sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13544: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte VII: Agosto de 1972: apresentação no Enxalé de 36 elementos pop sob controlo do IN



Guiné > Zona Leste > Mapa do Xime (1955), 1/50000 >  Posição relativa de Enxalé e Xime, na margens respetivamente direita e esquerda do Rio Geba.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)

1. Continuação da publicação da história da unidade - BART 3873 (Bambadinca, 1972/74), a partir de cópia digitalizada, em formato pdf, gentilmente disponibilizada pelo António Duarte.

[António Duarte, ex-fur mil da CART 3493, companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972/74; foi voluntário para a CCAÇ 12 (em 1973/74); economista, bancário reformado, foto atual à esquerda].

Destaque, no mês de agosto de 1972, para a apresentação às NT, no destacamento do Enxalé,  na margem direita do Rio Geba, frente ao Xime, de 36 elementos civis, oriundos de população  possivelmente da região de Madina/Belel, sob controlo do PAIGC. Destaque, por outro lado, para a omissão do grave naufrágio no Rio Geba, que vitimou 3 elementos da CART 3494 (Xime), em 10 de agosto de 1972. Este facto não é,estranhamente, relatado na história da unidade. (LG)








(Continua)
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P13543: Notas de leitura (627): A Tricontinental: Quando Amílcar Cabral se tornou num teórico mundial da revolução (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Fevereiro de 2014:

Queridos amigos,
A Tricontinental marcou a atualidade mundial dos anos 1960.
Preparada metodicamente a partir de 1964, recebeu contribuições de personalidades como Ben Barka, Guevara, Allende, Ho Chi Minh. E teve uma singularidade para as coisas que nos irmanam no conhecimento guineense: em 6 de janeiro, um ano depois do encontro havido com Guevara em Conacri, Cabral profere a sua comunicação que surpreende o auditório em toda a linha, o marxismo-leninismo tal como aparecia em todas as vulgatas e cartilhas, é sujeito a um olhar africano, a luta de classes é outra coisa, a vanguarda revolucionária tem outra modalidade de proletariado, a pequena burguesia é imprescindível, a libertação nacional é a reconquista da personalidade histórica e o seu regresso à História. Daí em diante, Cabral torna-se numa figura de proa do movimento revolucionário.

Um abraço do
Mário


A Tricontinental: Quando Amílcar Cabral se tornou num teórico mundial da revolução (1)

Beja Santos

“Tricontinentale, Quand Che Guevara, Ben Barka, Cabral, Castro e Ho Chi Minh préparaient la révolution mondiale (1964-1968)”, por Roger Faligot, La Découverte, Paris, 2013, lê-se como um thriller portentoso acerca da organização e realização de uma das conferências fundamentais dos anos 1960. A conferência, que se realizou em janeiro de 1966, em Havana, deu origem à Tricontinental, apresentava-se como o reagrupamento das forças anti-imperialistas, de África, da Ásia e da América Latina. A partir dos últimos dias de 1965, foram chegando a Havana delegações dos países descolonizados, de movimentos de libertação afro-asiáticos e formações da guerrilha da América Latina. Chegaram em força chineses e soviéticos, os irmãos inimigos do campo socialista.

Na sua preparação impôs-se um nome fundamental, o marroquino Mehdi Ben Barka, que foi raptado em Paris às ordens do temível general Oufkir, o chefe da segurança de Hassan II. Ao longo de 1965, Ben Barka reuniu com imensos revolucionários como Guevara, Ben Bella, Allende, Ho Chi Minh, Amílcar Cabral e Douglas Bravo. A materialização da conferência era seguida cuidadosamente por vários serviços secretos, a começar pela CIA, estamos numa época em que a guerra do Vietname está a provocar desgastes enormes, na América Latina vive-se num quase barril de pólvora, do Guatemala à Bolívia. E os serviços secretos tinham a oportunidade de filmar os representantes de mais de 80 países irmanados por uma expressão: Terceiro Mundo, compareceram representantes de partidos clandestinos, intelectuais como Alberto Moravia, Mario Vargas Llosa e uma cantora de nome mundial, Joséphine Baker.

