sábado, 3 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14113: A minha máquina fotográfica (18): A minha máquina foi comigo da Metrópole mas já conhecia os cantos da guerra. Tinha feito uma comissão de serviço, para os lados de Bissum, com um irmão meu, entre 1970 e 1972 (Albano Costa)

1. Mensagem, com data de 23 de dezembro de 2014, do nosso camarada Albano Costa (ex-1.º Cabo da CCAÇ 4150, Bigene e Guidaje, 1973/74), fotógrafo profissional, com estabelecimento em Guifões, Matosinhos:

Olá, amigos
É com muito gosto que estou a responder ao pedido feito pelo editor do nosso blogue, Luís Graça.

As fotos que insiro neste texto servem para ilustração do texto.

A máquina já foi comigo da metrópole para a Guiné, aliás, ela já tinha feito uma comissão por isso já era velhinha, assim como já conhecia os cantos da guerra, ela fez uma comissão para os lados de Bissum com um irmão meu que também esteve na Guiné entre 70-72 e depois foi comigo em 73-74.

Eu ainda ganhei uns trocos com a minha máquina, mas não trouxe dinheiro nenhum tudo foi dividido ainda na Guiné comigo e com os amigos mais chegados.

Eu comecei a fotografar logo no barco (Niassa), eu arranjei conhecimento com o funcionário do Niassa que num compartimento na ré do barco, tinha uma pequena oficina que imprimia as ementas do que ia ser as refeições dos oficiais e sargentos (um luxo para a época) e também fazia fotografia, e ele deixava-me ser eu a imprimir as minhas fotos e eu só pagava o papel e os banhos e pouco mais. Por isso durante o dia tirava as fotos e à noite muitas vezes estava a passar um filme a bordo e eu estava a fazer as minhas fotos para no dia seguinte as vender e tirava outras, mas tinha um colega que tomava a responsabilidade de as entregar e receber o respectivo pagamento (sem I.T. e sem NIF que ainda não existia), ainda juntei algum dinheirito.

Esse dinheiro veio a fazer muito jeitinho porque como devem saber, pelo menos com a nossa companhia foi assim, o primeiro dinheiro que recebemos foi ao fim de 3 meses, muito dos meus amigos já andavam nas lonas e quem pagava as contas da cerveja era o dinheiro das fotografias.

As minhas fotografias foram quase todas feitas na metrópole eu levei bobines de fita a P&B e depois cortava para fazer rolos de 36/37 fotos, e alguns rolos a cores (poucos) eram mais caros e tinham de ser impressos em Espanha, naquele tempo todo o serviço a cores ia para Espanha. Mas eu tinha o meu secretário que me ajudava no seguinte, eu tinha uns livrinhos (também trabalhei em artes gráficas e levei alguns comigo), que se usava e ainda hoje é usado pelos «rifeiros» e recebia primeiro o dinheiro e depois entregava as fotos mediante o respectivo talão, para salvaguardar, de depois não virem dizer que não tinham dinheiro e eu tinha de ficar com as fotos que não serviam para nada a não ser para o próprio.

Quando cheguei à Metrópole o meu pai (já falecido) ainda me perguntou se eu tinha dinheiro para pagar a despesa das fotos que eu fiz, e eu respondi, pai não fui para a guerra para ganhar dinheiro, o dinheiro que sobrou foram 4.000$00 que emprestei a dois colegas se eles me pagarem muito bem se não me pagarem paciência, um deles ainda me deu 2.000$00 o outro nunca mais apareceu.

A máquina depois de duas comissões não tirou mais fotografias, recolheu ao arquivo e ainda hoje lá se encontra junto de dezenas de máquinas do espolio que foi do meu pai e meu, e por lá vai continuar, mas ainda se for preciso faz o seu dever ainda funciona, porque de vez em quando vou dar uns disparos sem rolo para a manter activa.

Aproveito para desejar um feliz Natal e um próspero Ano Novo.

Um abraço
Albano Costa

Mala de protecção da máquina


Outro plano de frente da máquina

Costas da máquina

Arquivo de alguns de muitos rolos a P&B e cores

Arquivo em Digital para ficar para futuro. Já tem dado para fazer umas surpresas aos amigos.

Fotos © Albano Costa (2015). Todos os direitos reservados
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14103: A minha máquina fotográfica (17): Comprei uma Canon no navio "Timor" e andei com ela muitas vezes no mato... Tirou centenas de fotos e "slides" (que mandava para a Alemanha, para revelar) (Abílio Duarte, ex-fur mil,CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970)

Guiné 63/74 - P14112: Agenda cultural (368): Apresentação do livro "O Fim do Império", do jornalista Ribeiro Cardoso, dia 8 de Janeiro, pelas 15h00, na Messe de Oficiais, Praça da Batalha, Porto (Manuel Barão da Cunha)

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Nota do editor

Último poste da série de 29 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14094: Agenda cultural (371): José Eduardo Reis Oliveira (JERO) apresentou no passado dia 9 de Novembro o seu livro "Família Coelho", o resultado da pesquisa das suas raízes

Guiné 63/74 - P14111: O nosso blogue em números (34): no final de 2014: (i) 6,8 milhões de visualizações de páginas; (ii) 676 membros registados; (iii) 14 mil postes publicados; (iv) 55600 comentários; (v) 1638 amigos no Facebook da Tabanca Grande...



Em 23 de abril de 2015 fazemos 11 anos... Estamos a fazer a campannahs dos 700 grã-tabanqueiros... E esperamos ter ultrapassado os 7,3 milhões de páginas visualizadas...


