quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12387: Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte IV)



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 1 A > Ensinar a ler e escrever a criançada. Era um ponto de honra. Juntamente com a escola regimental é do que mais me orgulho do tempo vivido na Guiné. Além das crianças também muitos soldados tiraram a 4ª classe e puderam tirar a carta de condução.´

[O segundo miúdo, a contar da direita para a esquerda, tem fenótipo (feições) caucasiano, devendo ser filho de um militar branco... LG]




Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 1 > Ensinar a ler e escrever a criançada.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 2 A > Passeando pela Tabanca de Fulacunda.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 2 > Uma "rua" da tabanca.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº  3A > Conversando na tabanca. Estes momentos eram bons. Ao fim da tarde, antes do jantar, alguns militares passeavam pela tabanca (foto nº 2) e normalmente havia sempre companhia para “dois dedos de conversa”. Os temas eram diversos: Como era Fulacunda antes da Guerra, os piores ataques que tinham sofrido durante Guerra, familiares que viviam no mato, Ramadão e as alterações às rotinas da vida, falta de arroz na tabanca, brigas dos homens com as suas mulheres, poligamia…


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº  4A > Criançada, junto messe oficiais. Era a hora de se beber uma fanta, sentados nos degraus de acesso à messe, enquanto as mães lavadeiras faziam a entrega da roupa lavada.

[A menina está sentada à direita do Jorge  tem fenótipo (feições) caucasiano, devendo ser também filha de um militar branco... LG]


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº  5A  > Em primeiro plano, lavadeiras fazendo entrega de roupa.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº  5  > Parte central do quartel, casernas e torre  de transmissões, edifício comstruído  pelos "boinas negras" (CCAV 2482, 1969/70).



Guiné > Região de Quínara > Mapa de Fulacunda (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Fulacunda > Principais eixos de ataque do IN: (i) (i) oeste, áerea de Bianga, (estrada de Tite); (ii) noroeste, área de Cantora (estrada que partia do fim da pista na direção de Cantora, Garsene, na margem esquerda do Rio Geba) ; (iii) e norte, área da bolanha de Guebambol (estrada que seguia até Uaná Porto, na margem esquerda do Corubal.

Infografia. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 6 > Vista aérea da pista, da tabanca e do aquartelamento de Fulacunda... no sentido leste oeste... Tentativa de reconstituição do perímetro de arame farpado (linha a branco), dos espaldões de obus 14 (a círculo vermnelho), dos demais espaldões (morteiiors e breda) e abrigos (rectângulo a vermelho) e da área cultivável em redor do arame farpado (linha a verde... No sentido su-sudeste / nor-noroeste. vê-se a pista e o heliporto... Reconstituição feita com o aval do  Jorge Pinto ..(LG)

Fotos: © Jorge Pinto (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem da foto nº 6: L.G.]


1. Continuação da publicação das Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte IV)


[Foto  do Jorge Pinto, na épco, à direita]


1.1. Pedidido de informação adicional ao Jorge Pinto, por  parte do editor

Jorge: 

Corrige-me a foto nº 7 do poste P12379 (*)...Nunca estive em Fulacunda, como sabes...Podes redesenhar, com o programa Paint, a planta do quartel...Fui pelo relevo e pela intuição, comparando a "planta" de Fulacunda com a de Bambadinca... Mando-te uma imagem ampliada (3
MG) para poderes ver melhor os pormenores e anotares... Um abraço. Luis

PS - Donde vinham os ataques ? De norte para sul, presumo, mas também de leste para oeste... E que armas pesadas (morteiro 81, Breda...) tinham ? Havia um pelotão de artilharia, com 3 obuses 14 ? É isso ?... Assinala os espaldões e os abrigos, mais ou menos..

1.2. Resposta do Jorge Pinto:

Luís, fazes uma leitura bem correta da fotografia.

Pormenorizando um pouco mais, adianto que os ataques eram essencialmente provenientes de:

(i) oeste, área de Bianga, (estrada de Tite);

(ii) noroeste, área de Cantora (estrada que partia do fim da pista na direção de Cantora, Garsene, na margem esquerda do Rio Geba);

(iii) e norte,  área da bolanha de Guebambol (estrada que seguia até Uaná Porto,  na margem esquerda do Corubal).

Havia um pelotão de artilharia constituído essencialmente por soldados fulas, furriéis e alferes da metrópole.

