terça-feira, 3 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12004: Efemérides (141): Homenagem aos Combatentes em Monte Real, levada a efeito no passado dia 1 de Setembro de 2013 (Joaquim Mexia Alves)

1. Com a devida vénia à Tabanca do Centro, ao nosso camarada Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73) e ao nosso camarada Miguel Pessoa, Coronel Pilav Ref (BA12, 1972/74), autor da reportagem, transcrevemos o post publicado, hoje mesmo naquela página, a propósito da Homenagem aos Combatentes da Vila de Monte Real, levada a efeito no passado dia 1 de Setembro de 2013:


HOMENAGEM AOS COMBATENTES EM MONTE REAL

No passado dia 1 de Setembro concretizou-se finalmente o projecto de inauguração de um monumento aos combatentes na vila de Monte Real. Baseado na ideia de dois combatentes dessa freguesia que se bateram pela concretização desse projecto - Manuel de Jesus Duarte e Manuel Lopes - teve depois o apoio da Junta de Freguesia de Monte Real, da Câmara Municipal de Leiria e do Núcleo de Leiria da Liga de Combatentes, a que se juntou a nossa Tabanca do Centro.

O período de férias que ainda se verifica terá afastado alguns potenciais participantes, mas nem por isso a cerimónia deixou de ter a dignidade que um tal evento merecia.

É claro que uns tantos camarigos, já algo saudosos dos convívios periódicos que aqui se realizam – e que estiveram interrompidos nos meses de Julho e Agosto, devido à menor disponibilidade do pessoal – a anteceder a cerimónia resolveram reunir-se num almoço na habitual Pensão Montanha. Com a presença de alguns familiares dos camarigos da TC estiveram presentes no almoço 20 convivas, que tentaram pôr em dia as conversas interrompidas desde Junho.

Pelas 16H00 dirigiram-se então os participantes para o local de concentração, nas imediações da Junta de Freguesia, seguindo daí para o local da inauguração, situado no largo junto aos Correios.

Para além da presença do Presidente da Câmara Municipal Dr. Raul Castro (ele próprio combatente com uma comissão cumprida na Guiné), do Presidente da Junta de Freguesia Sr. Faustino Guerra e do Presidente do Núcleo de Leiria da Liga de Combatentes TCor. Mário Ley Garcia (responsável pelo desenrolar da cerimónia), estiveram presentes representantes das Forças Militares do Distrito, bem como uma força da Polícia Aérea pertencente à vizinha Base de Monte Real (BA5). E claro, vários camarigos da Tabanca do Centro (e familiares) que quiseram associar-se a esta iniciativa, liderados pelo seu Amado Chefe, Joaquim Mexia Alves, colaborador activo na preparação do evento.


Resumimos os diversos passos da cerimónia que se iniciou, cerca das 16H30, com o descerramento da placa  em honra aos Combatentes da freguesia de Monte Real, acto em que participaram o Presidente da Câmara Municipal de Leiria, Dr. Raul Castro, o Presidente da Junta de Freguesia de Monte Real, Sr. Faustino Guerra e o Combatente Manuel Lopes, sendo a placa benzida pelo Revº Padre David Nogueira, Pároco da Paróquia de Monte Real.

Seguiu-se a deposição de uma coroa de flores pelos Sr. Faustino Guerra e TCOR Ley Garcia junto ao Monumento, em homenagem aos combatentes já falecidos, com um período de 30 segundos de silêncio, a que todos os presentes se associaram.

Seguiram-se as palavras alusivas à cerimónia proferidas pelos diversos apoiantes da cerimónia:


O Presidente da Junta de Freguesia, Sr. Faustino Guerra, promotor desta iniciativa, transmitiu as suas palavras de boas vindas e de apoio aos Combatentes da freguesia de Monte Real e saudou a população em geral por participar nesta cerimónia.
Seguiu-se a alocução do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves, que pelo seu conteúdo decidimos reproduzir na íntegra no final desta reportagem, pois consideramos que as suas palavras dão voz àquilo que vai na mente de muitos combatentes.
O Presidente do Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes, Tenente-Coronel Ley Garcia, proferiu depois algumas palavras de reconhecimento e incentivo aos combatentes da freguesia, traçando  ainda um breve historial da Liga dos Combatentes e do seu núcleo de Leiria.
Finalmente o Presidente da Câmara Municipal de Leiria, Dr. Raul Castro, saudou os Combatentes da freguesia de Monte Real, fazendo menção dum modo particular e bastante elogioso à nossa Tabanca do Centro (em cujos encontros ele próprio, como combatente, tem tido a oportunidade de participar), realçando as palavras “solidariedade” e “amizade” como duas das características que melhor identificam este nosso grupo.

Em reconhecimento do trabalho realizado em prol destes Combatentes, ao encontro dos objectivos da Liga de preservação dos valores patrióticos e de dignificação dos Combatentes, decidiu a Liga dos Combatentes entregar a sua medalha à Junta de Freguesia de Monte Real.
Seguiu-se finalmente a entrega a três combatentes da freguesia - de que realçamos os nomes dos nossos camarigos da TC, Manuel Lopes e Agostinho Gaspar – a Medalha Comemorativa das Campanhas. Bom, sempre pensamos que podia ter chegado bem mais cedo…
No final, cerca das 17H30, seguiu-se um lanche-convívio nas instalações da Junta de Freguesia, em que participou o pessoal que estava inscrito.


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AS PALAVRAS DO JOAQUIM MEXIA ALVES:

“Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Leiria
Exmo. Sr. Presidente da Junta de Freguesia de Monte Real
Exmo. Sr. Presidente do Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes
Rerº Pároco da Paróquia de Monte Real
Exmas. Autoridades Civis e Militares aqui presentes

Permitam-me uma especial saudação à única mulher combatente aqui presente entre nós, a Enfermeira-Paraquedista Giselda Pessoa.

Meus caríssimos combatentes, meus camarigos aqui presentes
Minhas Senhoras e meus Senhores

Antes do mais uma curta explicação sobre um termo que usei ainda agora, camarigos, e que com certeza causou estranheza a algumas pessoas aqui presentes.
Camarigo é um termo inventado por alguns destes combatentes aqui presentes para significar algo de muito especial.
É a junção da palavra camarada com a palavra amigo.
Isto assim foi feito para tentar definir algo que vai para além da simples camaradagem militar, pois que essa camaradagem quando vivida em guerra, ultrapassa largamente a relação simples entre dois militares, para se tornar uma verdadeira amizade para toda a vida.
Assim acontece, porque em guerra cada um coloca a sua vida nas mãos do outro, e por isso mesmo a relação que se estabelece é mais do que ser camarada de armas.
É ser também amigo, e amigo para sempre.
Daí este termo inventado: camarigo!

Feita a explicação, passemos à homenagem que hoje aqui nos traz.

O combatente Manuel Lopes teve um sonho e quis concretizá-lo.

Abro aqui um parêntesis para dizer que me foi informado há dois dias, que também o combatente Manuel de Jesus Duarte, desta nossa freguesia, já tinha manifestado essa mesma intenção ao Sr. Presidente da Junta de Freguesia Monte Real, pelo que é de inteira justiça aqui citá-lo como parte integrante desta homenagem.

Queria o camarigo Manuel Lopes ver em Monte Real um singelo monumento de homenagem aos combatentes do Ultramar.
Homem insistente como sabe ser, falou com o Presidente da Junta de Freguesia de Monte Real, Sr. Faustino Guerra aqui presente, que não se pôs de lado e adoptou a ideia para que a mesma seguisse em frente.
Num almoço da Tabanca do Centro, (uma associação informal de combatentes, sobretudo da Guiné, que todos os meses se junta em Monte Real para um almoço de convívio vindos de várias partes de Portugal), falou ao Presidente da Câmara de Leiria, Dr. Raul Castro, hoje aqui connosco também, ele próprio um combatente pois fez uma comissão militar na Guiné, que obviamente também apadrinhou a ideia, juntou-lhe ainda o Ten Cor Ley Garcia, Presidente do Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes e envolveu-me também a mim, para fazer, digamos assim, um núcleo de pessoas que concretizasse o seu sonho.