Draft do poster do nosso 11.º aniversário. Autoria do © Miguel Pessoa (2014)

Mensagem,  de 24 de dezembro último, do nosso camarada e colaborador Miguel Pessoa:

 "Caros Luís e Carlos: Em vez do tradicional cartão de Boas Festas resolvi enviar-vos o 1º draft do meu postal do 11º aniversário da Tabanca Grande. Provavelmente o último que me abalanço a fazer, que já começo a não ter imaginação para futuros projectos... Pelo menos penso que o "período azul" dos meus projectos estará a chegar ao fim... Claro que os valores ali apresentados poderão ser corrigidos em data mais próxima do aniversário. Mas fica a ideia global. Com votos de uma boa Consoada e uma entrada estável em 2015.Miguel"

Resposta, e pronto do nosso editor LG.:

"Miguel, és um amor. Acho que o talento não se perde, com a idade, pelo contrário, desde que seja usado (e ás vezes abusado)... Obrigado pela tua prenda de Natal. A gente depois acerta os detalhes. Boa consoada, boa reunião de família. Bj. para as tuas meninas, xicoração para os machos. Luis"


1. O nosso blogue atingiu, em finais do ano de 2014  a cifra de 6,8 milhões de visualizações de páginas (grosso modo, de visitas), segundo as estatísticas do nosso servidor, o Blogger: 5,1 milhões, desde maio de 2010, a que acrescem mais 1,7 milhões desde 23/4/2004, início da I Série, que esteve em vigor  até 30/5/2006. (*)

No espaço de um ano   tivemos um aumento de 1,5 milhões de visualizações de páginas (Gráfico nº 1). Admite-se que 10% a 15% deste total de "visitas" sejam de blogues, portais e outros sítios com intenções comerciais, a avaliar pelas mensagens tipo SPAM que ficam nas malhas dos nossos filtros...

Mesno assim, é um número notável que nos encoraja a continuar, enquanto tivermos condições para manter aberta a nossa Tabanca Grande.  E tudo isto... (i) apesar da "crise" que também nos afeta; (ii) apesar da concorrência do Facebook e de muitas outras páginas sobre a guerra colonial que apareceram na Net; (iii)  apesar do nosso envelhecimento e, pro vezes,  cansaço, saturação, desânimo, descrença; e ainda, e não menos importante, (v)  apesar  do inevitável esgotamento das nossas "memórias" (guardadas no "baú"), que tem de ser compensado pela entrada de "gente nova" (leia-se: novos tabanqueiros), o que felizmente tem acontecido...



Gráfico nº 1 - Evolução do nº de visualizações de páginas do nosso blogue, em milhões, de maio de 2010 a dezembro de 2014.

2. Quem nos visita vem fundamentalmente de:

Portugal (48,2%) 
EUA (17,6%)
Brasil (8,7%)
França (4,8%)
Alemanha (4,0%)...

mas também de:

Rússia (0,9%)
Reino Unido (0,8%)
China (0,7%)
Polónia (0,7%)
Canadá (0,7% )...

Do do resto do Mundo são 12,9%.

O Brasil foi destronado do 2º lugar, agora ocupado pelos EUA (que tinha 7,6% do total em 31/12/2013, e tem agora  17,6%) (**).

Para além de Portugal e do Brasil, não há mais nenhum país lusófono nos dez primeiros lugares, mas há seguramente importantes comunidades lusófonas (portugueses, guineenses, caboverdianos e outros) por detrás dos números de países como a França, a Alemanha, o Reino Unido ou o Canadá.

27% nossos visitantes pertencem a (ou vivem em) o Novo Mundo (Américas): EUA, Brasil, Canadá...

3. Por navegador, o Internet Explorer vai à frente (38%), seguido do Chrome (28%) e do Fire Fox (22%). Os restantes juntos somam 12% do total dos visitantes.

Por sistema operativo, o Windows ainda é o rei e o senhor (82%), destacadíssimo da concorrência: McIntosh (6%), Linux (5%) e outros (7%).

4. No final do ano de 2013, tínhamos 636 membros inscritos na Tabanca Grande. No final de  2014, temos 676,  ou seja, uma média de 3,3, por mês, sensivelmente  a mesma do que em 2013 (3,4/mês) (Gráfico nº 2).




Gráfico nº 2 - Evolução do nº membros (registados) da Tabanca Grande, que passam de 390 (em dezembro de 2009) para 676 (em dezembro de 2014): um média de 57,2 por ano.

5. O número de postes publicados, em 2014, foi de 1565 (4,3 por dia), menos do que nos anos anteriores (até 2009). O melhor ano foi o de 2010, com um total de 1955 postes. O total de postes publicados nestes 11 anos foi de 14095 (Gráfico nº 3).


Gráfico nº 3 - Evolução do nº de postes publicados, por ano: passam de 4 (em 2004, ano em que arrancou o blogue) para  1565 (em 2014).  O nº médio anual de postes publicados é de 1670 (,considerando apenas os últimos 7 anos, de 2008 a 2014).



6. O número de comentários atingiu, no final do ano de 2014, um total de 55670, mais 8150 do que no final de 2013 (Gráfico nº 4).





Gráfico nº 4 - Nº de comentários por ano (de 2008 a 2014)


Em média, fizeram-se durante o ano passado 22,3 comentários por dia no nosso blogue.

Se consideramos o nº de postes publicados em cada ano, o nº médio por poste e por ano é de 5,2 (no período de 2009 a 2014).


Gráfico nº 5 - Nº médio de comentários por poste e por ano (de 2008 a 2014)


O nº de comentários foi diminuto nos primeiros anos, até por razões ténicas: 20 (desde 1 de junho até final de 2006): 200 (2007); 1000 (2008)... Começou a crescer a partir de 2009.


7. É bom lembrar que temos, desde janeiro de 2011, uma página no Facebook, chamada Tabanca Grande, com com 1638 amigos (cerca de 300 mais no final do ano de 2013). 

Temos dado preferência, em termos de resposta aos chamados pedidos de amizade, aos antigos combatentes da guerra colonial, mas nem todos os amigos do Facebook têm a ver com a guerra, longe disso, e muito menos com a Guiné.

