segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12340: In Memoriam (172): António Henrique Teixeira, o "Tony" Teixeira , um "onça negra", da CCAÇ 6, um grande bedandense, um magnífico camarada e amigo (1948-2013)... O funeral é amanhã, às 11h30, na sua terra natal, Espinho.



Lourinhã, Abellheira, 17 de agosto de 2011 > O Tony Teixeira, num almoço de convívio, oferecido por amigos do Joaquim Pinto Carvalho e Luís Graça

Fotos: © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados


1. A notíca, brutal, chegou-nos às 10 da manhã, a casa. 

Foi a Alice, acamada, a curar uma gripe, que atendeu o telemóvel...  Do outro lado da linha, a voz chorosa da Maria do Céu, esposa do Joaquim Pinto de Carvalho:  "O Tony morreu assim, de repente, de uma pneumonia fulminante!"...

O nosso camarada António Teixeira, ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto), e CCAÇ 6 (Bedanda) (1971/73) tinha perdido, há um ano, fez agora um ano em 1/11/2013,  a sua querida esposa, Cindinha, vítima de doença prolongada.  O casal tinha um filho de 24 anos, estudante de arquitetura.

O funeral do Tony é amanhã, em Espinho, sua terra natal, às 11h30, na igreja Matriz.    O corpo segue depois para o cemitério n. 3 de S. João da Madeira onde será cremado, regressando mais tarde ao cemitério de Espinho, segundo informação que obtivemos na página do Facebook do Tony.

O Tony (António Henrique Teixeira) tinha uma página pessoal no Facebook: clicar aqui para ler as últimas mensagens, de despedida, dos seus muitos e bons  amigos, que estão devastados com a notícia do seu precoce desaparecimento. Ele era uma pessoa muito querida na sua terra, onde foi DJ e professor de educação física.

Sei que o Pinto de Carvalho e a Maria do Céu, seus amigos íntimos de longa data, partirão ainda hoje, do Cadaval,  ao fim da tarde para darem as últimas despedidas ao nosso Tony e apoiarem o filho do Tony, de 24 anos, e a senhora sua mãe, que deve ter perto de  90 anos.  Para eles vai o nosso o xicoração apertado.

Pessoalmente, conheci-o em agosto de 2011. E ficámos logo amigos. Passámos uma semana de intensa convívio, na Lourinhã. Ele frequentava, amiúde, a casa dos Pinto Carvalho, em Lisboa, na  Lourinhã e sobretudo no Cadaval (onde têm um empreendimento turístico, Artvilla, que o Tony adorava).

A última vez que se encontraram foi em Lisboa, no princípio do corrente mês. Ele andava em tratamento médico na capital, por causa de problemas do foro respiratório.  Mas nada fazia prever este trágico desfecho, disse-me a Maria do Céu, há um bocado ao telefone, inconsolada: "Aquela noite seria a última em que estaríamos  juntos. Fomos ao teatro e depois cear nos Restauradores, num sítio de que gostamos muito. Ele estava feliz. Sabes o que eu te digo? A vida não vale menos nada"...

O Tony entrou para o nosso blogue em 27/1/2011, e apresentou-se nestes termos (**):

(...) Alferes Miliciano António Henrique Teixeira;
Nascido a 21 de Junho de 1948;
Residente em Espinho;
Actualmente reformado do Ensino Secundário;
Licenciado em Educação Física e Desporto, fui professor desde Dezembro de 1973 até Agosto de 2006." (...)


Fotógrafo de Bedanda, tem mais de 40 referências no nosso blogue. Cabe-lhe sobretudo o grande mérito de, a partir dessa data em que se sentou sob o poilão da Tabanca Grande, começar a juntar a "família bedandense", dispersa de norte a sul do país. 

Infelizmente eu nunca pude aceitar o seu convite para estar presente nos primeiros encontros, na Mealhada. Fui ao terceiro, em Peniche, mas dessa vez foi ele que não pôde comparecer por razões de saúde (**). Fico com essa mágoa, a de nunca mais o ter visto e abraçado depois do nossas miniférias de verão, na Lourinhã, em agosto de 2011.

Sobre o  êxito quer foram esses dois primeiros encontros, eu escrevi na altura o seguinte: (...) O êxito do 2º encontro dos nossos camaradas bedandenses deve-se a dois pares de razões… Por um lado, às qualidades de comandante do António Teixeira (Tony, para os amigos), à sua capacidade de liderança motivacional e de organização, qualidades que eu topei logo quando o conheci, o verão passado, na Lourinhã, por intermédio de um amigo comum, o Pinto Carvalho, o mais lourinhanense dos cadavelenses que eu conheço…

O segundo par de razões, apresentou-as o próprio organizador, no início do seu relatório de mais esta operação “saudade”, levada a bom termo… Tem a ver a com o “bom irã” de Bedanda, essa terra mágica: (,,,) “muitos dos presentes neste encontro não se conheciam, visto terem pisado naquele chão em alturas muito diferentes. Mas aquele chão, aquela terra, é mágica, e exerce sobre nós um poder fantástico, poder esse que nos move e nos transcende. Assim, e já depois do grande êxito que foi o nosso primeiro encontro, este ultrapassou todas as expectativas, conseguindo juntar 48 convivas, que por lá passaram entre 1963 e 1974. E nem o dia cinzento, com uma chuva miudinha à mistura, arrefeceu o nosso entusiasmo. Logo ao primeiro abraço era como se sempre nos tivéssemos conhecido”. (…)
Tony, vais ficar aqui, junto dos nossos corações. Não te vamos esquecer, prometo!  E o Joaquim Pinto Carvalho vai tomar o teu lugar, sob o poilão da nossa Tabanca Grande. Descansa em paz, meu "onça negra"! (LG)

Guiné 63/74 - P12339: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (2): Foto nº 2: Parte colonial da cidade



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 2 > Parte colonial da cidade.

Foto do álbum do Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; arquitecto, Porto; foto a seguir à esquerda]

Fotos (e legendas): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.


FOTO 2 > Parte colonial da cidade.

1 – Restaurante Transmontana.

2 – Café das libanesas.

3 – Sede do Batalhão.

4 – Abrigo de um morteiro.

5 – Avenida principal.

6 – Talvez a melhor casa comercial de Bafatá.

7 – A casa do Sr. Camilo, empresário, o tal que costumava oferecer uns lautos jantares a todos os oficiais e onde eu nunca fui…

8 – Moradia de libanesas.

9 – Oficina auto do Sr. Humberto, meu senhorio.

10 – Caminho para a Tabanca da Ponte Nova.

11 – Rio Geba.

12 – Estátua do 1º Ten. da Armada, João Oliveira Muzanty, que foi governador da Guiné de 1906 a 1909.

13 – O edifício do cinema em construção.

14 – O Mercado.

15 – Grupo escolar em construção.

__________

Guiné 63/74 - P12338: Notas de leitura (538): Atlas da Lusofonia - Guiné-Bissau, editado pelo Instituto Português da Conjuntura Estratégica e do Instituto Geográfico do Exército (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2013:

Queridos amigos,
É pena falarmos deste empreendimento no passado quando se trata de uma iniciativa suficientemente meritória para ter sido alvo de sucessivas reactualizações. Este Atlas foi concebido como documento de apresentação da realidade guineense para cooperantes e curiosos. O general Pedro Cardoso, exímio conhecedor da realidade lusófona, dirigiu o projeto e foi bem-sucedido. Temos aqui dados elementares da passagem da Guiné de Cabo-Verde à Guiné-Bissau, a realidade guineense aparece bem documentada e a maior originalidade é constituída pela exposição etnográfica. Trata-se de um projeto que devia ser repensado para diferentes públicos, tal a sua utilidade como ferramenta de trabalho.

Um abraço do
Mário


Atlas da Lusofonia – Guiné-Bissau

Beja Santos

O “Atlas da Lusofonia, Guiné-Bissau”, da responsabilidade do Instituto Português da Conjuntura Estratégica e do Instituto Geográfico do Exército, dirigido pelo general Pedro Cardoso, e editado em 2001, decorre, como se diz na introdução, dos conhecimentos acumulados ao longo de séculos e dos estudos mais recentes levados a efeito pelo Instituto de Investigação Científica e Tropical, entre outros. Muitos destes conhecimentos foram no passado aproveitados por comandantes-chefes e governadores e pelos Quartéis-Generais e comandos dos três ramos das forças armadas dos três teatros de operações, entre 1961 e 1974. Este atlas pode ser encarado como uma ferramenta de investigação e de sustentação de conhecimentos para quem, na Guiné-Bissau, possa ser chamado a ações quer de cooperação, quer humanitárias, quer de participação no processo de decisão ou, como mero leigo, sinta a necessidade de conhecer melhor a realidade nas suas dimensões antropológica, histórica, religiosa, etnológica e etnográfica.

Neste atlas, o leitor dispõe de informação sobre os dados fundamentais da colonização, o processo de resistência à soberania portuguesa, nomeadamente nos anos 1950 e 1960 e uma súmula dos eventos que levaram à proclamação da independência e depois à independência de facto. A realidade guineense pós-independência aparece caracterizada em termos demográficos e económicos. Onde o atlas é indiscutivelmente interessante é no capítulo dos grupos étnicos, que aparecem descritos com uma enorme originalidade e numa comunicação muito apelativa. Como se exemplifica.