Desde a conferência de Bandung que não havia um areópago desta dimensão, em que se depositavam tantas esperanças, parecia que a revolução mundial estava em marcha. Fidel Castro e Guevara faziam tudo para subtrair Cuba ao isolamento perpetrado por Washington. Desde o início da década que os norte-americanos apostavam em golpes de Estado e intervenções militares, basta pensar na Argentina, Equador, República Dominicana, Honduras, Brasil e Bolívia. Prosseguiam as guerras da descolonização e havia em África nacionalistas de prestígio, ao tempo: Nasser, Ben Bella, Nkrumah, Nyerere, Sékou Touré, mas também revolucionários atirados para a fogueira como Félix Moumié, assassinado, Lumumba, assassinado, Mandela, encarcerado. A revolução vitoriosa fora a de Cuba, em 1959. Che Guevara renuncia às funções de Estado e no maior secretismo parte para África, tem a conceção de que o turbilhão congolês irá mudar o mundo. Virá desiludido, o único político que lhe mereceu crédito e onde viu um líder revolucionário de primeira água foi Amílcar Cabral.

Numa narrativa arrebatadora, Roger Faligot descreve o trio Ben Bella, Guevara, Ben Barka, como foram congeminando a partir de 1964 a realização de uma conferência que evocando a solidariedade dos povos de África, Ásia e América Latina, que pusesse termo ao pernicioso conflito sino-soviético, que desse alento a todos os movimentos libertadores e travasse os projetos neocolonialistas. Os acontecimentos descritos por Faligot são pontuados pelo calendário. Por exemplo, as reuniões realizadas em Hanoi, era fundamental que o Vietname do Norte aparecesse em glória, como veio a aparecer em Havana, David estava a derrotar Golias. É neste contexto que aparece Amílcar Cabral, a quem Ben Barka chamava o “Lenine africano”. Cabral não morria de amores pelas teses guevaristas, não era homem de impulsos, apostava no trabalho político, estava nos antípodas do Che. O autor refere o seu bem-sucedido trabalho à volta da conferência das organizações nacionalistas das colónias portuguesas, onde trabalhou com Mário de Andrade, Agostinho Neto, Viriato da Cruz, Eduardo Mondlane, Marcelino dos Santos e Vasco Cabral.


Mário Pinto de Andrade é o segundo à esquerda, tratava-se de uma das muitas reuniões preparatórias da Tricontinental, a fotografia faz parte dos arquivos de Mário Pinto de Andrade, depositados na Fundação Mário Soares


Em 1962, Pedro Pires encontra Ben Barka em Casablanca. A guerrilha guineense irá evoluir favoravelmente a partir de 1963. Pedro Pires é apresentado como adjunto de Cabral que por sua vez envia quadros para França para mobilizar cabo-verdianos. É o caso de Barô, Joaquim Pedro Silva, que fez serviço militar no exército português e que depois partiu para Paris como militante do PAIGC. Intelectuais franceses interessam-se pela luta guineense, é o caso do cineasta Mario Marret e do politólogo Gérard Chaliand. Em novembro de 1964, Cabral está de passagem por Paris, veio do Vietname, e Faligot regista que Barô ficou impressionado com o fato completo de Cabral, os seus sapatos italianos de marca e o seu grande relógio Rolex. Cabral anuncia aos seus camaradas que se prevê no ano seguinte abrir a frente de Cabo Verde e que é fundamental organizar o recrutamento de cabo-verdianos na Holanda na Bélgica e em França. Cabral não se abre em confidências, mas na altura já tudo está a correr de feição para a preparação de guerrilheiros em Cuba. Em dezembro, Guevara anuncia que se encontrar com Ben Bella e visitar uma série de países africanos e passa à prática, em 19 de dezembro está em Argel, discutem com preocupação o que se está a passar no Congo. Guevara apercebe-se que a realidade do mosaico africano tem uma complexidade bem diferente do que se passa na América Latina, no início do ano chega ao Congo Brazzaville, apercebe-se que está num eixo estratégico, convirá trazer uma brigada cubana para atear fogos e subverter o discreto apoio norte-americano.