A nossa página do Facebook, gerida pelos editores Luís Graça e Carlos Vinhal, não se rege pelos mesmos princípios editoriais do blogue. Os amigos do Facebook não são automaticamente membros do blogue. Para esse feito, têm que seguir os mesmos procedimentos: (i) mandar 2 fotos, (ii) ter um email válido (ou disponível, através de um familiar ou amigo); e (iii) apresentar-se aos membros da nossa comunidade virtual a que chamamos Tabanca Grande.

Tal como já tínhamos dito o ano passado, no início do ano, temos de: (i) encontrar uma maneira de articular melhor o blogue e a página do Facebook; e (ii)  prestar mais atenção às muitas páginas que, sob a forma de blogues, sítios e páginas do Facebook, se abriram nestes últimos anos, individuais ou de grupo, e que são um importantíssimo contributo para o esforço de preservação, proteção e divulgação das memórias dos antigos combatentes da guerra colonial.

Cabe a esse respeito, deixar aqui, mais uma vez, uma palavra de grande apreço ao portal UTW - Ultramar Terraweb, fundado, em 20/3/2006, pelo nosso camarada António Pires (ex-fur mil mec auto, CSM/QG/RMM (Moçambique 1971/1973). Para ele e para a sua equipa, vai  o nosso fraterno alfabravo, e o nosso apreço pelo gigantesco trabalho realizado.

8. Recorde-se, por fim, os 6  (seis)  camaradas e os 2 (dois)  amigos  que nos deixaram, deixando mais pobre a Tabanca Grande, durante o ano de 2014. Que descansem em paz, e que continuem a ser lembrados por nós.

António Rebelo (1950-2014)
Armandino Alves (1944-2014)
Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito' (1949-2014)
Fernando Brito (1932-2014)
João Henrique Pinho dos Santos (1941-2014)
José Fernando de Andrade Rodrigues (1947-2014)
Manuel Moreira (1945-2014)
Maria Manuela Pinheiro (1950-2014).


9. Antes de terminar, quero expressar  aqui, em público, os meus sentimentos amizade, camaradagem e recomheciemntos para todos os nossos editores (que são, além de mim, o Carlos Vinhal, o Eduardo Magalhães Ribeiro e o Virgínio Briote que, por razões de saúde, deixou de estar ativo, sendo por isso um editor "jubilado"), e demais colaboradores permanentes (Humberto Reis, Hélder Sousa, Jorge Cabral, José Martins e Torcato Mendonça)... Eles merecem todo o meu (e, seguramente nosso) apreço... Um destaque especial para o José Martins, pelo seu "consultório militar", sem esquecer o Miguel Pessoa e o Joaquim Mexia Alves que integram, desde há anos, a comissão organizadora do Encontro Nacional da Tabanca Grande.

Mais uma vez ninguém me  levará a mal a discriminação que faço, pela positiva, ao destacar, de entre todos, o nosso camarada Carlos Vinhal, "meu braço direito e esquerdo": pelo seu trabalho, pela sua disponibilidade, pela sua generosidade, pelo seu companheirismo e sobretudo pela sua inteira dedicação ao nosso blogue (, muitas vezes em prejuízo do seu descanso e saúde!), ele é uma das traves-mestras deste edifício que estamos a construir juntos, e merece as nossas palmas no início do ano de 2015, em que vamos (i) comemorar os 11 anos de existência e (ii) realizar, no próximo dia 18 de abril, em Monte Real, o X Encontro Nacional da Tabanca Grande.

A lealdade, camaradagem e generosidade de todos vocês, editores e conselheiros, não têm preço. A minha/nossa gratidão é extensiva a todos os autores, leitores, visitantes, sem esquecer os nossos amigos do Facebook donde iremos cada vez mais recrutar gente e material... Quanto aos autores que alimentam todos os dias o nosso blogue, seria injusto destacar A, B ou C... Mas o seu contributo é decisivo para o sucesso e a longevidade do nosso blogue. (Quisemos no ano transato, em 19 de outubro dar relevo à excecional colaboração do Mário Beja Santos, que atingiu as mil entradas no nosso blogue) (***).

Para todos os/as amigos/as e camaradas da Guiné vai o meu/nosso Oscar Bravo (OBrigado). Continuamos a contar com todos/as para, juntos, mantermos vivo este nosso projeto, que já não é nosso, é da NOSSA geração, a tal que se recusa a ser sepuda na vala comum da ignonímia e do esquecimento.

Uma saudação também especial a todos os 40 "periquitos/as" que,  em 2014,  passaram a honrar-nos com a sua presença sob o poilão da Tabanca Grande.

Amigos e camaradas da Guiné, um 15-20 para o novo ano de 2015... Isto é, que um ano entre o BOM e o EXCELENTE, em termos individuais e coletivos. (LG)
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Notas do editor:

(*`) Último poste da série > 8 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12557: O nosso blogue em números (33): Um em cada cinco dos nossos visitantes vem do Novo Mundo (Brasil, EUA e Canadá)... Cabo Verde é o 10º país do nosso "top ten"... Atingimos os 5,3 milhões de visualizações, 12500 postes, 3500 descritores... e somos 636, os membros da Tabanca Grande... (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 1 de setembro de  2014 > Guiné 63/74 - P13558: O nosso blogue em números (34): 6,3 milhões de visitas até ao final de agosto... Quem nos visita vem de Portugal (51%), EUA (16%), Brasil (9%), França (4%), Alemanha (3%)... mas também da Rússia, Reino Unido, China, Polónia e Canadá (cerca de 1% cada)... Do resto do Mundo são cerca de 12,5%.