E não foi difícil, porque todos se juntaram, apoiando a ideia, dando-lhe corpo e finalmente tudo organizando, sob o “comando”, passe a expressão, do Presidente da Junta de Freguesia, de modo a estarmos aqui hoje para concretizar esta homenagem aos combatentes da Guerra do Ultramar.

Homenageamos os combatentes, não homenageamos a guerra, porque as guerras não são coisa de homenagear.

Não há guerras boas, nem guerras más, porque todas elas fazem vítimas, e as vitimas das guerras não têm cor, não têm nem lado, são apenas e tão só vítimas.

Há umas dezenas de anos atrás Portugal envolveu-se numa guerra em África e assim toda uma geração de jovens foi chamada a lutar nessa guerra, longe de casa, longe da sua terra, e em condições que muitas vezes eram apenas da mais elementar sobrevivência.

Mais de boa vontade ou menos de boa vontade, (às vezes até parece que há muita gente de boa vontade para fazer uma guerra?), responderam sim e lá demandaram o continente africano para uma muito dura prova de pelo menos dois anos.

Uns por lá ficaram dando a própria vida, vítimas da guerra, e esses hoje recordamo-los com saudade, mas também com todo o respeito, com toda a dignidade, com todo o orgulho que merecem aqueles que dão a vida pelos outros.

Outros regressaram, como a maior parte dos que aqui estão presentes, com mais ou menos pesadelos nocturnos, com diferenças imprevisíveis de humor, com algumas irritações inexplicáveis, mas regressaram e refizeram a sua vida, trabalhando e construindo o Portugal pelo qual lutaram.

Outros deveriam ter sido trazidos, deveriam ter sido defendidos, deveriam ter sido acarinhados, e infelizmente tal não aconteceu, acabando a maior parte por perecer sob a força dos governantes desses novos países.
Refiro-me, obviamente, a todos aqueles africanos que ao nosso lado combateram sob a bandeira portuguesa, alguns dos quais tive o privilégio e orgulho de comandar, e que foram abandonados à sua triste sorte, que, como referi, resultou na morte da maior parte deles.
Também esses hoje aqui são homenageados.

Outros ainda, regressaram também, mas infelizmente com problemas graves provocados pela guerra, desde deficiências físicas mais ou menos profundas, até problemas psíquicos, mais ou menos graves, mas geradores de comportamentos impeditivos de levar uma vida dita normal.

E se os primeiros sofrem visivelmente as suas deficiências físicas, os segundos sofrem-nas muitas vezes em segredo e por isso mesmo são ou colocam-se à margem da sociedade e por essa mesma sociedade são quase sempre desprezados e mal-amados.

E aqui, minhas senhoras e meus senhores, meus camarigos combatentes, cabe uma palavra de dor, de indignação e até de revolta, perante o Estado Português que não cuida daqueles que por ele deram dois anos do seu tempo de vida, deram a sua saúde, deram até a sua própria vida.

Como é possível que passados quase 40 anos ainda haja combatentes a lutarem por um simples reconhecimento, uma magra pensão, uma possibilidade de vida, que a saúde física ou mental deteriorada na guerra, não lhes permite viver normalmente?

Como é possível haver combatentes a viver nas ruas, a maior parte deles com problemas psíquicos, psiquiátricos, facilmente detectáveis para quem com eles acaba por falar, e que os impede de ter um trabalho fixo, para ganhar o seu próprio sustento e o dos seus?

Como é possível haver tanta mordomia para determinados políticos que nos têm governado, e para aqueles que serviram Portugal com as suas vidas, apenas haja migalhas e mesmo essas migalhas terem de ser esmoladas até à exaustão?

Uma Nação que não cuida dos seus filhos, daqueles que por ela deram a vida, é uma Nação sem história, ou pelo menos é uma Nação que está a apagar a sua história.

E nós sabemos que Portugal tem uma história rica, uma história de sucessivas gerações que construíram este nosso país, pequeno talvez, mas orgulhoso de si próprio e das suas gentes.

Julgo que interpreto a vontade dos meus queridos camarigos combatentes que regressados da guerra conseguiram reconstruir as suas vidas, nas suas famílias e nos seus trabalhos ao afirmar que estes não querem subsídios, ou outras “compensações” financeiras, seja por que motivos forem, mas sim, que essas benesses, (que o não são, pois são um dever da Nação), sejam dadas àqueles que por causa da guerra estão incapacitados de viverem uma vida dita normal e como tal vivem problemas graves de toda a espécie no seu dia-a-dia.

Mas sem burocracias exageradas, sem desconfianças inexplicáveis, sem entraves sem sentido, que na maior parte das vezes têm apenas como explicação a contenção das despesas do Estado, o mesmo Estado que não se contém nas despesas quando se trata compensar aqueles que agora o servem.

Senhor Dr. Raul Castro, meu camarigo, Senhor Faustino Guerra, meu conterrâneo, minhas senhoras e meus senhores, perdoem-me estas palavras que acabei de proferir, mas elas andavam caladas cá dentro há muito tempo.

Obrigado do fundo do coração por esta homenagem, mas não sendo pobre e mal-agradecido, permitam-me que diga que a maior e mais perfeita homenagem que os combatentes desejam, é aquela em que aqueles que com eles combateram e hoje sofrem os problemas decorrentes da guerra que os incapacita no seu dia a dia, tenham uma vida digna, uma vida minimamente aceitável, porque o Estado Português não lhes quer negar esse direito.

Sabemos que não está nas vossas mãos a resolução total deste problema, mas sabemos também que todos juntos, nunca desistindo, (como não o fizemos durante a guerra), podemos um dia “levar a carta a Garcia”.

Portugal precisa, mais do que nunca, de se olhar, de olhar as suas gentes, de redescobrir a generosidade com que os Portugueses sempre se deram pela sua Nação, para não corremos o risco de cada vez mais nos fecharmos em nós próprios apenas para “lambermos as nossas feridas”.

Homenageando, respeitando e enaltecendo os Combatentes, homenageamos, respeitamos e enaltecemos a vontade inabalável dos Portugueses.

Homenageando, respeitando e enaltecendo aquelas gerações de combatentes, fazemos também com que as gerações de agora e as vindouras, sintam orgulho e vontade de pertencerem à Nação que «deu novos mundos ao mundo».

Muito obrigado a todos pela vossa presença e peço que me acompanhem num grito de viva a Portugal!

Viva Portugal!”

(Miguel Pessoa)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11992: Efemérides (140): 8º aniversário do monumento aos combatentes da Lourinhã, 25/8/2013 (IV e última parte)

Guiné 63/74 - P12003: Convívios (527): III Convívio da CCAÇ 3414, realizado nos passados dias 9; 10; 11 e 12 de Agosto de 2013 na Ilha do Pico (Joaquim Carlos Peixoto)



1. Em mensagem de hoje, dia 3 de Setembro de 2013, o nosso camarada Joaquim Carlos Peixoto (ex-Fur Mil Inf MA, CCAÇ 3414, Bafatá e Sare Bacar, 1971/73) enviou-nos a reportagem do III Convívio do pessoal da sua Unidade, levada a efeito na Ilha do Pico nos passados dias 9 a 12 Setembro de 2013:




CONVÍVIO DA CCAÇ 3414

Como a CCAÇ 3414, era composta na maioria por soldados açorianos, houve sempre uma grande dificuldade em nos reunirmos.

Em 2011, graças ao “ Blogue Luís Graça”, conseguimos organizar o nosso 1º convívio, em Coimbra. A maior parte dos presentes era do Continente e apenas um do Arquipélago.