Os soviéticos estão em pulgas, querem saber o que Havana prepara para África, as teses da “coexistência pacífica” podem ser comprometidas pela organização Tricontinental que alguns andam a cozer. Em Conacri, Guevara convence Sékou Touré a participar em primeiro plano na Tricontinental e encontra-se com Cabral. Se até agora estes episódios públicos são relatados pela imprensa, a reunião de 12 de janeiro entre Cabral, que se fazia acompanhar de Pedro Pires e Aristides Pereira, é totalmente omitida para a opinião pública. Cabral é preciso nos seus pedidos à ajuda cubana, tem necessidade de 30 camiões e diz onde devem ser entregues, pede armas e formadores e pede igualmente preparação de um grupo de cabo-verdianos que deverão ser treinados em Cuba. Impressionado com o espírito metódico de Cabral, Guevara diz a tudo que sim. Em fevereiro, o “comandante primeiro” está no Cairo e depois volta à Argélia. Está gizado o plano para a Tricontinental. Ben Barka, conhecido na gíria como o “senhor dínamo”, põem-se em movimento. Em março, Guevara está de regresso a Cuba, está a amadurecer o seu plano para regressar ao Congo e despede-se das suas funções ministeriais numa empolgante carta a Fidel Castro.

As armas chegam à Guiné, como chegarão às mãos do MPLA e da FRELIMO. Guevara tem um enorme revés: Ben Bella é afastado do poder. No Cairo, Ben Barka afina as coordenadas da Tricontinental. Na Indonésia, os comunistas vão ser massacrados. Ben Barka é raptado em Paris, perto estava Pedro Pires reunido com Joaquim Pedro Silva e fala-se no recrutamento de Agnelo Dantas, que virá a combater em solo guineense. Em novembro, Guevara retira-se do desastre congolês mas não irá comparecer na Tricontinental, no dia de Natal de 1965 está a repousar na embaixada cubana em Dar-es-Salaam. Os guerrilheiros guineenses chegam a Cuba para receber formação. E as delegações revolucionárias avançam para o sumptuoso Habana Libre, são recebidos em ovação, frequentam cabarés, fumam puros e bebem champanhe. Ninguém sabe onde está o Che. Começam as comemorações do 7.º Aniversário da Revolução Cubana. O jovem guatemalteco Turcios Lima é a grande vedeta, as festas prosseguem, as delegações chegam. Mas tudo vai mudar na manhã de 6 de fevereiro de 1966, no Salão dos Embaixadores, Amílcar Cabral tem tempo de sobra para apresentar uma peça teórica que deslumbrará a assistência, deixando os dogmáticos de cara à banda.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13532: Notas de leitura (626): Mário Soares e a descolonização da Guiné (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13542: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XXI: Lembranças de Chaves (Agostinho Evangelista, 1º pelotão)

1. Continuação da publicação das "histórias da CCAÇ 2533", a partir do documento editado pelo ex-1º cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, de fotografias). (*)

Desta vez, o sold Agostinho Evangelista, do 1º pelotão, evoca as suas andanças por Chaves, donde mobilizada sua companhia (pp. 78/79). Boa continuação das férias para os nossos leitores...LG





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Guiné 63/74 - P13541: Tabanca Grande (443): Alberto Manuel Salvado dos Santos Grácio, ex- Alf Mil Op Esp/ Ranger da CCS do BCAÇ 4615/73 (Teixeira Pinto, 1973/74)

1. O nosso camarada Alberto Manuel Salvado dos Santos Grácio, ex- Alf Mil Op Esp/ Ranger da CCS do BCAÇ 4615/73 (Teixeira Pinto, 1973/74)


Boa noite Luís Graça.

