sexta-feira, 1 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11177: Para que a memória não se perca (4): Histórias da dobragem do século XIX para o século XX (José Martins)



1. Quarta e última parte do trabalho de pesquisa e compilação do nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), sobre a História da Guiné na dobragem do Século XIX para o Século XX, que se prolongou por quatro postes. Este trabalho foi enviado ao nosso Blogue em mensagem de 13 de Fevereiro de 2013.




Para que a memória se não perca…

Histórias da dobragem do século XIX para o século XX (4)

Brasão da Guiné Portuguesa 
Foto: Portal UTW 


Operações militares no Xuro em 1914
Foi no dia 12 de Dezembro de 1913 que as gentes de Xuro se insurgiram contra as autoridades provinciais, assassinando o Administrador de Cacheu, Alferes Nunes, assim como tomaram o motor “Cacine”, trucidando parte da sua tripulação.
Ao tomar conhecimento desta insurreição, o governo manda organizar uma coluna para se dirigir para o Cacheu, que, sob o comando do Capitão João Teixeira Pinto, era constituída por um 1º Sargento e 40 praças de infantaria, 15 praças de cavalaria do pelotão de policia rural, uma peça de 7 c. e respectiva guarnição e 200 indígenas auxiliares.
A força, que se encontrava em Cacheu a 2 de Janeiro de 1914, ruma ao Xuro e, depois de uma marcha de cerca de 8 horas, sempre debaixo de fogo, acampa pelas 21H30, reiniciando a marcha no dia seguinte, até ao local onde foi assassinado o Alferes Nunes, assim como a “Cacine” destruída.
Os revoltosos já se tinham retirado para Bagulho, para onde se dirigiu a coluna, para lhes dar combate e destruir a povoação.
Distinguiram-se e foram louvados:
• Capitão de Infantaria João Teixeira Pinto, 2º Tenente da Armada Raul Queimado de Sousa, Tenente Médico Gonçalo Monteiro Filipe, Alferes do Quadro Auxiliar de Artilharia António Maria, 2º Sargento de Infantaria José Francisco Alhandra, 2º Sargento Enfermeiro Manuel Gomes Garcia, 1º Cabo de Infantaria João Rodrigues Faria e Soldado Casino.

Forças que constituíam uma coluna
© Foto: José Henrique de Mello

Operações contra os balantas de entre Mansoa e Geba em 1914 
Havendo necessidade de lançar uma ponte sobre o Rio Banubi, encarregaram o Alferes Manuel Augusto Pedro para escolher o local adequado a tal obra. Assim, em 5 de Fevereiro de 1914, o citado subalterno saiu de Mansoa à frente do seu pelotão para dar cumprimento à missão de que tinha sido encarregado.
Enquanto a patrulha desenvolvia a sua missão, foi a mesma atacada por numerosos balantas das tabancas de Braia e Banubi em tal numero que, além do comandante foram mortos os 1º Cabos António Pereira, os 1º Cabos Ferrador António Augusto de Sá Morais e Francisco Martins, assim como 15 Soldados indígenas que faziam parte da força. Foi o ataque levado até ao extremo, visto que até os cavalos foram todos abatidos.
O tiroteio foi ouvido em Mansoa, cujo comandante mandou sair uma força, comandada por um sargento, com o propósito de colher informações sobre o sucedido, tendo encontrado dois, dos seis soldados, que tinham escapado à chacina, que informou o comandante da patrulha do sucedido.
Mesmo consciente do risco que corria, dada a força diminuta de que dispunha, o 2º Sargento Romualdo Anastácio Lopes, tomou a decisão de se deslocar ao local daquela ocorrência para recolher os corpos dos camaradas tombados. Tendo sido atacado pelos revoltosos, respondeu ao tiroteio conseguindo repelir o ataque de que foi alvo. No local apenas pode recolher os corpos do 1º Cabo António Pereira, do 1º Cabo Ferrador António Augusto de Sá Morais e de um Soldado indígena, já que com a subida da maré os restantes corpos ou se encontravam cobertos pela subida das águas ou tinham sido arrastados. Recolheu os despojos dos camaradas e regressou ao quartel.
Perante estes factos, o Capitão João Teixeira Pinto organiza uma coluna que, sob o seu comando, inicia uma operação, que se prolongará por seis meses, fazendo guerra implacável e sem quartel aos autores e apoiantes do ataque sofrido, destruindo tabancas, mesmo aquelas que se supunham ser inexpugnáveis.
Toda a operação foi apoiada pelas canhoneiras “Zagalo” e “Flecha”.

Pelotão de Companhia Indígena 
© Foto: José Henrique de Mello 

Tomaram parte nas operações, as seguintes forças:
• Um 1º Sargento, no comando de 30 Praças da 2ª Companhia Indígena da Infantaria da Guiné;
• Tenente Augusto José de Lima Júnior, 37 Praças da guarnição do Posto de Bissoram;
• Tenente Artur Sampaio Antas, no comando de 53 Praças da guarnição do Posto de Mansoa;
• Capitão Médico Cristóvão Joaquim do Rosário Colaço;
• Mamadu-Sissé, comandando 200 homens de guerra;
• Abdul-Injai, comandando 500 homens de guerra;
• 60 Irregulares a cavalo, que foram utilizados no serviço de exploração;
• Canhoneiras “Zagaia” e “Flecha” da Marinha de Guerra.

Distinguiram-se e foram louvados: 
Comando:
• Capitão de Infantaria João Teixeira Pinto;
• Armada:
o 2ºs Tenentes Artur Arnaldo do Nascimento Gomes e Raul Queimado de Sousa; 1º Artilheiro José Ferreira e 2º Artilheiro António Ferreira; 1º Fogueiro Domingos Moreira e 2º Fogueiro José Maria;
• Exército de Terra:
o 1º Sargento de Artilharia Alberto Soares; 2ºs Sargentos Vilaça, José Augusto Ribeiro, José Rodrigues Faria e Romualdo Anastácio Lopes.
• Civis:
o Vergílio Acácio Cardoso, administrador de Bissau.
• Auxiliares:
o Mamadu-Sissé, promovido a Alferes de 2ª Linha,
o Abdul-Injai, promovido a Tenente 2ª Linha.


Operações contra grumetes e papeis da ilha de Bissau em 1915
Chamar os indígenas, mesmo os grumetes e papéis da zona de Bissau, ao convívio e à civilização, ou mesmo à subordinação á nossa autoridade, era tarefa difícil.
Os desacatos eram frequentes e, até os soldados da guarnição de Bissau, eram desfeiteados já que as populações não permitiam que lhes fossem arroladas as moranças, para lhes ser cobrado o respectivo “imposto de palhota”.
Perante a situação, o governo da província entende organizar uma coluna para castigar os insubmissos e conseguir a cobrança dos impostos, o que efectivamente foi conseguido, embora à custa de grandes combates em Intim e Bandim, não só na marcha sobre Sanfim e no ataque à tabanca do régulo de Biombo, fazendo frente a uma força inimiga mais poderosa, aguerrida e bem armada, não evitando que centenas de baixas entre o gentio.
Exército de Terra:
Oficiais e forças presentes:
• Major José Xavier Teixeira de Barros;
• Capitães de Infantaria João Teixeira Pinto e António Sérgio de Brito e Silva;
• Capitães Médicos Francisco Augusto Regala e Alfredo Vieira;
• Tenentes Henrique Alberto de Sousa Guerra, Alfredo Fernandes de Oliveira, António José Pereira Saldanha e Agostinho do Espírito Santo;
• Tenente Médico Gonçalo Monteiro Filipe;
• Tenente Farmacêutico Armando de Miranda Abelha;
• Alferes Joaquim Marques;
• Tenente de 2ª Linha Abdul-Injai;
• Alferes de 2ª Linha Mamadu-Sissé.
Serviço de Saúde:
• 1 Sargento e 1 Soldado;
Artilharia da Guiné:
• 2 Sargentos e 10 cabos e soldados;
Guarnição da Fortaleza de Bissau:
• 2 Sargentos e 45 Cabos e Soldados;
Secção de Artilharia da Guiné:
• 55 Cabos e Soldados;
1ª Companhia Indígena:
• 4 Sargentos e 72 Cabos e Soldados;
2ª Companhia Indígena:
• 2 Sargentos
Secção de Depósito da Guiné:
• 2 Artífices:
Companhia de Saúde da Guiné:
• 6 Sargentos e 3 Soldados;
Auxiliares:
• 1500 Irregulares
Armada:
Oficiais e forças presentes:
• 2ºs Tenentes José Francisco Monteiro e Raul Queimado de Sousa e Guarda Marinha Auxiliar António José Pereira;
Canhoneira “Cacheu”:
• 1 Sargento e 8 Praças;
Canhoneira “Flecha”:
• 7 Praças;
Delegação Marítima de Bissau:
• 1 Oficial;

Coluna em tempo de descanso 
© Foto: José Henrique de Mello 

Distinguiram-se e foram citados os oficiais, praças e civis indicados:
Exército de Terra:
• Major José Xavier Teixeira de Barros;
• Capitães de Infantaria João Teixeira Pinto e António Sérgio de Brito e Silva;
• Capitão Médicos Francisco Augusto Regala;
• Tenentes Henrique Alberto de Sousa Guerra e António José Pereira Saldanha;
• 1ºs Sargentos Alberto Soares, António Ribeiro Vilaça, José Rodrigues Faria, João Baptista Lobo
• 2ºs Sargentos José Jacinto, João Rodrigues e José Batista Ramos Júnior (Serralheiro Ferreiro);
Armada:
• 2ºs Tenentes José Francisco Monteiro e Raul Queimado de Sousa;
• Guarda Marinha Auxiliar António José Pereira; •
Cabos Álvaro Pereira e António Germano (Fogueiro)
Civis e Auxiliares:
• Félix Dias, Jorge Karam, Carlos Cabral Adelino, Torquato Leandro Dias, João José da Costa Ribeiro e André Gares (francês);
• Tenente de 2ª Linha Abdul-Injai;
• Alferes de 2ª Linha Mamadu-Sissé.