(***) Vd. poste de 19 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13764: Tabanca Grande (449): Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), tertuliano do nosso Blogue desde 8 de Junho de 2006, atingiu as 1000 entradas na nossa página (Luís Graça / Carlos Vinhal)

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14110: Notas de leitura (664): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (1): "O Avô Porraditas"

 


1. Em mensagem do dia 22 de Dezembro de 2014, o nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex- Fur Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos, do seu último livro, "Família Coelho", a história do Avô Porraditas, um dos seus antepassados.(*)


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Notas do editor

(*) Vd. poste de 29 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14094: Agenda cultural (371): José Eduardo Reis Oliveira (JERO) apresentou no passado dia 9 de Novembro o seu livro "Família Coelho", o resultado da pesquisa das suas raízes

Último poste da série de 2 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14109: Notas de leitura (663): “O céu de Guidage”, por Domingos Gonçalves, edição de autor, 2004 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14109: Notas de leitura (663): “O céu de Guidage”, por Domingos Gonçalves, edição de autor, 2004 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Dezembro de 2014:

Queridos amigos,
Há edições de autor que são memoráveis, nelas, sem qualquer hesitação, incluo este “O céu de Guidage”, notas diárias, ou quase, de um alferes que é lançado vários meses para um rincão fronteiriço, aonde afluem gentes e importantes, muito importantes, informações.
A região é palmilhada por gentes do PAIGC, por ali passam caminhos que levam para Sambuiá, para o Oio, está-se perto de Zinguichor.
E sentimos que este alferes Gonçalves para além de armadilhar e caçar e de querer tornar Guidage um sítio viável, é confrontado pelo animismo, pelo domínio ancestral do homem sobre a mulher, pelas permanentes visitações da doença e da morte.
Era assim Guidage em 1967, e nós acreditamos piamente que era assim, como Domingos Gonçalves a descreve e se descreve.

Um abraço do
Mário


O céu de Guidage

Beja Santos

Vamos agora dar um salto no tempo, estamos em Julho de 1967, altura em que Domingos Gonçalves passa a ser o comandante militar de Guidage. Das três obras que ele teve a amabilidade de me oferecer depois da sessão de lançamento do livro “Fafe na guerra colonial”, que decorreu em Fafe a 12 de Dezembro último, é o seu livro de que mais gosto, vê-se à légua que foi a missão que mais o marcou, por isso as suas notas são abundantes, a sua dor é por vezes imensa como imenso é o seu deslumbramento por aquele território junto ao Senegal, quase fora do mundo, onde ele adora caçar e constantemente se motiva para ter os seus homens igualmente motivados: “O céu de Guidage”, por Domingos Gonçalves, edição de autor, 2004, com a seguinte dedicatória: “A todos os soldados da CCAÇ n.º 1546, do BCAÇ n.º 1887, que estiveram no destacamento militar de Guidage, ou que por lá passaram”.(*)

Escreve no dia 12 de Julho de 1967: “Vou com os meus homens passar três ou quatro meses em Guidage. A estrada encontra-se num estado miserável. É uma manhã triste e sombria, que se esconde para além desta neblina”. As viaturas atascam-se, repetem-se os palavrões, foi uma viagem difícil e penosa, chegam a Guidage, o outro grupo de combate que vieram substituir inicia a viagem para Binta. Vaza para o papel: “Neste pequeno mundo eu sinto-me quase um rei, autoridade máxima deste reino constituído por cerca de dez hectares de terreno rodeado de arame-farpado onde habitam cercam de duas centenas de nativos. Eu sou o comandante das tropas aqui estacionadas, cerca de cinquenta homens”. Localiza Guidage, releva as suas vulnerabilidades, fala das picadas em muitíssimo mau estado. A Guidage chegam informações que depois são reencaminhadas para o Batalhão, trazem notícias que Amílcar Cabral anda a percorrer as bases e a apaziguar os ânimos, haverá tensões entre guineenses e cabo-verdianos. Vem gente do Senegal cumprimentá-lo. Há razão para isso: “Todos os dias passam por Guidage dezenas de senegaleses. Regra-geral, vêm comprar tabaco, sabão, azeite, tecidos, petróleo para iluminação, etc. Trazem também algum contrabando e algumas informações sobre a movimentação das forças do PAIGC”. O destacamento encontra-se num estado miserável, queixa-se da falta de militares: “Dos seis furriéis que devia ter aqui apenas tenho dois. Os soldados e cabos também são poucos. Por isso têm que fazer serviço todas as noites”. A 17 chega-lhe uma notícia muito importante: “Amílcar Cabral continua em Samine. Um grupo de 80 turras vai sair de Jeribã para Jagali Balanta. Transporta armas ligeiras, munições, quatro bazucas e dois morteiros. De Jeribã seguem para Sindina e depois para Sambuiá. Devem atravessar o rio Cacheu em Concolim”.

O ramerrão diário tem imprevistos, dois cadastrados, soldados em Guidage, tentarem fugir para o Senegal, foram apanhados já em território do Senegal. Por vezes, a natureza lembra-lhe a sua região: “Estes campos verdes de milho que cresce à volta de Guidage têm um pouco da verdura do Minho… E fazem-me olhar para muito longe. É a saudade!”. A pista de aviação estava inoperacional, ele decide pô-la em condições de voltar a receber os passarões de aço e chapa. Os senegaleses doentes chegam a toda a hora. A polícia senegalesa é vista a observar o território da Guiné portuguesa com binóculos. Chegam notícia de que Guidage vai ser atacada. Estamos em plena época das chuvas, o destacamento é um lamaçal. No fim desse mês de Julho, começa a colocar armadilhas em marcos fronteiriços e pontes adjacentes. Há um furriel responsável pelas informações que agride os nativos com frequência, a população teme-o: “Chamei-o ao meu gabinete, proibi-o de bater nos nativos. Não foi nada fácil convencê-lo. Refugiado no facto de ter um trabalho autónomo, sobre o qual apenas tem de prestar contas aos serviços de informação militar, de quem depende, entendia que podia fazer com a população o que muito bem lhe apetecesse”. O relacionamento da população com a tropa de Guidage melhorou muito.