Falando dos Balantas, são apresentados como o grupo étnico mais numeroso, predominando em Mansoa, Bissorã, Binar, Fulacunda, Tite, S. João, Buba, Xime, Badora e João Landim. Possuem uma estrutura social horizontal, basicamente igualitária. A forte estratificação etária na sociedade balanta, patriarcal, é definidora das funções sociais a desempenhar. E o texto explica quem é quem. Na sociedade Balanta tradicional, o maioral da tabanca é um exímio lavrador, potencial detentor de gado, maior produtor agrícola e também chefe da família mais numerosa do clã. Na sociedade tradicional Balanta, a terra é um bem comunitário da tabanca, distribuída apenas de acordo com as necessidades específicas de cada família ou indivíduo, sendo, no entanto, as alfaias de propriedade privada. Os balantas dificilmente aceitam a morte como um fenómeno natural, pressupondo sempre a atuação de um feiticeiro possuído do espírito do Mal.

Quanto aos Manjacos, trata-se de uma sociedade estratificada em quatro classes sociais – nobres, guerreiros, agricultores e mestres e funcionários, possuem um sistema de governo baseado na autoridade do régulo, eleito pelos sacerdotes ou pelos nobres. Antes da presença e influência portuguesa, a estrutura política dos Manjacos organizava-se em três níveis: central, regional e local. No centro estava o régulo de Bassarel. Os Manjacos islamizados obedecem ao régulo de Pelundo. O régulo de Canchungo, Fernando Baticã Ferreira, era tido como uma personalidade de grande prestígio. A influência destes dois régulos é extensível a toda a diáspora manjaca. O régulo usa como símbolo de poder uma vassoura e um chocalho em ferro. A família é do tipo patriarcal com casamento por compensação e residência virilocal. A mulher ocupa uma posição secundária no lar, embora a primeira mulher usufrua de melhores regalias. A religião da grande maioria dos Manjacos é tradicional africana, e os seus Irãs são dos mais afamados do território. Os mais importantes parecem estar em Calequisse, Bassarel e Catió. Nos Manjacos podemos encontrar Irãs individuais, familiares e coletivos. Os Manjacos são um povo que por tradição emigra periodicamente para Norte, rumo ao Senegal.

Temos depois os Papéis, cujo chão tradicional é o da ilha de Bissau, encontravam-se divididos em sete clãs distintos. Constituíram sempre uma sociedade altamente hierarquizada, estando no vértice da pirâmide os régulos, os nobres e os jambacosses, com uma organização política devidamente estruturada. A família de estrutura patriarcal prolonga-se no clã. O chefe do clã é sempre uma mulher. O casamento só se pode concretizar entre elementos de clãs distintos, sendo o estatuto do filho dado pela mãe. De igual forma, a geração determina-se por via uterina, bem como a herança de todos os tipos de bens. Na ilha de Bissau, entre Brá e Bôr, existe um local conhecido por Enterramento, onde estão enterradas figuras destacadas da história guineense. Aquando das cerimónias fúnebres dessas personalidades eram aí feitos sacrifícios aos seus súbitos. A adoração por ídolos é independente da condição social, sendo um vulgar feixe de paus untados com sangue de animais, com penas de galo atadas na parte superior, ou então espetadas junto à base, a representação mais habitual.

Como é evidente, a descrição destes grupos éticos inclui outros representativos como os Felupes, os Bijagós, os Mandingas, os Fulas, os Beafadas e os Nalu. Os povos da Guiné-Bissau podem dividir-se em povos do interior e povos do litoral, os primeiros são predominantemente islâmicos, os segundos predominantemente de religião tradicional. As religiões tradicionais na Guiné-Bissau, embora com diferenças consoante os grupos étnicos e lugares, apresentam um certo número de características comuns. A noção de um Deus único, supremo e criador, é quase generalizada, entre os Balantas, Manjacos e Papéis. Na Guiné-Bissau, o Irã é o intermediário entre os homens e Deus. O Irã varia de tribo para tribo: orienta, dirige, regula e pune os atos de cada um dos seus descendentes, está presente em quase todas as atividades como o nascimento, o fanado, a justiça, o casamento, a sementeira. O nativo guineense, para se proteger da perda ou diminuição da força vital, recorre ao culto do Irã dos antepassados, culto que faz da sociedade indígena uma comunidade de vivos e mortos. O atlas apresenta as comunidades muçulmanas, a propagação do islamismo na Guiné, detendo-se na Fulanização, Mandinguização e Sossização. Tem muito interesse o que se escreve sobre as linhas de articulação dos dignatários islâmicos. De Marrocos ao Golfo da Guiné as linhagens preponderantes são de natureza xerifina, assiste-se à transição do tecido afro-árabe para o afro-negro. No caso particular da Guiné-Bissau as articulações dos povos muçulmanos não obedecem a esquemas rígidos, há uma certa fluidez de mecanismos. Segundo o atlas, em junho de 1972 as linhas de articulação eram: quanto à confraria Qadiriya, em Jabicunda, o dignatário exercia influência de tipo polarizante em todo o território, na área de Bafatá, e externa, na Gâmbia e no Senegal; no tocante à confraria Tidjanya, os dignatários islâmicos mais proeminentes eram os de Quebo, Ingoré e Cambor. O dignatário de Quebo (ao tempo Aldeia Formosa), articulava sem consulta a Tivaouane, a NE de Dakar. Exercia influência religiosa interna do tipo polarizante em todo o território. Em Ingoré, o Xerife pertencia a uma família originária de Marrocos, apresentava-se com uma ambivalência confraternal, pois era dirigente tanto da confraria Qadiriya como da Tidjanya. Por fim, o dignatário de Cambor, foi iniciado na confraria Tidjanya, no Senegal, a quem consultava.

O atlas inclui bibliografia e um CD-ROM que contém a versão interativa de toda a matéria abordada. É um documento ricamente ilustrado e não se compreende porque nunca mais foi reatualizado.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12334: Notas de leitura (537): A participação da CART 3494 na Acção Garlopa (Sousa de Castro)

domingo, 24 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12337: O nosso livro de visitas (169): Imaginem quem eu encontrei no hipermercado, em Portimão ?... O nosso sargento José Martins Rosado Piça! (Tony Levezinho, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)



Portimão, 21 de novembro de 2013 > O reencontro de dois bons velhos amigos e camaradas da CCAÇ 12: o ex-2º srgt inf José Martins Rosado Piça (Évora) e o Tony Levezinho, ex-fur mil at inf (Sagres, Vila do Bispo)

Foto: © António Lezevinho (2013). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Tony Levezinho, com data de 21 do corrente:

Assunto - Uma muito grata surpresa 

Olá,  Amigos [Luís e Humberto]:

Olhem só quem eu encontrei, há um par de horas, no Continente, em Portimão!

É verdade, o nosso Amigo Piça,  nos seus bem conservados 80 anos, sempre com a boa disposição que lhe reconhecemos.

Por que ele me pediu, dei-lhe os vossos números de telefone. Ele tem um apartamento em Portimão, onde passa algum tempo e, assim, ficou agendada uma visita aqui a Sagres, para breve.

Um abraço para vocês.
Tony Levezinho

2. Comentário de L.G., a partir de resposta enviada no mesmo dia ao Tony:


(i) Ganda Tony!... Muito me contas. Pensei que esse gajo já tinha batido a bota (, cruzes, canhoto!)...Andou estes anos todos sem dar sinal de vida. Ora isso não se faz aos amigalhaços como tu, eu, o Humberto e muitos mais para quem ele foi o mais miliciano dos chicos que a gente conheceu na Guiné!  Com 15 anos de diferença, ele era o nosso mano mais velho... 

Afinal, esse alentejano de boa cepa ainda está aí para as curvas com um ar de fazer inveja a muitos de nós... Manda-me o telefone dele. Quando chegar a Lisboa, ligo-lhe. Só o voltei a ver uma vez, depois do nosso regresso da Guiné... E acho que foi através de ti, em Lisboa...

Amigalhaços!... Ou melhor, amigos para sempre, jurámos nós, à despedia, no Uíge, de regresso a casa.... Ficámos com os endereços uns dos outros... De Évora, eram dois, o Piça e o Branquinho. Confesso, e penitencio-me: fui a Évora, em lazer ou trabalho, uma boa dúzia de vezes, nestes últimos 40 anos... e nunca os procurei...



N/M Uíge > 17 de março de 1971 > Dois dos nomes e moradas que ficaram escritos nas costas da ementa do jantar desse dia, que foi o primeiro da viagem de  regresso a casa, com paragem de umas horas no Funchal... Dois eram alentejanos de Évora... O Branquinho nunca mais o vi. O José Martins Rosado Piça, o ganda Piça, para os amigos, esse, voltei a encontrá-lo uma  vez em Lisboa... Ele continua a morar em Évora, mas agora na Rua Florbela Espanca...

