Mandovi”, “Zagala” e “Flecha”, e comandando a Companhia Expedicionária do Corpo de Marinheiros, da Companhia de Guerra da Angola e Guiné, secção de metralhadoras e bateria de artilharia, serviços de saúde e administrativos, assim como cerca de 600 auxiliares vindos de Farim e Geba, bateram os insubmissos de Bissau.

Foram louvados os seguintes oficiais, praças e civis:
• Comando: Coronel de Artilharia Luís Augusto de Vasconcelos e Sá; Estado-maior: Capitães Zacarias de Sousa Lage e Luiz da Costa Pereira Júnior, 2º Tenente da Armada Elísio Leitão Vieira dos Santos, e Alferes Alfredo da Cunha Tamegão.
• Armada Real - Companhia Expedicionária de Marinha: 1º Tenente Pedro de Azevedo Coutinho, 2ºs Tenentes Filipe Dias de Carvalho, Alberto Carlos Aprá, Júlio Lopes Valente da Cruz; Oficial de Metralhadoras: 2º Tenente João Francisco Diniz.
• Exército de Terra - Bateria de Artilharia de Montanha da Guiné: Capitão Jacinto Isla de Santos e Silva, Tenente Miguel Lourenço de Carvalho Peres; Companhia de Guerra de Angola e Guiné: Capitão Francisco José, Tenentes Aníbal da Silveira Machado Júnior e Manuel de Almeida, Alferes José Augusto da Graça Falcão, José Augusto da Conceição Velez, Miguel António Pimentel, e José Maria Severia; 2º Sargento Belmiro Ernesto Duarte Silva.
• Serviços de Saúde: César Gomes Barbosa, António Maria da Cunha e Alves de Oliveira.
• Serviços Administrativos: Tenente de Administração Militar António Caetano.
• Irmãs Hospitaleiras do Hospital de Sangue de Bissau: Maria Romana de Jesus, Lucinda de S. José e Lucrécia de S. José.

Bivaque de Forças da Marinha
© Foto: José Henrique de Mello

Operações em Oio e Farim em 1897
Numa deslocação efectuada em finais de 1892, entre Farim e Geba, o comandante militar de Farim Tenente de Infantaria Jaime Augusto da Graça Falcão, foi abordado pelo régulo Manhau, que era nosso aliado, que se queixou contra a gente de Mabouco que se haviam apoderado de terrenos seus. Ficou a promessa da tentativa de resolução do caso.
Regressado a Farim e voltando a ser solicitada a intervenção do comandante de Farim neste caso, foi resolvido deslocar-se, a Moxés, em Fevereiro de 1897, mas, antes de iniciar a deslocação, foi informado de que as gentes de Oio pretendiam assassiná-lo durante a deslocação. Face a esta informação, fez-se acompanhar por um grupo de cerca de 20 cristãos e mandingas, além de uma parte dos militares do seu destacamento, com uma metralhadora, apesar da sua missão ser de paz.
Quando esta força chega a Moxés, são informados de que as populações de Sassamboto, Massambó, Manacá, Unfaty e Miudadú pretendiam atacar a coluna, pelo que perante este facto, adquiriu pólvora para municiar os auxiliares que o acompanhavam. Porém, ao passar por Mabano, os cristãos de Cuçafora, pediram protecção ao Tenente Falcão, já que os amotinados os pretendiam, também, atacar.
Perante a gravidade da situação, manda vir de Farim uma peça Krupp e respectiva guarnição e munições, assim como mais munições para as armas Snyder, com que avançou sobre Mindadú, pondo os seus defensores em fuga.
Quando as tropas perseguiam os fugitivos, foram atacados pelos auxiliares recrutados que, matando ou ferindo soldados, lhes retiraram as armas, enquanto a metralhadora se encravou e a peça de artilharia se danificou, por o artilheiro ter efectuado um disparo com a culatra mal fechada.
A retirada foi inevitável, com o regresso a Farim, não sem serem atacados pelas gentes do Oio, que lhes causaram cerca de 25 mortos.
De imediato, o comandante de Farim organiza nova expedição, com as forças de que podia dispor no destacamento, sendo auxiliado por uma força de Bolama sob o comando do Alferes Luiz António e de uma força da guarnição de Gebo comandada pelo Tenente António Caetano com alguns auxiliares grumetes.