Teme-se a qualquer momento uma flagelação, redobra a vigilância. As armadilhas começam a fazer o seu efeito, houve uma explosão, foram lá ver, encontraram um rapaz que não teria mais de quinze anos: “Pensando que estava mesmo morto, deixaram-no abandonado entre o capim, sem qualquer elemento que o pudesse identificar”. Para pasmo de Domingos Gonçalves, a população irá executá-lo. O alferes não pára de armadilhar e caçar. A população senegalesa queixa-se dos roubos de vacas pelos turras. Com a coluna de Binta, veio o capelão: “É um bom homem. Chamam-lhe o pardal espantado porque ele não para em lado nenhum. Aproveita todas as oportunidades possíveis para se deslocar de destacamento em destacamento. É uma pessoa muito piedosa sempre preocupada com o bem-estar dos outros”. Nos patrulhamentos, encontra vestígios de passagem dos guerrilheiros. As armadilhas vão rebentando, obra dos homens e da passagem dos animais, ele volta a armadilhar, não dá tréguas. Em 17 de Setembro, Guidage é atacada, não há feridos nem estragos a lamentar. De Binta, o capitão dá-lhe ordens para patrulhar e armadilhar e ele escreve: “Não vou. Não cumpro ordens estúpidas”. As tensões acentuam-se, os furriéis não se entendem uns com os outros, há imensas bebedeiras, as chuvas são abundantes, as informações que chegam a Guiadge são preocupantes, prepara-se um ataque em força, as carências são de toda a ordem, parece que tudo falta em Guidage.

Estes apontamentos de Domingos Gonçalves tocam-nos profundamente: um destacamento à beira do Senegal aonde afluem pessoas em carência, informações, onde se afina o instinto de sobrevivência, o resistir à solidão, o sentir-se o abandono, as vidas transtornadas à nossa volta, e então o ser humano levanta-se, comunga com a natureza e escreve-se sobre este respeito, com simplicidade e sinceridade: “As trovoadas aqui são cheias de grandeza. Tanto nos incutem medo como admiração. Quase me apetece afirmar que valeu a pena vir à Guiné só para observar estes espetáculos. É muito belo, em noites de trovoada, este céu de Guidage. Entretanto sobre a mesa do meu improvisado gabinete, os ratos brincavam com os papéis". Mas nesse mesmo apanhado de notas, ele escreve adiante: “De tarde, patrulhei a área de Fajonquito, onde encontrei vestígios da passagem recente dos turras, e onde recolhi um quico perdido por eles. Passei por Quenheto e caminhei, ainda, pela estrada do Dungal, onde deixei ficar três potentes armadilhas. Regressei pela linha de fronteira, passando junto do marco 124”.

O alferes tem que praticar justiça, agir como juiz de paz em casamentos desavindos, procurar, nesse escuro túnel cultural, agir com prudência, travar roturas, desinchar o mau estar. Já se passaram três meses, sonha-se com o regresso a Binta. Mas, por outro lado, sente-se incomodado por voltar à companhia do capitão (a quem ele chama Faruk). Pouco antes de regressar a Binta, no início de Novembro, escreve sobre o seu intérprete, a quem chama o Patron: "É um ingénuo, é um homem puro. Não fora aquela pura ingenuidade e ele seria bem capaz de ver que temos mais de demónios do que de anjos, e que a nossa terra apenas tem homens como os daqui, embora de cor diferente”. Despede-se de Guidage com tristeza, mas no dia 2 de Dezembro está de novo rumo a Guidage, vai substituir temporariamente um alferes que se deslocou a Bissau, e relata a operação “Chibata”, 170 homens, incluindo os Roncos de Farim e os Caçadores Nativos de Guidage, vão atacar Cumbamory, no Senegal, capturou-se armamento, as nossas forças sofreram quatro mortos. Detetaram-se cubanos no acampamento. Volta a armadilhar à volta do destacamento. A 23, está de regresso a Binta, e despede-se assim do leitor: “As terras de Guidage, e o seu povo ficarão cada vez mais longe de nós, perdidas na distância do tempo e da saudade”. Percebe-se como este céu de Guidage marcou Domingos Gonçalves para toda a vida.
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 29 de Dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14093: Notas de leitura (661): “Guiné 1966, reportagens da época”, edição de autor de Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 29 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14095: Notas de leitura (662): Eu e a minha burra, sozinhos, mais a nossa própria sombra... Recordações da infância (Fernando Sousa, natural de Penedono, autor de "Quatro Rios e um destino")

Guiné 63/74 - P14108: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XXVIII: (i) Um natal do mato (Timóteo Rosa, ex-alf mil, 4º pel); (ii) a prenda do MNF (José Luís Sousa, ex-fur mill,1º pel)



Guiné > Região do Oio > Canjambari > CCAÇ 2533 (1969/71) > O bar...



1. Continuação da publicação das "histórias da CCAÇ 2533", a partir do documento editado pelo ex-1º cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, de fotografias). (*)

Hoje as duas  histórias vêm a calhar, são relativas à quadra natalícia, uma contada pelo ex-alf mil Timóteo Rosa, do 4º pelotão (p, 95), e outra  contada pelo ex-fur mil José Luís Simões, do 1º pelotão (pp. 91/93)...

Mais um exemplo do sentido de humor dos nossos bravos, que sabiam dar à volta às adversidades... (LG)

Guiné 63/74 - P14107: Parabéns a você (839): Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14104: Parabéns a você (838): Margarida Peixoto, amiga Grã-Tabanqueira

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14106: Memórias de Gabú (José Saúde) (50): Recordando o saudoso enfermeiro Dinis. Homem, militar e amigo.

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua fabulosa série.

As minhas memórias de Gabu

Recordando o saudoso enfermeiro Dinis
Homem, militar e amigo

De estatura física a atirar para o metro e sessenta, ou nem tanto, franzino, mas sempre ágil na sua entrega à vida, o enfermeiro Dinis, da minha companhia – CCS do BART 6523 -, era um rapaz cuja dedicação à causa que a tropa lhe concedera muito o notabilizou.

Lembro-me, perfeitamente, de passar defronte às minhas instalações ao lado de um outro camarada, creio que de transmissões, que muitas vezes apelidei como a “sorte grande e a terminação”.

A razão deste meu pequeno devaneio prendia-se com o facto do Dinis, pequeno em altura, mas com um coração enorme, ombrear lado a lado com um camarada alto e esguio que se mandava para cima de um metro e oitenta.