Em 2012 foi marcado o 2º encontro, que seria em Angra do Heroísmo no quartel, antigo BII17 (hoje denominado Regimento de Guarnição 1), onde foi formada a Companhia. Neste convívio já apareceram continentais e açorianos, mas ainda éramos poucos.

Foi então marcado o

3.º CONVÍVIO NA ILHA DO PICO

Este encontro começou no dia 9 de Agosto, na ilha do Pico, com um jantar onde houve um pequeno contacto entre todos.

Neste convívio estiveram camaradas do Continente, de várias ilhas açorianas, e muitos emigrantes de vários estados dos EUA.

O dia 10 começou com uma missa na Igreja da freguesia de S. João em homenagem aos mortos em combate, furriel Ribeiro e soldado Parreira e a todos os já falecidos.


Seguimos para o Parque “ São João Pequenino - onde foi organizado o almoço.


Belíssimo almoço onde para além das lapas e uma grande variedade de queijos das ilhas foi servido o peixe albacora assada à moda de S. João. O amigo Sérgio, da ilha do Pico, ofereceu um porco para grelhar. O amigo Bernardo ofereceu umas camisolas referentes ao evento. Um outro soldado, o Furtado, que se dedica a produzir peças de artesanato, ofereceu uma pequena lembrança a cada um de nós. No fim para além do bolo para comemorar o 40.º aniversário da chegada da Guiné, houve uma grande variedade de bolos típicos dos Açores. Para acompanhar foram servidos vinho tinto da ilha do Pico, vinho branco da ilha, vinho verdelho, além de cerveja, água e sumos. De referir que toda a organização, confecção e preparação esteve a cargo de familiares dos soldados. 





No fim houve a actuação do “ Grupo Folclórico da Casa do Povo de S. João do Pico e o “ Grupo de Pauliteiros de Sanhoane.”



No dia 11 concentramo-nos em S. João, onde fomos visitar o Museu Baleeiro. De seguida demos a volta à ilha acompanhados pelo Caldeira, que como natural desta ilha, nos serviu de guia. Entre outras coisas visitamos o museu da vinha em Santa Luzia, zona classificada como património mundial. Nesta viagem passamos pela casa de mais um amigo, o Simas, que nos “ obrigou” a entrar onde nos serviu vários queijos feitos por ele acompanhados pelo famoso vinho verdelho.

No dia 12 recebemos o convite do Leonel Ramos para um almoço na ilha de S. Jorge. Mais uma viagem de barco para a ilha onde nos foi servido um fabuloso almoço, para o qual matou um bezerro.



Regresso à ilha do Pico.

Porque “ recordar é viver “, viveram-se dias de euforia, de emoções contidas, lembraram-se os bons e maus momentos passados juntos na Guiné, recordamos os que já partiram e num abraço de amizade, companheirismo e de uma grande dignidade matamos saudades daquele tempo.

É indescritível o que se viu e viveu nestes poucos dias de confraternização.

É pena que os “grandes” deste país, aqueles que apregoam aos sete ventos, o bem para Portugal, não tenham assistido a tão nobre e leal encontro.

É pena que os “grandes” não vejam a felicidade com que se pode viver num simples abraço.

É pena que os “grandes” não possam tirar lições desta camaradagem e lealdade, porque só vêem grandezas.

É pena que os “grandes” não vejam como poderiam dar a volta a este país, olhando para o que estes “guerreiros” são capazes de fazer para se reunirem.

É pena que os “grandes” não estejam atentos nem oiçam a voz destes ex-combatentes que perderam a juventude, que perderam os sonhos, que viram companheiros sucumbirem junto deles, que viram pais, irmãos, esposas e filhos transformarem os seus olhares alegres e felizes em olhares tristes e melancólicos.

É pena que os “grandes” se esqueçam de respeitar estes Homens, de lhes dar o devido valor, em vez de os insultar com as atitudes que tomam com eles.

Sem mais delongas, porque o que faz escrever este texto é relatar sobre o nosso III convívio, quero agradecer a todos, em especial aos residentes nas ilhas, o carinho, a amizade e o calor humano com que nos receberam.

Estou certo, que as minhas palavras de agradecimento, assim como a felicidade que senti, são comuns a todos os camaradas que participaram neste convívio, vivendo, tal como eu, todas as emoções.

Não tenho palavras para agradecer ao Sérgio e seus familiares todo o empenho que tiveram para que o dia 10 fosse um dia inesquecível.

Assim como me faltam as palavras para também agradecer ao Leonel Ramos e toda a família o espectacular almoço que ofereceu sem nada em troca a todos os que participaram neste convívio. A emoção é forte, as palavras não brotam para agradecer tamanho testemunho de amizade.

Propositadamente, deixei para o final, os três grandes colaboradores e organizadores deste convívio: Caldeira, Lopes e Silveira. Sem o seu trabalho, esforço, dedicação, espírito de solidariedade, camaradagem e amizade este convívio não teria sido possível. Bem hajam, companheiros de luta, pela vossa disponibilidade trabalho e amizade. Valeu a pena o esforço que fizeram. Estes dias, as noites mal dormidas, preocupação de tudo estar em ordem, foi compensado pelo sorriso que viram em cada rosto e a alegria que cada um de nós manifestou.


Obrigado a todos e que o próximo convívio vos faça tão feliz, quanto este nos fez.

OBRIGADO.
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12002: Convívios (526): V Convívio Anual dos ex-Combatentes no Ultramar do Concelho de Gondomar, dia 21 de Setembro de 2013 na freguesia de S. Pedro da Cova (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P12002: Convívios (526): V Convívio Anual dos ex-Combatentes no Ultramar do Concelho de Gondomar, dia 21 de Setembro de 2013 na freguesia de S. Pedro da Cova (Carlos Silva)

V CONVÍVIO ANUAL DOS EX-COMBATENTES NO ULTRAMAR DO CONCELHO DE GONDOMAR

DIA 21 DE SETEMBRO DE 2013

FREGUESIA DE S. PEDRO DA COVA

PROGRAMA

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11970: Convívios (525): 50 anos depois da partida para o CTIG, os camaradas da CART 494 reencontraram-se em Viana do Castelo, a 21 de Julho de 2013 (Coutinho e Lima)

Guiné 63/74 - P12001: Parabéns a você (621): Luís Gonçalves Vaz, amigo Grã-Tabanqueiro

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P11997: Parabéns a você (620): Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas da CCAÇ 1419 (Guiné, 1965/67)

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12000: Notas de leitura (516): "Le Naufrage des Caravelles", por René Pélissier (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Maio de 2013:

Queridos amigos,
Esta capa de Pélissier não tem nada a ver com a Guiné, reproduz o forte de São José de Encoge (1759), em Angola, Pélissier estudou Angola a fundo.
A matéria deste trabalho prende-se com as consequências demográficas na guerra de guerrilhas, ele faz uma interpretação do que se passou na Guiné, com base nos dados das autoridades portuguesas e os apresentados pelo PAIGC.
Como se verá, ele não andou muito longe da verdade e não se deixou seduzir pelos cânticos das sereias.

Um abraço do
Mário


O naufrágio das caravelas, por René Pélissier

Beja Santos

“Le Naufrage des Caravelles, Etudes sur la fin de l’empire portugais (1961-1975)”, Editions Pelissier, 1979, reúne um conjunto de ensaios que o investigador publicou em diferentes periódicos entre 1967 e 1975, todos eles consagrados às colónias portuguesas em África. De um trabalho publicado em 1974 na Revista Francesa da História do Ultramar e intitulado “Consequências demográficas das revoltas na África portuguesa (1961-1970), ensaio de interpretação”, parece-nos interessante reproduzir algumas das suas afirmações sobre a situação então vivida na Guiné.