Os espaldões dos três obuses 14 estavam no topo norte/noroeste do aquartelamento. Os morteiros 81 estavam junto dos abrigos a norte/nordeste. A metralhadora Breda estava instalada num abrigo a nordeste.

Havia abrigos defensivos em redor do aquartelamento e interligados por vala: três ao longo da pista, (oeste/noroeste), dois do lado norte e ainda mais dois a este/sudeste.

A sul a defesa estava "entregue" ao pelotão de milicias que vivia na tabanca.

Os ataques provenientes de Sul eram pouco prováveis devido à existência dos braços de rio [, o rio Fulacunda, afluente do Rio Grande de Buba].

Havia ainda outros abrigos, no interior do quartel, mas sem função defensiva: torre de transmissões, cripto, mecânicos...

Quanto às subunidades que passaram por Fulacunda, informo que a minha  companhia, 3ª C/Bart 6520/72, partiu do RAL 5 em 26.06.72 e regressou a 21.08.74. Teve como comandante o capitão mil  inf João Mouzinho Serrote. Penso existir alguma confusão com o Bart 6520/73, do qual eu não tenho informações.

Recebe mais um alfabravo,

Jorge Pinto [, foto atual à esquerda]
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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12379: Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte III)

Guiné 63/74 - P12386: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (5): Ilha do Como - Operação Tridente

Guiné, 14 de Janeiro de 1964 - Tropas embarcadas, rumo à Ilha do Como

Guiné, Janeiro de 1964 - Desembarque das forças do Batalhão 490 na Ilha do Como

ÚLTIMAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 5

Por Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, 1963/65) 

Ilha do Como - “Operação Tridente”

Foi desgastante a guerra do Como, onde, no fim de contas, não houve claros vencedores (deixámos uma Companhia no Cachil) nem vencidos (haviam de voltar a ocupar a Ilha, como é normal neste tipo de guerra). O IN no início estava bem moralizado, estava em seu território e mandaria nele. Tentou forçar a saída das nossas Companhias, sediadas em Cauane e em Curcô, com ataques contínuos, mas apenas conseguiu tal intento na posição de Uncomené. Mostrava-se nesta altura “bem instruído, manobrador, muito agressivo e com um poder de fogo extraordinário, no entanto as numerosas baixas que sofreu, foram-lhe abatendo o moral e desorganizando-o, a ponto de, no final da operação, os pequenos grupos dispersos, sem qualquer agressividade e famintos, fugirem ao menor contacto com as nossas tropas”, conforme consta da “História da Unidade”. Foram destruídos dois acampamentos, num total de 62 casas de mato, houve 76 mortos confirmados no terreno (contra 8 de toda a tropa envolvida) e com mais de 100 “mortos prováveis”; feridos confirmados, 15, contra 29 da nossa parte, mas aquele número era muito mais elevado. Além da recolha de vário material de guerra, no entanto, não tanto como seria previsível

O comandante Nino, ao princípio, fez-nos a vida negra, mas a fúria e o poder de fogo foram abrandando à medida que as populações desertavam. Com 21 mortos, com poucos efectivos operacionais e com a população a fugir, segundo estratégia delineada por Amílcar Cabral, Nino chegou a pedir ajuda a muitas bases, segundo carta encontrada, mais tarde, pelas nossas tropas, numa operação em Gampará, assinada por este comandante.

Guiné - Ilha do Como, 1964 - Alf Mil Bretão e Fur Mil Lima, da CCAV 488, atravessando ponte feita de palmeiras destinada aos abastecimentos das tropas em acção

Esta guerra não foi fácil para ambas as partes. Mas, no fim da operação, já um pelotão (o do Jaime Segura) atravessava sem problemas a ilha. Nela se integrou o Comandante da denominada operação “Tridente”, a maior operação da guerra contrasubversiva até aí realizada nas três frentes, pelos meios e forças utilizadas, que iam do nosso Batalhão a Companhia de Fuzileiros, comandados pelo lendário Alpoim Calvão, que hoje tem negócios em Bolama. Uma das poucas vezes que o vi nesta ilha foi a apontar uma faca ao tronco de uma árvore. Não falhava um só golpe. A operação envolvia também, pela primeira vez, um grupo de comandos, paraquedistas, força aérea, canhões, montados numa bela praia, e um navio transformado em hospital de apoio. Que, felizmente, não foi muito utilizado, apesar dos terríveis medos e previsões não muito optimistas, esta é a verdade.