Grumetes auxiliares das forças portuguesas 
© Foto: José Henrique de Mello 

A coluna inicia a marcha em Abril de 1897, a caminho do Oio, vendo a sua coluna em Infomá, reforçada com auxiliares dos régulos Mamadí-Paté e Unfaly-Soucó a quem foram distribuídas armas Snyder e respectivas munições.
Ao aproximar-se de Gussará, o Tenente Falcão dispôs as forças em três colunas, colocando à sua esquerda 4000 indígenas sob o comando do régulo Mamadi-Paté; à direita e sob o comando do régulo de Carésse igual número de indígenas; estando ao centro os restantes 1000 indígenas e comandadas pelo régulo Unfaly-Soucó, além das forças regulares com a artilharia. Antes de efectuarem o assalto à povoação, fizeram fogo sobre a mata que antecedia a localidade onde, sem saberem, estavam acoitados cerca de 12.000 rebeldes.
Quando o fumo provocado pelo tiroteio desapareceu verificaram, com perplexidade, que os auxiliares tinham fugido levando, não só as armas que lhes estavam distribuídas, mas também os carregadores de armas e munições tinham desaparecido. Num pequeno espaço de tempo, uma força de mais de 9000 combatentes, viu-se reduzida a cerca de 200, restando apenas as forças regulares e moradores de Farim que se tinham voluntariado para acompanhar o Tenente Falcão.
A força com o efectivo drasticamente reduzido, pela deserção dos auxiliares, e sem munições, e alvo fácil para os rebeldes que, entre outros atingem de morte o Alferes Luiz António e o Tenente António Caetano. O comandante da força, Tenente Falcão, é ferido gravemente e cai inanimado junto de um arbusto. Quando recupera os sentidos, arrasta-se pela mata, afastando-se do local, até ser encontrado por um fula, que o leva até Matinguei, donde mais tarde será transportado para Farim.
Por proposta do Governo da Província foram louvados o Tenentes Jaime Augusto da Graça Falcão e António Caetano, assim como os civis G. Adams e Emílio Postal.

Embarque de auxiliares na guerra de Bijagós 
© Foto: José Henrique de Mello

Operações de pequena guerra na ilha de Canhambaque em 1900
Como em muitos outros locais da colónia, Canhambaque também não reconhecia a autoridade portuguesa.
Assim, a 23 de Outubro de 1900, o governador resolve mandar ocupar a ilha, pelo que dá instruções ao 1º Tenente da Armada Bernardo Francisco Diniz Ayalla que, no comando da canhoneira “Massabi” transporta a força de auxiliares para ocupação da ilha. Na operação toma parte a canhoneira “Flecha” que, sob o comando do 2º Tenente da Armada Artur Ernesto da Silva Pimenta de Miranda, previamente bombardeou a ilha, após o qual desembarcaram os auxiliares.

Foram louvados:
• O 1º Tenente da Armada Bernardo Francisco Diniz Ayalla e o 2º Tenente da Armada Artur Ernesto da Silva Pimenta de Miranda, e César Correia Pinto, Director da Alfândega de Bolama, pelo precioso contributo na organização de pessoal e materiais.

Operações militares em Janeiro de 1901
Estando o Governador da Província, 1º Tenente da Armada Joaquim Júdice Biker, na região de Bissau e Geba, toma conhecimento de uma rebelião por parte das gentes de Jafunco, pelo que manda organizar uma coluna com auxiliares das zonas, que comandará.
Deu indicações ao comandante militar da praça de Bissau, Tenente Diogo Medeiros Correia da Silva, para recrutar grumetes e organizar a coluna.
Na vila de Cacheu, o Tenente de 2ª linha Cleto José da Costa, foram recrutados grumetes, e César Correia Pinto também se incorporou na coluna, devido ao facto de gozar de prestígio entre os grumetes.
Estas forças eram apoiadas pelas canhoneiras “Cacongo“ e “Flecha”.
A coluna teve êxito com o castigo dos sublevados.

Distinguiram-se:
Condecorado com o grau de Comendador da Ordem da Torre Espada:
• 1º Tenente da Armada Joaquim Júdice Biker;
Condecorado com o grau de Cavaleiros da Ordem da Torre Espada:
• 1º Tenente da Armada Bernardo de Melo Castro Moreira, comandante de Canhoneira “Cacongo”; 2º Tenente da Armada Artur Ernesto da Silva Pimenta de Miranda, comandante da canhoneira “Flecha”; Tenente de Infantaria do Exército do Reino Diogo Medeiros Correia da Silva e Tenente de 2ª linha Cleto José da Costa.