Ele recorda que ambas as partes na contenda usaram de propaganda para angariar apoios, por vezes sem nenhuns escrúpulos. Qualquer guerrilha leva a alterações demográficas, ao crescimento de alguns territórios em detrimento de outros, as partes em conflito brandem números sobre a população que se acolhe à sua causa. Neste trabalho, o autor não esconde que parte do postulado da validade das estatísticas portuguesas, considera que os recenseamentos portugueses constituem um ponto de partida particularmente sólido. E logo comparando as fontes portuguesas de 1960, em que se fala de uma população aproximadamente de 521 mil habitantes, refere dados exibidos por Basil Davidson em que a fonte do PAIGC refere 800 mil habitantes, em 1968, e não tem rebuço em dizer que as fontes dos nacionalistas têm tendência a empolar os efetivos das etnias que lhes eram favoráveis, minorando as que eram manifestamente opostas. E dentro desta comparação dos dados apresentados pela Agência-Geral do Ultramar e fontes do PAIGC, mostra como o PAIGC reduz a população Fula e Mandinga inflacionando a Balanta e a Manjaca. E adianta que o recenseamento de 1960 feito pelas autoridades portuguesas visava apurar com rigor por causa dos impostos e conhecer com exatidão possível a onda parava a mão-de-obra masculina.

A fuga de populações começou a ser um dado inicialmente menor entre 1961 e 1962, a partir de 1963 é a desarticulação na região Sul, com o tríplice efeito de concentrações na mata, em apoio ou com a coação do PAIGC, em fuga para as regiões fronteiriças da Guiné-Conacri ou com uma concentração à volta de povoados mais importantes como Aldeia Formosa, Bedanda, Tite, Buba, Catió, Cufar ou Gadamael Porto; este fenómeno da desarticulação com as inevitáveis consequências demográficas também se registou na região de Corubal, entre Xime e Xitole, portanto Leste, e afetou a região entre Mansoa e Bissorã (Morés) e Norte (região de Farim). É a partir daqui que se pode apreciar a evolução dentro dos conselhos e circunscrições: entre 1960 é incontestável o crescimento de Bissau e Bolama, de Bafatá, do Gabú e dos Bijagós e um decréscimo pode ser observado em Cacheu (muito ligeiro), em Mansoa, em Bissorã (relevante), São Domingos, em Farim (relevante), em Fulacunda (relevante) e em Catió (relevante). Os dados que dispomos sobre os refugiados no exílio não são suficientes. O alto comissariado das Nações Unidas para os refugiados só fez a recensão dos guineenses no Senegal, em 1971 considerou haver aqui cerca de 83 mil guineenses, mas nada se ficou a saber sobre os refugiados na Guiné-Conacri, e ignorou-se as comunidades guineenses de não refugiados residentes no estrangeiro. E para sermos rigorosos, uma população que vive no exílio não vive na dependência condicional do PAIGC.

Procurando analisar as consequências demográficas, Pélissier observa que o caso de Bissau tem a mesma analogia de qualquer capital de um país em guerra, procura-se segurança, trabalho. Bolama era uma ilha, dispunha de um centro militar, atraia recrutas e só era alcançável por mísseis. Os Bijagós, um pouco à semelhança dos Felupes, puseram-se à margem do conflito, igualmente que atraíram quem procurava segurança e atividades económicas. A estagnação demográfica de Cacheu tem a ver com o comportamento do chão Manjaco, uma certa fuga de população para o Senegal, até 1970 julgava-se, na ótica dos militares portugueses, que se recusaria o apoio ao PAIGC.

O Gabu, esse imenso concelho com uma longa fronteira com a Guiné-Conacri, contou com a hostilidade dos Fulas e as imensas reservas dos Mandingas, ambas as etnias não queriam embarcar na aventura coletivista nem desfazer-se de uma hierarquia do tipo feudal. Os territórios ditos sob o controlo do PAIGC (caso do Boé) eram áridos e com população muito reduzida. A região de Bafatá acolheu, tal como Bambadinca e o regulado de Badora populações inseguras e daí ter mais população em 1970 do que 1960. Aqui e acolá, Pélissier faz observações contundentes, por vezes o PAIGC afirmava controlar toda a região Leste, chegando ao ponto de incluir Contubuel em zona libertada, a estatística portuguesa referia, em 1970, cerca de 22 mil habitantes, o Xitole podia estar cercado por grupos armados mas de modo algum estava sob o total controlo do PAIGC.

Depois, na análise dos concelhos em baixa populacional, Pélissier refere as fugas para o Senegal, os litígios no rio Cacheu e o predomínio balanta onde, sobretudo em Farim, Bissorã e Mansoa, o PAIGC foi buscar o seu principal apoio. São Domingos aparece dividida entre o fator nacionalista, a presença muita próxima do Casamansa e a hostilidade Felupe, sobretudo. A sul do Geba, onde a implantação do PAIGC era inegavelmente forte, há a distinguir a razia demográfica em Fulacunda e Catió.

Que concluir? Há números que apontam para perdas superiores às migrações internas; há o bloco muçulmano das savanas do Leste, há os terrenos do tarrafo entre os rios Cacheu e Tombali. Portugueses e PAIGC guerrearam também com os números. Pélissier admite que em 1970, haveria no exílio 90 mil guineenses e 30 mil sob inteiro controlo do PAIGC e presume mesmo que este número poderá ser altamente contestado pelo PAIGC. É inaceitável falar-se de uma população de 800 mil habitantes e ainda por cima reivindicar o controlo de dois terços do território, a ser verdade isso significaria dominar mais de 440 mil pessoas, dez vezes mais que os números estabelecidos pelas fontes portuguesas. Como se saberá mais tarde, quando o PAIGC fizer recenseamento para as eleições da sua assembleia legislativa, os números apresentados não excederão os 80 mil eleitores.

Este estudo de Pélissier é hoje matéria para académicos, já não tem o trotil que se destinava a incendiar apoiantes e adversários. Dentro desta frieza, dá para apreciar o rigor que Pélissier usou nas suas considerações. E dá igualmente para refletir como estes trabalhos às vezes esquecem dimensões óbvias como sejam as melhorias sanitárias, a baixa da mortalidade infantil e, mesmo que conjuntural, o aumento da esperança de vida. As guerras guardam em si segredos que só podem ser revelados mais tarde: por exemplo, o estado sanitário dos britânicos melhorou consideravelmente durante o racionamento da II Guerra Mundial, menos açúcar, menos gorduras, etc. Os guineenses, a despeito do tumulto demográfico, não regrediram nas suas condições de vida. Mas isso é outra coisa que não vem ao caso neste trabalho de René Pélissier.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11993: Notas de leitura (515): "As Ausências de Deus", por António Loja (Mário Beja Santos)

domingo, 1 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P11999: (Ex)citações (225): Camaradas que tombaram no palanque do conflito (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Sinais do tempo, sem tempo, da enfadada guerra guineense

Camaradas que tombaram no palanque do conflito 


Permitam-me esvoaçar nas asas do vento e trazer à opinião pública no nosso blogue uma foto de túmulos de infelizes camaradas que nos verdes anos da sua juventude perderam a vida na guerrilha guineense. Admito que não é fácil debater uma temática que hoje, já sexagenário, me arrepia a “meia dúzia” de cabelos que pomposamente primam em manter-se hirtos à tona de um coro cabeludo que outrora fez “ronco”. Porém, esta explanação de realidades que amiudadamente observamos, toca no ego de antigos camaradas que nos anos 60 e 70 viram partir para a tal famigerada viagem sem regresso companheiros e amigos deste cosmos terrestre. 

Olho, atentamente, os sepulcros (amigos de infância que morreram em Angola, Moçambique e Guiné) que frequentemente visiono no cemitério da terra que me viu nascer – Aldeia Nova de São Bento – e que um dia me acolherá para a eternidade junto àqueles que me deram o ser, e questiono-me sobre a injustiça que se abateu sobre aqueles jovens, à semelhança de muitos outros bravos militares, que tombaram numa guerra na qual foram, simplesmente, soldados desconhecidos. Forçados a partir para terras de além-mar, como era exigido, o destino foi-lhes cruel e os seus restos mortais chorados com uma inflamada saudade.