Tenho seguido com particular interesse o blogue que superiormente diriges, embora só hoje é que tenha decidido avançar para finalmente poder participar nele.

Como mandam as regras, passo de imediato a fazer a minha apresentação muito singela:

Sou o Alberto Manuel Salvado dos Santos Grácio, ex Alferes Miliciano de Operações Especiais/Ranger, nascido e residente em Paredes, a 8 de Setembro de 1951.

Fui mobilizado pelo RI 16-Évora, para a Guiné, tendo embarcado no NIASSA, em 22 de Setembro de 1973.

Fiz parte da CCS do Batalhão de Caçadores 4615, onde fui incumbido do comando do PEL REC.

Cumpri o IAO no Cumeré, partindo depois para Teixeira Pinto, onde cheguei no princípio de Novembro.

A 15 de Agosto de 1974 vim de férias não tendo regressado à Guiné, em virtude de o Batalhão ter regressado a Lisboa, onde fiz a desmobilização a 14 de Setembro.

Envio algumas das minhas fotos.

Um abraço
Alberto Grácio
Foto 1 – No Cumeré - IAO
Foto 2 - Em Teixeira Pinto
Foto 3 - Oficial de dia
Foto 4 - Acção psicológica
Foto 5 - Pel Rec
Foto 6 - Pel Rec
Foto 7 - Regresso de uma patrulha
Foto 8 - Pel Rec - Futebol
Foto 9 - Combatente do PAIGC
Foto 10 – Com um combatente do PAIGC
Foto 11 - Oficial dia com Combatente e o Alf Mil David
Foto 12 – Apoiantes do PAIGC

2. Camarada Alberto Grácio, em nome do Luís Graça de demais Camaradas integrantes desta nossa Tabanca Grande quero dar-te as boas-vindas. 

Com a tua prestação são já 5 os elementos do teu batalhão de que temos aqui notícias.

Os outros 4 Camaradas são: 

- António Tavares Oliveira, da 3ª CCAÇ (Bassarel);
- João Correia, ex-Alf Mil da CCS (Teixeira Pinto);
- José Joaquim Rodrigues, ex-Fur Mil da 3ª CCAÇ (Bachile e Bassarel); 
- Albano Dias Pereira Gomes, ex-1º Cabo da 2ª CCAÇ (Teixeira Pinto).

Resta-me desejar que se te lembrares de alguma(s) história(s) nos as envies bem com mais fotos que possuas no teu álbum de memórias.

Um abraço Amigo do MR.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 


Guiné 63/74 - P13540: Os nossos seres, saberes e lazeres (73): Há festa na Tabanca de Candoz, com o grupo de bombos de Santa Eulália, Ariz, Marco de Canaveses...




Vídeo 5' 44''




Vídeo 1' 47''






Marco de Canaveses > Paredes de Viadores e Manhuncelos >  Candoz > Tabanca de Candoz >  26/7/2014.> Grupo de Bombos de Santa Eulália, Ariz, no peditório para a festa em hona de Nossa Senhora do Socorro (que é semopre no último fim de semana de julho)

Fotos e vídeos: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG)


1. Tinha prometido ao Agostinho que publicava estes vídeos no nosso blogue. Ele é o cantador do Grupo de  Bombos de Santa Eulália, Ariz, Marco de Canaveses. Toca também concertina e caixa. Ele herdou o talento do seu avô que cantava à desgarrada. É uma geração, a do jovem Agostinho,  que, felizmente. já não irá à guerra (esperamo-lo bem!), e que é guardiã e continuadora de tradições desta nobre e valente gente do Douro Litoral.  Estas tradições fazem parte dos "nossos seres, saberes e lazeres" e são acarinhadas pelo pessoal da Tabanca de Candoz... O concelho do Marco de Canaveses pagou um pesado imposto em sangue, suor e lágrimas durante a guerra colonial: 45 dos seus filhos lá morreram, por terras de Angola, Guiné e Moçambique (vd lista nominal no portal Ultramar Terraweb).