Guiné - Ilha do Como, 1964 - Tropas atravessando bolanha

A operação “Tridente”, devido ao clima e inicial força do IN, foi difícil, terrível em muitos aspectos, mas não foi muita da mentira que a jornalista Felícia Cabrita fez publicar no "Expresso", uma grande reportagem feita, decorridos 30 anos sobre a operação “Tridente”. Como tive possibilidade de saber pessoalmente da boca de alguns que foram ouvidos, as afirmações de alguns ou foram mal contextualizadas ou deturpadas. Além disso, só publicou o que poderia diminuir as Forças Armadas Portuguesas. Houve muita outra gente entrevistada de quem não apareceu uma única palavra na dita reportagem com o título de “A Campanha do Medo”. A verdade e a isenção não interessam a muita gente como é o caso. Houve medos, mas ninguém fugiu para Dakar e dali para Paris como muitos que assim procederam. Assim tendo feito, são considerados heróis, e os que deram o corpo ao manifesto, após o 25 de Abril eram tratados como verdadeiros criminosos. Passados 30 anos, para alguns ainda havia complexos, fantasmas.

Guiné - Ilha do Como, 1964 - No final de uma refeição

Como ali não havia bajudas nem mulheres, só nos matos fechados, acontecia que nós é que tínhamos de cuidar das nossas roupas, a começar pela lavagem de cuecas, calças, camisas, meias, etc, etc.. No final, eu já cuidava também das minhas barbas, penteava-as, assim como os meus longos cabelos e procurava torcer o meu bigode, criar-lhe pontas à boa moda do princípio do séc. XX.

Finda a guerra, nos meados de Março, o meu último aerograma tem a data de 12 e dava conta de algum sossego e de um macio mascote. Tratava-se de um cordeiro que cabriolava brincalhão no acantonamento e com o qual a malta brincava. Era bonito, preto e branco e mansinho, de tal forma que dormia com os soldados. Era como que o anúncio da paz, ainda que temporária. A guerra ia continuar por outras partes.

Guiné - Ilha do Como, 1964 - A hora do correio e da partilha das alegrias

Na batalha do Como para onde nos deslocámos em Janeiro de 1964 em meios navais, ainda participou por algum tempo o alferes Fernando Correia. O meu pelotão teve aí 6 feridos e a 487 dois mortos e dois feridos. Mas o Fernando tinha então um grande problema de audição. No buraco, onde dormíamos, percebendo mal o zunir das granadas, saídas das bocas dos canhões estacionados na praia, perguntava-me o que era aquilo… Aquilo era o assobio das granadas, explicava-lhe. Perante isso e temendo o pior, o Comandante do Batalhão, que sabia bem o que era a surdez, sofria do mesmo mal, mandou-o evacuar para a Metrópole, a fim de ser operado. Acontecia em 25 de Março, “por doença adquirida em serviço”. Neste interim, chegava a 25 de Março de 1964, e dava, solene e publicamente, o nó com a Lurdes Espanhol, passados quatro dias, ou fosse no dia 29, que coincidia com o dia de Páscoa. Belas e doces amêndoas! (Tinham casado no registo civil por procuração no dia 4 de Janeiro desse mesmo ano).

Submeteu-se a uma cirurgia no Hospital da Estrela. Pouco tempo depois embarcava de novo para Bissau, onde acabou por ser colocado no Quartel General como responsável pelo sector dos abastecimentos. Ou fosse na 2.ª Secção de Transportes da 4.ª Repartição, após a apresentação do relatório do médico que o operara. Isso permitiu que trouxesse para Bissau a noiva e fosse viver com o Jaime Segura e a Manuela, primeiro.

Ilha do Como, 1964 - Embarque de vário material de regresso a Bissau

Fotos (e legendas) : © Armor Pires Mota (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: CV]

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12378: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (4): Cinco dias no Niassa; A primeira grande experiência e Dois alferes de uma só vez

Guiné 63/74 - P12385: O que é que a malta lia, nas horas vagas (4): a revista "Flama", o jornal "A Bola"... e o livro de contos e narrativas do Armor Pires Mota, "Guiné, Sol e Sangue" (Braga, Pax ed., 1968) que havia na biblioteca... (Luís Nascimento, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71)



Guiné > Região do Oio > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) > Foto nº 1 >  "O Crioulo, lendo a 'Flama' à porta do abrigo de transmissões, com fundo decortado a manjericos, e sentado em cadeira de verga artesanal... Enfim, o meu pátio alfacinha"...

