OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA
GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS
13 - COMO UMA CANÇÃO BEM CANTADA POR QUEM SABE, PODE SER UMA DISSUADORA ARMA DE GUERRA
Íamos partir de Mansabá, para tomar posse do K3, que já estava quase concluído graças à CCAÇ 1421, se é que podemos dizer "concluído", ao facto de os abrigos estarem prontos pelos quatro cantos e onde coube toda a 1422.
Coluna organizada e à frente iria a Daimler, mais vulgarmente chamada "o piolho".
Tratava-se d'uma auto-metralhadora semi-blindada, que iria disparando para a mata, durante a progressão e mais própriamente junto aos locais onde já antes houveram existido emboscadas ou flagelações.
Tinha no exterior um morteiro 60 e um banco acoplados pela rapaziada engenhosa das "mecânicas auto" e lógicamente que era ali necessária, quando em viagem, a permanência dum elemento que soubesse trabalhar c'o canhão.
Auto Metralhadora Ligeira Daimler
Tal como nos bailes onde se me atrasasse me saía a mais feia, também ali me calhou tal sorte. Encomendaram-me essa missão, mas compreendi, modéstia à parte... eu era o especialista... eu era o mais bom melhor, e já que ali teria de ir, sentado em poltrona d'aço verde, pelo menos seria o primeiro de duas coisas:
1ª - Ou a enfrentar o inimigo e levar um balázio nas trombas;
2ª - Ou no destino, receber as honras de primeiro a chegar.
Subi para o poiso, conjuntamente c'a minha Vat 69 a fim de ganhar embocadura para a viagem, aconcheguei-me emborcando antes, quase metade da dita cuja.
Passados que foram dois ou três quilómetros, começou-se-me a vir à memória a minha santa terrinha e o Conjunto musical "Sôr-Ritmo", pois então.
Tinham lá um vocalista fora de série, um tal de Veríssimo Ferreira, que encantava e deliciava as jovens d'então e também as suas próprias respectivas, mães.
E vai daí... atento venerador e obrigado a ir ali exposto e sem defesa possível, comecei a trautear, qual Chatotorix, uma coladera que aprendera a dançar há dias, no Pelundo, só que às tantas, entusiasmei-me, e lá foi em alta voz a "Nha Bolanha"*.
Avisado fui, ao que soube mais tarde, para me calar, mas com aquela barulheira de tantas viaturas, nada ouvi e fui bisando continuadamente, os versos que sabia.
Chegámos sem problemas, caso único e nunca mais repetido, mas ficou-me sempre a mágoa do não saber porquê de não nos honrarem com qualquer ataque, ou ao menos ter sido accionada uma minazita que fosse.
Seria porque me viram ali na frente e acagaçaram-se? Ou seria porque abominaram a minha voz?
Bom... apeámo-nos e lá fomos observar o hotel.
O abrigo que me fora destinada estava nos conformes. Descíamos quatro degraus, depois mais cinco para a esquerda e ali estava a suite. Embora não época das chuvas, o chão ladrilhado de terra encarniçada, tinha já dez ou mais centímetros d'agua, o que era porreiro mesmo e propício à propagação da matacanha, bichinho comichoso, como sabem.
Os locais para dormir eram dez, tantos quantos éramos, dispostos em cinco grupos, ou seja um por cima e outro por baixo. Fizeram-se as escolhas e a mim tocou-me o último em cima, mas com visibilidade para a seteira do abrigo o que era óptimo pois que assim até poderia reagir, deitado.
Ali mesmo ao lado, em baixo, ficava a vala que nos levava de gatas, ao local donde dispararíamos o morteirómetro se atacados, o que aconteceu logo nesse fim de tarde. Não havendo necessidade de fazer a cama que lençóis "cá tem" entretivémo-nos a tentar tapá-la com a lingerie possível a servir de mosquiteiro, que também "cá tem".
Depois, hora para o remanso, que aproveitei para procurar o bar. Bem no meio do aquartelamento, lá estava o malandro e também debaixo do chão e que surpresa foi verificar que nada faltava do que eu utilizava por questões medicinais.
Ele havia wisky's... tintos e brancos... cervejas... Gin... e coca-cola que na Metrópole estava proibida, e até frigorífico a petróleo, vejam bem !!!
Acalmei a sede, afinfei duas sandes de pão com pão e levei dez sagres de seis decilitros para os meus. Enquanto bebíamos cá fora chegaram as boas-vindas inimigas e lá se foi o jantar que por acaso nem havia sido confeccionado ou sequer planeado.
Filme de autoria do nosso camarada Jorge Félix, ex-Alf Mil Pilav, tendo como tema musical "Nha Bolanha"
____________Nota do editor:
Vd. último poste da série de 24 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11306: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (30): 31.º episódio: Memórias avulsas (12): Acção psico-social