Curioso é que o Dinis, um militar simpático e afável, nunca impunha restrições para uma espontânea cavaqueira na missão que escrupulosamente cumpriu como antigo combatente na Guiné. Aliás, recordo as minhas idas à enfermaria e ser atendido, com pompa e circunstância, pelo meu amigo Alfredo Dinis que se predispunha a uma ajuda momentânea caso a necessidade assim o determinasse. 

Por uma questão de ética olvidemos o Alfredo e falemos simplesmente do enfermeiro Dinis como era hábito a malta tratá-lo. Na minha memória subsiste a imagem de um jovem, cara de menino, cuja pronuncia era tendencialmente marcada pela dicção de uma “Invicta” que todos conhecemos como a maravilhosa cidade do Porto.

Numa intromissão às minhas memórias de Gabu, revejo a irreverente ação militar do enfermeiro Dinis. Foram muitas as idas para o mato em que este nosso amigo acompanhava o grupo e vincava presunçosamente a sua próspera especialidade numa população onde as carências impunham óbvias restrições humanitárias e físicas.

Recordo, por exemplo, as visitas “pomposas” às tabancas de Gabu em que o Dinis, munido com sua mochila de “mesinhos”, distribuía remédios santos para gentes nativas que viam nele um deus caído do céu. A patologia constatada implicava uma receita urgente. E o Dinis já conhecia os males e as suas curas. Tanto mais que naqueles lugares ermos as queixas eram as rotineiras e obviamente reconhecidas. 

As minhas memórias guardam, também, outras circunstâncias em que afabilidade do Dinis denotava uma mensurável devoção à causa que mui dignamente serviu. Lembro, por exemplo, quando num certo dia, que não posso precisar porque se esvaziou da minha mente, o Dinis, após o almoço, recebeu na enfermaria um camarada que acabara de morrer num contacto com o IN, sendo a razão da sua morte um pequeno orifício de uma bala que, infelizmente, lhe penetrou a fronte e se alojou no cérebro. Comentámos a fatalidade do nosso camarada e o destino cruel que a guerra na Guiné lhe traçou.

Numa outra ocasião um gerador, adstrito à messe de sargentos, rebentou. O estrondo no quartel foi enorme e a manhã foi de autentico sobressalto para toda a rapaziada. Uns ainda dormiam e outros “matavam” o tempo com premeditados afazeres. Uma carta para a namorada, escrita sob um cenário de guerra, ou uma missiva, quiçá faustosa, para uns pais sempre carentes de notícias da peleja de além-mar e sobretudo do estado físico e moral do seu querido descendente.

No meu caso estava sentado num “confortável” cadeirão, feito à maneira de um homem grande, situado à frente dos aquartelamentos dos sargentos, ao lado da messe, meditando num horizonte onde a guerra não perspetiva melhorias e eis-me a ouvir na plenitude tamanho ronco.

Confesso que o estrondo pareceu-me que vinha das traseiras da messe de sargentos. Não hesitei e lá fui para saber o que acontecera. Viveram-se então momentos de pânico, sendo o infeliz contemplado da desgraça o camarada Filipe, um rapaz que trabalhava na copa da nossa messe.

O corpo do militar Filipe registava fartas queimaduras e a dor sentida pelo camarada era grande. Havia partes do seu corpo em que a pele queimada dera lugar a uma mancha vermelha que deixava antever preocupação. O rosto e os braços, em particular, indiciavam dor.

Perante o sucedido o Filipe ficou entregue aos cuidados do pessoal de enfermagem da companhia. O furriel enfermeiro Navas e o Dinis prestaram-lhe os primeiros socorros, seguindo-se os cuidados diários do nosso saudoso homem do Norte.

Sei que o enfermeiro Dinis foi incansável nos seus préstimos, sei também que este meu velho camarada portuense já partiu para a tal famigerada viagem sem regresso, descansa em paz, restando, porém, alvíssaras do Filipe. 

O Filipe era também um rapaz do Norte, creio, ficando por ora este meu apontamento como a linha aberta de um azimute que possa, eventualmente, reencontrar este camarada da CCS do BART 6523, Nova Lamego, Gabu, 1973/74.


O enfermeiro Dinis na prestação de cuidados ao nosso camarada Filipe 


 O enfermeiro Dinis na prestação de cuidados ao nosso camarada Filipe


Dinis junto a ambulância apanhada ao IN pelo grupo de Marcelino da Mata

Um abraço camaradas, 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.:

O meu saudoso Amigo Alfredo Dinis era nosso camarada tabanqueiro, tendo deixado parte das suas memórias, que podem ser vistas em:

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Alfredo%20Dinis

Vd. último poste desta série em: 


Guiné 63/74 - P14105: Manuscrito(s) (Luís Graça) (42): Requiem para um paisano... (à memória do meu infortunado camarada Luciano Severo de Almeida)


Foto nº 1


Foto nº 2

Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Sinchã Mamadjai, ou Sinchã Qualquer Coisa... Algures, numa tabanca do regulado de Badora, em autodefesa, reforçada pelo 3º Gr Comb, com os respetivos furrieis mlicianos: o  Luciano Almeida (foto nº 1) e o Luís Graça [henriques] (foto nº 2), junto a um dos abrigos e posando com o RPG 2 para a fotografia... O fotógrafo foi o Arlindo Roda.

Fotos © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]







Regressávamos da guerra, com a morte na alma e mazelas no corpo, num navio, quase fantasma,  da marinha mercante,  da Companhia Colonial de Navegação.

Como se tudo continuasse como dantes e a vida corresse normalmente, "contra os ventos da história" (como então se dizia), nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, na chamada classe turística, reservada aos sargentos: (i) uma sopa de creme de marisco; (ii) seguido de um prato de peixe (pescada à baiana); e (iii) um prato de carne (lombo estufado à boulanger)... sem esquecer (iv) a sobremesa: a bela fruta da época, o bom café colonial, o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho, antes de mais uma noitada de lerpa ou de king...