[Na opinião de Patrícia Fonseca, a "Flama" foi "uma das revistas mais marcantes do século passado, sobretudo na segunda metade dos anos 60 e início dos anos 70 (...) a par de outras revistas, como O Século Ilustrado ou a Vida Mundial", tendo introduzido "nos hábitos de leitura dos portugueses o gosto pelas newsmagazines, que há muito faziam sucesso noutros países"].





Guiné > Região do Oio > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) > Foto nº 2 > "Leitura junto à Morança Nova, tabanca de Caanjambari".



Guiné > Região do Oio > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) >  Foto nº 3 > "Sentado junto ao  abrigo das transmissões, bebendo uma 'bazuca' e fazendo as palavras cruzadas de um jornal ou revista.


Guiné > Região do Oio > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) > Foto nº  4 > "Ali no fim do mundo também se lia a 'Bola', na companhia do Borges, cantineiro, e outro camarada. Ao fundo o depósito de géneros, sem telhado, após tornado que levou a companhia a comer arroz com marmelada durante 15 dias"...



Guiné > Região do Oio > Farim  > CCAÇ 2533 (1969/71) > Foto nº 5 > "Em Farim, à noite, na cama, lendo possivelmente a Flama".


Guiné > Região do Oio > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) >  Foto nº 6 > "Velho moicano, ao fim de 22 meses de comissão, já apanhado pelo clima, de pera e bigode, muito do agrado do cap Sidónio, o 'Cabra',  que prometeu dar-me uma porrada e não cumpriu".

Fotos (e legendas) : © Luís Nascimento (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Mensagem do Luís Nascimento, enviada ontem, através da sua neta Jessica Nascimento (como habitualmente):

Boa noite Sr. Luis Graça,

Junto envio texto e fotos das histórias do meu avô. Abraço do Sr. Assassin.


2. Pedido do editor a todo o pessoal da Tabanca Grande, enviado a 2 do corrente:

Amigos e camaradas: Foi aberta uma nova série no nosso blogue, "O que é que a malta lia, nas horas vagas"... E eu aqui, faço um apelo, mais uma vez, à vossa generosa participação, para que nos enviem textos e fotos dos momentos de ócio, ao sol, no abrigo, no bar, lendo livros, jornais, revistas... Em muitos aquartelamentos havia pequenas bibliotecas alimentadas pelo Movimento Nacional Feminino... É possível que também chegassem pelo correio jornais e revistas... Ainda se lembram de quais ? Um ou outro assinava publicações periódicas... Enfim, essa informação interessa-nos para melhor documentar o nosso quotidiano naquela terra verde e vermelha onde passámos alguns dos nossos verdes anos.. Luís Graça, editor.


3. Resposta do Luís Nascimento > Acerca do que se lia na Guiné…

Eu, como encarregado da biblioteca, tinha ao meu dispor uma gama de literatura abundante. Lembro-me de ler a “Flama”, o “Século ilustrado” e mais edições da Agência Portuguesa de Revistas, com sede na Saraiva de Carvalho, ali a Campo de Ourique.

Foi na biblioteca de Canjambari que li o primeiro livro à cerca da guerra na Guiné “Guiné Sol e Sangue” de autoria de um Alferes [, Armor Pires Mota, nosso grã-tabanqueiro!], que esteve em Jumbembem e contava a história de um ex-turra de nome Faustino que vim a apurar mais tarde, ser um civil que trabalhava na cozinha da 33, como copeiro (era ele que lavava os panelões) e ia dormir à tabanca onde perdeu um olho por se ter enganado na mesma, pois ali morava um soldado milícia com a sua bajuda e onde arranjou manga de chatice por levar a cabeça grande de “água de Lisboa” [vinho tinto].


[Foto acima, à esquerda: capa do livro "Guiné, Sol e Sangue: Contos e Narrativas", de Armor Pires Mota, editado pela Pax Editora, Braga, 1968, 162 pp.]