Esmiuço o conteúdo da guerra na Guiné – 1963/74 – e reconheço que os seus imensuráveis contornos foram, de facto, incontroláveis. Consultando os registos, e não vou mencionar o número como facto consumado, ou dado adquirido, refere o documento da Comissão para o Estudo das Campanhas África – Estado Maior do Exército – que na Guiné terão morrido em combate 2069 militares oriundos da Metrópole e 471 elementos do recrutamento local.

Defuntos que em nada contribuíram para o fatídico fim numa guerra onde as frentes de combate, a meu ver, se apresentavam pressupostamente desiguais. Nós, singelos militares, que conhecemos o conteúdo real do conflito, sabemos ainda hoje que as armadilhas que o próprio terreno impunha, assim como o clima adverso constatado, eram fatores propícios a eventuais contactos com os guerrilheiros adversários que conheciam a razão do combate.

Considero que é perfeitamente legível que evoquemos, também, toda uma estirpe de gentes que souberam enobrecer a sua defesa pessoal e coletiva e que por ora continuam, felizmente, a possuir o privilégio de contar as suas histórias hilariantes de uma guerra que nos foi inesquecível, sendo porém uma certeza que os estropiados e os que ainda hoje sofrem de profundos traumatismos adquiridos no cenário guineense, são bandeiras sublimes de um tempo que jamais caiará na orla do esquecimento de um País, o nosso, que tende, pressupostamente, olvidar a mais recente peleja da história em que Portugal esteve envolvido.

Era miúdo e pela minha cabeça jamais passou a hipótese, depois a certeza, que o meu destino me reservasse uma comissão militar na Guiné. Mas… aconteceu. Revejo o sentimento de dor nos momentos da chegada dos corpos de inocentes à terra onde eram sobejamente acarinhados e que lá longe, num chão distante, perderam a vida em plena flor da idade. Familiares e amigos, apreensivos, tentavam explicar o inexplicável. O choro, em coro, resvalava para uma revolta suprema. O povo, pela calada, lançava gritos de insurreição pela desgraça conhecida e, clandestinamente, sonhava pelo fim da guerra no Ultramar.

Esta ligeireza memorial sobre a temática abordada, levou-me a um pressentimento comum que explica, sumariamente, que serão raros os cemitérios nesta pátria lusíada onde não haja uma lápide que refira a existência de um antigo camarada morto na guerra da Guiné.

Permitam-me, pois, relembrar que a foto que aqui vos deixo foi recolhida no cemitério da minha terra e diz respeito a um camarada fatidicamente caído numa peleja díspar, restando a sensação comum que a sua coragem, como militar português, extravasou desejos impensáveis. Este leque de saudosos camaradas foram, no fundo, peças de um puzzle estéril onde os interesses individuais de senhores de colarinho branco se sobrepunham ao coletivo de uma sociedade quiçá desordenada.

Os militares que integravam, normalmente, as ditas frentes de combate eram substancialmente oriundos da plebe.

Descansem em paz velhos camaradas!
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P11998: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (5): A saga do corte umbilical

1. Em mensagem do dia 26 de Agosto de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Pós-Guiné:


O PÓS-GUINÉ 65/67

5 - A SAGA DO CORTE UMBILICAL


A outra peça que encontrei, é uma espécie de punhal, feito em ferro pelo meu amigo felupe, O QUARENTA E QUATRO, (como gostava que o chamasse), com a pega adornada em pele estriada e de variegadas cores. A bainha em couro também embelezada da mesma forma.
A lâmina propriamente dita, foi batida a martelo por ele próprio e afiada com esmero.

Foi num dia qualquer de 1966, que ma ofereceu e ma colocou no cinto, tendo o cuidado de me avisar:
- "Furrié" entrará sempre na tabanca, sem problemas e bem-vindo se a tiver à vista e "se a levares pró mato, poderá ser-te útil também".

Sempre fui de não acreditar em amuletos, mas que resultou... resultou. Aquele 44, de quem nunca mais soube, para além de guia, foi também membro da minha Secção de Morteiros e também meu protector quase invisível quando em combate.

Lembro-o sempre com muita saudade e procurei saber do seu destino, através de muitas tentativas mas nunca obtive respostas.

Mantenho preservada apenas uma foto que tirámos, vendo-se Farim lá depois do rio.

Na foto > De pé: (?), Samba, Soares, (?), Nascimento e (?). De cócoras: 44, Tarouca e Domingues

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FOI NUM DIA DE JUNHO DE 1966

Que devo ter chorado tudo o que haveria para chorar, mas de alegria.

Um helicóptero aproximava-se vindo dos lados do Olossato e pairava sobre o K3, deixando a impressão de que iria pousar e pousou.

Tal era inédito e pensámos que seria alguém importante para saber algo sobre os funestos acontecimentos do dia anterior em que mais chorei, mas de dor e raiva.

Ainda atordoado, deixei-me ficar sossegado à porta da minha suite e esperei não ser incomodado, mas fui bíspando o que se passava.

Nisto oiço que me chamam e vejo que indicam a minha mansão a alguém que viera lá do ar.

Era um 2.º Sargento lá da minha terra, que estava sediado em Teixeira Pinto e que viera para visitar o meu "corpo" que ele houvera ouvido dizer, estar também esfrangalhado.

Digam lá se o Mundo e a Camaradagem não eram então coisas lindas?

E foi com um apertado abraço (e gratidão minha) que celebrámos este encontro e foi com esta prova espantosa, que me fez entender ainda mais, o que são as fraternidade e amizade.

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O SOLDADO CHICO QUE ERA PALHAÇO

Este rapaz tinha sido um verdadeiro palhaço e a isso voltou, num dos circos que deambulavam pela feiras da nossa terra e onde eu tanto gostava d'ir, mais pelas pernas das trapezistas... ora bem. Fazia parte da comitiva que comigo permaneceu no Pelundo e conseguiu indrominar e fazer rir de tal forma, quer o homem grande (Ti Vicente se chamava) quer os seus ministros que nem ler sabiam, que decidiram oferecer-lhe algumas benesses em paga da alegria que lhes proporcionava.

Tudo o que tinham de melhor lhe pertenceria se ele ficasse por ali desde já e prontificaram-se a falar com as altas chefias militares.

Davam-lhe as filhas, as vacas e os porcos, a fonte e a igreja, a bolanha e alguns terrenos cultiváveis... parte doutros que iam até Bula, e para comer só do bom e do melhor, nem que para tal, houvessem de se deslocar e aviar onde fosse necessário, para além das fracas galinhas e cabras que lhes pertenciam. Além disso, prometiam-nos segurança ali na zona, que convenhamos, à época era mesmo sossegada, talvez devido ao medo que tinham de nós, gentes aguerridas que éramos, embora não descarte que por vezes, também alguma cagunfa sentíssemos.

O rapaz pediu-me conselhos e direcções a tomar... prometi apresentar o assunto superiormente... e dar-lhe-ia a resposta um destes dias.

Mas o destino não o quis (e nem ele próprio como mo confessou depois) mas enquanto pudemos fomos aproveitando a maré e usufruindo do que pudéssemos, Pouco tempo depois correm connosco dali, precisamente no dia seguinte a termos ido em visita de cortesia até Jolmete para uma belíssima jantarada que nos ofertaram, só que e porque se resolveram atacar o aquartelamento, pouco comemos.

Safei-me, porque logo que os tiros começaram, guardei nos bolsos, umas perninhas, ou seja, no bolso esquerdo uma de borrego e na direita duas de galinha assadas em brasas de lume, pitéus que continuo a incluir ma minha dieta mediterrânica.