Obrigado ao Humberto Reis e à sua famosa "memória de elefante" por me lembrar que o 17 de Março de 1971 foi o primeiro dia do resto das nossas vidas...  E, nas costas da ementa de um desses jantares a bordo, talvez o do último dia, deixámos escritos os nossos nomes e moradas. Dois de nós já não estão entre os vivos: é o o caso do Luciano Severo de Almeida (que morava no Montijo, desaparecido em trágicas condições e em data que ninguém sabe ao certo), bem como do António Branquinho que voltou para a sua terra, Évora, e que morreu em 2014, de doença...   


Quando soube da triste notícia da morte do Branquinho, não consegui  despedir-me dele sem  lhe reservar um lugar à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande, sob o nº 661...  Quanto ao Luciano Almeida, a esse, já em tempos lhe fizera um poema ("Requiem para um paisano") tendo prometido publicá-lo aqui, neste blogue,  "um dia destes"... Pois esse dia  chegou hoje, o primeiro dia do ano de 2015 quando vão 44 anos do nosso regresso no T/T Uíge... Quis, com este gesto,  que  a memória destes dois meus camaradas de armas  não ficasse  por aí, na vala comum do esquecimento...

Quanto aos outros camaradas da lista, felizmente  ainda estão vivos e recomendam-se: o Piça, o Jaquim, Fernandes, o  Tony Levezinho, o Humbertos Reis... Ficámos todos amigos... para sempre !

 
Foto:  © António Levezinho (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]}

Requiem para um paisano

por Luís Graça


(À memória do Luciano Severo de Almeida,
meu camarada
da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, 

Contuboel e Bambadinca, 1969/71,
e dos meus demais camaradas da Guiné, 
desconhecidos,
que morreram,
de morte violenta,
já como paisanos, 

depois do regresso á pátria,
por homicídio, suicídio ou acidente)



Disseram-me que tinhas morrido,
meu infortunado camarada,
já muito depois do nosso regresso a casa.
Talvez nos finais dos anos 70
do século passado, 
não posso precisar.
Morrido, lerpado,
para usar o nosso calão de caserna
bruto e feio, 
Lerpado, assim, sem mais nada,
sem uma palavra,
sem uma despedida,
sem uma oração,
talvez até sem um ui nem um ai,
sem um grito,
sem um ato de contrição,
sem um último desejo,
nem sequer um xeque-mate!

Morrido, de morte matada,
morrido, como um cão,
de um tiro na nuca,
como os cães que abatemos,
uma noite, em Bambadinca,
a Noite das Facas Longas,
lembras-te?!


Disseram-me que tinhas sido encontrado,  
morto,
longe da nossa Guiné,
dessa terra verde e vermelha que tu amavas,
longe da tua Sinchã Mamadjai,
e da morança da tua bela Fatumatá,
de mama firme,
que se escapulia para a tua morança,
nas noites de lua cheia,
em que uivava a hiena…
Longe do tarrafo do Geba,
da Ponta Varela e do Poindom, 
do Mato Cão,
dos Nhabijões,
da Ponta do Inglês,
da Missão do Sono,
da Ponte do Udunduma,
da orla da bolanha,
do poilão,
do bagabaga…

Onde, afinal ?
Não longe dos teus verdes anos,
não longe do arco-íris do teu céu de menino.
perto do teu Tejo,
numa valeta de uma rua escura da tua cidade…
Ou de um qualquer subúrbio triste e cinzento
de cidade nenhuma.

Que morte tão crua, a ser verdade,
oxalá fosse boato a notícia de fait-divers
que alguém leu no jornal,
a notícia de uma morte 
em que eu não te (re)vejo.
Oxalá, meu camarada,
tenhas simplesmente desaparecido,  emigrado,
tenhas sido sequestrado,
tenhas mudado de código postal
ou até de identidade,
sempre era menos mal.
E poupavas-me este requiem,
o teu elogio fúnebre,
que é a pior das missões
que se pode pedir a um camarada de armas.
Disseram-me (, mas eu não quis crer,)
que tinhas sido morto,
sem honra nem glória,
depois de cumprido o teu dever
para com a Pátria que te foi madrasta,
cruel Jocasta.
Já depois da última nau da Índia ter naufragado
no mar da Palha da tua infância,
já muito depois dos últimos guerreiros do império
terem feito o espólio de todas as guerras
e o relatório da sua errância
desde Quinhentos.


No século passado, meu amigo,
no século transato, meu irmão!...
Lembro-me de o velho Uíge,
navio da velha Companhia Colonial de Navegação,
nos ter devolvido a terra,
à nossa cidade e capital.
Nas praias de Alcântara,
no cais da saudade,
no cais de pedra donde partíramos,
quase às escondidas,
vindos do comboio noturno e soturno
de Santa Margarida,
do Campo Militar de Santa Margarida.
Não sei quem te esperava
nesse dia 22 de Março de 1971,
mas seguramente os mesmos entes queridos
que me esperavam a mim, a todos nós, 
que ali, no cais,
passávamos à condição de paisanos,
depois de nos depedirmo-nos,
bebendo o último gole de uísque sem gelo
e fazermos promessas de amizade para sempre.

Vestidas as calças à boca de sino,
e as camisas às florinhas,
regressávamos ao doce lar,
com as exóticas bugigangas compradas no Taufik Saad,
ao lar e à rotina das nossas vidas, 
pequenas,
insignificantes.
E a uma outra guerra,
a da lufa lufa do quotidiano.
com outras picadas,
com outras minas e armadilhas,
com outras emboscadas e golpes de mão.