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12381: O que é que a malta lia, nas horas vagas (3): o trissemanário "A Bola" (Garcez Costa, ex-fur mil, radialista, Com-Chefe, Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica, Serviço de Radiodifusão e Imprensa, Programa das Forças Armadas, Bissau, 1970/72)

Guiné 63/74 - P12384: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (8): O café do sr. Teófilo (Parte IV): Um homem sempre bem informado.. (Manuel Mata, ex-1º cabo, Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71)




Guiné > Zon Leste > Bafatá> 1970 > Panfleto de propaganda política, em  crioulo,  da autoria do PAIGC, oferecido ao Manuel Mata [ ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47, Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640, Bafatá, 1969/71; foto à direita], pelo seu amigo, o comerciante Sr. Teófilo.

Foto: © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reseravos.


ERMONS,
riba di tudo cansera qui bó passa parmeru
i bó na passa inda,

IRMÃOS,
Para além de todas as canseiras que já passastes
e continuais ainda a passar,


Setia anu dja bó na sufri amonlon, man-
ga di bós pirdi bida amonlon, pabia
bó seta cudi larpaça di tuga, cu di sé
calchuris!

Há já sete anos que vós sofreis sem razão, mui-
tos de vós perderam a vida sem razão, porque 

aceitaram ouvir as aldrabices dos tugas e dos seus 
cachorros!

Seti anu dja tuga na purmiti bós cu-
ma guerra perto cabá, ma lé abós in-
da, é mais na sucundi tras di bós na
tabancas, pabia nó força cá péra quir-
ci, suma qui bó na sinti!

Já há sete anos que os tugas vos prometeram
que a guerra estava prestes a acabar, mas até agora ain-
da não, e mais se escondem por detrás de vós nas 
tabancas, porque a nossa força não pára de cres-
cer, como vós dais conta!

Seti anu tchigá pa bó intindi cuma na-
da ca pudi para nó ataque contra in-
dimigus di nó pubu, indimigus di in-
dependência di nó terá!

Sete anos chegam para entenderdes como na-
da pode parar o nosso ataque contra os ini-
migos do nosso povo, inimigos da in-
dependência da nossa terra!

ERMONS,
bó sai di caos nunde qui tugas pui cortel,
pubia bála ca ten udju dé! #
Bó dissa strangeras sploraduris colonialistas
tugas elis son cu sé foronta!
Bo bin djunta cu bó ermons!

IRMÃOS,
Saiam dos lugares onde os tugas põem quartel,
porque as balas não têm olhos!
Deixai os estrangeiros exploradores colonialistas,
tugas, a sós com as suas dificuldades!
Vem e junta-te aos teus irmãos!


VIVA P.A.I.G.C.
Morti pa strangerus tuga, cu sé calchuris di dus pé!

VIVA O P. A. I. G. C.!
Morte aos estrangeiros tugas, e aos seus cachorros de dois pés!

 Nota do tradutor (M.D.):

# ... pabia bála ca ten udju dé!...  Dé! é uma partícula de realce, sem tradução em português, e que expressa como que um sério aviso.

 Tradução do nosso camarada © Mário Dias (2006).



Guiné > Zon Leste > Bafatá> 1970 > Panfleto de propaganda política, em  árabe,  da autoria do PAIGC, oferecido ao Manuel Mata pelo seu amigo, o comerciante Sr. Teófilo. Deste documento não temos tradução para português.

Sobre este português que chegou á Guiné nos 30 (desterrado, dizia-se), escreveu já o Jorge Cabral, em 12/4/2006, na I Série do nosso blogue: "Falei muitas vezes com o senhor Teófilo. Penso que não era, nem Turra, nem Pide. Apenas um bom e lúcido Homem".

Por seu turno, Fernando Gouveia, seu vizinho, acrescentou, recentemente: "Num aparte direi que nunca o considerei nem ligado ao IN nem à PIDE. No meu entender o que se passava é que ele era muito observador e ouvia todas as conversas dos militares que passavam pelo seu restaurante".

Foto: © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reseravos




COMBATENTES, NÓS FOMOS ENGANADOS!

"Agora nós sabemos que no PAIGC
nós lutamos só contra a felicidade do povo,
e contra o progresso da Guiné...

Agora nós vemos claro 
como os dirigentes do PAIG nos enganam".

Foi assim que NHATE BUIDA falou na Rádio de Bissau
no dia 23 de Junho de 1970.

HOMEM DO MATO:
O Governo está a construir o progresso e a felicidade do povo.
O PAIGC só traz morte, miséria e sofrimento para o povo
e para os combatentes.