Operações em Bijagós em 1917 
Nos Bijagós, o gentio da ilha de Canhamaque revolta-se, obrigando o governo provincial a decretar o estado de sítio e enviando uma força para repor a ordem pública. Além do castigo que devia infringir aos revoltosos, simultaneamente a força encarregar-se-ia de estabelecer postos militares, para garantir o domínio do arquipélago.
As forças enviadas para os Bijagós levaram a bom termo a missão de que tinham sido incumbidas, apesar de terem feito uma campanha de cerca de oito meses, tendo tomado as tabancas de Inorei e Meneque e, a partir delas, subjugar os rebeldes e instalar postos militares em Bine e In-Orei.
As grandes dificuldades encontradas pelas nossas forças foram a densidade de mato, de onde eram atingidos, além de terem sofrido uma epidemia de beribéri, o que levou a muitas baixas entre as forças empenhadas na missão.

Destruição de tabanca 
© Foto: José Henrique de Mello 

Tomaram parte nas operações, as seguintes forças:
• Comando do Major Carlos Ivo de Sá Ferreira;
• Uma Companhia Indígena de Infantaria, sob o comando do Tenente Eduardo Correia Gaspar, auxiliado pelos Alferes Cipriano Pereira e Alberto Torres;
• Um troço de auxiliares do chefe de guerra e oficial de 2ª linha Mamadu-Sissé, sob a direcção do Tenente Alberto Sousa Guerra;
• Serviços administrativos chefiados pelo Tenente de Administração Militar A. M. Horácio de Oliveira Marques.
Distinguiram-se e foram louvados:
• Alferes Cipriano Pereira e Alberto Torres;
• Sargentos Henrique Valente, Salvador Cipriano Ferreira e Vasco Pinto Fernandes;
• Administrador da circunscrição Tenente Jaime Augusto da Graça Falcão.


Operações de Policia na região de Baiote em 1918
O posto de Cassalol, na região dos baiotes, foi atacado pelos indígenas das povoações de Varela e Catão, em 19 de Outubro de 1918.
Nomeada uma coluna para fazer frente às hostilidades, entrando em combate com os revoltosos no dia 20, provocando-lhes inúmeras baixas, pelo que retirou para Cassolol, onde ficou até 1 de Novembro, para receber os grandes das povoações castigadas.
Após a apresentação dos vencidos às autoridades, a força retirou para Bolama, sendo dissolvida no dia 4 de Novembro.

Um régulo e a sua comitiva 
© Foto: José Henrique de Mello 

Composição da coluna:
• Comando do Capitão de Infantaria António Albino Douwens;
• Estado-maior com o Capitão António José Pereira Saldanha e Alferes António Alves Fernandes;
• 1ª Companhia Indígena Mista de Artilharia e Infantaria da Guiné, com 2 sargentos e 61 cabos e soldados;
• 2ª Companhia Indígena Mista de Artilharia e Infantaria da Guiné, com 1 sargentos e 22 cabos e soldados;
• Secção de Depósito da Guiné com 2 soldados;
• Companhia de Saúde da Guiné com 1 sargento e 1 soldado.


Operações de Policia na área do Comando Militar de Bissoram e circunscrição civil de Farim em 1919
Circunscrição de Farim – região do Comando Militar de Bissoram: Declaração do estado de sítio em Julho de 1919, em virtude de Abdul-Injai, régulo de Oio, se ter declarado em aberta rebelião, depois de três anos de abusos de autoridade, situação que o governo desculpou, face aos significativos serviços prestados, pelo mesmo, a Portugal nos muitos combates que travou na Guiné, demonstrando uma valentia e lealdade impar.
Pelos seus serviços a Portugal e à Guiné, foi promovido a Tenente de 2ª Linha, foi-lhe dado o regulado do Oio e, sendo chefe incontestado pela sua gente, foi um grande auxiliar do Capitão Teixeira Pinto e Tenente Sousa Guerra que, apoiado pelas suas gentes, auxiliou muito o governo da província a pacificar aquelas terras.
A causa próxima do estabelecimento do estado de sítio tem as suas origens em Abril de 1916, altura em que o régulo Abdul-Injai começou, com prepotência, a aplicar multas aos chefes da povoações limítrofes das usas, fazendo exigências várias, entre as quais, trabalhar nas sua terras sem direito a qualquer pagamento.
Tendo em conta a sua “folha de bons serviços”, foi sendo aconselhado a alterar a sua posição, não só em relação à administração mas também em relação aos povos seus vizinhos. Estes avisos e/ou conselhos não só não surtiram efeito como agravaram a situação, o que levou Abdul-Injai, em Abril de 1919, a atacar com a sua gente a povoação de Solinto-Tiligi e, em 29 de Maio do ano de 1919, apoderou-se das espingardas que a administração havia distribuído às populações do Cuhor.
Como condição para proceder à devolução das armas, exigia uma indemnização de 40 contos, além da percentagem de 10% do imposto de palhota cobrado em Mansoa, Oio, Costa de Baixo e Bissau.
A aceitação destas condições colocaria, o governo da província, em situação de subalternidade, levaram à constituição de uma coluna de polícia que, em 3 de Agosto de 1919, entrou em combate com as forças revoltosos, tendo aprisionado Abdul-.Injai e os seus mais directos colaboradores, que foram desterrados para Cavo Verde.
Abdul-Injai viria a falecer pouco tempo depois, terminando assim a vida de um aventureiro que prestou relevantes serviços à Guiné, mas também lhe criou grandes problemas, obrigando à adopção de medidas extremas para contrariar a sua atitude.
Nesta operação perdeu a vida o Alferes Afonso Figueira e 9 dos seus soldados.

Condensação de:
José Marcelino Martins
12 de Fevereiro de 2013
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Nota do editor:

Vd. postes anteriores de:

23 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11143: Para que a memória não se perca (1): Histórias da dobragem do século XIX para o século XX (José Martins)

25 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11153: Para que a memória não se perca (2): Histórias da dobragem do século XIX para o século XX (José Martins)
e
27 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11166: Para que a memória não se perca (3): Histórias da dobragem do século XIX para o século XX (José Martins)

Guiné 63/74 - P11176: E as Nossas Palmas Vão Para... (5): Daniel Rodrigues, 25 anos, português, fotojornalista, que ganhou o "óscar" da melhor fotografia, na categoria "Vida Quotidiana", do concurso de 2013 da "Word Press Photo", com um belíssima foto de uma jogatana de futebol entre miúdos de Dulombi, março de 2012 (Luís Dias)



Página principal do blogue do Daniel Rodrigues, fotojornalista, "freelancer", naturald e Vila Nova de Famalicão, e que acaba de ganhar o "óscar" da fotografia, na categoriA "Daily Life" [, Vida quotidiania], no âmbito do concurso de 2013 da World Press Photo.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Dulombi > Março de 2012 > O Daniel e os putos de Dulombi [Cortesia da página do Facebook da Missão Dulombi].


Guiné > Zoan Leste >Setor L5 > Galamoro > Dulombi > Fevereiro de 1972 > Partida de futebol entre os "velhinhos" da CCAÇ 2700 e os "periquitos" da CCAÇ3491 [, Gentileza de Fernando Barata, ex-alf mil da CCAÇ 2700, e Luís Dias, ex-alf mil da CCAÇ 3491].



1. Mensagem do nosso camarada Luís Dias ( ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74), com data de 16 de fevereiro último:

Assunto: Foto tirada no antigo quartel de Dulombi, Guiné-Bissau,  ganha prémio internacional

Caros Editores

Um fotojornalista português ganhou o 1º prémio de um prestigiado concurso internacional [, World Press Photo], com uma foto tirada na Guiné, conforme informação abaixo.

Um abraço.

Luís Dias

FOTO TIRADA NO ANTIGO AQUARTELAMENTO DO DULOMBI-GUINÉ BISSAU, GANHA PRÉMIO INTERNACIONAL

O foto jornalista, Daniel Rodrigues, venceu o primeiro prémio da secção "Daily Life" (Vida Quotidiana) da World Press Photo (WPP). A fotografia vencedora, que data de Março de 2012, retrata um grupo de crianças a jogar futebol num pelado na Guiné Bissau.

Daniel Rodrigues, de 25 anos,  fotojornalista,  participou na "Missão Dulombi" [, organização de ajuda humanitárioa com sede em Vila do Conde], em 2012, em apoio às antigas áreas onde estiveram os aquartelamentos de Galomaro e Dulombi.

Nesta viagem, o fotojornalista esteve na Guiné Bissau onde se deparou com um grupo de jovens (rapazes e raparigas)  que jogavam futebol. A foto, que ganhou o primeiro prémio da secção "Daily Life", foi tirada num local que no passado foi um antigo quartel colonial português - Dulombi
O Dulombi situa-se no Leste da Guiné e foi onde estiveram instaladas as companhias de caçadores 2405 (70), 2700 (70/72), 3491(72/74) e já em 1974 a 1ª CCAÇ do BCAÇ4815/73 (esta por muito pouco tempo).

Interessante é que na área onde os jovens jogam à bola, era também o mesmo local onde a malta das companhias que por ali passaram faziam também as suas "aguerridas" peladinhas.