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NOUTRO DIA QUALQUER DE QUALQUER MÊS DE 1967

(O que me lembro é que havia regressado em Abril) e quando me encontrava desempenhando a minha função na Tesouraria da Fazenda Pública em Ponte de Sôr, recebi a visita dum individuo bem trajado que pretendia fazer-me umas perguntas, tendo-se antes identificado como agente da Polícia Política d'então.

Afinal apenas queria saber se tinha sido eu a colocar um qualquer petardo que havia rebentado ali perto da Assembleia Nacional e isto porque ao analisarem a minha ficha cadastral, haviam verificado que eu chegara da Guiné e tinha todas as condições para o ter feito, para além do mais e até, porque eu era especialista de Tancos, com um grau apreciável na preparação de Minas e Armadilhas.

Comprovadamente verificou que não era eu o procurado, e pronto o caso ficou encerrado, embora me preocupasse, porque nessa época, era-se preso por ter cão... e por não o ter.

É nesse entrementes que resolvi ir para a arbitragem de futebol, devido à necessidade imperiosa do "sentir" do perigo.

Cheguei lá... apitei uns jogos da regional... e... levei umas pedradas de quando em vez... e... com um bocado de madeira da bancada do Estádio da Fontedeira em Portalegre doutra vez... e... insultos do piorio... e até que um dia, perante a luta desigual, pois que não podia corresponder... decidi e comuniquei:
- Ou em vez do apito levo uma G3 comigo, ou não quero mais.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11978: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (4): O diacho da cicatriz

Guiné 63/74 - P11997: Parabéns a você (620): Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas da CCAÇ 1419 (Guiné, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11988: Parabéns a você (619): António Barbosa, ex-Fur Mil Cav do Pel Rec Panhard 1106 (Guiné, 1966/68) e José Manuel Corceiro, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1969/71)

sábado, 31 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11996: Blogpoesia (353): Pôr-do-sol (Juvenal Amado)

1. Em mensagem do dia 28 de Agosto de 2013, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), enviou-nos este poema e as fotos que se publicam


Pôr-do-Sol

A vida escorreu-nos pelos dedos
Numa sucessão de momentos únicos
Observámos a água dos rios
Idealizámos pontes entre margens
Desaguámos em mares
Ouvimos o vento
Reprimimos lamentos
Contámos estrelas
Descobrimos odores
Criámos novos passados
Outras pessoas habitam em nós
A guerra é um sítio estranho
Porque teimamos em revivê-la,
Nunca se regressa de lá.
Nesse tempo o que fomos
O que fizemos
O que lamentamos
O que éramos e que não fomos
O que esperámos
Quem esperou por nós
Neste Verão quase Outono da vida
Os olhos cansados
Insónia de todos os excessos
Relógios que somam tempo
Tempo que soma calendários
Porque esperámos demasiado
Passámos em barco contra a corrente
Extasiados e encandeados pelos pôr-do-sol
Sentamo-nos,
E ficamos à espera do tempo que nunca virá.
É que esse tempo não existe.






Fotos: © Alf Mil Vasconcelos

Os periquitos: Sertã, Ivo, Passos, Leo, Canário e Amado, a caminho do Regala
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11938: Blogpoesia (352): Três poemas recentes de J. L. Mendes Gomes: A minha bicicleta; O meu netinho Tomás; Contemplação da noite...

Guiné 63/74 - P11995: Os nossos seres, saberes e lazeres (54): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (2) (Tony Borié)

1. Em mensagem do dia 24 de Agosto de 2013, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos o segundo episódio da sua viagem/aventura de férias, num percurso de 7000 milhas (sensivelmente 11.265 quilómetros) através dos Estados Unidos da América.




...7.000 milhas através dos USA -2

"Companheiros de jornada”, ainda se lembram do que passou no último dia?
Pois cá vai o resumo do segundo dia.

Manhã cedo, depois de tomar iogurte, sumo de laranja, café e uns biscoitos, a normal medicina acompanhada de um pouco de fruta de banana com água, seguimos em direcção ao norte, atravessando por um pequeno período de tempo o Estado de Arkansas, onde não parámos, pois não estava no nosso roteiro. Passámos por algumas povoações rurais, longas pontes sobre rios, pântanos e terras alagadiças, chegando ao Estado de Tennessee, que fica localizado na região sudeste dos USA, cuja economia é baseada na indústria de manufactura, serviços financeiros e imobiliários, turismo e agricultura.

Muito do actual Tennessee, durante o período da colonização britânica da região das “Treze Colónias”, fazia parte do actual Estado da Carolina do Norte, sendo a região mais ocidental das antigas “Treze Colónias” britânicas, tendo inicialmente escassamente povoado, mas passou a receber muitas pessoas a partir da década de 1750. O Tennessee, por causa da cordilheira de montanhas do “Apalache”, era isolado do restante território da Carolina do Norte. Dizem que após o reconhecimento da independência dos Estados Unidos, por parte do Reino Unido, em 1783, os habitantes da região pediram a separação daquele território do actual Tennessee do restante da Carolina do Norte. Assim sendo, o Tennessee separou-se da Carolina do Norte, tornando-se o 16.º Estado Norte Americano, em 1796.

O nosso objectivo principal no Tennessee, era visitar a cidade de Memphis, que dizem que é a 20.ª cidade mais populosa dos USA, e que se destaca no seu âmbito cultural, sendo considerada uma das três cidades mais importantes da música norte-americana, juntamente com Nova Orleães e Nashville, ficando famosa por ser ali casa de Elvis Presley entre 1948 e 1977.

Nós, e talvez muitos milhares de jovens do tempo do Tony, que com toda a certeza são muitos de vocês, apreciámos o Elvis Presley, pois além de ser um grande cantor, músico e actor, até lhe chamavam o “King of Rock and Roll”, que foi um estilo de música, que na nossa opinião era um conjunto de estilos onde existia “pop”, “blues”, “gospel” e talvez mais, que transmitia algo, tanto na letra como nos movimentos, que até àquela altura quase ninguém conhecia, mas todos nós sabemos que marcou uma geração.

Como ser humano, na nossa opinião, sempre assumiu as suas responsabilidades, lutando e ajudando muitas causas, pelo menos na região onde nasceu, a localidade de Tupelo, no Estado do Mississippi, que também visitámos, pois só com a idade de 13 anos, passou a viver em Memphis, no Estado de Tennessee, para onde a sua família se mudou por razões de sobrevivência.


Lembram-se que por altura de 1958 chegou a fazer parte do exército dos USA, chegando a estar estacionado na Europa, e que uns anos antes tinha sido o principal protagonista do célebre filme “Love Me Tender”, onde interpreta o papel do irmão mais novo dos quatro irmãos “Reno”, que era o Clint Reno, que ficou em casa a cuidar da sua mãe e da fazenda da família, enquanto os irmãos mais velhos, Vance, Brett e Ray, lutavam na Guerra Civil Americana, para o Exército Confederado. A família é erradamente informada que o irmão mais velho Vance, é morto no campo de batalha. Depois de quatro anos de guerra, os irmãos voltam a casa e descobrem que a Cathy, que era a namorada e noiva do irmão mais velho Vance, está casada com o irmão mais novo Clint, que sem qualquer preconceito se tinha apaixonado pela noiva do irmão mais velho. Uma das mensagens transmitida nesse filme, era aquele jovem que estava sempre revoltado com tudo o que não fosse de acordo com a sua ideia de estar no mundo, o que acontecia com muitos de nós naquele tempo.

Como dizíamos, lembram-se vocês do nosso tempo de jovens, em que o “Elvis” marcou a época?

Queríamos ver a sua mansão, a que chamam “A Graceland”, património da família Presley, hoje transformada em museu, e que é visitada por mais de 600 mil pessoas ao ano.