HOMEM DO MATO!
NO PAIGC TU LUTAS CONTRA O POVO.

VEM JUNTAR-TE AO POVO PARA CONSTRUIR
UMA GUINÉ MELHOR.




HOMEM DO MATO !
O MOTIVO DA LUTA JÁ ACABOU

Assim disse Nhate Buida, chefe de grupo do PAIGC, de Naga,
que foi apanhado pela tropa no dia 16 de Maio de 1970.

ELE NÃO QUER REGRESSAR PARA O MATO.


Guiné > Zon Leste > Bafatá> 1970 > Panfletos de contra-propaganda política, em  crioulo,  elaborados pelo Exército Português em 1970, e oferecidos ao Manuel Mata pelo seu amigo, o comerciante Sr. Teófilo.

Foto: © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reservados


Tradução do nosso camarada © Mário Dias (2006). [, foto atual à esquerda]
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Nota de L.G.:

Último poste da série > 3 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12382: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (7): O café do sr. Teófilo (Parte III): O meu discreto vizinho... que, uma tarde, vira-se para mim e diz-me: ' Sr. alferes, aquela que ali vai é irmãzinha do Amílcar Cabral'

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12383: Memória dos lugares (257): Ilha das Galinhas em 1968 (José António Viegas)

Guiné- Bissau > Região de Bolama > Ilha das Galinhas >  "Galinhas é a ilha mais a nordeste do Arquipélago dos Bijagós, Guiné-Bissau, com 50 km2 de área e uma população estimada de 1 500 habitantes. Está situada a sudoeste da Ilha de Bolama, da qual está separada por um canal com 4,5 km de largura,e a cerca de 60 km a sudoeste de Bissau, a capital da Guiné-Bissau. Os principais povoados da ilha são Ambancana, Ametite, Acampamento, Ancano e Anchorupe. Durante o período colonial funcionou na ilha uma prisão, designada por "Colónia Penal e Agrícola da Ilha das Galinhas", entretanto abandonada."

Fonte:  Wikipédia > Galinhas (Guiné-Bissau) (Reprodução, com a devida vénia). Inagem do domínio público, editada.

1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68), com data de 29 de Novembro de 2013:

A minha passagem pela Ilha das Galinhas ou mais correctamente Colónia Penal e Agrícola da Ilha das Galinhas.


Ao fim de 20 meses de mato fui enviado para Bolama e daí para a Ilha das Galinhas. Desconhecia por completo o que aquilo era, quando cheguei em meados de Junho de 1968.

O destacamento era composto por um Furriel, um cabo e 3 soldados.
Na parte civil e a comandar o campo tinha um chefe que era o Chefe Joaquim,  um homem de poucas conversas.


De vez enquanto encostava uma lancha LDP com um carregamento de prisioneiros, sempre em mau estado,  que vinham das prisões de Bissau, escoltado sempre por dois Pides, que entregavam os presos ao chefe e desandavam para Bissau.

Os prisioneiros andavam pela ilha soltos, mas soube que alguns passavam por ali em trânsito para o Tarrafal [, Ilha de Santigao, Cabo Verde].


Na altura não me despertava muito a curiosidade e as conversas com os prisioneiros eram poucas, a maioria trabalhava na bolanha e nas sementeiras de ananás e mancarra que havia pelo campo.

O povo Bijagó era muito afável. Passei quatro meses e acabei a minha comissão em Setembro de 68 com 25 meses de Guiné.











Guiné > Arquipélagos dos Bijagós > Ilha das Galinhas > Junho/setembro de 1968. Fotos de José António Viegas, sem legenda.

Fotos: © José António Viegas (2013). Todos os direitos reservados
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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12318: Memória dos lugares (255): Missirá, Zacarias Saiegh e Jobo Baldé em 1968 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12382: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (7): O café do sr. Teófilo (Parte III): O meu discreto vizinho... que, uma tarde, vira-se para mim e diz-me: ' Sr. alferes, aquela que ali vai é irmãzinha do Amílcar Cabral'


 Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1970 > Foto do álbum do Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70] > Foto s/nº  >  "Uma irmãzinha de Amílcar Cabral", segundo o testemunho do sr. Teófilo com quem ele terá trabalhado, antes da guerra... Amílcar nasceu em 12/9/1924, em Bafatá, filho de pais caboverdianos. Juvenal Cabral, professor primário,  e Iva Pinhel Évora, doméstca. A família regressa a Cabo Verde em 1932.