Juntam-se fotos: Foto premiada; Foto do Fotógrafo no Dulombi  (ambas retiradas do FB-Missão Dulombi) e de um jogo de futebol entre os então "Velhinhos" da CCAÇ 2700 e os "Periquitos" da CCAÇ3491 (Foto publicada nos blogues de ambas as companhias).

A Missão Dulombi irá partir em finais de Março para a Guiné-Bissau, na sua 3ª Missão, para continuar a dar apoio às escolas das tabancas do Dulombi e Galomaro (onde ficava a sede do Batalhão e que dista 20 km do Dulombi) e ao Hospital do Cossé (Galomaro) e enfermaria do Dulombi.

Quem quiser saber mais "coisas" e historias das suas viagens, com fotos e vídeos, consultem a Missão Dulombi no Facebook.

Parabéns ao premiado e à estupenda fotografia obtida no nosso antigo quartel.

Luís Dias
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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6424: E as Nossas Palmas Vão Para... (4): O Município de Vila Nova de Famalicão no Dia Internacional dos Museus, a que se associaram dez museus, públicos e privados, incluindo o Museu da Guerra Colonial

Guiné 63/74 - P11175: In Memoriam (142): Sesimbra, 26/2/2013, cemitério local, talhão dos antigos combatentes: singela mas digna cerimónia de trasladação dos restos mortais do nosso amigo e antigo comandante cor inf ref Alberto Costa Campos (Carlos Jorge Pereira)


Foto nº 17


Foto nº 18


Foto nº 19


Foto nº 20


Foto nº 21


Foto nº 22


Foto nº 27


Foto nº 29

Cemitério de Sesimbra, 26 de fevereiro de 2013... Cerimóna da trasladação dos restos mortais do cor inf ref Costa Campos para o talhão dos combatentes.

Fotos: © Mário Fitas (2013). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso camarada Carlos Jorge Pereira [, foto atual à esquerda]:

Assunto - Coronel Carlos Alberto da Costa Campos
Data: 26 Fev 2013 20:20:19
Companheiro Luis Graça

Realizou-se hoje pelas 11.00 horas a trasladação dos restos mortais do nosso saudoso Comandante e Amigo Coronel Carlos Alberto Wahnon Mourão da Costa Campos no cemitério de Sesimbra para o Talhão dos Combatentes.

A cerimónia iniciou com um pequeno acto religioso, seguido de alguns discursos de evocação do Sr Cor Costa Campos [, foto à direita].

O Presidente do Núcleo de Sesimbra, Ten de Marinha Ref Florindo Paliotes referiu-se ao comportamento dos Militares e às suas  dificuldades e à especificidade das suas missões.

Pelos militares da CCaç 763 presentes, o ex-Alf Mil Jorge Paulos referiu o lado humano do seu antigo Comandante.

Em representação de SExa o General Artur Neves Pina Monteiro, Chefe do Estado Maior do Exército, o Sr Ten Cor Mário Bastos transmitiu o agradecimento do Exército ao Militar e ao Homem que hoje era homenageado. 

Presentes igualmente a sua viúva,  D. Maria Teresa e filho, além do ex-Ten Fuzileiro Luís Costa Campos e Esposa,  que lembrou  que, finalmente este dia tinha chegado, pois um dos últimos desejos de seu Pai era repousar no Talhão dos Antigos Combatentes.

Quero expressar o meu agradecimento aos que a mim se juntaram para conseguir um local digno e eterno para o nosso antigo Comandante.

Não posso deixar de referir o Ex-Fur Mil Benjamim Durães e do Ex-Fur Mil. Artur Zegre do Núcleo de Setúbal e de Sesimbra,  sem os quais esta minha missão não teria sido possível.
Inegável e fundamental foi a divulgação dada pelo bloque Luis Graça & Camaradas da Guiné sem a qual não teria sido possível coordenar esforço e ter presente na trasladação tantos antigos companheiros. O blogue para os antigos Combatentes é uma referência.
 
Obrigado a todos


 
Carlos Jorge Lopes Marques Pereira
Ex-Fur Mil de Infor e Operações de Infantaria
Bigene-Guidage
Guiné 1972-74

PS - Junto envio fotografias tiradas pelo Ex-Fur Mil Mário Fitas [, da CCAÇ 763,] sugerindo, caso não possam ser todas, que se publiquem as 17, 19, 20, 27 e 29.

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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11167: In memoriam (141): Nuno Felício (1974-2013), jornalista da Antena 1, filho do nosso camarada Rui Felício (ex-alf mil, CCAÇ 2405, Mansoa, Galomaro, Dulombi, 1968/70)

Guiné 63/74 - P11174: Notas de leitura (460): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Novembro de 2012:

Queridos amigos,
Foi durante a arrumação do meu gabinete na Direção-Geral do Consumidor, a limpar tudo e à beira da aposentação, que encontrei um texto policopiado que foi publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa – Ultramar.
Desconheço inteiramente a proveniência, embora haja aqui qualquer coisa nas meninges que me diz que terei assistido a um concerto onde foram distribuídas várias folhas acerca dos Mandingas, da sua música e lendas associadas às músicas e canções.
Não escondo a minha devoção pelo Korá que tanta companhia me dá enquanto trabalho, há mestres do Mali (de quem, aliás, o meu amigo Braima Galissá se sente devedor) que hoje são tratados como artistas de primeiríssima água, formam-se inclusive duos com violoncelistas, um deles deu um espetáculo na Gulbenkian na temporada de música de 2011.
O nosso blogue tende a ser depositário de relíquias onde os investigadores vêm espreitar, sinto muito orgulho por este contributo.

Um abraço do
Mário


Mandingas – Um pouco de história (1)

Beja Santos

Na Guiné existem dois grandes grupos de povos. Os povos litorálicos e os povos do interior. Os primeiros são animistas e os últimos maometanos. Entre estes podemos falar dos Fulas e dos Mandingas sendo estes últimos muito mais islamizados que os fulas.

Na Guiné a etnia Mandinga é computada entre sessenta mil a setenta mil indivíduos. Nos países vizinhos, tais como República da Guiné, Camarões, Senegal, Mali, Alto Volta, etc., esta etnia chega a atingir no seu total cerca de seis milhões de habitantes. Daqui se infere que só parte muito reduzida, perto de 1%, desta etnia é que habita a Guiné Portuguesa.

As canções que se irão ouvir são da autoria de homens ilustres à nossa província como também de heróis que nasceram dentro da Guiné.

Os clássicos portugueses europeus fazem referência a este povo. Assim, temos Duarte Pacheco Pereiro e outros e até os Lusíadas quando nos fala do país que fornece o ouro.

Na época das navegações todo o ouro em quantidade era da origem do Rio Gâmbia e vendido pelos Mandingas. Mais tarde, todo o comércio da Mina era também efetuado por intermédio deste grupo étnico. Os Mandingas ao contrário da quase maioria dos povos africanos não se constitui em tribo, são uns grandes construtores de um Império, o Império de Ghana, nascido por volta do século IV da era cristã, era formado pelo povo Saracolé, ainda Mandingas misturados.

O Império do Mali, que substitui o Império do Ghana, no século XIII (1220), era já formado só por Mandingas. Aquando da chegada às costas da Guiné dos navegadores portugueses estavam o Império do Mali em plena força e, enquanto os navegadores faziam a sua aparição pela costa, os Mandingas chegam pelo Leste e pelo Gabu, aparecendo também misturados com os Fulas, povos pastores, ao passo que os Mandingas são um povo de agricultores e artistas por excelência.

O rei D. João II mandou vários embaixadores ao Mandimansa (Imperador Mandinga) serviam estes medianeiros entre Fulas e Mandingas que por esta época se guerreavam.

Senhores, durante 7 a 8 séculos, de toda a região da Guiné, só em 1850 é que os Mandingas foram vencidos pelos Fulas, por estas alturas os Fulas de Gabu foram apoiados pelos Futa-Fulas.


Braima Galissá em concerto

Os tocadores

Os tocadores são indivíduos que pertencem a uma casta que unicamente têm por missão serem os historiadores, os genealogistas, enfim, transmitir de geração em geração todo um repositório de literatura oral.

A casta de tocadores é fechada, isto é, passa de pais para filhos e assim sucessivamente. De tal maneira isto é verdadeiro que para qualquer pessoa que esteja a par da vida social e familiar deste povo basta que alguém diga um nome para se saber se ele é da família de músico ou não.

Os franceses chamavam-lhes “griot”. Em crioulo da Guiné são chamados por Djidus. Em Mandinga Djalô (singular) e Djabolo (plural). Os Djidus ou Judeus em português podem identificar-se com os jograis da Idade Média do Cristianismo. O grupo de tocadores que ireis ouvir tem como norma, rigidamente observada, iniciar as suas atuações tocando o Hino Nacional.


Bilhete postal da era colonial, mostra os pais de Braima Galissá

Korá – Nótula descritiva

Na África Negra, os instrumentos de cordas dedilhadas que atraem mais a atenção são a lira, as cítaras e as harpas (as quais têm correspondência na música ocidental), são de preferência as composições de lira, harpa e cítara: a harpa-lira “Korá” da África ocidental, e a harpa-cítara “Muet”, que se encontra sobretudo na África central.

O Korá é um dos mais belos instrumentos de música da África Negra, ao mesmo tempo pela sua forma e pelo seu timbre. Compõe-se essencialmente de uma caixa-de-ressonância, de um braço, de um cavalete de grandes dimensões e 21 cordas.