Quando chega o verão, há foguetes e alegria no ar. Estes jovens ganham uns cobres acompanhando os mordomos das festas no peditório , casa a casa. Neste caso, o peditória era para a festa da padroeira da freguesia de Paredes de Viadores (e que agora passou taambém a incluir a antuga freguesia de Manhuncelos), a  Nossa Senhora do Socorro, que tem uma  capela que remonta ao séc. XIX, num dos pontos altos do território da freguesia...

O Grupo de Bombos de Santa Eulália de Ariz tem página no Facebook.

2. Diga-se, de passagem, que Ariz, que é sede de freguesia, é hoje conhecida pelo seu carnaval, os seus foliões e cabecudos,  mas também, no seu passado histórico, pela famigerada "forca de Ariz" onde terão sido foram exsecutados (, ficando  dependurados os seus cadáveres, como forma de terror) muitos dos condenados à morte até à extinção da pena capital no nosso país...  mas também alguns dos portugueses, vítimas da guerra civil, fratricida, entre liberais e absolutistas (1828-1834).

Ariz fazia parte, até 1852, do extinto concelho de Bem-Vuver (que ocupava a parte do sul do atual concelho de Marco de Canaveses)... Por estas terras também o lendário herói do "banditismo social", Zé do Telhado ( Castelões de Recesinhos, Penafiel, 1818  / Mucari, Malanje, Angola, 1875). e o seu bando, cujas façanhas ficaram na memória das gentes dos vales do Sousa e Tâmega (onde nasceu Portugal).  Desterrado, Zé do Telhado morreu em Angola (onde a sua memória ainda é, ao que parece, venerada). (LG)

Guiné 63/74 - P13539: Parabéns a você (780): António Marques Barbosa, ex-Fur Mil Cav do Pel Rec Panhard 1106 (Guiné, 1966/68) e José Corceiro, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1969/71)


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Nota do editor:

Último poste da série >  27 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13536: Parabéns a você (779): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Guiné, 1968/70)

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13538: Manuscrito(s) (Luís Graça (40): Habeas corpus... ou mal de ti que foste à guerra







Lourinhã, Praia de Vale de Frades, com o forte de Paimogo (séc- XVII) à vista > 20 de agosto de 2014.  
Fotos: © Luís Graça  (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG)


Habeas corpus...

por Luís Graça


Sou objeto de desejo,
Logo corpo de delito,
Ou tão só mero ensejo
Para cadáver ex-quesito.

Quesito nº 1 do corpo
É manter-se bem temperado,
Sem a palidez do morto,
Nem na morgue congelado.

A pátria me requisita
O corpo onde eu habito,

Corpo morto não levita,
Nem eu, soldado, já grito.

Há o corpo de doutrina
E o corpo do relatório,
O libelo acusatório
E os detalhes da chacina.

Execução sumária ?
Conto apenas um morto,
Vítima de qualquer malária,
Entre a praia e o horto.

Há o corpo mal dormente
E a figura de corpo presente,
Que ninguém fique para semente,
Ordena o nosso tenente.

Onde acaba o raio do louco
E começa o tal demente ?
Se queres conhecer o teu corpo,
Mata e abre o teu porco.

Se és do corpo de polícia,
Não tens malícia no corpo.
Quem já nasce feio e torto,
Vai engrossar a milícia.

Há o corpo proativo
E o corpo amnésico,
Mais vale ser protésico
Do que triste radioativo.

Há a elite do corpo médico
Bem como o milagre ortopédico,
Há os crentes e os ateus
E ainda o corpo de deus.

A guerra é um circo trágico
Onde há o palhaço faz-tudo,
O herói é o mágico
E o homem-bala um sortudo.