Tu tinhas um lar, 
todos tínhamos um lar,
uma família, 
alguns um emprego,
muitos uma namorada 
ou uma noiva 
ou uma mulher à nossa espera…
Mas eu…, eu, o que sabia de ti ?
O que sabíamos uns dos outros ?
E dos nossos sonhos ?
Muito pouco, afinal…
Casaste ? 
Tiveste filhos ?
Não, não tiveste tempo de ser bom filho, nem bom pai,
muito menos avô bababo…


Nunca mais voltei a rever-te,
em todos estes anos,
em que tantas coisas aconteceram,
para o pior e o melhor,
na nossa Pátria,
uma palavra, repara,
que saiu do léxico dos tugas,
e já não se usa mais…
A Pátria...
Afinal o que é a Pátria, camarada ?


A imagem mais forte, não a última,
que retenho de ti,
é a do menino e moço
que saiu, fardado, garboso,
da casa de seu pai e sua mãe…
É a imagem do puto reguila,
quiçá rebelde, 
temperamental,
belicoso mas generoso,
da margem sul do Tejo.
Com jeito para o desenfianço,
o desenrascanço,
que a vida era dura para os homens
da CCAÇ 12, brancos e pretos.


Retenho ainda a imagem do nosso patético duelo
no bar de sargentos de Bambadinca,
tendo por arma, letal,
uma garrafa de VAT 69
(Ou era Jonhnie Walker ?
Ou White Horse,
a tal do cavalinho branco ?
Já não me lembro do rótulo,
sei apenas que era scotch, e do bom,
daquele que vinha From Scotland
for the Portuguese Armed Forces with love!,
da Escócia para os tugas
com amor)…


Um duelo de morte, 
gole a gole,
até ao gole final,
em menos de 15 minutos!...
Com árbitro e tudo,
apostas a dinheiro,
mirones e claques de apoio,
como mandavam as regras
dos apanhados do clima de Bambadinca!

Apanhados do clima, dizes bem,
exaustos,
usados e abusados,
filhos de Sísifo,
filhos de um deus menor,
condenados ao mais insano dos suplícios,
uma guerra a que chamavam
de contraguerrilha,
do gato e do rato.
de subversão e contrassubversão…
Não, não, era a roleta russa,
ninguém tinha pistolas de tambor,
era o fado lusitano,
era o fado da Guiné,
meu camarada,
meu amigo,
meu irmão,

Era a nossa triste condição,
era a nossa quiçá estúpida,mas viril, 
maneira de matar… o tempo,
o tempo em tempo de guerra,
o tempo de espera entre uma e outra operação,
o tempo de espera que podia ser entre a vida e a morte.
Era a insanidade mental,
era a raiva, traiçoeira,
era a lucidez da loucura a tomar conta de nós…. 

Foi esse fado que te matou,
essa maldita toxina,
essa adrenalina,
que trouxeste das águas do Geba 
e das bolanhas do Corubal,
e que te impedia de parar para pensar,
simplesmente parar,
simplesmente pensar,
simplesmente viver,
simplesmente respirar
à tona de água.
meu irmão,
meu camarada.
meu amigo.

Foi o sobressalto da vida,
foi a vida em sobressalto,
foi a vida em saldo,
foi a alma em carne viva,
foi a dor em lume brando.
Foi isso que te matou.
No pós-guerra,
na guerra dos paisanos.
Foi isso, 
foi a Guiné que te matou.
Ao retardador.
Ou não ?!


v10 1jan2015


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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14027: Manuscrito(s) (Luís Graça) (41): Maresias, Lisboa, Tejo, memórias, amnésias... Parte II: O Terreiro do Paço e a(s) cenografia(s) do poder

Guiné 63/74 - P14104: Parabéns a você (838): Margarida Peixoto, amiga Grã-Tabanqueira

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14085: Parabéns a você (837): José Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 4745 (Guiné, 1972/74)

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14103: A minha máquina fotográfica (17): Comprei uma Canon no navio "Timor" e andei com ela muitas vezes no mato... Tirou centenas de fotos e "slides" (que mandava para a Alemanha, para revelar) (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970)



Foto nº 1 > A minha Canon ou parecida... (Foto retirada da Net, com a devida vénia)



Foto nº 2 > Na psico em Paunca


Foto nº 3 > Na suite do Ali Babá em Gabu (Nova Lamego)


Foto nº 4 > Casino, hotel, resort de Contuboel


Foto nº5 > Entrada da Villa Country Club de Canquelifá



Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Mensagem do Abílio Duarte [, ex-fur mil,CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970,] com data de 20 de dezembro último;


Olá, Luís,

Entrando na tertúlia das máquinas fotográficas (*), não quero deixar de deixar algumas palavras sobre a minha CANON.

Comprei-a a bordo do navio que nos levou á Guiné, o "Timor", e que me acompanhou em toda a comissão, tendo ido muitas vezes para o mato.

Foi a minha 1ª camera, que me despertou muito para a actividade de fotágrafo, e com ela tirei centenas de fotos e slides. Aprendi o que era abertura vs velocidade, grandes planos, campo de profundidade etc.

Era uma máquina bastante resistente e tinha um bom estojo, que a salvou de muitas quedas, e apanhou bastantes chuvadas.Tive-a até bastante tempo depois de regressar, mas um dia caiu e já não teve conserto, para tristeza minha.



O T/T Timor. navio de carga e passageiros, c. 7.7 mil toneladas 
de arqueação bruta e c. 130 m de comprimento, e capacidade 
para um total de 387 passageiros. Armador: 
Companhia Nacional de Navegação, Lisboa 
Fui á Net, e encontrei uma foto da camara,
que envio, assim como outras, que como aquelas
que enviei anteriormente, foram tiradas pela mesma.

Uma coisa que estranhei, quando estava na Guiné, é que quando mandava slides para revelar,  para a Alemanha, nunca me desapareceu nenhum rolo, o que na altura me deixava bastante satisfeito.

Desejo-te umas BOAS FESTAS e FELIZ NATAL, assim como a todos os periquitos desta GRANDE TABANCA.

Só para memória futura, cheguei a Portugal em 22.12.1970, pelo que faz 44 anos que acabei a minha comissão, e o que eu passei para poder 
passar o Natal de 1970, já com a família.

Um Grande Abraço, Abílio Duarte

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