Foto: © António Levezinho (2006). Tpdos os direitos reservados


Amigos para sempre

17 Março de 1971 :
Dia da partida de Bissau para Lisboa.
Regressávamos da guerra,
uns com a morte na alma 
e todos com mazelas no corpo,
num navio da nossa gloriosa marinha mercante, o Uíge.
E jurámos ser amigos para sempre...
Lembras-te, Tony ?
Foste tu que me mandaste fotocópia da ementa do jantar desse dia...
Como se a vida continuasse a correr como dantes,
como se pudéssemos retomar as nossas vidas do passado, 
nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, 
no jantar desse dia,
na classe turística, reservada aos sargentos,
uma sopa de creme de marisco,
seguida de um prato de peixe, Pescada à baiana,
e um de carne, Lombo Estufado à Boulanger...
sem esquecer a sobremesa:
a bela fruta da época,
o bom café colonial,
o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho,
antes de mais uma noitada de lerpa ou de king...
Já, em tempos agradeci ao Humberto Reis
e à sua proverbial memória de elefante
por me lembrar, por nos lembrar,
que o 17 de Março de 1971
foi, afinal, o primeiro dia do resto das nossas vidas...


Ainda hoje o recordo, com amizade e ternura, o nosso sargento Piça...Em vésperas de saídas para o mato, em noites de muita insónia e muito álcool, o nosso amigo e camarada, a exercer funções de primeiro sargento da Companhia, Piça, de seu apelido de família,  o alentejano mais castiço e quiçá sarcástico que eu conheci na tropa,  natural de Aldeias de Montoito, Évora, gostava de manter-nos, a nós, operacionais, com o moral em maré alta, fazendo questão de relembrar os feitos dos nossos maiores em tom brincalhão, jocoso,  mas nunca ofensivo:

Portugueses, punheta!,
Quando rebentou a República, caralho!,
Foram homens de colhões,
C... da mãe!


Da nossa parte, éramos uns sádicos!... Pregámos-lhe uma partida, antes do fim da comissão: obrigámo-lo a ir connosco numa operação, com os periquitos (que nos vinham render), lá para os lado do Poindom, no Xime. Sabíamos que ía haver "fogo de artifício"... E não queríamos que ele voltasse, connosco, de regresso a casa, sem o competente "batismo de fogo",  averbado na caderneta militar... Devo dizer que ele se portou galhardamente, como um verdadeiro bravo da CCAÇ 12!... Teria já os seus 38 anos, tal como o capitão... 

Tratou-se de um patrulhamento ofensivo a dois grupos de combate, enquadrando os novos graduados (exceto oficiais), realizada em 28/2/1971, sob o nome de código Op Rato Traquinas. Depois de 15 de minutos debaixo de fogo, as NT (60 "gatos pingados") chegam à Ponta do Inglês. onde não encntraram vestígios nem do IN nem de população.... Três meses antes, em 26 de novembro de 1970, as NT (a 8 grupos de combate) tinham sofrido uma violentíssima emboscada na antiga estrada Xime-Ponta do Inglês (Op Abencerragem Candente). A Ponta do Inglês tornou-se um mito.

(ii) Bem, meu velho, por estes dias, estou na ilha de Luanda... Estou a dar uma formação a futuros médicos do trabalho... São cerca de 30 médicos... Mas uma boa meia dúzia são gente ligada aos petróleos (como tu o foste, na Petrogal)...

Já cá vim, a Luanda,  uma meia dúzia de vezes, desde 2003... Desta vez, encontrei um "neto" nosso, da CCAÇ 12, o António Duarte, de 1973/74... Viemos no mesmo avião. Volto sábado, na véspera dos teus anos... Já temos o postezinho de parabéns alinhavado, que o meu coeditor Carlos Vinhal nunca se esquece de ti... Quanto ao nosso Humberto, agora vejo-o mais vezes, lá para as bandas da minha terra...

Um xicoração fraterno...

Luís

PS - Descobri que ele tem uma página no Facebook. Clicar aqui.
_____________

Guiné 63/74 - P12336: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (3): 1966, ano da construção do primeiro restaurante do K3

1. Em mensagem do dia 17 de Novembro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Fragmentos de Memórias, este dedicado às artes da construção civil, mais propriamente à militar, e afins.


FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS

3 - K3, 21 Fevereiro 1966 - Projecto para o primeiro restaurante local

Nessa tarde, fui empossado num novo cargo sem remuneração, para quando estivesse com algum tempo disponível, ou seja, "começas amanhã".

Chamado havia sido ao resort dos Senhores Oficiais e como era o dia dos meus 24 anos, pensei que me preparavam uma festinha comemorativa e que triste fiquei porque afinal nenhum se havia lembrado do facto, ao contrário dos meus amigos da Secção de Morteiros 60, com quem partilhei o figadal almoço, tendo ainda estado presentes mais alguns camaradas disponíveis.

Impunham-me sim, mais sob-humanas tarefas, mas compreendi, após os factos explanados, que de facto não haveria mais ninguém com as superiores e sábias condições para o fazer. E assim, fui incumbido pelo Sr. Capitão Cmdt da Companhia, de ser o desenhador-arquitecto-engenheiro, para construir as instalações onde acabaram por ser o restaurante do K3 e anexos, ou melhor dizendo, a cozinha e os lavatórios panelaeiral e marmital.

Que seja... se tem de ser... vamos nessa... amo desafios propostos à minha sobre dotada inteligência.
E porquê eu? Devido ao facto de saber o que era um tijolo? O cimento? A areia e até as pedras? (mas com essas não poderia contar porque ali em Saliquinhedim não havia uma sequer que fosse.)

Dispus-me e elaborei um majestoso plano qu'até me admirou a mim próprio. Para numa mais eficiente, rápida e assaz sei lá o quê, ousei suplantar as técnicas em vigor, decidindo começar pelo telhado em vez de pelas paredes que o aguentariam e dado que se aproximava a época das chuvas, estaríamos pelo menos abrigados. Mas então... disse o arquitecto vaidoso, que gostaria de ser, para o engenheiro cheio de cagança, que nunca serei:
- É pá, começa pelos caboucos e pranta lá os alicerces.

Pensei... pensei... pensei, o que me fez uma bruta dor de cabeça, mas apenas para não criar complicações com estes dois estúpidos do caraças e vendo que até era capaz de resultar, dei razão ao primeiro e assim melhor ficou a minha reputação na resolução de conflitos.
Criei então, uma equipa de malta que não pudesse discutir as minhas ideias, ou seja... aboli à partida todos aqueles que percebessem da arte de pedreiro, pois gosto pouco de ser criticado e sabia que qualquer obra prima, mesmo bela e útil, tem sempre detractores.

A coisa lá se foi fazendo, fio de prumo também não tínhamos, íamos resolvendo a olho nu, e por isso é que as paredes do edifício surgiram sem simetria, qu'é assim como dizer, que deveriam estar direitas de baixo para cima e nunca ao contrário. Ficaram mais ou menos, mas sólidas...
Depois disso, deram-me então razão na questão do telhado só que e porque deveria ser instalado lá no alto, estava ali uma carga extra de trabalhos, mas fez-se com cibes. Mandei também fazer duas portas, uma para a entrada e outra para a saída e vice versa e mais quatro janelas, duas maiores viradas para a mata para fazer ciúmes aos inimigos e as outras duas não.
In's que sabíamos nos estariam a bispar cheios de fome, coitados. Numa dessas, a primeira a seguir à porta de saída, desenhei-a propositadamente a fim de despejar todos os despojos sobrantes, que alimentariam os mais que centos de jagudis que por ali andavam.


K3 (Saliquinhedim) - Veríssimo Ferreira e as suas construções
Fotos: © Veríssimo Ferreira. Direitos reservados.

Instalações modulares do aquartelamento do K3
Foto: © Carlos Silva (2008). Direitos reservados.

Considerando que os "marmelos" iam tiroteiando de noite, o que fizéramos de dia, tive uma excelente ideia, própria do génio que sou ainda hoje, (marado completamente) e que passo a contar.
Tínhamos na Companhia, um soldado da secretaria, que houvera sido pintor de adereços e de cenários para revistas do Parque Mayer. Com ele falei, adorou a minha extravagante ideia, aderiu e comprados que foram sacos e sacos de pano, ele foi pintando e à noite "pendurávamos-ius" num local visível da mata.
Na verdade até parecia que ali estava um belo e espaventoso edifício. Primeiro nada aconteceu, mas depois lá mandaram fogaracha que se desunharam e deixaram esburacados os paninhos pintados com tanto carinho.

Nós no dia seguinte, voltámos lá a colocar outros mas agora com novas cores ainda mais vistosas mas pintadas já em oleados. E eles, pimba, catapultavam. Quando perceberam que não conseguiam vencer-nos desistiram sem nunca terem percebido, como era possível construir tão bem e depressa.
Porém, não sem que antes e tendo nós detectado em que local se posicionavam, lhe não tenhamos deixado de enviar umas morteiradas 60 que decerto lhes acertaram porque as marcas ficaram lá bem visíveis. Mas o abandono daquelas malévolas tentativas de destruição só acabaram quando postámos do lado de Buro, um desenho bem real que até parecia estar mesmo ali um tanque de guerra, e do lado do Olossato, um contratorpedeiro cheio de canhões cinzentos e qu'até o próprio vento fazia com que parecesse que estavam a mover-se na direcção dos ceguetas.