Assim aconteceu, cruzámos a fronteira, a cidade acolheu-nos e depois de percorrer algumas ruas, deparámos com a mansão do Elvis Presley. Era tal e qual como nos filmes de Hollywood, estava lá, fizemos o “tour”, vimos a sua casa, os seus retratos, a roupa que ele usava, as centenas de discos de ouro que conquistou ao longo da sua carreira, os seus dois aviões, um deles, o mais pequeno, que ele usou para levar a sua filha a ver a neve no estado do Colorado, dizem que a menina lhe pedia para ver a neve, e ele já bastante ocupado com os seus espectáculos em Las Vegas, um dia levantou voo daqui e foi ao Colorado, aterrou, deixou a filha calcar a neve por uns minutos e voltou de novo a Las Vegas para continuar com a sua exibição. Talvez devido ao esforço despendido, sem intervalos para se restabelecer, querendo cantar e agradar a todos, tivesse começado a usar algo que o havia de levar à morte, ainda um jovem, pois tinha somente 42 anos. Os seus carros, a piscina, os anexos onde se divertia cantando ou brincando com a sua família, o local onde dizem que está sepultado, tudo o que a ele dizia respeito, estava lá, para que todos possam apreciar. E o Tony viu mesmo cenas de pessoas chorando ao verem este local, que mais parece um local de peregrinação.

Com o coração cheio de saudade do Elvis Presley, rumaram em direcção ao norte pela estrada número 55, que os havia de levar a St. Louis, no Estado de Missouri, que é cortado pelos rios Mississippi e Missouri, sendo este último o que lhe deu o nome. O cognome do Missouri, é “Mother of the West”, a mãe do oeste, e foi adquirido pelos Estados Unidos na “Compra da Louisiana”, em 1803, e à medida que o país passou a expandir-se em direcção ao oeste, o Missouri passou a ser uma das principais escalas dos migrantes, tornando-se no 24.º Estado norte-americano em 1821.

Naquele tempo, a indústria agro-pecuária do Missouri fazia grande uso do “trabalho escravo”, e dizem que apesar da maioria da população do Estado ser a favor da secessão e da união do Missouri com os Estados Confederados da América, este Estado permaneceu ao lado dos Estados Unidos durante toda a guerra civil.

Como dizíamos, parámos e fomos admirar a cidade de St. Louis, que foi fundada em 1764, por Pierre Laclède e Auguste Chouteau, em nome de Louis IX que foi rei de França. Depois da “Compra da Louisiana”, passou a ser o maior porto do rio Mississippi, a sua população expandiu-se e depois da guerra civil Americana, chegou a ser a quarta maior cidade dos Estados Unidos no século dezanove. Tem um monumento, o “Gateway Arch”, junto ao rio Mississippi, que é conhecido como o “Gate to the West”, ou seja a porta para o oeste, é um grande arco, construído em aço pelo arquitecto finlandês Eero Saarinen em 1947, e é considerado o mais alto monumento dos Estados Unidos, pois avista-se a milhas de distância. No seu pedestal, tem um museu com motivos do oeste, e exemplifica o que os emigrantes faziam e usavam a caminho do oeste, depois de terem viajado, talvez por anos, no rio Mississippi, vindos dos portos de Boston, New York ou Philadelphia, que depois de saírem de St. Louis, levavam outros tantos anos a chegar à Califórnia, ou mesmo ao sul, viajando pela “Santa Fé Trail”, que também era conhecida pelo “Caminho Real”, que era um caminho que os levava às regiões do sul, junto à fronteira do México.

O Tony e a sua companheira e esposa, não queriam abandonar este local, tem fascínio, tem história e em cada local faz nascer lembranças, o rio está lá, a correr em direcção ao sul, naquela curva a água pára, faz um remoinho, a lembrar-nos que era ali que as pessoas ficavam andando em redor umas das outras depois de desembarcarem, não sabrndo qual a direcção que tomariam. Sabiam só que iam à aventura, por anos, percorrendo caminhos selvagens, construindo os seus próprios utensílios, carros rudimentares, que com a ajuda de animais, viajavam, nasciam filhos que chegavam já grandes ao local de destino, quando havia destino.


Já ao fim da tarde, rumaram a oeste, despediram-se de St. Louis, e tomaram a estrada número 70 em direcção a Kansas, e ao anoitecer dormiram numa cidade com o nome St. Charles, ainda em Missouri.

Tony Borie,
Agosto de 2013.
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Nota do editor

Primeiro poste da série de > 24 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11972: Os nosssos seres, saberes e lazeres (53): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (1) (Tony Borié)

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11994: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (9): Um reencontro para agasalhar a idade

1. Em mensagem de hoje, 30 de Agosto de 2013, o nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70) conta-nos como reencontrou o seu camarada Vilas Boas que o acompanhava, mais o João Rebola, nas suas "actuações" em Bissorã.

Camarada e Amigo Vinhal.
Sei que o Luís Graça está de férias. Mas não sei, quando ele está de férias, como se faz chegar material para o nosso blog. É que tenho um história breve de um feliz reencontro, que gostava fosse, caso fosse também essa a vossa concordância, publicada.
[...]
Um grande abraço do
Armando Pires


Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires)

9 - Um reencontro para agasalhar a idade

Mais um reencontro para agasalhar a idade. Estava eu posto em sossego e chama-me o João Rebola para perguntar:
- Ó Pires, sabes quem está aqui?

A pergunta foi feita através desse prodígio da comunicação chamado Skype. Sabem os que sabem, quem não sabe fica a saber que é um software que podemos instalar no computador, e que nos permite falar com qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, e, o melhor de tudo, estar a vê-la do outro lado.

Pois o Rebola, nosso camarada tabanqueiro, chamou por mim no Skype e fez-me a tal pergunta. Disse-lhe que não fazia ideia, ele chamou para o seu lado um rapaz da nossa idade, cabelos grisalhos e farto bigode, e fez nova pergunta:
- Sabes quem é este gajo?

Eu pressenti que era alguém da tropa, da nossa tropa, que estivera connosco na Guiné, mas não conseguiu chegar lá.

- É pá, peço muita desculpa mas não sei quem é?

- Ó Pires, é o Vilas Boa, pá!

O Vilas Boas, imaginem, um rapaz de transmissões que pertenceu à CCAÇ 2444, a companhia do Rebola, que já estava em Bissorã quando a minha companhia lá chegou, que tocava lindamente viola, que fazia parelha com o Rebola, acompanhando-me a cantar o fado, nas noites de sábado em que o bar de sargentos da minha companhia se enchia de militares e civis a jogarem o bingo e. a ouviram cantar o fado, acompanhado à viola pelo João mais o Vilas Boas.

A fotografia desses momentos já por aqui passou, já foi, até, publicada no nosso blog mas eu recupero-a hoje aqui, para vocês verem o antes e o depois. Mas sobretudo, e esta é a finalidade da comunicação que aqui vos faço, para assinalar o meu reencontro com o Vilas Boas, quarenta e três (43!!!) anos depois de nos termos separados.

Claro que o reencontro deu-se por imagem, através do Skype, como já disse, mas não deixou de ser um reencontro. Porque nos vimos e ouvimos. Só faltou um abraço, um abraço físico, que ficou para um não tarda nada.

E eu, esse momento em que nos estávamos a ver e a falar no computador, também o registei.
Fica aqui esse momento. E, como disse, o outro, o do passado.
Para que me possam acompanhar na alegria sentida do antes e do depois.

Ontem, em Bissorã. À esquerda o João Rebola, à direita o Vilas Boas, ao meio, com sentimento, eu a cantar.

Hoje, nós a falarmos no Skype. À esquerda o Vilas Boas, á direita o João Rebola, eu, escondido no canto inferior direito.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11974: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (8): Ainda Bula, 1969: Fotos do meu álbum

Guiné 63/74 - P11993: Notas de leitura (515): "As Ausências de Deus", por António Loja; Âncora Editora, 2013 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Maio de 2013:

Queridos amigos,
Esta reedição era de elementar justiça, não me canso de dizer que António Loja reservou para a literatura da guerra da Guiné parágrafos belíssimos, intensos, vigorosos. Foi comandante de companhia nalguns dos teatros de operações mais duros. Mejo, por exemplo. Passadas décadas desses eventos que nunca se apagam da memória, a pretexto de uma operação em ambiente hospitalar, associou ruídos a lembranças do que viveu.
O resultado é exaltante.
Os confrades têm agora à sua disposição um relato incontornável sobre as recordações irreprimíveis que transportaremos até ao fim das nossas existências.
Desejo-vos boa leitura.