A caixa-de-ressonância é um semi-cabaço de grande diâmetro, forrada de uma pele. Na parte convexa, pratica uma abertura onde se decora cuidadosamente o contorno. Esta abertura, pela qual “se escapam os sons”, corresponde evidentemente à rosácea de lira do ocidente. Por vezes o resto do hemisfério de ressonância é igualmente decorado, mas isto não é uma regra geral. Existe um longo braço em madeira, cilíndrica (fixada, cravada) nesta caixa. Uma destas extremidades (perto de 4cm acima da caixa) serve de ponto de partida de todas as cordas ao passo que, sobre o braço propriamente dito, diametralmente oposto a esta extremidade, as cordas são fixadas em 21 pontos diferentes, afastando-se progressivamente da caixa sonora. Os pontos de fixação são anéis de coro que podem deslizar sobre o braço, o que permite esticar as cordas à vontade e regular deste modo a afinação do instrumento. Um cavalete de uns alguns 20cm de altura, largura de 3 a 6cm, suporte 10 entalhes (armar a seta no arco) sobre um destes campos, 11 entalhes sobre o outro. Este cavalete forma com o braço os lados rígidos de um triângulo, entre os quais são fixadas as cordas. É esta a caraterística, essencialmente, que aparenta este instrumento com uma harpa. Mas, ao mesmo tempo, o Korá pode ser considerado como uma lira, pois que possui um braço, o que é próprio das liras.

É, pois, justo, tendo em conta estas notas, chamar o instrumento por harpa-lira. Trata-se, com efeito, de uma harpa dupla, o cavalete dividindo as cordas em duas (arrumações fileiras), uma de dez, a outra de onze. Para completar, os músicos tem por hábito fixar, no alto do cavalete, uma placa de metal de ângulos arredondados, cujo contorno tem fixados pequenos anéis destinados a fazer ouvir ao menor movimento. Encontramos aqui a procura dos sons impuros.
As notas de Korá são da mais grave à mais aguda:
fá-dó-ré-mi-fá-sol-si-ré-fá-lá-dó-mi (para a mão esquerda)
fá-lá-dá-mi-sol-si-ré-fá-sol-lá (para a mão direita).

Contudo, apesar do vigor técnico destes sons, será fácil constatar que, na prática, cada nota é afetada de um como a mais ou menos, o que faz com que os europeus digam que o instrumento está mal afinado. Precisamos igualmente que a afinação precedente é a do Korá do Senegal, tal como a Escola de Artes de Dakar a adotou. A afinação do Korá no Mali, assim como no país de origem deste instrumento, a Guiné, não é forçosamente a mesma, e faz frequentemente ainda em maior número o fi da gama de Bach.

Encontra.se assim, na Guiné, uma Korá de 19 cordas, chamado “Seron”. Este parece-se em todos os pontos com o Korá e toca-se praticamente como ela. Existem excelentes gravações de música de Seron, notavelmente solos tocados por um autêntico “griot” guineense da região de Kankan, que põe em relevo todos os recursos do instrumento, com uma música unicamente instrumental de muito boa qualidade.

(Continua)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 25 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11151: Notas de leitura (459): "Olhares Sobre Guiné e Cabo Verde", organização de Manuel Barão da Cunha e José Castanho (3) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11173: Bibliografia de uma guerra (68): Alguns comentários sobre a guerra na Guiné e a sua literatura (2) (René Pélissier / Mário Beja Santos)

1. Lembrando a mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Fevereiro de 2013:

Queridos amigos,
Alguns meses atrás, recebi uma carta do Prof. René Pélissier solicitando-me livros e alguns contactos, ele continua indefetivelmente, infatigavelmente, a fazer recensões de livros em torno dos nossos conflitos coloniais. Daí nasceu a ideia, mais tarde, de sugerir a esta autoridade internacional na historiografia das nossas guerras que pusesse por escrito as suas reflexões sobre escritores e escritos de antigos combatentes.
Penso que este trabalho científico nos deve orgulhar e não escondo uma certa ufania em ter participado neste exclusivo que inclui fotografia inédita do historiador a mostrar leituras onde a Guiné é preponderante.

Um abraço do
Mário



Alguns comentários sobre a guerra na Guiné e a sua literatura (2)

René Pélissier

Um dos erros que um historiador não deve cometer, em absoluto, é o de a partir de uma dada situação num período preciso e generalizar conclusões. Cada mentalidade é uma ilha mais ou menos acolhedora ao leitor. Mário Beja Santos cultiva as relações humanas. É um autor que não nos vai ensinar muito sobre as operações militares. Ele não participa em grandes ofensivas. Não estará mesmo constantemente assediado pelos artilheiros cubanos do PAIGC. Vive num território onde a população não está ferozmente explorada por colonos brancos gananciosos, como em certas zonas de Angola ou Moçambique, o seu sector não é uma Disneylândia mas também não é o planalto dos Macondes nem a selva dos Dembos onde cada um sabe onde está o inimigo. Onde ele vive, há uma certa fluidez. O fator étnico, histórico e mesmo social deve ser sempre tomado em conta e nunca deve ser extrapolado à escala de todo um país em África. Uma das explicações da duração da resistência portuguesa à erosão nacionalista que, finalmente, a levará ao esgotamento, reside, apesar de tudo, no facto da guerra da Guiné ter sido conduzida no terreno por soldados oriundos de meios muito humildes, habituados à dureza da vida, e contra guerrilheiros ainda mais pobres do que eles, mas bem armados, cheios de esperança e bem aconselhados. Quanto aos portugueses, a sua esperança era a de regressar o mais rapidamente possível para junto dos seus entes queridos.

Nós estamos nos antípodas de uma guerra ultratécnica, de um lado, perante camponeses fanatizados (tipo Afeganistão e, mais longinquamente, o Vietname ou a Argélia) sem possibilidade de uma real aproximação humana, ao nível dos combatentes. Os portugueses estão condenados a perder, mas lentamente. E, sobretudo, esse sentimento está mais instalado na mente dos oficiais de carreira do que na superioridade esmagadora dos seus adversários. É uma guerra entre duas paciências.

De qualquer maneira, Mário Beja Santos é o autor que publicou mais livros sobre a Guiné: pelo menos cinco grandes volumes até ao início de 2013. E publicou-os através de editoras capazes de tocar um público numeroso. O mesmo não se pode dizer dos dois livros seguintes, seja qual for o valor literário ou documental destes títulos em apreço. Aqui, nós abordamos sem pudor uma questão delicada para um crítico, mas é preciso que fique claro. Para se vender bem um livro, é preciso que ele seja bem distribuído nas livrarias e que, no mínimo, haja bons contactos na comunicação social que permitam o conhecimento desta produção. Os autores-editores e os autores que pagam a um pequeno editor para que a sua obra seja publicada são, por vezes, bem-sucedidos a ganhar dinheiro quando apresentem um tema dito “do grande público”.

Infelizmente, as memórias da guerra colonial não fazem parte desse grande público, salvo honrosas exceções. O “grande público”, em todos os países, é um público de rebanhos que segue a moda ou em conformidade com o que se vê na televisão. Falar de Timor aquando dos massacres cometidos pelas milícias pró-indonésias era uma garantia de sucesso na época. Agora, seria sopa requentada numa panela velha: impensável! Ora, no contexto português atual, a guerra colonial da Guiné interessa a pouca gente, salvo precisamente os antigos combatentes, as suas famílias e os seus amigos. O que é insuficiente. Acresce, é preciso dizê-lo em muitos casos, os simples autores-editores não fazem nada para se fazerem conhecer, ou não têm meios para isso. Alguns limitam-se a dar algumas conferências em vilas de província, em reuniões de clubes, outros não ultrapassam o nível dos antigos camaradas das suas unidades militares, alguns mencionam um ISBN na ficha técnica mas não indicam o endereço ou as livrarias onde se podem fazer encomendas. Sei isto muito bem porque eu compro – ou muitas vezes procuro comprar – todos os anos dezenas de livros que as livrarias portuguesas não sabem mesmo aonde os encomendar. São livros fantasmas, desconhecidos das melhores bibliotecas estrangeiras e mesmo portuguesas. Ou sabe-se que eles existem, talvez, mas nunca lhes pomos a vista em cima.

O mínimo que devia respeitar um autor-editor seria fornecer nos livros e na publicidade à volta da sua obra, um endereço, seja postal, seja eletrónico, e responder aos potenciais compradores se ele não quer assegurar um serviço de comunicação aos raríssimos críticos que querem divulgar a obra. De igual modo, um jornalista ou um publicista deveria nas suas recensões dizer onde se pode obter a obra de que ele está a falar. Caso contrário, é amadorismo que revela uma ausência de confiança na qualidade do livro ou uma evidente falta de profissionalismo.

Pequeno ou grande, para mim, crítico e historiador, um livro desconhecido com uma tiragem de 300 exemplares tem o mesmo valor que um best-seller, se ele é original e me traz algo de novo, comparativamente ao que já foi publicado. Mas também é preciso saber que são muito raros os antigos combatentes que conhecem aquilo que já foi escrito, vai para uns três, cinco, dez anos antes, por um membro da sua própria unidade militar, a fortiori quando se trata de livros publicados por um autor que pertence a uma outra unidade. Cada um no seu pequeno cantinho faz, por conseguinte, a sua própria “cozinha” memorial, sem ir muitas vezes ao “restaurante” – uma biblioteca especializada, quero eu dizer – para comparar e verificar.

Compreendo que um avô queira deixar aos netos as suas memórias da guerra, dizer-lhes as experiências que teve, contar-lhe as operações nas quais ele talvez tenha participado, os seus estados de alma, as suas alegrias, a sua camaradagem com este ou aquele, mesmo os seus desesperos, a brutalidade do comandante, do inimigo, o seu horror face a crimes, os mortos, os hospitais, a rotina quotidiana, os seus medos, a imbecilidade de certos regulamentos, a sua indignação por o terem obrigado a deixar a sua aldeia ou o seu bairro, a vergonha de se ter sentido impotente ou manipulado, e mesmo – isto existe também nos textos de alguns antigos combatentes das tropas especiais – o seu sentimento de satisfação por terem pertencido a um corpo de elite e de se terem sentido “super-homens” durante alguns anos. Tudo isto é admissível, mas o que se destaca, sobre 10 ou 30 páginas, é a centésima versão da viagem para Bissau, Luanda ou Lourenço Marques, é que este material está muito longe de ser indispensável. Ou então que o autor seja um verdadeiro talento no campo do romanesco.