Tal como diz o ditado: "Um bom estratega é com panos e bolos que engana os tolos"

(continuará ? sim... se tiver pelo menos 5 comentários)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 17 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12309: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (2): O meu amigo felupe, o 44

Guiné 63/74 - P12335: Parabéns a você (655): Abel Santos, ex-Soldado Atirador da CART 1742 (Guiné, 1967/69) e António Levezinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12329: Parabéns a você (654): José Romeiro Saúde, ex-Fur Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

sábado, 23 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12334: Notas de leitura (537): A participação da CART 3494 na Acção Garlopa (Sousa de Castro)

1. Mensagem do nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), de 8 de Outubro de 2013:

Caros camaradas
Depois de ler o poste Guiné 63/74 - P12128: Notas de leitura (524): Reportagem do enviado especial do Diário de Lisboa, Avelino Rodrigues, CTIG, agosto de 1972 (Mário Beja Santos) leva-me a concluir que tem a ver com a actividade da CART 3494 em Julho de 1972, Operação Garlopa, conforme pág. 75 da História do BART 3873 que anexo, assim como a "Actividade da CART 3494 do BART 3873 no Teatro de Operações da Guiné (4)".

Sousa de Castro









____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12326: Notas de leitura (536): "Maré Branca em Bulínia", por Manuel da Costa (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12333: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (11): A decapitação do Comando

1. Mensagem do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70), com data de 6 de Setembro de 2013:

Amigo e Camarada Carlos Vinhal.
Patrão fora trabalhos dobrados.
Deixa-o lá, não lhe ligues às provocações que escreve nas finas areias da Ilha de Luanda, que lhe há de perdoar a Nossa Senhora do Cabo por isso, e entrega-te de alma e coração (um pouco de graxa não faz mal a ninguém) a este meu 11º capitulo da saga "Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista", que te faço chegar em anexo.

Um abraço a ti e a todos os camaradas, incluindo o tal, o outro, se é que o "acesso à rede sem fios" ainda lhe permite ler o que vamos escrevendo por cá.
Armando Pires


FURRIEL ENFERMEIRO, RIBATEJANO E FADISTA

11- A decapitação do comando

Aquelas primeiras horas em Bissorã não foram fáceis.
Desde logo, como já escrevi, o não me sentir dentro de um quartel.
Era assim a modos como que um exército que tivesse ocupado uma cidade e “vamos lá instalar-nos”.

Não quero com isto dizer que fossem más aquelas acomodações. Antes pelo contrário. Mas num quartel está ali tudo próximo, estamos ali todos juntos, tipo ó militar chegue aqui, e em Bissorã não, era mais ó furriel dê um salto à enfermaria e lá ia eu, no jeep, rua acima. E depois, o que também me fez confusão, abrigos "cá tem".

Então, e se houver um ataque? “Pois, não sabemos, ainda não aconteceu. Temos andado a perguntar aos velhadas que se riem, apontam para umas casas particulares e dizem, olha ali aquele tem um abrigo no quintal, vê se te fazes amigo do gajo, mas quando a gente lhes pergunta, e nós, dizem-te que experimentes debaixo da cama, pode ser que o colchão aguente”.

Confesso que não achei graça à narrativa mas os seis meses que já levava de Guiné eram suficientes para encarar aquilo com um logo se vê.
Em qualquer dos casos não deixava de me interrogar:
- Por que raio viemos nós aqui parar?

A interrogação ganhava cada vez mais sentido, não tanto pelo que via mas mais pelo que sentia no ar, sobretudo pelas diferenças, que raios me partam se eu não notava nas caras e na voz dos homens de galões com quem era hábito eu falar.
 - Ó alferes, afinal o que se passa aqui?

O alferes era o João Vinagre, do Reconhecimento e Informações, ribatejano como eu mas de Coruche, homem abençoado pelas águas do Sorraia, de voz modulada pela tão próxima planície alentejana, e confiável. Um homem confiável.

E à pergunta que lhe fiz o João Vinagre contou-me que em Julho (1969) o General Spinola estivera em Bula numa visita de inspecção ao sector e não gostara nada do que vira. A primeira parte era do meu conhecimento porque eu estava em Bula quando a visita ocorreu. O resultado é que estava a ser, para mim, uma novidade.

Abro aqui um parêntesis para albergar o longo salto que dei no tempo, e contar que na consulta que fiz à história do meu Batalhão, disponível no Arquivo Militar, li o relatório elaborado pela equipa de oficiais superiores que acompanhou Spinola na tal visita a Bula, e o mínimo que posso dizer é que ele, o relatório, onde se falava de ineficácia operacional e incapacidade para localizar nos mapas as áreas de influência do IN, era arrasador para o comando do batalhão, fechando eu com isto o parêntesis que abri.

Portanto, regresso ao ano de 69, mês de Julho, recordando que por aquela altura tiveram inicio os trabalhos de construção da estratégica estrada de S. Vicente. A capinagem levava grande avanço e não tardaria a entrada em acção dos homens da Engenharia.

Bula - 1969 – Abertura e capinagem da estrada de S. Vicente

Não sei, e isto sou eu a congeminar face ao li, se Spinola já tinha ou não em mente colocar em Bula pessoal da sua confiança. É sabido da estima e apreço que o General tinha pela generalidade das tropas, mas também se sabe, e ele nunca o escondeu, da sua preferência pelas botas de montar com esporas.

O certo é que em Agosto, estava eu de férias em Portugal, entrou pela porta de armas do quartel de Bula o BCAV 2868, e pela mesma porta saiu o BCAÇ 2861, com destino a Bissorã.
- Ó Alferes, e onde pára o major Candeias? – perguntei eu ao Vinagre.
- Nem veio connosco. Fez as malas e dois dias depois foi logo para Bissau.
- Então, e quem é o novo major de operações.
- É o capitão Alcino. Está na calha para ser promovido a major e até já está a exercer as funções
- E o nosso comandante?
- Por enquanto está por cá, mas a situação dele está muito difícil.

************

- Furriel Pires, o doutor pede para lá ir acima, à casa dos oficiais.
- O que é que se passa?
- Não sei, saiu do posto de enfermagem, entrou no jeep e pediu-me para o vir chamar.

O recado assim trazido pelo Machado, o meu 1º cabo auxiliar de enfermagem, não augurava nada de bom. Ainda por cima porque a cara dele não deixava transparecer coisa alguma e eu gabava-me de lhe ler na cara como num livro aberto.

Da minha casa à dos oficiais eram dois passos. Subi as escadas que levavam ao primeiro andar, pedi licença e entrei na grande sala de estar onde apenas vi o nosso comandante de batalhão, o Ten Cor César Cardoso da Silva, e o meu médico, o alferes miliciano José Manuel Oliveira.
- Ó Pires, trata da papelada porque o nosso comandante tem de ir para o hospital em Bissau.
- Então doutor, posso saber o que tem o nosso comandante?
- Ó pá, aquelas cólicas renais que o nosso comandante tem tido agravaram-se, deve haver aqui pedras a soltarem-se do rim, e eu acho melhor o comandante ir já para o hospital.
- E a medicação, doutor, é preciso fazer alguma coisa?
- Não pá, isso eu já fiz.

Pedi licença para me retirar, dei meia volta, subi a rua em direcção ao posto de enfermagem, sentei-me à secretária a preencher o relatório de evacuação, e enquanto escrevia quis saber do Machado uma coisa que me estava ali a bailar dentro da cabeça.
- Ó Machado, o nosso comandante levou algum Buscopan?
- Que eu lhe desse, não.

Na manhã seguinte, um DO levou o comandante para Bissau.
A notícia correu o quartel e causou sobressaltos.
O Ten Cor César Cardoso da Silva era um homem por quem todos os militares tinham enorme estima. E respeito. E consideração.
Não sei, nem quero, mesmo todos estes anos passados, fazer uma avaliação da sua aptidão militar.
Interessa-me apenas dizer que era um homem de grande nobreza, de trato elegante, a quem nunca ninguém ouviu erguer a voz, de quem nunca ninguém sentiu o peso do RDM.

Nem mesmo naquela noite, ainda em Bula, quando ao passar ronda encontrei a dormir, a sono solto, os dois homens que estavam de serviço no posto de vigilância da sua casa, que até ficava fora do quartel. “Ora vamos lá engatar estes marmelos” – pensei eu.

Primeiro levei-lhes as armas e depois acordei-os. Foi até ao alvorecer sempre a atormentá-los. Entreguei-lhes as armas “e vão com sorte”, adverti-os. O pior é que história voou mais rápido que os mosquitos, chegou aos ouvidos do comandante que me chamou e disse:
- Não acha que já é sofrimento suficiente o estar aqui? Não tem outra forma de chamar a atenção dos seus homens?