Foto (e legenda): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.


Guiné-Bissau > Bafatá > 2001 > Busto do fundador do PAIGC,  Amílcar Cabral (Bafatá, 12/9/1924 - Conacri, 20/1/1973), engenheiro agrónomo, licenciado pelo ISA - Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, 1950. Era filho de Juvenal Lopes Cabral, professor primário, caboverdiano, e de Iva Pinhel Évora, doméstica, guineense. Irmão, pelo lado paterno, de Luís Cabral (Bissau, 1931- Torres Vedras, 2009), o primeiro presidente da Guiné-Bissau (1973-1980).

Foto: © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados

1. Mensagem de Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; autor do romance Na Kontra Ka Kontra, Porto, edição de autor, 2011; é arquiteto, e vive no Porto; foto atual à direita]

Data: 2 de Dezembro de 2013 às 01:38

Assunto: Sr. Teófilo

Luís:  Já várias vezes sugeriste que eu dissesse algo sobre o sr. Teófilo, por ter morado junto da casa dele. Nunca cheguei a dizer nada sobre o controverso senhor porque realmente não tinha muito a contar.

Efectivamente, durante os dois anos de comissão [, 1968/70], quase todos os dias, ao fim da tarde e à noite estava com ele, sentados na esplanada, a ver passar o pessoal, de, e para a tabanca da Rocha. Foi também aí que muitas vezes vi chegar autênticas caravanas de burros, todos engalanados, trazendo a mancarra para o celeiro.

Claro que muito conversamos mas nunca sobre assuntos de "guerra". Como que havia um acordo tácito entre nós no sentido de não entrarmos em mútuas confidências. Talvez tenha sido eu a forçar essa nota,  dadas as minhas funções, de informações, no Comando de Agrupamento [nº 2957]. Não queria de forma alguma fazer transparecer fosse o que fosse referente ao que se passava na "nossa guerra", quer em relação às NT, quer ao IN. Não tendo qualquer desconfiança em relação a ele, nunca lhe contaria nada que pudesse vir a pôr em perigo alguém das NT.

Se eu nunca cometi qualquer inconfidência, considero que ele por duas vezes não se conteve.

Primeira: Estava para se realizar uma grande operação dentro do Senegal, assunto que estava a ser tratado no Agrupamento com a chancela de "secreto". Pois bem,  um ou dois dias antes da operação,  o Sr. Teófilo falou-me, e eu só ouvi, dessa grande operação. Num aparte direi que nunca o considerei nem ligado ao IN nem à PIDE. No meu entender o que se passava é que ele era muito observador e ouvia todas as conversas dos militares que passavam pelo seu restaurante.

Uma outra vez, próximo do fim da minha comissão, princípios de 1970, em determinada altura vira-se para mim e diz: 
– O Sr. Alferes sabe que na noite passada andaram, naquelas tabancas para lá da pista, elementos do IN? 

Mais uma vez não manifestei qualquer reacção. Acrescentarei que a partir dessa data nunca mais fui à caça à noite, como sempre tinha ido. Passei a ir só de dia e acompanhado.

Sobre estas duas situações, claro, que ao chegar ao quartel fiz seguir superiormente as minhas duas únicas informações de toda a minha comissão, penso que classificadas de B-2 (a letra de A a E referente à fonte da notícia e o algarismo de 1 a 5 relativo ao grau de verosimilhança da notícia).

Com o Sr. Teófilo as conversas sempre foram sobre trivialidades. Aprendi a tornar tenras as chocas (perdizes) que caçava e que até aí as achava duríssimas. Era só tirar-lhe a pele. Aprendi com a esposa dele a fazer uma boa cachupa, que ainda agora fazemos regularmente cá em casa. Aprendi com ele a eliminar uma verruga com auxílio de uma crina de cavalo.

Para terminar, uma tarde vira-se para mim e diz-me; 
– Aquela que ali vai é irmãzinha do Amílcar Cabral...

O mesmo Amílcar Cabral, com quem ele  trabalhou na "Agrária" de Fá e por quem tinha, nessa época antes da guerra, muita consideração.

Não deixei de tirar uma foto à Senhora que junto envio.

Um abraço

Fernando Gouveia
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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12369: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (6): O café do sr. Teófilo (Parte II): um homem amargurado que sabia demais? (Manuel Mata)