Entre os livros recentemente recebidos sobre a Guiné, assinalaremos ainda António Lobato, Liberdade ou Evasão. O Mais Longo Cativeiro da Guerra, 4ª edição aumentada, DG Edições, Linda-a-Velha, 2011, 277pp., fotos a preto e branco. Este livro foi inicialmente publicado pela Editora Erasmo, 1995, 214pp. com fotografias, analisei-o longamente (cf. René Pélissier, Angola-Guinées-Mozambique, op.cit, p.372), porque é um livro-documento importante sobre o tratamento dos prisioneiros portugueses e sobre a natureza da guerra praticada pela Força Aérea, Lobato acidentou-se em 22 de Maio de 1963, no regresso de uma operação na Ilha de Como. Como eu então cometi uma imprecisão, retifico-a agora. O autor, sargento da Força Aérea, não foi abatido diretamente pelos guerrilheiros, o seu avião simplesmente foi tocado em pleno voo. Ele pedira a um piloto de um outro T6 para verificar se o seu trem de aterragem não estava destruído, o outro piloto passou sob o seu aparelho. E foi durante esta manobra delicada que o avião do seu camarada colidiu com a hélice do avião de Lobato, este ficou ingovernável, o seu camarada despenhou-se e morreu enquanto Lobato aterrou numa bolanha de Tombali. Perderam-se assim dois aviões no dia 22 de Maio de 1963, Lobato foi feito prisioneiro, espancado, ferido e encarcerado em condições muito duras na Guiné-Conacri. Será libertado em 22 de Novembro de 1970 no decurso da operação Mar Verde, os Comandos Africanos assaltaram a prisão e trouxeram todos os prisioneiros portugueses que ali estavam. Na presente atualização da sua narrativa, em Fevereiro de 1999, Lobato foi convidado pelo Presidente ex-inimigo, “Nino” Vieira recebeu-o em pessoa em Bissau, tinha sido “Nino” Vieira a impedir que ele fosse mais mal tratado do que já tinha sido, no início do seu cativeiro: daí a adição de novas páginas (pp. 247-250) sobre este episódio menor mas sintomático da reconciliação. Assim, é necessário possuir esta 4ª edição.

É igualmente recomendado que se procure um romance histórico que decorre praticamente ao mesmo tempo que A Viagem do Tangomau…, op.cit.

Pensamos que Guilherme Costa Ganança, O Corredor de Lamel, 68 Guiné 69, 2ª edição, Chiado Editora, Lisboa, 2012, 418 pp., fotografias a preto e branco, é um romance autobiográfico que vem na sequência de outro volume, igualmente romanceado, sobre o período imediatamente anterior. Trata-se de um alferes da Madeira, da sua companhia, dos seus problemas com a hierarquia, dos seus amores epistolares e sobretudo das operações em que ele intervém em Contuboel, Bula, Cabedu, Catió e, finalmente, a partir de Farim, o famoso corredor de Lamel, que deve ainda hoje evocar muitas recordações. Uma das diferenças da Guiné relativamente a Angola é que o território sendo pouco extenso e o PAIGC militarmente muito mais ativo que a FNLA e o MPLA (e, acessoriamente, a UNITA) havia poucos sectores onde os portugueses viviam em calma ou segurança, com a exceção de Bissau e quatro ou cinco cidades do interior, nos Bijagós, e nos Felupes, e, de uma maneira mais compacta, na região dos Fulas. Dito de outro modo, à intensidade dos combates, à dureza do clima e à morbidade em geral, seria necessário juntar a raridade de sectores tranquilos para onde se podiam enviar as tropas para recuperação das energias. Na Guiné não havia Sá da Bandeira, Lunda, Bié ou vilegiaturas urbanas. A inquietação era geral e nós ainda não lemos uma só narrativa onde os soldados desmobilizados se tenham vindo a instalar na Guiné, situação que foi frequente em Angola e Moçambique. Era um Purgatório para todos e um Inferno para a maioria. Mesmo os ultrapatriotas ou os super-homens autoproclamados dos comandos, dos páras e dos fuzileiros só tinham em mira um objetivo: a peluda. Como é evidente, com o passar dos anos e com a juventude já no passado longínquo, certos autores não querem mais do que rememorar – seletivamente – os raros momentos em que eles estavam otimistas, mas se dispuséssemos de um corpus completo de todos os livros publicados pelos antigos soldados da Guiné, poder-se-ia estabelecer uma grelha de análise fina onde certamente se poderia constatar que as más recordações são mais frequentes que as reminiscências felizes. E isto ainda mais no Exército, em especial nos açorianos e nos madeirenses que foram enviados para a Guiné nos últimos anos da guerra.

Em última análise, todos estes autores (uma centena) não tiveram nem têm uma memória tão compassiva face aos guineenses como Mário Beja Santos que deve ter sido o alferes (1968 a 1970) mais atento à sorte dos seus homens, velhos e desesperados, vendo em que decrepitude caiu a Guiné, tal como ele a visitou em 1990, 1991 e 2010. Ele resumiu o quadro através de uma expressão fúnebre: “um buraco na escuridão” (p.509).

Tantos mortos, tantas esperanças para ter que ver um antigo coronel do PAIGC mendigar-lhe um saco de arroz.
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Nota do editor

Vd. poste anterior de 26 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11159: Bibliografia de uma guerra (67): Alguns comentários sobre a guerra na Guiné e a sua literatura (1) (René Pélissier / Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11172: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (9): A praxe da Ivone

1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa (Coronel de Art.ª Ref, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), com data de 20 de Fevereiro de 2013:

Olá Camaradas
Aqui envio uma cena de praxe de que fui vitima e aceitei bem.
As coisas, como tudo na vida, têm de ser feitas com humor, gosto e classe. De outro modo, não valem a pena...

Um Ab.
Pereira da Costa


A Minha Guerra a Petróleo - 9

A Praxe da Ivone

A Ten. Enf. Pára Ivone Reis era uma militar circunspecta e que levava muito a sério os procedimentos ditados pelas ordens e regulamentos. Era simpática e acessível, mas para ela conhaque era conhaque e serviço era serviço. Mas posso testemunhar que também lhe resvalou o pé para a praxe. Como vão ver a vítima fui eu.

Em 12 Dezembro de 1968 a CArt 1692 estava a terminar o seu tempo em Cacine. A sobreposição com a CCaç 2445 – uma unidade de açorianos – estava a chegar ao fim. Foi montada uma operação lá para os lados de Cacoca levada a cabo pelos “periquitos”, na máxima força e apoiados por heli-canhão, enfermeira-paraquedista e com o controlo aéreo a cargo do meu capitão. O grupo de combate “da velhice” (o do João Almeida, “O Alce”) marchava à retaguarda e constituía a força de reserva, para qualquer situação mais delicada que pudesse surgir. Os “piras” já não eram muito piras pois já tinham tido o baptismo numa acção no Quitafine, mas a área de Sangonhá e Cacoca que havia sido repartida entre as companhias de Cacine e Gadamael não era agora muito conhecida. Fora abandonada havia cerca de seis meses e o inimigo parecia não se interessar muito por ela, limitando-se a intensificar a guerra de minas. Foram accionadas três e levantadas cerca de cem, todas anti-pessoal PMD-6. Era o tempo em que Gandembel estava ao rubro e o In não tinha possibilidade de actuar em força nos dois quartéis mais a Sul.

Os meios aéreos ficaram na pista e nós ficámos aguardando. As coisas estavam muito calmas e a dada altura o Cap. Veiga da Fonseca (“O Foca”) decidiu ir ver como estavam as coisas no terreno e eu tomei lugar na traseira da “avionette” (avião DO-27 para os pilotos). Foi a única vez que vi a “guerra” de cima.

Descolámos e, minutos depois, estávamos às voltas na área onde dois bi-grupos de “piras” progrediam e começámos a procurar o nosso grupo. Respondia às chamadas pela rádio, mas não se deixava ver. Estava bem dissimulado e de súbito…

Quem seriam aqueles gajos? Aquilo era um grupo de turras! Kum karakas! Era preciso avisar os nossos e atacá-los. O avião meteu uma asa em baixo e deu umas duas voltas bem apertadas a tentar ver o que seria “aquilo”. O “Cap.” fez-me sinal com as mãos para que eu visse cerca de 20 “turras” que progrediam lentamente e com muito cuidado. Chamou pela rádio a pedir a entrada do héli-canhão. Porém, Cacine não estava à escuta e, a toda a velocidade, voltámos a Cacine tentando chamar a atenção com sucessivos passes a baixa altitude.

Lá vimos o jeep que se dirigia para a pista com o piloto e o apontador, a grande velocidade, e regressámos ao local da refrega. Mais umas voltas e apareceu o héli que voava bastante baixo e em círculos de canhão apontado ao grupo In. De súbito, uma surpresa. Os inimigos tiravam os quicos e cada um, à sua maneira, saudava o helicóptero.

É entontecedor o movimento do rotor dum héli aos círculos e nós próprios a voar por cima, rodando. Por mim, comecei logo a ficar “almareado”, mas procurei fixar um ponto no infinito para ver se me aguentava.