Ou ainda daquela vez, lá em Chaves, quando formávamos batalhão, numa bravata com os furriéis que partilhavam quarto comigo, lá na Rua do Poço, decidi, vestido com pijama e chinelos de quarto nos pés, roupão por cima com lenço de cachené, traçado à fadista, a adornar o pescoço, ir tomar chá com torradas ao café Aurora, ponto de encontro das elites flavienses, logo também dos senhores oficiais, entre os quais se encontrava o nosso comandante, que “evitou” ver-me, mas que no quartel me chamou pela manhã cedinho ao seu gabinete.
- Ouve lá, filho, tu andas bem da cabeça?
- Meu comandante…
- Tu não sabes que aquele é o café que eu frequento?
- Sei…
- Então se sabes, tu tens muita graça vestido daquela maneira, mas para a próxima não vás ao Aurora. Podem pensar que tu estás a provocar o teu comandante e isso é muito feio.

Convivemos com o Ten Cor César Cardoso da Silva não mais que nove meses. Três em Chaves e Santa Margarida, a formar batalhão, e seis na Guiné. Mas foi sempre “o nosso” comandante. Que convidávamos para todos os encontros de confraternização da nossa companhia. Não esteve em todos, porque nem sempre a saúde lhe permiti, mas sobretudo porque recusava estar onde o General Spinola pudesse estar. Soubemo-lo quando em 1994 o convidámos para estar presente nas comemorações dos 25 anos da nossa partida para a Guiné. O Encontro teve lugar em Chaves e ocorreu no ainda Batalhão de Caçadores 10. Ali pernoitámos, ali almoçámos, e ali a data ficou gravada numa placa que “o nosso” comandante descerrou na Sala de Armas do quartel.

Em Maio de 2005, na Confraternização realizada em Viseu, recebemos e foi lida na abertura do encontro, uma carta que nos era dirigida pelo seu filho Raul Silva.

“É com infinita tristeza que participo a V. Exas. o falecimento do meu pai, ocorrido no passado dia 5 de Abril deste ano. Faço-o com a convicção de que muito lhe agradaria estar presente nesse convívio, revendo aqueles que o acompanharam nos que forem os tempos mais difíceis, porém inolvidáveis, da sua vida de militar…”

Seguiu-se um emocionado minuto de silêncio.

************

O Ten Cor César Cardoso da Silva depois de ter chegado ao HM 241, foi evacuado para Lisboa. Após ter tido alta hospitalar regressou à Guiné e foi colocado como juiz, ironia maior, no Tribunal Militar de Bissau, onde terminou a comissão.

Nunca falei com o doutor Oliveira, nem nunca me atreveria a falar, sobre a evacuação do nosso comandante. Mas não me sai da cabeça que aquela deve ter sido uma evacuação muito providencial.

Chaves, Fevereiro de 1994. Na Sala de Armas do BC 10, o Coronel César Cardoso da Silva a descerrar a placa comemorativa dos 25 anos da partida do BCAÇ 2861 para a Guiné.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12023: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (10): Alô Bissorã, cheguei!!!

Guiné 63/74 - P12332: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (8): Quando 'Nino' Veira foi preso pelas NT em Cubaque, em meados de 1961... e conseguiu depois fugir da prisão de Catió... (Factos que são confirmados pelo nosso camarada Amadu Bailo Djaló, no seu livro de memórias)


 Guiné > Região de Tombali > Mapa de Bedanda / Escala 1/50 mil > 1961 > Posição relativa de Cubaque onde o 'Nino' terá sido preso, em 1962...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013).


1. Eis mais  um documento do Arquivo Amílcar Cabral,  que merece ser transcrito, lido e divulgado... Trata-se de uma carta manuscrita, de 5 páginas, sem data... Pelos acontecimentos que relata deve ser, muito provavelmente, de meados de 1961, sendo anterior portanto ao início (oficial ou oficioso) da guerra colonial (23 de janeiro de 1963, segundos alguns historiógrafos...)  quando um  tal João Bernardo Vieira, já conhecido por 'Nino',  mais tarde comandante da Frente Sul,  começou a fazer o seu trabalho de sapa, aliciando gente para o PAIGC, nomeadamente para a guerrilha,  na região de Bedanda.(*)

A carreira de 'Nino' Vieira poderia ter acabado aqui, em Catió, logo m 1961, se ele não tivesse fugido da prisão com a alegada cumplicidade de um cipaio e  de 3 camaradas que assaltaram de noite as instalações em que ele estava em prisão preventiva, às ordens do administrador de Catió. Imaginemos só que ele poderia ter ido parar à Ilha das Galinhas ou ao Tarrafal... Por exemplo, Rafael Barbosa é preso pela PIDE em fevereiro de 1962, depois de aliciar muitos jovens para o futuro PAIGC.

'Nino' Vieira conta aqui, entre outros, pormenores da sua prisão em Catió. É pena que a carta, como de costume, não tenah data. Traços de "transtorno da personalidade histriónica" parecem já revelar-se aqui,  nesta carta que não sabemos se era dirigida ao próprio líder máximo do PAIGC, Amílcar Cabral, se ao seu irmão, Luís Cabral...

2. Carta de  João Bernardo Vieira, 'Nino' [, futuro comandante da Frente Sul]  a Cabral, manuscrita, de cinco folhas, numeradas de 1 a 5:

Caro camarada Cabral

Paz, sossego e bem estar te desejo em companhia de todos aqueles e aquelas do nosso campo.

Quanto a mim, vou indo bem graças ao auxílio das massas populares. Comunico-te de que há dias fui preso pelas tropas coloniais em Cubaque, motivo por que sou denunciado por um empregado da Casa Gouveia em Catió e também pelo Momba, o tal chefe de I [lhéu] de Infanda. Este mandou o seu irmão saber da minha presença em Cubaque e foi informá-lo e ele por sua vez informou também ao administrador. O administrador mandou buscar as tropas em Cufar e estas vieram-me prender.

Esta altura calhou no momento em que estive [estava] desarmado e fui [ia] para tomar banho com o sr. Francisco Venâncio de Madeira, assim que acabei de fazer a instrução aos camaradas.

As tropas depois encercaram (sic) [cercaram] a casa deste senhor, até passaram-lhe a revista, mas não têm encontrado nada porque tinha deixado o meu saco para trás com um camarada. Depois perguntaram [a]o sipaio [cipaio] Adulai Duca se sou de Bedanda, e este disse que não me conhece. Mas depois levaram-me
2
«até junto do administrador e este depois preguntou-me [sic] donde sou, disse-lhe a mesma palavra que acabei de pronunciar dantes. Disse-lhe que acabei de chegar de Bissau, e vinha somente para visitar o meu tio em Bedanda.

Depois perguntou da “guia”, e disse-lhe que não a trouxe, porque tenho cartão de identidade, também pediu-me este e disse-lhe que deixei ficar em Bissau. Depois disse-me que tenho de pagar imposto, já que deixei ficar o bilhete de identidade e mandou-me fechar à [na] prisão. Tudo isto foi porque tenho muito desembaraçado (sic) [desembaraço] com eles, por isso não me têm amar[r]ado. Naquela altura tanto o furriel dos paraquedistas como o administrador e o seu secretário não tinham a certeza se de facto era eu quem andava por aí a fazer este serviço, porque viram-me a falar muito desembarassadamente [desembaraçadamente] com eles em todas as perguntas que têm feito, até que o administrador resolveu dizer o nome do imposto neste momento.

Mas logo à noite apareceu outra vez o tal Momba [a] dizer ao administra-
3
dor de que a pessoa que se encontra na prisão é a pessoa que tem indicado. Naquela altura o administrador ficou muito furioso até que mandou chamar o Adulai Duca, naquela noite, onde autorizou-o de levar-me muito cedo para poder fazer-me interrogações. O Adulai veio depois informar-me tudo à prisão naquela noite, até disse-me para não mudar de palavra, embora com maltratos e tudo mais.

E mesmo naquela noite apareceu [apareceram] estes bravos camaradas que é [são] Djá [?], Vanguena [?] e João de Pina que arrebentaram a prisão e soltaram-me. Agora o administrador está muito atrapalhado deste facto e espalhou os homens para todas as bandas em [à] minha procura. Mandei estes camaradas com Aliu porque 4 deles foram também denunciados deste acontecimento, por isso já não podem voltar a suas casas, e mais encontram-se todos desarmados.

Também aproveitei deles que é para levarem a canoa conforme a informação do portador. Agradecia depois mandar estes camaradas todos armados, que é para poder começar a fazer pequenas sabotagens. Também acabou de chegar há dias
4
em Catió o Jaime [James] Pinto Bull [, 1913-1970, deputado à Assembleia Nacional] (**) onde houve muita festa da [à] sua chegada.

Recebi com o Aliu a importância de 5 mil francos, um rádio marca National com as pilhas sobresselentes [, sobressalentes], medicamentos, plástico, duas camisas e mais este camarada José Domingos Gomes.

Agradecia mandar mais uma pessoa com mais experiência para ajudar-me, porque todos estes aqui trabalham bem, mas quem faz tudo sou eu e mais ninguém.

Porque quando mandei algum deles trabalhar para uma parte voltam sempre com as mesmas palavras de que toda aquela gente só quer para lá a minha presença. Portanto, embora que me encontro duma banda tenho que aparecer para lá organizá-los e tomar os seus nomes. Tudo isto é um grande atraso, por isso mandei pedir mais uma pessoa que saiba ler e escrever.