Louvado:
• César Correia Pinto, Director da Alfândega de Bolama.

Operações militares em Oio em 1902
A noticia de que o gentio do Oio se tinha sublevado, chegou ao conhecimento do governador, 1º Tenente da Armada Joaquim Júdice Biker, em 18 de Março de 1902, pelo que organizou uma coluna, com as tropas disponíveis, auxiliares e a colaboração das canhoneiras “Massabi”, “Cacheu” e “Flecha”, batendo os rebeldes e infligindo-lhes pesadas perdas, restabelecendo a paz na área.

Foram louvados os seguintes oficiais, praças e civis: 
• Estado-maior: Major José Mateus Lapa Valente
• Armada: 1º Tenente Alberto Carlos Aprá comandante da “Massabi”, 2º Tenente Jaime Aurélio Wills de Araújo comandante da “Cacheu”, 2º Tenente Fernando Augusto Vieira de Matos comandante da “Flecha”, Facultativos (médico) de 1ª Classe José Nunes de Carvalho Noronha.
• Exército de Terra: Capitão Possidónio José Angelino, Tenente de Cavalaria Francisco Xavier Álvares, Tenente de Infantaria Diogo Medeiros Correia da Silva, Tenente de Infantaria João de Sousa, Alferes César Júlio Loureiro e António Joaquim dos Reis. 1º Sargento de Infantaria Augusto José de Lima Júnior, 1º Sargento Cadete de Infantaria Adolfo Varejão Pires Balaga e Soldado de Infantaria Julião Exposto.

Operações na região do Xuro em Cacheu em 1904
A população da região de Xuro sublevou-se e ameaçou sublevar as populações já submetidas ao Governo da Província.
De imediato o Governador 1º Tenente da Armada Alfredo Cardoso de Soveral Martins, organizou e comandou uma coluna, que seria apoiada pelas canhoneiras “D. Luiz”, “Cacongo”, “Cacheu” e “Farim”, dominaram por completo a região sublevada.
Tomaram parte na expedição, as seguintes forças:
• Armada: Canhoneiras - “D. Luiz”: 11 oficiais, 14 sargentos e 81 praças; “Cacongo”: 5 oficiais, 6 sargentos e 24 praças; “Cacheu”: 1 oficial, 1 sargento e 10 praças; “Farim”: 1 oficial, 1 sargento e 11 praças.
• Exército de Terra: 14 oficiais enquadrando as seguintes forças - Companhia de Infantaria da Guiné: 11 sargentos e 119 praças; Secção de Artilharia: 2 sargentos e 21 praças; Companhia de Saúde: 1 sargento e 5 praças.

Pelotão de Companhia Mista 
© Foto: José Henrique de Mello 

Oficias que tomaram parte na expedição e foram citados: 
Armada:
• Canhoneira “D. Luiz” – Capitão-tenente Pedro Berquó; 1º Tenente José de Campos Ferreira Lima, 2º Tenente José Augusto da Costa Tavares; Guardas Marinha: José Vítor de Sousa Peres Murinelo, Júlio César Nóbrega Pereira Júnior, Jerónimo Weinholtz Bívar, César Augusto de Oliveira Moura Braz, Ildemundo Tavares da Silva, Médico Naval Samuel Augusto Pessoa; Maquinista Condutor Frederico Augusto Tavares, Comissário Augusto Teixeira de Aguiar.
• Canhoneira “Cacongo” – 1º Tenente Bernardo de Melo e Castro Moreira; Guardas Marinha: José Vicente Lopes, Raul Álvares da Silva, Médico Naval Adolfo de Azevedo Souto, Maquinista Condutor Luiz Maria de Carvalho.
• Canhoneira “Cacheu” – 2º Tenente Fernando Augusto Vieira de Matos.
• Canhoneira “Farim” – 2º Tenente António Emídio Taborda de Azevedo e Castro.