Sangue, suor e lágrimas,
Lágrimas, suor e sangue,
Diz o braço tatuado
No corpo do zé soldado.

Pobre do corpo encapuçado,
Logo vai ser decapitado,
Ou então enforcado
Ou se calhar fuzilado.

Também há o corpo adhoc,
De peito feito às balas,
Contra a tropa de choque
Erguem-se os mortos das valas.

Mal de ti que foste á guerra
Sem voltar à tua terra,
Teu corpo, morto, não grita,
E, se não grita, não levita.

Lourinhã, 19/8/2014
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13475: Manuscrito(s) (Luís Graça) (39): A felicidade ? É onde nós a pomos e onde nós estamos...

Guiné 63/74 - P13537: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (5): De Oxfordshire para Derbyshire: os primeiros dias

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Julho de 2014:

Queridos amigos,
Consegue-se bom tempo em Maio, em Inglaterra, mesmo com chuvadas intercalares.
O que continua a impressionar-me, e já lá vão umas boas visitas, é a harmonia entre a natureza e o construído, há aquele privilégio do sempre verde, há o sombrio da pedra, aquele diálogo circunspeto entre o antigo e a intrusão da modernidade, tudo se processa sem violências.
Gosto muito da arquitetura de Oxford, os seus parques, os seus museus. E sabe bem vaguear pelo campo.
Prometo continuar, não defraudar as vossas expetativas, neste Verão.

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (5)

De Oxfordshire para Derbyshire: os primeiros dias

Beja Santos

O fito era percorrer as velhas aldeias da região das Cotswolds, aqui viveu gente insigne, como o escritor Thomas Hardy e William Morris, o genial artista de Arts and Crafts, depois vagabundear por Oxford, uma vez mais, e apanhar um comboio para a região de Derby, passando pelas relíquias da Inglaterra da Revolução Industrial, dos séculos XVIII e XIX.

O primeiro passeio aconteceu nos arredores de uma terra bem curiosa, de nome Faringdon, que tem uma igreja que Cromwell mandou bombardear, naqueles tempos da guerra civil. Algum disse: “Vamos ver uns quilómetros de bluebells, se não for agora não as apanhamos viçosas”.
Estávamos em Maio, o passeio foi de tarde, entrámos no bosque com sombras aconchegantes, o tempo aprazível. E era aquela embriaguez de azul. Os ingleses são assim nos seus cultos às flores. Tudo começa no início de Fevereiro quando os campos húmidos brotam os snowdrops, é o anúncio floral, depois daquele Inverno taciturno, plúmbeo, com cargas de água diluviais, em que a natureza adormece profundamente.

Estes campos de bluebells são um espanto, parecem tapetes viçosos, anunciam a maturidade primaveril. Ora vejam, do grande para o pequeno:



Cambridge ou Oxford, qual delas a mais bela?
Voto por Cambridge, tem mais intimidade, toda ela cheira à vida universitária, sinto-lhe a intimidade. Mas não nego as belezas de Oxford, a sua opulenta biblioteca, os seus colégios históricos, o Ashmolean Museum, profundamente didático, rico em tudo, em escultura, pintura, cerâmica, de todas as épocas. Tive sorte com a luz, gosto deste pátio que dá acesso à Bodleian, uma biblioteca ímpar num edifício ímpar, como se vê há qui uma mistura bem doseada de vários séculos.


Passei pelo Sheldonian Theatre, reputada sala de música, dentro de dias iria passar por lá Maxim Vengerov, ali fazem preleções figuras do mundo, como Kofi Anan. Prudente com o valor das libras, fui ouvir um trio nacional, com uma escolha musical de arrebatados românticos. A sala é esplendorosa, os lugares desconfortáveis, paciência.