Junto envio a pistola do Tenguena [?] que tem partido o percutor no momento em que ensinava os camaradas mexer-se nela [sic]. Agradecia também mandar-se um relógio de pulso se há possibilidades, que é para poder saber a hora de abertura das estações [de rádio]. Também preciso
5
duma daquelas pistolas novas que há, para lá de 12 balas com a sua respectiva bolsa.

Também não é conveniente mandar estes camaradas desarmados, como acabou de chegar o José. E mais é melhor fazê-los regressar urgentemente junto de mim todos armados.

Manda-me estas pistolas de 12 balas para depois passar esta minha ao José.

Portanto termino na esperança de receber a sua resposta e mais todas as coisas necessárias que possa haver com estes camaradas.

Do camarada e companheiro de luta,

João Bernardo Vieira, ‘Nino’

[PS-] Junto vai o Iembará [?] Madjo e o seu companheiro porque foram chamados ao Tribunal Militar em Bissau. Por isso, depois disto chegar ao meu conhecimento, autorizei-lhes de fugir porque é a mesma questão do ano passado. Também agradecia arranjar capas para os camaradas que se encontram comigo e mais estes que ali foram. Cá dentro somos 5 pessoas, além desses que viram [virão] junto de mim. Agradecia também mandar-me 10 garrafas de óleo e mais esferográficas.

Fonte: (s.d.), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_37302 (2013-11-22)
[Transcrição, revisão e fixação de texto: L.G.] 

3. Excerto do livro do nosso camarada Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa: Associação de Comandos, 2010, pp. 30/31):

(...) "Quando eu estava em Catió, em Julho de 1961, toda a a gente falava de um tal Nino Vieira que tinha fugido da prisão da administração de Catió e que tinha sido ajudado por um cabo cipaio, o Adulai Duca Dajaló, casado  com uma irmã do João Bacar Djaló.

"Nessa altura encontrava-se em Catió um colega meu de Bissau, o Adulai  Djá, que enquanto fazia consultas tentava mobilizar pessoal para o PAIGC. Eram os tempos em que o PAIGC, ainda pouco conhecido, estava a começar a emitir um programa pela rádio Conacry.

"Uma tarde, convidado pelo Adulai Djá, fui ouvir a emissão a casa do cipaio. Depois voltámos muitas vezes, fechávamos a porta, para o João Bacar não saber, e ouvíamos o programa quase todo. Nessa altura, o Adulai Djá, estava a tentar aliciar-me e eu estive hesitante" (...)

4. Clicar aqui para ampliar a imagem: Casa Comum.

Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 04609.056.054

Assunto: Comunica que foi preso pelas tropas coloniais em Cubaque, depois de ter sido denunciado por um empregado da Casa Gouveia, em Catió, e por Momba, chefe de I. de Infanda, tendo sido liberto mais tarde por 3 camaradas. Informa da chegada de Jaime Pinto Bull a Catió. Solicita o envio de uma pessoa com experiência.

Remetente: João Bernardo Vieira

Destinatário: [Amílcar?] Cabral

Data: s.d.

Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1962 (interna).

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Correspondencia

Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

____________

Notas do editor:

(**) James Pinto Bull (193-1970): morreu, com outros deputados, num desastre de aviação durante uma visita à Guiné em 26/7/1970.

Guiné 63/74 - P12331: Blogoterapia (242): Quantas histórias, quanta mudança! Quanto esforço, escrevendo a história (Maria Helena / Vasco Pires)

Incrível túnel do tempo!!! 
Quantas histórias, quanta mudança!
Quanto esforço, escrevendo a história!
Parabéns a todos os participantes deste álbum!
M Helena


1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72) com data de 13 de Outubro de 2013: 

Caro Luis,
As palavras são de justiça, e agradecer não há que; não estou mitificando ninguém, a mim parece óbvio que a equipa que você lidera, presta relevante Serviço à nossa tão injustiçada geração.

Falando em justiça, não posso deixar de "confessar" a minha dívida pessoal, com duas pessoas, cada uma a seu modo, que me guiaram e incentivaram, nesses por vezes tão íngremes e tortuosos caminhos da memória; e só nós sabemos, que o "caminho da memória" dos veteranos de guerra, por vezes é ainda mais tortuoso que o do comum dos mortais.

A Maria Helena, minha companheira do pós-guerra, que é psicóloga clínica, foi quem me guiou com datas e factos que já estavam "jogados" no subconsciente, e me incentivou a essa catarse. E o Camarada Carlos Vinhal, quem me recebeu nesta GRANDE TABANCA, criou até o caminho para os FANTASMAS saírem, e sempre me incentivou a encaminhá-los para o papel.

As palavras, como disse acima, são de JUSTIÇA e GRATIDÃO.

Forte abraço a todos
Vasco Pires


2. Comentário do editor:

De vez em quando é necessário verificar o correio um pouco mais antigo pois por vezes acontecem lamentáveis esquecimentos.

Desta feita, esta mensagem do nosso camarada Vasco Pires, na diáspora em Terras de Santa Cruz, de 13 de Outubro passado, não estava esquecida, antes à espera de alguma coragem para ultrapassar um certo acanhamento, já que a mesma diz directamente respeito às nossas pessoas e ao trabalho que aqui vamos desenvolvendo com o maior prazer.

O título deste poste são palavras da psicóloga/companheira do nosso camarada Vasco Pires e são uma homenagem a toda a tertúlia deste Blogue e a todos os camaradas que utilizando os diversos meios ao dispor na internete, publicam memórias e fotos que ficarão a navegar como testemunho da geração de jovens portugueses dos anos 60 e 70 que participaram na Guerra do Ultramar, levada a cabo numa África de clima e terrenos hostis para qualquer europeu, na maioria das vezes em condições mínimas de sobrevivência, em abrigos precários e deficiente alimentação.

O álbum a que se refere a nossa amiga Maria Helena, é um dos muitos que se podem encontrar navegando no Google, neste caso, refere-se a esta pesquisa:

https://www.google.com.br/search?q=VASCO+PIRES+23%C2%B0+PEL+ART+GADAMAEL&espv=210&es_sm=93&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ei=prNaUpurAsquqAGNwIHIDQ&ved=0CAkQ_AUoAQ&biw=914&bih=594&dpr=1

Aqui fica o testemunho de inúmeros ex-combatentes. Aqui ficam retratados os mais variados instantâneos de uma guerra que não quisemos, mas fizemos.

CV
____________

Nota do editor

Último poste da série de 21 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12323: Blogoterapia (241): Somos todos privilegiados sobreviventes (Vasco Pires)

Guiné 63/74 - P12330: Bom ou mau tempo na bolanha (36): Quem se lembra do Soares da Messe dos Oficiais? (Tony Borié)

Trigésimo sexto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.




Vamos aparecendo, não é tão raro assim, o Combatente, continuou a ser combatente por este mundo além, para muitos de nós, andar na Guiné foi quase o começo de uma jornada que ninguém sabe onde e quando acabará.

Que o diga o Jorge, que há mais de 14 anos, todos os dias, às cinco horas da manhã, já tem quase completa a sua distribuição, em todas as caixas públicas da sua área, de um jornal que se publica na Flórida, em Daytona Beach, o “News-Journal”, e como isso não fosse o suficiente, como não chegasse o tempo que deu à sua Pátria quando serviu a Força Aérea de Portugal, mostra um álbum com fotos a preto e branco, com muito orgulho, continua a servir Portugal e os portugueses, que vivem nesta área, pois vendo a necessidade que havia de produtos importados no nosso Portugal, tem um mercado, aqui na Florida, onde vende aqueles produtos, com que fomos criados aí em Portugal, fazendo-nos lembrar os usos e costumes da nossas origens.

O Jorge é uma personagem bastante respeitada e popular na cidade onde vive, vêm pessoas de outras áreas comprar atum de conserva, azeitonas, vinho, peixe, tremoços, polvo, bacalhau, queijo, jornais e outros produtos com o emblema de Portugal. Também já viveu no norte, quando emigrou para para os USA, por volta de 1977, para Monte Vernon, New York, onde trabalhou numa fábrica industrial, sendo mais tarde proprietário de um restaurante na zona de “Martha’s Vineyard”, mas o sol do seu Algarve, donde é oriundo, falaram mais alto, e veio para a Florida em 1998.

Companheiros, estamos a falar do Jorge Manuel da Cruz Soares, que nasceu ano de 1948, em Faro, no Algarve e que como muitos de nós, no ano de 1968, tirou o treino de recruta durante 3 meses, (básico treino), na Ota, pertencendo à 3.ª Esquadrilha e 3.ª Secção, com o número 513/68, em seguida foi para Tancos, Base Aérea N.º 3, tirar o treino de escriturário, durante 4 meses. Terminado o treino, foi para a Base Aérea N.º 6, em Monte Real, onde ficou a aguardar embarque. Uma vez que quase todos os seus companheiros tinham sido mobilizados para o ultramar, excepto ele, certo dia perguntou ao comandante quando embarcava, respondendo este que “já andavam à sua procura há meses”. Finalmente, deixando aquela disciplina toda dos quartéis de Portugal, donde só se lembra de uma coisa boa, que era ida ao cinema da Escola Prática de Engenharia, que era só atravessar a pista de aviões, e custava 10 tostões o bilhete, lá foi metido num avião DC-6, no aeroporto da Portela, pois o de Figo Maduro ainda não estava operacional.