Exército de Terra:
• Estado-maior: Major de Cavalaria José Mateus Lapa Vicente.
• Tenentes: José da Sacramento Monteiro, José Carlos Botelho Moniz, José Francisco da Rosa e João Sousa.
• Alferes: José Lúcio da Silva Júnior, Francisco Ferreira, Othon Carlos de Gouveia Vaz, Ezequiel da Fonseca Pereira e João Carlos Lobato de Faria.
• Facultativo de 2ª Classe João de Pinho e Cruz Júnior.
• Oficiais de 2ª Linha: Tenentes Domingos Laco e Alferes Feliz Dias e David Vieira

Também foram citadas as seguintes praças: Armada: 
• 2ºs Sargentos: João Duarte, Artur Augusto, Manuel Gonçalves de Carvalho Oliveira, Vitorino Gonçalves dos Santos e Francisco Exposto;
• Contramestres: Joaquim António Martins, João José da Silva, José Luiz, Francisco Maria de Oliveira e Reginaldo Gonçalves Martins;
• Condutores de Máquinas: António Sousa Marques, António Francisco da Cunha, Francisco Alberto dos Anjos, Jaime António da Silva, António José Duarte, António dos Santos Soares, Luiz Maria de Carvalho, António Lopes de Melo Simões, Eduardo António de Matos, João de Andrade, Joaquim José da Conceição e Francisco José Pereira.

Regulo e os seus ministros 
© Foto: José Henrique de Mello 

Exército de Terra 
• Sargento-ajudante João Caldeira Marques
• 1ºs Sargentos: António Pereira da Melo, Joaquim Félix, António Flores Covo, António Isidoro Serpa e Alfredo José das Dores Traburo.
• 2ºs Sargentos: Pedro Júlio do Rosário, Salvador Cipriano Ferreira, António José Monteiro Torres, Manuel Inácio, António Joaquim Pereira, João Alves, Joaquim Pereira, Francisco Maria, Francisco da Encarnação Pereira e Manuel Rosário Rodrigues.
Civis:
• Domingos Laco (Juiz do Povo de Bissau), Félix Dias (Juiz do Povo de Bolama), David Vieira (substituto do Juiz do Povo de Bissau); Chefes da Delegação Aduaneira: de Cacheu, Manuel Sebastião Correia; de Bissau, António Augusto Vieira Lisboa; Chefe do Posto Fiscal de Arama, Augusto Domingos da Costa;
Negociantes: António Silva Gouveia, José Monteiro de Macedo, Júlio António Pereira, Jean Durac, Carlos Pachen, Marino Barbosa Vicente e Teófilo Barbosa.

(Continua)
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Nota do editor:

Vd. poste anterior de 23 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11143: Para que a memória não se perca (1): Histórias da dobragem do século XIX para o século XX (José Martins)

Guiné 63/74 - P11152: Convívios (494): II Almoço da Tabanca Ajuda Amiga, dia 28 de Fevereiro de 2013 na Cantina da Associação de Comandos, Laje - Oeiras (Carlos Fortunato)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Fortunato (ex-Fur Mil da CCAÇ 13), dirigente da ONGD Ajuda Amiga, com data de 24 de Fevereiro de 2013:

Caros amigos e camaradas
À mais jovem "Tabanca" de amigos da Guiné, inspirada nas amizades e convívios gerados a partir do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, vai realizar o seu almoço mensal na próxima 5ª feira, dia 28/2, entre as 12h45 e as 13h00.

O almoço é realizado sempre na última 5ª feira do mês na cantina da Associação de Comandos, sediada no Regimento de Artilharia de Costa, 3ª Bataria, na Laje, em Oeiras.

O caminho para a mesma é por Paço de Arcos, pela Avenida Engº Bonneville Franco (junto à Marginal perto da Escola Naval), no fim da avenida segue-se por uma estrada de terra batida, que termina na referida antiga unidade.

É um almoço de convívio entre associados da ONGD Ajuda Amiga, associação muito ligada à Guiné, antigos combatentes e amigos da Guiné, imbuído do espírito de solidariedade que tem caracterizado estas Tabancas.

O almoço da próxima 5ª feira é Entrecosto à Saloia ou Bacalhau à Brás e tem o custo de 9 euros.

Devem ser feitas reservas o mais tardar até 4ª feira às 12h00, para o 917 248 557 Sra. Marília ou 934 125 679 Sra. Sónia, indicando o prato pretendido (para o mesmo poder estar assegurado).

As noticias sobre estes almoços podem ser consultadas: 
http://pt-pt.facebook.com/pages/Tabanca-Ajuda-Amiga/
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2013/02/guine-6374-p11056-convivios-490.html http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2013/01/guine-6374-p11019-ser-solidario-140.html
http://ajudaamiga.com.sapo.pt/noticias.html

Um alfa bravo e até 5ª feira
Carlos Fortunato

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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 22 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11136: Convívios (493): A magnífica Tabanca da Linha vai reunir no próximo dia 7 de Março em Alcabideche (José Manuel M. Dinis)