Regressámos a Cacine satisfeitos por tudo ter acabado bem. Mas para mim o pior estava para vir. A cabeça andava-me à roda e eu ansiava que aquilo acabasse. O avião tocou na pista e eu só tive tempo de abrir aquela janelinha de correr que existia na fuselagem e “deitar a carga ao chão”. Chegámos a Cacine e eu deveria vir com um aspecto deplorável. A Ivone Reis (“A Gazela”) quis saber o que se passava comigo – não fosse enfermeira – e eu contei, na minha boa-fé. Quando esperava solidariedade ela puxou dos galões e deu-me uma ordem seca:
– Patinho, isso foi grave! Vá lavar o avião já e bem. Não vamos voltar assim à base.

Debalde procurei descrever em pormenor o que sucedera e apresentar as minhas razões, mas a Ivone não se comoveu (regulamento é regulamento) e eu de balde e escova, coitado de mim, lá fui lavar o vomitado que pingava da fuselagem. O Cap. (ou “Quepezinho”) que conhecia bem a Ivone de Angola ajudou à festa e só já em Bissau, alguns dias depois num jantar no “Solar do 10”, a minha falta foi relevada, creio que à custa de uma lanterna de Dão Tinto para iluminar a mesa onde se sentavam o Cap, a Ivone, o Comandante da LDG que nos trouxera para Bissau e eu.

Como se vê, pelo menos daquela vez, a Ten Enf. Pára Ivone Reis também praxou, o que não será muito regulamentar. Segue junta a prova do sucedido à qual a Ivone chamou “O Pato e a Estátua” (foto tirada junto ao monumento evocativo da passagem da CArt 1692.

Mem-Martins
18FEV13

Cacine, 12 de Dezembro de 1968 > Ivone Reis e Pereira da Costa
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 25 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10721: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (8): Você agrediu-me?

Guiné 63/74 - P11171: Memória dos lugares (219): Olossato, anos 60, no princípio era assim (6) (José Augusto Ribeiro)

1. Sexta série de fotos do Olossato que o nosso camarada José Augusto Ribeiro (ex-Fur Mil da CART 566, Cabo Verde (Ilha do Sal,  Outubro de 1963 a Julho de 196464) e Guiné (Olossato) (Julho de 1964 a Outubro de 1965), nos enviou em mensagem do dia 13 de Fevereiro de 2013.


MEMÓRIA DOS LUGARES

OLOSSATO - O princípio (6)


Foto 178 > Sem legenda

Foto 179 > Sem legenda

Foto 180 > Sem legenda

Foto 181 > Sem legenda

Foto 182 > Sem legenda

Foto 183 > Sem legenda

Foto 184 > Sem legenda

Foto 185 > Sem legenda

Foto 186 > Sem legenda

Foto 187 > Numa operação na zona do Olossato

Foto 188 > Sem legenda

Foto 189 > Ao fundo vê-se o quinta do cabo-verdiano

Foto 200 > Assim se vestiam as crianças do Olossato

Foto 201 > Com duas bajudas

Fotos: © José Augusto Ribeiro (2013). Direitos reservados
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Nota do editor:

Vd. poste anterior de 26 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11157: Memória dos lugares (219): Olossato, anos 60, no princípio era assim (5) (José Augusto Ribeiro)

Guiné 63/74 - P11170: VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (3): Em 90 respondentes à nossa sondagem, mais de 42% já se inscreveu ou vai-se inscrever... Cerca de 28% ainda estão indecisos... 30% não pode ou não pensa comparecer...


O nosso VIII Encontro Nacional já está em marcha e são já 40 e tal  o nº dos  inscritos... Aqui vão os nomes  dos nossos camaradas e amigos que já responderam à chamada, e a quem agradecemos vivamente o seu voto de confiança e de estímulo:

António Estácio + 2 - Mem Martins / Sintra
António Martins de Matos - Lisboa
António Sampaio e Clara - Leça da Palmeira
António Santos, Graciela, filhos e netas - Caneças / Odivelas
Carlos Pinheiro e Maria Manuela - Torres Novas
Carlos Vinhal e Dina Vinhal - Leça da Palmeira / Matosinhos
Delfim Rodrigues - Coimbra
Joaquim Carlos Peixoto e Margarida - Penafiel
Joaquim Mexia Alves - Monte Real / Leiria
Joaquim Sabido e Albertina - Évora
Jorge Canhão e Maria de Lurdes - Oeiras
Jorge Rosales - Monte Estoril / Cascais
José Barros Rocha - Penafiel
José Casimiro Carvalho - Maia
José Fernando Almeida e Suzel - Óbidos
José Manuel Cancela e Carminda - Penafiel
Juvenal Candeias - Lisboa
Luís Graça e Alice Carneiro - Alfragide / Amadora
Manuel Resende e Isaura - S. Domingos de Rana / Cascais
Miguel e Giselda Pessoa - Lisboa
Raul Albino e Rolina - Vila Nogueira de Azeitão / Setúbal

... Recorde-se que este glorioso evento (, em 8ª edição,  ininterrupta, desde 2006) vai realizar-se, mais uma vez, em Monte Real, Leiria,  no Palace Hotel, que é um bunker de 4 estrelas, que fica bem situado (em pleno centro do país, acessível em termos de transportes),  e que nos oferece preços e condições logísticas imbatíveis... 

Sabemos que a vida está pela hora da morte, e que infelizmente há muitos camaradas, a maior parte de nós,  a fazer contas à vida... De qualquer modo, camaradas e amigos, são 30 bazucadas para uma ementa que tem genericamente agradado aos convivas dos anos anteriores: estamos a falar de um tripla ementa, entradas + almoço + lanche ajantarado...

As 30 bazucadas são as mesmas do ano passado... Preço especial do Palace Hotel para pernoitar, sozinho ou bem acompanhado, com direito a pequeno almoço: 50 (single) ou 60 (duplo)...bazucadas... Mas,  atenção, que os quartos disponíveis já não são muitos... 

Contactar a organização: Carlos Vinhal e Joaquim Mexia Alves.. Mails de contacto:
carlos.vinhal@gmail.com
luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P11169: (In)citações (48): Vídeo "A Outra Guiné / The Other Guinea", de Hugo Costa e Francisco Santos, ou o regresso ao passado do Albano Costa, ex-1º cabo, CCAÇ 4150 (Guidaje, Bigene, Binta, 1973/74)





A Outra Guiné (The Other Guinea), legendado em inglês. Vídeo (9' 27''). Cortesia de Albano Costa  e Hugo Costa  (2013)

Ficha técnica: produção: Universidade do Porto, 2012;  realização:  Hugo Costa e Tiago Costa: diretor de fotografia: Hugo Costa; som: Hugo Costa... Duração: 9' 27''.


Sinopse: Albano e um grupo de ex-combatentes voltam à Guiné-Bissau, 26 anos após o fim da guerra. Deslocam-se de jipe pelas diferentes localidades, contactando os locais, ajudando e travando amizades. O objectivo é rever o passado, encerrar um capítulo e conhecer uma outra realidade da Guiné.

(Albano and a group of ex soldiers go back to Guinea-Bissau, 26 years after the war ended. They travel by jeep, visiting different places, and contacting the locals, helping them and making friends. Their purpose is to revisit the past, closing a chapter and discovering a different reality in Guinea.)
— com Albano Costa em Guine-Bissau. (*)



1. O Albano Costa já era fotógrafo (profissional) quando fez a sua comissão de serviço, como 1º cabo, operacional, na CCAÇ 4150 (Guidaje, Bigene, Binta, 1973/74).

A sua paixão pela fotografia fez com que ele seja um dos nossos camaradas com mais e melhor documentação sobre a Guiné, de ontem e de hoje.

Em Novembro de 2000, quebradas as últimas "resistências psicológicas", ele voltou à Guiné, agora como simples turista, revisitando sítios por onde estivera vinte e seis anos antes e conhecendo muitos outros de que só ouvira falar (por exemplo, a zona leste)...

Nessa altura, juntamente com o filho (finalista de um curso de comunicação social), e mais um grupo de camaradas, ex-combatentes (, o Lúcio, Casimiro, Armindo, o Carlos, o Manuel Costa, o Xico Allen, etc.),  o Albano fez um verdadeiro safari turístico-sentimental,  durante 15 dias, de 11 a 26 de Novembro de 2000, percorrendo a Guiné-Bissau, de lés a lés, em dois jipes. Dessa aventura ficou um extenso registo, em vídeo de que me chegou, em 2005,  uma cópia, em 4 DVD, por mão do Sousa de Castro, o nosso grã-tabanqueiro nº 2. É um excelente  trabalho de seis horas, sendo a realização, a insonorização e a montagem do Hugo Costa.

Nessa viagem o Albano tirou muitas e ótimas fotografias, que eu tive o privilégio de ver, em Guifões, Matosinhos, no seu estabelecimento comercial... Na altura ele explicou-me por onde andou:

(...) "Eu tive o prazer de poder ir 15 dias à Guiné, como já sabes, e conhecer localidades que só conhecia de nome quando me encontrava com colegas que diziam aonde tinham estado, e eu agora passei por muitas delas: Mansoa, Jugudul, Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole, Saltinho, Aldeia Formosa, a famosa ponte Balana, Buba, Guilege, Gadamael Porto, Chogué, Empada, Catió Canjabari, Jumbembem, Farim e muitas, muitas mais". (...)

Conheci o Albano, o "fotógrafo de Guifões", no Natal de 2005, na Madalena, Vuila Nova de Gaia. É um homem afável e bem disposto. Mandou-me depois umas tantas fotos, para eu matar saudades de Bambadinca e do meu Rio Geba... Aliás, em quinze dias ele e os seus camaradas foram a quase todo o lado e ainda apanharam um golpe de Estado pelo meio, o do Ansumane Mané!...  [Neste vídeo, vemos apenas a sua passagem pelo Xime, por Bissau - antigo hospital militar, HM 241 - e Cofeu e Guidaje; há, nomeadamente, em Bissau, vestígios ainda recentes da guerra civil de 1998/99; a visita às ruínas do antigo HM 241 é uma verdadeira dor de alma...].