Veio para a província da Guiné, desembarcou em Bissalanca, sentiu o cheiro da terra vermelha, o calor intenso com alguma humidade, ficou todo picado dos mosquitos, tal como qualquer militar que chegava nessa altura, mas teve alguma sorte, pois encontrou um sargento amigo que o colocou no refeitório. Fazia o seu serviço com alguma disciplina, passado 3 meses o Tenente Lima, vendo nele um bom elemento para o serviço de restauração, levou-o para Bissau, para a messe dos oficiais, que era ao lado do Palácio do Governador, onde na altura estava instalado o General Spínola, que quase todas as noites lá ia comer. Era aí o local onde havia reuniões durante o jantar, e até esquematizavam operações, e diz o Jorge, que finda a refeição, iam para uma sala ao lado, onde havia o bar dos oficiais, fechavam a porta onde continuavam com a sua conversação, e claro, com todas aquelas bebidas à disposição.

Quando isto acontecia, toda esta “operação”, chamamos-lhe assim, da reserva de mesa e respectiva comida, era primeiro encomendada ao “Soares, da Messe dos Oficiais”, que preparava e guardava a mesa, com a comida, fazendo a respectiva lista com o nome dos militares para mandar para o Conselho Administrativo da Base, para os respectivos descontos.

O Jorge explica um pormenor bastante importante, que quer repartir com os nossos companheiros combatentes, com toda a certeza vão gostar de saber, pois dada a sua exposição ao ambiente, foi convidado pela então “PIDE”, a tal Polícia do Estado, para ingressar nessa agremiação, sendo a sua posição era muito apetecível, pois tinha contactos com personalidades de nome, e estava exposto e tinha convivência com todos.

Conclusão, eles, os da tal polícia, fiscalizavam todos, até o comandante supremo, não acreditando em ninguém.



Tinha que andar sempre fardado com rigor, deslocava-se à base em Bissalanca todos os dias, para adquirir os géneros que estavam nos frigoríficos, pois havia dois chefes de cozinha que tinham que ser atendidos de todos os géneros, desde carnes frias, aos vegetais, que muitas vezes ia comprar no mercado de Bissau. Sempre dizia que tinha um motorista particular e estava isento de todo o serviço, pois a Messe ocupava-lhe todo o tempo desde as seis da manhã até 10 horas da noite, e só depois ia para a borga.


Permaneceu 15 meses em Bissau, e claro durante este tempo ia visitando todos aqueles locais que eram conhecidos dos militares. Guarda recordações do Café Flamingo, que estava na moda, tinha uma vista para o cais, onde se juntavam muitos militares, lembra-se do mercado, de alguns passeios à beira do rio Geba, vendo chegar e partir os navios com militares e equipamentos, sabia quais as “bajudas” que por lá havia bonitas, e claro muitas e muitas vezes fugia mais os seus companheiros ao famoso bairro do Pilão, mas ia sempre com companhia.


Quando já sabia que ia regressar, adoeceu com o paludismo, indo para a enfermaria da Base durante 8 dias. Finalmente regressou a Portugal, num DC6, que já vinha de Angola com outros militares, e desta vez já desembarcou no aeroporto militar de Figo Maduro, regressando à Base Aérea de Monte Real, onde fez o espólio. Regressou à vida civil, ignorando o convite para ingressar na tal Polícia do Estado.

Lembra também que teve alguns amigos, daqueles que não se esquecem, como o Orlando Gomes Abreu, de Setúbal, na Base da Ota, e o Martins, oriundo de Cachadinhas, Amarante, que mais tarde emigrou para França. Também explica que o General Spínola fora do serviço militar, portanto como civil, era uma excelente pessoa e bastante conversador, mas como militar tinha muita disciplina. De uma vez viu o General a bater com o seu pingalim, dizendo palavras rudes a um marinheiro que tinha desertado para o lado do inimigo, e que foi capturado numa operação das forças Pára-quedistas, posteriormente recambiado para Portugal.

Quando se fala com o Jorge, ele não pára, anda sempre ocupado, por alguns momentos parece estar ainda na Guiné, onde trabalhava ao serviço dos militares de Portugal, desde as seis da manhã, até às dez da noite.

Tony Borie, 2013
____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12304: Bom ou mau tempo na bolanha (35): Morreu o Zé Pesca na Ilha do Como (Toni Borié)

Guiné 63/74 - P12329: Parabéns a você (654): José Romeiro Saúde, ex-Fur Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 19 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12312: Parabéns a você (653): Mário Miguéis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1970/72)

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12328: Blogpoesia (360): Porquê? Porque dizes tu, que és minha amiga? (António Eduardo Ferreira)

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 18 de Novembro de 2013:

Amigo Carlos,
Por vezes sinto necessidade de escrever aquilo a que eu costumo chamar estados d´alma, ainda que na maioria das vezes tenha o cesto dos papéis como destino.
Desta vez vou publicar no meu bloguezinho*, o que acontecerá nos próximos dias.
Se entenderes que merece a pena publicar no nosso blogue…

Recebe um abraço amigo, extensivo a todos, que continuam a manter o blogue bem vivo.
António Eduardo Ferreira


Porquê?

Porque dizes tu, que és minha amiga?
Se quando te peço que me vejas, apenas me olhas.
Se te peço que me escutes, apenas me ouves.
Se te peço que me fales, pensas sempre no que dizes, mas raramente dizes aquilo que pensas.
Nunca te pedi para que fosses minha amiga, muito menos, que dissesses que o eras.
Eu sei que nesse tempo, junto a mim o Sol aquecia mais; talvez por isso, te tenhas aproximado, sem que alguma vez eu tenha reparado que procuraste a sombra.
Mas o tempo mudou, as nuvens chegaram e o sol encobriu.
Foi então que olhei em meu redor, e já estava só.
Aí, eu senti que os nossos amigos raramente são os que o dizem ser, mas sim, aqueles que se não afastam de nós quando deles mais precisamos.
Mas o amanhã é sempre outro dia.
E, eu esperarei que o sol volte de novo, e então prometerei a mim mesmo, que hei- de saber distinguir aqueles que se aproximam de nós, só porque de onde vem o tempo está frio.

António EJ Ferreira


2. Comentário do editor

Por que julgamos nunca se ter falado na nossa página do Blogue do camarada António Eduardo Ferreira, aqui fica um convite para se fazer lá uma visita.

O Blogue "molianos - viajando no tempo" pode ser visitado em http://molianos.wordpress.com/

Ali fala-se de tudo, até da Guiné.

CV
____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12294: Blogpoesia (359): Um poema a África (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P12327: (In)citações (57): O meu próximo livro pode responder a questões relacionadas com o pós independência da Guiné-Bissau (Mário Serra de Oliveira)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Serra de Oliveira (ex-1.º Cabo Escriturário, Bissau, 1967/68), com data e 6 de Novembro de 2013:

Prezado Carlos:
Na tentativa de "rematar" o meu segundo livro, envio o texto abaixo a tua consideração, para recolha de possíveis curiosidades a que eu possa responder, no mesmo.


PRESADOS LEITORES, ESPECIALMENTE AOS LEITORES EX-COMBATENTES NA GUINÉ
Estando a retocar certos capítulos do que já chamo o meu segundo livro, cujo título é “BISSAULONIA”, gostaria que me apresentassem as vossas questões, que acaso possam ter curiosidade, sobre os mais variados aspectos que possam existir, pelo facto de eu lá ter ficado na Guiné, cerca de 14 anos e meio que, como tal, talvez eu esteja habilitado a responder.

Os 4 pontos abaixo são uma iniciativa minha, pensando que os mesmos poderão fazer parte da lista dos pontos que poderão gostar de saber, como foi ou não foi.
Obviamente haverá questões às quais não poderei responder mas tudo farei para descrever o melhor que sei, com a verdade “do clima” politica e social, que passou a reinar na ocasião.

Recordo a todos que só de lá saí em Agosto de 1981, quase 7 anos após a Independência.

1) – Como foi “aquilo”, depois da independência?
2) – O que se passou depois da independência?
3) – Como nos trataram (a mim, minha família e outros) depois da independência?
4) - Que impressões “tiraram” na convivência do dia-a-dia, depois da independência?

Agora, aqui as vossas questões.

Abraço fraternal a todos.
Mário de Oliveira
____________

Notas do editor:

i) Recordemos que Mário Serra de Oliveira, sob o pseudónimo de Mário Tito, é o autor do livro "Palavras de um Defunto Antes de o Ser", Chiado Editora, 2012, ao qual o nosso camarada Mário Beja Santos dedicou uma recensão publicada no poste de 3 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10938: Notas de leitura (449): Palavras de um Defunto... Antes de o Ser, por Mário Tito, o nosso camarada Mário Serra de Oliveira (Mário Beja Santos).