E mostro-vos algumas fotografias dispersas de colégios e igrejas. Dá gosto deambular, bisbilhotar, ouvir e perguntar. Vejam lá se gostam:




Gosto muito dos cemitérios ingleses, não é só a tranquilidade, é a ausência do espalhafato dos mortos, acabou-se o terreal e ficamos todos em amenidade, é possível contemplar sem arrepios estas lápides sóbrias, há bancos para ler e meditar, esta atmosfera é um bálsamo, não se sai daqui a pensar nas coroas de espinhos nem nas lágrimas vertidas, ganha-se força para nos alegrarmos com as coisas que o bom Deus nos oferece enquanto estamos vivos, em cemitérios como este até se tem discernimento para preparar em boa forma a passagem para a outra vida.
É assim que penso, é assim que vibro nestes locais de apaziguamento, ouvindo o chilreio das aves e o murmúrio do vento, até porque, por definição, o tempo inglês é instável.


E chega por hoje, vamos viajar amanhã até Swanage, no Dorset, é lindo de morrer, vamos visitar o historiador Ben Buxton. Depois eu conto, até porque andei num velho comboio decorado à moda dos anos 1950.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13517: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (4): "Carta aberta às vítimas da descolonização”, por Jacques Soustelle

Guiné 63/74 - P13536: Parabéns a você (779): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 25 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13531: Parabéns a você (778): Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Radiomontador do BCAÇ 3852 (Guiné, 1971/73)

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13535: Blogoterapia (260): A minha toca (Ernesto Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421)

1. Mensagem do dia 13 de Agosto de 2014, do nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67):

Tenham coragem
Leiam até ao fim
É um pedido


A MINHA TOCA

Sou serrenho
Nasci na serra
Numa toca
Não na grandeza de uma caverna
Habitada por homens superiores
Tinha como vizinhos
As raposas astutas
Passava o Sr. Melro
Sempre impecavelmente vestido
No seu fato preto de alta pena
Lá mais ao longe voava a cotovia
Também cantava o rouxinol
Bebia água pura com sabor a champanhe
No riacho ao lado passeavam-se peixinhos
Cantavam as rãs e os sapos
Os corvos também apareciam, com o seu mistério
Comia frutos silvestres com as aves e as abelhas
Colhia das árvores as frutas com que me banqueteava
Em noites de trovoada, eram lindos os desenhos feitos com os relâmpagos
Em noites calmas, ouvia-se o gemido do mocho e da coruja
Nas noites em que o vento dava concertos
As árvores dançavam loucamente
Qual artistas de cabarés de elite
Ou mesmo como nos palcos dos bailados
Mas a fama do império chegou à minha toca e eu tive que partir
A desilusão não conta
Voltei mais louco
Perdi-me
Iludi-me não voltei à minha toca
Fiquei numa gaiola normal e modesta
Havia gaiolas de luxo
Havia até gaiolas douradas
Todas tinham porta com fechadura
Também havia jaulas com celas
Tinham presos por que tinham falado
As gaiolas hoje são em excesso
Há carência de jaulas
Há tanta gente que fala, fala e não esta preso
Gostava que não fosse assim
Vou voltar a procurar a minha toca sem porta
A minha gaiola com porta e fechadura
Onde criei o meu mundo e dos meus
Foi assaltada
Foi devassada
Não ficou nada de valor
Nada com valor moral
A porta e a fechadura da gaiola alta palavra em tecnologia
Vou voltar à minha toca
Aos meus antigos vizinhos
Riam-se da caricatura da mensagem!
Mas pensem pelo menos uma vez
No quanto estão inseguros
E o valor que as vossas coisas têm e que se não apercebem
Não quero lançar o medo
Não! Isso nunca!
Mas quem sabe pode haver uma coisita a fazer e fazerem e assim, não terem razões para dizerem, casa roubada tranca na porta!

Um grande abraço a todos
Ernesto Duarte
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13521: Blogoterapia (259): Mensagem de agradecimento de Rui Alexandrino Ferreira à tertúlia, a propósito do lançemento do seu último livro "Quebo - Nos confins da Guiné" e da passagem do seu 71.º aniversário