As primeiras fotos chegaram-me com a seguinte nota que eu achei uma delícia: "Estou a enviar nove fotos tiradas em cima da ponte sobre o rio Geba, à entrada para Bambadinca... As legendas, bem, até nem é preciso, podem ficar no imaginário de cada um....Mas,  se quiseres,  ilustrar com texto de tua autoria, estás à vontade, para apróxima eu envio-te mais, vai aos poucos"...

Ao longo dos anos temos publicado muitas fotos dele e do filho (que voltou à Guiné-Bissau em 2006, numa expedição organizadas pelo Xico Allen)(**). Ao vê-las, eu tive a estranha sensação de que o tempo nada mudara: e no entanto, a Guiné-Bissau é hoje um país independente... [Eu próprio voltaria lá, em 2008]... Pelo menos, a terra continua vermelha, o Rio Geba corre limpo para o mar, as crianças parecem ser felizes e têm sonhos como todas as crianças do mundo, o peixe sai dos rios e entra nas bolanhas, há velhas pirogas abandonadas nas margens e os toca-toca andam cheios de gente viva e alegre pelas estradas esburacadas da Guiné profunda, longe do bidonville que é hoje Bissau...

Deixem-me dizer-vos quanto adorei ver este vídeo de 9 minutos. O Albano é um pai babado e tem razões para isso. O Hugo é um rapaz de grande sensibilidade e talento e dá aqui, mais uma vez, mostras do grande amor que tem pelo seu velhote.

Parabéns, Albano, Parabéns, Hugo. Temos arranjar maneira de divulgar, através do blogue, as outras 6 horas de vídeo que o Hugo fez em 2000 (e de que presente vídeo é apenas uma amostra, se bem que mais profissional)... A grande maioria dos nossos camaradas nunca irão poder voltar à Guiné para fazer a catarse ou simplesmente para matar saudades como tu, Albano, meu bom amigo e camarada...

Façam, entretanto,  o favor de consultar a página no Facebook do Hugo Costa:

(i) Designer de Imagem
(ii) Vive em Porto
(iii) Nasceu a 1 de Setembro de 1978
(iv) Sabe língua portuguesa, língua inglesa, língua castelhana e 3 outros
(v) 2012 : Concluiu os estudos na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
(vi) 2006:  Concluiu os estudos na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto;
(vii) 2005: Concluiu os estudos na École Régionale des Beaux Arts de Saint Etienne, França;
(viii) 1999: Concluiu os estudos em ESAP - Escola Superior Artística do Porto

O Albano Costa também tem página no Facebook. (LG)

Guiné 63/74 - P11168: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (2): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte II): Buba-Aldeia Formosa, 39 horas dolorosas para fazer uma picada, de 35 km, em 24/25 de julho de 1968

1. Mensagem de 25 do corrente, do Zé Teixeira, que vive em Matosinhos, gerente bancário, reformado, e cidadão ativissimo em prol dos outros e das causas solidárias [, foto à esquerda, Farosadjuma, Cantanhez, Região de Tombali, Guiné-Bissau, 2011]


Grande Régulo Luís.

Apanhaste-me na curva. tens insistido comigo para repor “O meu Diário” (*).  Resisti à tentação porque não sinto que tenha o valor que lhe dás e sobretudo porque há vivências de tantos camaradas que merecem muito mais que eu serem valorizadas... Mas já que insistes, vamos lá...

Com tempo pude vasculhar a correspondência com a minha ex-namorada e atual companheira de vida, bem como da minha família, o que me despertou para outras situações vividas e que não foram passadas para o “Diário”, talvez por perguicite, medos, etc.

Assim, tomo a liberdade de reenviar “O meu Diário” acrescido com letra em itálico para não se confundir com o que escrevi em cima dos acontecimentos em que procurava falar para mim mesmo, de partes de aerogramas e recordações que o tempo não consegue apagar. Se vires que tem interesse podes publicar.

Junto algumas fotos para enriquecer toda esta “tramoia”que me pregaste.

Abraço fraterno do Zé Teixeira

Comentário de L.G.:

Grande Zé: Just in time!... Vou reformular os postes... Assim há um motivo acrescido para ler ou reler o teu diário (que é, sem favor, um notável documento)... Tu mereces esta pequena gentileza e muito mais!... Um xicoração. Luis



2. 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (2): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Os Maioriais, Buba e Empada, 1968/70) (Parte II):  Picada Buba/Aldeia Formosa, 24/26 de julho de 1968

Fotos: © José Teixeira (2005): Todos os direitos reservados


Continuação da publicação do "diário" do José Texeira (ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70), agora aumentado com correspondência:

Aldeia Formosa,  24/26 de julho de 1968

Comecei a guerra. Saí de Buba dia vinte e quatro às seis da manhã e cheguei a Aldeia Formosa dia vinte e cinco às vinte e uma, depois de durante dois dias batalhar com o IN, com o tempo e ultrapassar outras dificuldades.

A estrada (picada) está num estado lastimoso: buracos de minas, pontes destruídas e outros obstáculos que a muito custo se venceram. Os primeiros sete quilómetros, foram percorridos em oito horas e meia.

O primeiro ataque foi de abelhas. Eram tantas que mais pareciam uma pequena nuvem e era ver quem mais corria a fugir da sua picada. Eu fiquei quedo como um penedo,  sentado na berma, entre os arbustos, a conselho de um africano que estava a meu lado e não sofri uma picada. Assustado e perturbado pelo zumbido à minha volta e pela cor que o meu corpo foi tomando na medida em que se fixavam à minha roupa, na cara e na cabeça. Neste estado pude apreciar a confusão de uma fuga precipitada um tanto hilariante. Se o IN tivesse atacado nesse momento era um desastre total, tal foi a desorganização gerada

Depois... Veio aquela mina roubar mais uma vida e pôr duas em perigo... Inimigo cobarde!... frente a frente não consegue atingir os seus objectivos e ataca à traição, num pequeno descuido dos picadores.

Que culpa terá aquele jovem que me morreu nas mãos, que os homens não se amem? Que culpa tenho eu?

A noite começou mais cedo neste negro dia de vinte e quatro de Julho! Esta vida salvava-se, mas um mal nunca vem só. A viatura atingida era o carro do rádio e consequentemente desde aquela hora (16 h) ficamos completamente isolados do resto do mundo. O ferido mais grave e que veio a falecer era o radiotelegrafista. Isto é guerra...

Quando nos dispúnhamos a montar acampamento o RT morreu. Com o impacte do rebentamento tinha ido ao ar e caiu de peito, rebentando por dentro. Eu e o Catarino [, o outro 1º cabo aux enf, ] nada pudemos fazer.

Esperávamos que o IN atacasse de noite pois tinha sido detectado pela aviação durante o dia. Felizmente durante a noite não houve surpresas e eu entregue totalmente ao ferido que sobrou para mim, o condutor da viatura sinistrada, um pouco mais conformado recomecei, melhor recomeçamos a marcha com toda a cautela, pois no dia anterior, além da mina que rebentou, foram localizadas mais três.

Para alimentação deste dia não tínhamos nada. A ração de combate, mal chegou para o primeiro dia. À frente havia elementos do IN,  "manga dele", havia buracos, pontes interrompidas; havia minas, só não havia comida.

Ainda não tínhamos percorrido três quilómetros, quando caímos na primeira emboscada. Dois bi-grupos esperavam-nos. Felizmente a Milícia do Candé (Aliu Candé) que protegia os flancos descobriu-os e sem compaixão, todas as máquinas de guerra funcionaram. O meio e a retaguarda da coluna embrenhados no mato aguardavam prontos a intervir o que não foi necessário. Quinhentos metros à frente é a vez da retaguarda ser flagelada e obrigar o soldado português a mostrar as suas capacidades de luta. Deste segundo encontro há registar dois feridos.

A coluna recompôs-se e continuou a sua marcha de 30 viaturas carregadas de mantimentos e armamento (três obuses de 140 mm, entre outro material). A meio da manhã chegaram os Fiat. Com a aviação sentimo-nos mais seguros e confiantes. Os feridos foram evacuados de Hélio. Uma coluna que normalmente se faz em oito horas, demorou dois dias.

Agora que sinto o barulho do matraquear das armas, que sinto o sibilar das balas assassinas sobre a minha cabeça, começo a sentir um tremendo ódio a tudo o que seja guerra. Sim. Odeio os homens que em vez de se amarem se guerreiam. Que culpa tenho eu que os homens não vivam o amor?

Quando abriu a emboscada escondi-me debaixo de uma viatura e senti bem perto as balas a assobiarem, pois um IN. estava em cima de uma palmeira à minha frente a fazer fogo. Ainda tentei usar a arma que tinha comigo, mas esta encravou à primeira tentativa e ainda bem. Fui apenas um espectador.

Senhor!, que eu jamais faça guerra!... Que eu ame sempre!

Hoje, 26, recebi uma carta, a que tanto precisava para acordar o meu espírito... Dou-te graças, Senhor,  porque me deste um anjo, porque me deste um amor que está sempre comigo, até nos momentos mais difíceis.

Aldeia Formosa, o meu novo poiso, também foi atacada ao anoitecer . O IN teve fraca pontaria e não meteu uma dentro do Quartel. A mesma sorte não foi para Gandembel,  há cerca de quinze dias, quando atacaram aquele Destacamento com 11 canhões sem recuo, mataram um Alferes e feriram vários militares.