Aqui fica feito o convite aos camaradas que quiserem ver afloradas no próximo livro de Mário Serra de Oliveira, "Bissaulonia", as suas questões relacionadas com o pós-independência da Guiné-Bissau até ao ano de 1981, data em que este nosso camarada se mudou para os Estados Unidos.

As sugestões podem ficar registadas em comentário neste poste ou serem encaminhadas directamente para o endereço mariotitodoalcaide@gmail.com.

ii) Último poste da série de 20 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12317: (In)citações (56): Meditação (Abel Santos)

Guiné 63/74 - P12326: Notas de leitura (536): "Maré Branca em Bulínia", por Manuel da Costa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2013:

Queridos amigos,
Não é só um livro corajoso pela denúncia dos crimes e da gente envolvida no narcotráfico guineense. É uma prosa palpitante em que vamos percebendo as conivências dos bandos com os militares, os paramilitares e até o aparelho judicial.
Está aqui, preto no branco, a praga da corrupção que disforma a vida social e económica de todo um povo, a mancha da corrupção seduz e atemoriza, assistimos à ascensão dos bem-sucedidos no crime.
Um personagem de grande recorte, DJ Palmas, é usado como a voz da denúncia e o apelo a que os guineenses deixem de ter medo da onda de criminalidade de que são vítimas mas também participantes.
Recomendo vivamente a sua leitura.

Um abraço do
Mário


Maré Branca em Bulínia: um romance que ficará para a história

Beja Santos

“Maré Branca em Bulínia”, por Manuel da Costa, Editorial Minerva, 2013, é uma das grandes surpresas das letras guineenses deste ano. O seu autor é um engenheiro agrónomo e mecânico da eletricidade e instrumentos de aviões. Em 2004, foi nomeado Chefe de Repartição Agrícola da Divisão de Serviços de Produção do Estado-Maior general das Forças Armadas. Este romance é uma assombrosa e inesperada denúncia do narcotráfico na Guiné, das máfias constituídas para a sua exploração e não menos surpreendente teia de cumplicidades de todos os escalões de todos os órgãos de soberania. Com indesmentível coragem, fica-se a saber que o livro gozou do alto patrocínio do Presidente da República de Transição, Manuel Serifo Nhamajo, e teve o apoio da União Nacional de Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. O autor é detentor de vários prémios literários e preside atualmente à ONG NÔ TCHON.

Bulínia é metáfora de Bissau e o autor diz no prólogo: “É minha escolha partilhar com toda gente o que penso e um pouco do que sei sobre o narcotráfico em Bulínia. Sei que, ao fazê-lo, estarei a pôr a minha vida em risco mas não tenho medo. Para que, de uma vez por todas, se tenha consciência da magnitude do narcotráfico neste país, diz-se aqui quem são os verdadeiros responsáveis pela introdução desta atividade criminosa. Como se diz, de boca em boca, ninguém tem dúvida de que são os políticos corruptos e os empresários ávidos pela riqueza que, aproveitando-se do clima de desordem reinante nos quartéis e nas esquadras, usam militares e paramilitares, numa cumplicidade nunca vista, para lhes dar proteção e garantir segurança”.

Tudo começa quando um pescador deitou as redes ao mar, com o auxílio do filho, e começaram a aparecer pacotes, ao princípio pensavam que se tratava de adubo, no dia seguinte muitíssimos outros pacotes deram novamente à costa, a notícia correu logo de boca em boca e toda a gente no povoado colheu e guardou toneladas dos ditos pacotes, julgava-os fertilizantes.

A notícia chegou à capital da droga, foi pronta a conclusão, tratava-se de cocaína que se vendia por 7 milhões de francos CFA o quilo a colombianos, venezuelanos, mexicanos, costa-riquenhos e nigerianos. Um jovem muito esperto apresentou-se como sobrinho do pescador e mostrou-se interessado em comprar o adubo. Saiu-lhe a sorte grande, comprou um saco de 50 quilos por 40 mil francos CFA. A vida de Marcelino (assim se chamava o jovem) iria mudar. Foi até ao Bairro dos Veteranos da Revolução e entendeu-se com o sargento Busnasum que conhecia um gang de traficantes colombianos. Começa a promoção social de Marcelino e de sua mulher, Zinha. Aos poucos, Marcelino vai-se apercebendo da dimensão do narcotráfico em Bulínia, estão envolvidos comandantes militares o Super-ministro, comandos navais, deputados de oposição, polícias, judiciária, máfias. Marcelino compra carros, compra casas, a mulher torna-se empresária, tudo graças ao adubo do mar. Toda aquela droga parte ou para a Europa ou para o Senegal, Mali e Nigéria.

Marcelino virá a descobrir que esta droga é descarregada por avionetas ou por barcos. Recorrendo a nomes arrevesados, o autor dá conta da dimensão da tragédia: “Voltando aos aviões, era mais um voo do Grupo Hipopótamo dirigido pelo respeitado deputado do partido da oposição. Porque havia três grupos de traficantes: o Grupo Hipopótamo, o Grupo Águia, o mais famoso de todos, liderado pelo Super-ministro Matchu Dunu e o grupo Kassissa, gerido pelo empresário Aladje Sanhá Sanhá”. Fica a saber como se transporta a mercadoria mal é descarregada em discretos aeroportos, e dá-nos conta de outros envolvimentos: “Quanto à exportação da droga para a Europa, fazia-se com a cumplicidade de agências transportadoras ou companhias aéreas, pessoal das alfândegas, despachantes e agentes portuários ou com meios próprios dos narcotraficantes. Porque muitas vezes a droga seguia dissimulada nas bagagens dos passageiros ou na mercadoria exportada em contentores e nas pastas diplomáticas dos franco-diplomatas”.

Presume-se sem elevado grau de certeza que a droga fez a sua entrada em 1980, ou um pouco antes. Os barões da droga passaram a agir mais livremente depois das eleições presidenciais de 2003. Aliás, o caldo de cultura estava bem fermentado com toda a gente mal paga ávida por ter meios para satisfazer as necessidades elementares. Com a livre circulação de pessoas e bens abriu-se a porta à droga. O autor faz entrar novos protagonistas, um grupo de jovens que faziam parte da tertúlia NÔ KA NA KALA, uma verdadeira tribuna de opinião, ali se discorre em termos plurais sobre as atuações dos traficantes, como a droga faz mal à juventude e é o rastilho do banditismo, há ali naquela tribuna quem associe a droga a certas bondades como o desenvolvimento da ciência e das novas tecnologias.

Os narcotraficantes são bem visíveis: usam roupa de marca, telemóveis de topo de gama, as melhores viaturas todo o terreno, as suas casas são palácios, aparentemente nada há a fazer, uma importante fração do povo parece estar a favor do infame negócio que faz de Bulínia um pequeno país do continente africano uma rota incontornável dos negócios da droga. Os gangues recorrem a bons advogados e pactuam entre si, partilham espaços, todos os tiroteios e mortes dão nas vistas, estabelecem códigos de conduta. Há mesmo governantes que recorrem ao dinheiro da droga para pagarem aos funcionários públicos. Há membros do Governo que participam diretamente no negócio, basta ver os seus carros de luxo, as suas quintas, a esmerada educação que dão aos filhos. O autor usa uma figura emblemática de aparente virtude DJ Palmas para nos dar a imagem pragmática de um jovem sem meios que vai gradualmente dando sinais de riqueza sem questionar a sua proveniência. A impunidade alastra, como se escreve: “Os pequenos parlamentares chegaram à conclusão que o alto grau de corrupção que o país vivia criava condições propícias para que a impunidade fosse autorizada, porque os juízes eram constantemente corrompidos e não fazia justiça ou fingiam que a faziam. Exatamente por isso é que o Estado perdera autoridade e não conseguia mais pôr ordem no país. Essa falta de autoridade criara a desobediência na família. Os pais não se entendiam com os filhos e ninguém conseguia pôr ordem em sua casa. O nome de Bulínia estava na boca do mundo. No estrangeiro, os cidadãos bulínios começaram a ser perseguidos e presos por tráfico de droga”. Até que um dia DJ Palmas faz a confissão dos crimes cometidos, é um dos momentos mais admiráveis deste inesperado romance de Manuel da Costa.

No epílogo, e retomando a autoridade do Estado, o autor diz que esta “só pode ser restabelecida quando existir um Governo com gente idónea e trabalhadora. Por isso vale a pena dizer a toda a gente que o homem tem um véu de ignorância no rosto mas procurar persistentemente o futuro. DJ Palmas mostrou ao mundo quem são os narcotraficantes, passando a bola ao Governo para que a justiça seja feita”. O glossário é extremamente útil dado que o romance de Manuel da Costa goza dos melhores predicados da chamada literatura luso-guineense.

Por estar facilmente disponível, recomenda-se a todos a leitura deste livro de denúncia do mundo do narcotráfico e das alianças perversas que consegue concitar.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 18 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12311: Notas de leitura (535): "Pequenas Histórias de Guerra", por Carlos Alexandre Morais e "Spínola o anti-general", por Eduardo Freitas da Costa (Mário Beja Santos)