Um abraço do
Mário


As ausências de Deus, por António Loja

Beja Santos

Trata-se de uma reedição há muito esperada, “As ausências de Deus” (por António Loja, Âncora Editora, 2013) faz parte do rol das obras fundamentais da literatura da guerra da Guiné. Tem parágrafos belíssimos, são trechos indispensáveis em qualquer antologia que doravante se venha a escrever sobre a guerra da Guiné em particular ou mesmo num contexto mais amplo. O autor explica o que o motivou, inesperadamente, a voltar à guerra: “Trinta anos passados sobre o fim da minha participação na guerra colonial na Guiné tinha a ilusão de que esta pertencia apenas ao meu passado. E, de repente, no pós-operatório de uma cirurgia num hospital de Coimbra, ela regressou. E de um modo obsessivo. No dia-a-dia do ambiente hospitalar o sono fez ressuscitar, nas pessoas que encontrei nos corredores, os meus companheiros de combate, os soldados europeus e africanos que lutarem ao meu lado ou contra nós, os homens, mulheres e crianças que passaram por mim na selva africana, que regressaram ligados a episódios ocasionais da vida presente e ganharam corpo na minha vivência de paciente em recuperação (…) São essas recordações que, naquele ambiente hospitalar, decidi passar para o papel”.

Em 1966, António Loja foi chamado pela terceira vez a prestar serviço militar obrigatório, rumou para a Guiné, no comando de uma companhia de infantaria, deram-lhe um teatro de operações entre os mais ásperos. O dever de memória surgiu assim, inusitadamente: “O ruído do motor de um frigorífico, numa sala vizinha do corredor onde, no hospital, faço a minha caminhada diária, levou-me de repente a recordar o motor da LDG (lancha de desembarque grande) que, diretamente do Uíge, nos transportou de Bissau para Buba. Fomos transferidos para a lancha de desembarque e, através do que nos parecia um impenetrável e complicado labirinto de rios e canais naturais, depois de algumas horas de navegação, com o sol alto, cerca de uma hora da tarde, chegámos a Buba”. Assim, a frio, logo atirado para a guerra, picar a estrada, fazer a conferência de material, visitar o chefe religioso do Forreá, Cherno Rachide.

A prosa de António Loja pauta-se pela intensidade com que transmite as emoções, em vez de brunir aquelas expressões que ornam a brutalidade dos acontecimentos, é seco e remete para os seus sentimentos toda a explosão de dor, é como se o leitor se condoesse da sua reação ao invés do sofrimento alheio, assim: “Não teve tempo de dizer-me que havia uma mina na picada porque, na certeza enganosa de que o terreno que antes calcara estava livre, colocou o pé sobre outra, que já tinha passado sem notar e que explodiu com violência. Mamadú ficou desfeito, literalmente, em pedaços espalhados pela picada e escorrendo de ramos das árvores; e Abdulai, que vinha logo atrás, foi apanhado por um estilhaço que o atingiu na parte superior do tórax. Deu dois passos na minha direção, dizendo: 
- Ai, meu capitão! Meu capitão!

De um buraco abaixo da clavícula jorrava, a cada batida do coração, um repuxo de sangue que me atingiu a cara, os óculos e me escorreu para o nariz e para a boca. Sustentei-o debaixo dos braços e pousei-o devagar sobre as folhas das árvores, no meio da picada, enquanto toda a companhia assumia posições de defesa. Nunca consegui esquecer o sabor do sangue ainda quente e o cheiro adocicado e logo nauseabundo que me invadiu as narinas. Disse-lhe uma mentira piedosa: 
- Vem aí o enfermeiro. Vais ficar bem! Já mandei vir o helicóptero…

Espero que ele tenha acreditado, nos breves segundos que levou a morrer. Só que na morte não há breves segundos. É um tempo sem relógio. É toda a eternidade de um fim que parece nunca chegar. Morreu a esvair-se em sangue que ninguém poderia estancar. O que recordo com horror é a minha reação seguinte: ainda ajoelhado junto dele, inclinei-me para o lado e vomitei, de um modo incontornável, ali a dois passos do cadáver do meu camarada”.

Para quem está no pós-operatório, aquela volta à guerra é irreprimível: comunicar a um pai africano que aquele estrondo que ele ouviu há pouco foi a explosão que lhe matou o filho; ver os africanos a não aceitar as fronteiras traçadas por portugueses e franceses, quem foi atacado do lado de cá sente-se no direito de atacar a sua gente do lado de lá, matar, matar até que aprendam com a lição, não compreende essa linguagem dos incidentes diplomáticos; recordar uma menina cheia de vida a quem dera um brinquedo e que ele, depois de uma flagelação, foi encontrar esvaído em sangue, apertando na mão o brinquedo que ele lhe oferecera…

O medonho da guerra é por vezes um relato entre a incredulidade, o bizarro e a extrema inocência, como o autor recorda: aqueles dois amigos que andaram juntos na escola, que foram recrutados no mesmo ano, destacados para a mesma unidade, quase dois gémeos típicos que caíram juntos e que depois foram enviados às suas famílias em dois caixões que viajaram no porão do mesmo navio e que depois foram enterrados no mesmo cemitério, nos arredores de Barcelos; as confidências do Francisco, o condutor do rebenta-minas, que vai casar dentro de dois meses e que deixou de sentir tesão, houve urgência em tomar medidas para combater o stresse; o Roncolho, um herói improvisado que um dia gritou “ai minha mãe!” lá numa emboscada e a quem o capitão teve de dar uma estalada e que estupidamente morreu na véspera da partida, atropelado para os lados do aeroporto de Bissau. A tudo isto juntam-se as queixas da dobrada liofilizada, dos coronéis incapazes, daquele aviador que durante uma operação achou que não devia almoçar em Mejo e o alferes disse ao cabo Chico para pegar numa metralhadora e caso o helicóptero levantasse lhe desse uma rajada das grossas.

Recordações em noites sem sono, naquele doente a insónia ou os medicamentos fizeram-no regressar ao passado: “Carregamo-lo connosco e basta uma pequena faísca para provocar a grande explosão. Depois, é como um filme antes da montagem. Por vezes as cenas desenrolam-se numa sequência lógica, outras de modo caótico ou pelo menos disperso, sem nexo aparente ou com um nexo difícil de discernir”.

É este o prodígio da trama de “As ausências de Deus”, que vitoriam os que conseguem dar um pontapé na morte, estão para além de qualquer convalescença, há memórias da guerra colonial que não se apagam, de Mejo a Guileje a vida era um desassossego, entre minas e emboscadas, e depois aos poucos o convalescente sente a memória suavizar, porque a recuperação foi dura: “Pago uma prestação cada vez que me dirijo ao hospital para mais uma sessão de radioterapia” é um pagamento duro, o paciente lembra um grande escritor, Thornton Wilder, que escreveu: “Será que para Deus nem a pena de um pássaro cai sem que Ele o permita; ou, pelo contrário, Deus dispõe das nossas vidas com a indiferença com que uma criança mata moscas num dia de Verão?”.

O autor, tal como estivesse em Mejo, reclama desabridamente: ou será que Deus não existe, ou, numa versão menos radical, se ausentou, deixando-nos entregues a nós mesmos?

Livro inesquecível, qualquer que seja a guerra que levamos em nossos dias.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11980: Notas de leitura (514): "Misiones en Conflicto, La Habana, Washington y África, 1959-1976", por Piero Gleijeses (2) (Mário Beja Santos)