[Foto à esquerda: O Zé Teixeira, em Empada, junto ao pau da bandeira, em 1970, a escrever o seu diário]

Extrato do bate estradas que escrevi à minha namorada

A lição que a G3 me deu, ao recusar disparar e,  ao mesmo tempo, não rebentar o cano em tiras, o que possivelmente me mataria, levou-me a pensar no pedido que minha mãe me tinha feito na minha despedida e ao compromisso que assumi perante mim mesmo de não dar um tiro, nesta guerra. Ser enfermeiro curador de feridas e nunca causa de dor ou morte. Quero ser só e apenas enfermeiro durante o resto da comissão. Afinal é a minha missão.

Entreguei a arma ao quarteleiro e nunca mais quero ter uma G3 na mão. Senti que Deus esteve comigo naquele momento.

Mas aquela vida. Aquele olhar a apagar-se e nós sem lhe poder valer. A sede que o fazia agonizar. Os gritos de desespero de quem sente a vida a fugir-lhe. Depois o adormecer suavemente para sempre.

Meu Deus, que jamais eu faça guerra, nesta missão ingrata de viver em guerra, quando apenas quero viver em paz. Construir a paz.



MATARAM O FUTURO

O destino, no tempo o marcou.
Aquela hora!
A mina escondida!
Aquela viatura!
Quando a quinta passava, deflagrou,
Uma vida cheia de vida,
A morte a levou.
Destino cruel.
Demasiado duro.
Deixou de ser a esperança, no futuro.
Para sempre partiu,
Aquele jovem.

Cheio de saudades de um tempo,
De quem nem sequer se despediu.
Um tempo, para com garra viver,
Mas. . .
Ficou sem tempo, para o conhecer.
Já não vejo!
Já não vejo!
Vou morrer!
Com ténue voz.
Balbuciou.
Tremendo grito.
Eu quero viver!
E . . .
Ali se ficou.
Até morrer.
Sede.
Muita sede.
Aquela vontade danada de viver,
E um corpo a arrefecer!
Vida.
Quase sem vida.
E eu. . .
Sem lhe poder valer.
Tremendo momento.
Num mundo mais pobre,
Um futuro em sofrimento.


(Continua)
_____________

Nota do editor:

(*) Vd. poste anterior da série > 25 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11150: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (1): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte I): Buba, julho de 1968

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11167: In memoriam (141): Nuno Felício (1974-2013), jornalista da Antena 1, filho do nosso camarada Rui Felício (ex-alf mil, CCAÇ 2405, Mansoa, Galomaro, Dulombi, 1968/70)

1. Morre aos 38 anos, Nuno Felício, natural de Coimbra, jornalista, filho do Rui Felício, membro da nossa Tabanca Grande desde a primeira hora:

O jornalista Nuno Felício, de 38 anos, natural de Coimbra, subeditor do turno da tarde da Antena 1, terá morrido no domingo, durante o sono, mas o seu corpo apenas foi descoberto hoje, soube o Expresso.

Nuno Felício, que no passado jogara basquete continuava a praticar desporto, desta feita corrida, e estava a preparara-se para ir fazer uma minimaratona. No sábado de manhã foi correr com uns amigos, voltou para casa e partir daí já ninguém mais o viu.

A falta de resposta aos telefonemas efetuados, ao longo de domingo, pela namorada e pela família levaram-nas a desconfiar de que algo se passava. Hoje, acabariam por descobrir o cadáver, dando a ideia de que Nuno Felício terá perdido a vida enquanto dormia.
Nuno Felício fazia parte da equipa da RDP há seis anos, a última vez que se fez ouvir aos microfones foi na síntese de notícias das 18h30 de sexta-feira.

Licenciado em Jornalismo pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, apesar de ser da rádio, o jornalista gostava de escrever e por isso alimentava alguns blogues.

Anabela Natário

Fonte: Expresso, 18/2/2013 (Reproduzido com a devida vénia....)


[O jornal universitário de Coimbra, A Cabra.net, fez-lhe, em 20 do corrente, um justíssima homenagem]


2. Texto do inconsolável pai, Rui Felício, na sua página no Facebook [, foto atual à esquerda]:

Domingo, 24 de fevereiro de 2013, perto de Lisboa

INJUSTIÇA E DOR

Sentado à lareira, contemplo as brasas incandescentes, o crepitar dos troncos, as labaredas a lamber as paredes de tijolo.

Discorro sobre a justiça. Não sobre aquela que os humanos desenharam e construiram que é composta pela dialética, pelas provas e contraprovas, pelos argumentos e pelos formalismos em que, queremos acreditar, na nossa presunção e na nossa ignorância, hão-de conduzir ao apuramento da verdade. E ao consequente castigo dos culpados.

Não, não é sobre essa que me questiono! Porque sabemos que essa justiça, na sua génese, padece do pecado original da imperfeição humana. A justiça em que penso é outra, é a ideal, é aquela em que a infalibilidade deveria imperar, indicando-nos as causas e as razões das coisas.

É um raciocinio feito ao contrário, aquele que desenvolvo. Em que parto do castigo já aplicao para perceber a sua razão de ser, para conhecer os factos que a ele conduziram. Sem respostas, pergunto, choro, grito revoltado, olho retrospectivamente os acontecimentos, procuro neles um fio condutor, uma lógica. Mas nada!

Sinto-me impotente para entender o que me sucedeu. Disponho-me a assumir as minhas culpas se as houve. Sujeito-me à punição mais severa, em troca desta que me foi dada sem qualquer explicação, sem nenhuma acusação sequer. Abdico até da minha defesa se necessário for.
Mas imploro a misericórdia da substituição da minha pena! Que impiedoso universo é este que pune sem julgar? Que deplorável justiça é esta que, sem a menor explicação, me levou o meu filho na idade dos sonhos?

Rui Felicio

3. Comentário do editor Luis Graça, em nome de toda a Tabanca Grande:

Rui, só hoje soube da trágica notícia da morte do teu filho. É devastador para um pai e para uma mãe. É uma dor tão grande que tem de ser partilhada por todos os teus amigos. ATabanca Grande e os teus camaradas da Guiné estão contigo e com a tua família neste momento duríssimo das vossas vidas. Permite-me que faça este singelo poste In Memoriam ao teu Nuno. Não o conhecia. Mas os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são. Um grande Alfa Bravo. Luís Graça


4. Mensagem do Rui Felício a todos os amigos que estiveram com ele neste momento de grande dor e solidão:

AGRADECIMENTO

Na impossibilidade prática de o fazermos pessoal e individualmente como desejariamos, a minha familia e eu vimos manifestar por este meio a todos aqueles que nos acompanharam na dor imensa que sobre nós se abateu, a nossa eterna gratidão pela solidariedade, conforto e apoio recebidos e que nos ajudaram a suavizar o atroz sofrimento que nos aperta o coração.

Familiares e amigos nossos percorreram, alguns deles, longas distâncias para estarem presentes na despedida do Nuno. Desde África. Desde vários países da Europa. Desde muitas terras do nosso País. Desde Coimbra, onde o Nuno estudou e tinha as suas raízes familiares. E, claro, desde Lisboa onde muitos residem.

As lágrimas contínuas da sua namorada inconsolável, as lágrimas que rolavam dos olhos dos seus colegas e dos seus amigos, a maioria dos quais nós nem sequer conheciamos, faziam soltar as nossas de forma incontrolável, pela genuina verdade de uma amizade que ignorávamos ou cuja pujança e plenitude desconheciamos, e impressionaram-nos profundamente.

Ficámos a saber, porque tal era visível e evidente, que não estavam ali presentes por mero circunstancialismo mas sim pela profunda amizade e consideração que por ele nutriam. A disponibilidade de todos os seus colegas e quadros da RDP para nos ajudarem no que fosse preciso foi uma atitude espontânea que muito nos sensibilizou e que jamais esqueceremos.

Finalmente, que nos seja permitida uma referência especial ao brilhante improviso do elogio fúnebre pronunciado por Daniel Belo que a todos comoveu e que a nós calou fundo nos nossos corações. Em si mesmo, traduziu e demonstrou de forma eloquente e cabal, a verdadeira família que é o conjunto dos profissionais da rádio e televisão públicas.

Já nos orgulhávamos da personalidade do Nuno caracterizada pela sua simplicidade e aversão a protagonismos.A sua perda não nos sobreleva a dor que será eterna, mas esse orgulho, por vossa causa, é agora ainda maior.

Um forte abraço aos colegas e amigos no nosso querido Nuno cujos testemunhos nos confortaram e confirmaram as qualidades intrinsecas da sua simples e dedicada vivência, forjada e moldada pelo amor, pelos sãos critérios e pelo bom senso.

Obrigado a todos!

Rui Felicio
com,
Rosantina Felicio
e com,
Alina Lagoas



Montemor-o-Novo > Ameira > Herdade da Ameira > Restaurante Café do Monte > 14 de Outubro de 2006 > I Encontro Nacional da Tabanca Grande > Da esquerda para a direita: Rui Felício, Maria Alice Carneiro (esposa do Luís Graça), António Pimentel (que veio propositadamente do norte, com o Hernâni Figueiredo), o Victor David e a esposa e, por detrás, o Paulo Raposo, o nosso amável anfitrião. O Rui, o Victor e o Paulo foram alf mil at inf da CCAÇ 2405 (Mansoa, Galomaro e Dulombi, 1968/70).... O "reencontro de uma geração valorosa", escreveu o Rui...

Foto: © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.

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Nota do editor:

Útimo poste da série > 19 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11116: In Memoriam (140): Major General Jaime Neves, falecido no Hospital Militar Principal de Lisboa em 27 de Janeiro de 2013 (José Martins)