sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14206: Notas de leitura (675): “Senhor médico, nosso alferes”, por José Pratas, By the Book, (www.bythebook.pt, telefone 213610997), 2014 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Janeiro de 2015

Queridos amigos,
São memórias, escritas com fulgor, com lembranças carinhosas e trágicas, nada de romance, são sketches admiráveis sobre o que era a preparação de um alferes miliciano médico, o confronto do jovem médico com aquelas estranhíssimas doenças tropicais, os acidentes, os mortos e os feridos; a sua indignação com uma certa hierarquia bacoca e a sua profunda admiração por gente galharda, que se lhe atravessou no destino.
Não conheço nenhum escrito com este, explosivo e terno. “Parece que não combina bem, médico e militar” ele viveu essa contradição nos termos e deixa-nos um documento de primeira grandeza para a literatura da guerra da Guiné.
Leitura imperdível.

Um abraço do
Mário


O médico militar na guerra colonial: um testemunho surpreendente (2)

Beja Santos

Não é a primeira vez que um médico escreve sobre a guerra que experienciou, na I Guerra Mundial houve testemunhos que hoje fazem parte da História, como os de Jaime Cortesão, e na guerra colonial basta recordar o que escreveu António Lobo Antunes. Mas “Senhor médico, nosso alferes”, por José Pratas, By the Book (www.bythebook.pt, telefone 213610997), 2014, é, a todos os títulos, um acontecimento documental relevante e inconfundível. José Pratas fez a sua comissão na Guiné entre 1971 e 1973, na região do Gabu e do chão Manjaco. Não conheço nenhum testemunho como o de este alferes miliciano médico: a sua admiração pelo valor dos nossos soldados, a sua indignação pela amnésia do poder político, incapazes de perceber que a mobilização perto de um milhão de portugueses não é estigma e devia ser motivo de reconhecimento da pátria pelos seus bravos: o desassombro das suas críticas à preparação dos médicos militares que marchavam para África com uma incipiente preparação profissional. José Pratas desvela o que era o ensino da Faculdade de Lisboa e como o médico aprendia à sua custa num ambiente e num quadro sociocultural totalmente desconhecido. Mas também a incompreensão e a boçalidade de certas chefias que estavam sempre à espera de dons miraculosos do médico.

Vemo-lo em primeiro lugar em Pirada, o que dá motivo para exaltar os seus colaboradores que não tinham mãos a medir para atender aos doentes daquele ponto do Leste onde diariamente chegavam senegaleses. Discreteia sobre as doenças tropicais, fala da sua própria doença, das suas relações litigiosas com oficiais superiores, um capitão execrável e capelães que pairavam sobre a realidade. Em Pirada, tinha um agente da PIDE na vizinhança, bom para seviciar e intimidar, o Carvalho, substituído pelo senhor Pereira que tinha farroncas mas com as flagelações termia como varas verdes.
Também em Pirada vivia Mário Soares, com quem Pratas conviveu, pode aperceber-se como o Soares intermediava entre o PAIGC e as autoridades portuguesas, houve encontros secretos à mesa da sua sala de jantar ou no respaldo das cadeiras de lona. Tinha acesso privilegiado às informações da PIDE, ascendente junto das redes de informadores locais, geria com astúcia o assédio e a adulação das autoridades locais. Reflete sobre o drama deste protagonista entre dois campos em confronto: “O tempo corria em seu desfavor, porque a guerra no terreno se perdia em cada dia que passava e era facilmente previsível a derrota da teimosia de Lisboa. No seu relacionamento com a tropa, este europeu, porventura o branco mais africano que conheci, só a muito custo conseguia refrear os impulsos beligerantes das chefias militares, sedentas de ação, indisponíveis, por dever de ofício, para tolerar diplomacias paralelas de que muitas vezes é feita uma guerra de guerrilha”.

E veio a independência e mais problemas para Mário Rodrigues Soares: “Poucos dias depois seria preso e enviado para Bissau. Ter-lhe-á valido a intervenção de Alpoim Calvão, que intercedendo a tempo junto do novo dono do Palácio do Governo, o terá arredado da mira das armas de um pelotão de fuzilamento. Deportado, chegou a Lisboa com a roupa suja que ainda trazia vestida, para ser detido de imediato no aeroporto da Portela pelo COPCON e arbitrariamente preso em Caxias sem culpa formada. Libertado sem julgamento, ultrapassou tranquilo todas as prepotências e perdoou com indiferença aos mandantes e funcionários do PREC”.

Por dever de ofício, o seu dia-a-dia também é composto pela fiscalização dos alimentos. Atividade de alto risco, como ele nos conta: “Numa região de cisticercose endémica, o médico – improvisado veterinário – achava-se obrigado, por força do regulamento a fazer a autópsia de uma vaca, comprada viva, esquálida e lazarenta. Mais de cinco cisticercos na superfície do músculo da vaca equivalente à da palma da mão, havia que rejeitar e mandar enterrar miudezas e carcaça regadas com gasolina, para desespero da contabilidade do sargento vagomestre. Sangue e fígados infetados de fascíolas, à temperatura de 40ºC, provocam um vómito esquisito”.

Sentiu-se gratificado com o trabalho feito lá para as regiões do Cacheu, sobretudo no contacto que estabeleceu com oficiais e sargentos que comandavam uma força de marinheiros fuzileiros africanos. Pode comparar os tratamentos entre os três das Forças Armadas, e deixa o seguinte comentário: “Sobressaía a inexplicável iniquidade de trato nos três ramos das Forças Armadas, já que a dotação de recursos para alimentação por cada homem era obrigatoriamente idêntica para todos os militares nas mesmas circunstâncias. Definitivamente os estômagos não eram de facto todos iguais e a cultura de conforto e bem-estar experimentados pelos militares da Marinha e da Força Aérea não tinha paralelo com a prática do desmazelo e incúria na maioria das unidades do exército”.
José Pratas foge ao romanceado, o que aqui regista é um olhar amplo que vai da incipiente preparação, a qualidade humana ou a sua falta, os paradoxos da perceção dos militares e civis sobre o que efetivamente podia fazer, com aqueles limitados recursos, o alferes médico. É um testemunho, adverte-nos que nunca fará considerações sobre a guerra, o que lhe interessa sobre maneira são as histórias reais a que ele chama dramas, desesperos, sacanices, ilusões, privações, a doença, a infelicidade das gentes. Pelo que se lê, foi bem-sucedido nessa contradição dos termos. Lega-nos páginas belíssimas como aquela em que fala do seu estado de alma enquanto aguarda a lancha que o vai levar até Bissau:
“Remoía a desilusão de que, em quase nada, afinal, havia contribuído para mudar o rumo da guerra que, depois de mim, outros ainda tiverem de continuar a penar. Sem capacidade para ajudar a silenciar o fogo das armas, sem competência para apaziguar as razões que se travaram no campo daquela batalha, sem a expectativa de uma solução à vista para o conflito que Portugal dirimia no Ultramar, apenas me prestava a vaga convicção de ter pessoalmente proporcionado algum alívio aos que sofriam e algum conforto àqueles a quem piedosamente menti, nos momentos finais da sua agonia. Para a maioria dos combatentes era impossível adivinhar o desfecho da guerra e antecipar a data do armistício e a maior aspiração de cada um era a de, tão-somente, ver chegar o dia como aquele que àquela hora para mim estava quase a raiar e voltar para casa tentando esquecer o que jamais se pode esquecer”.

Para mim, este “Senhor médico, nosso alferes” foi o mais importante acontecimento literário da guerra colonial da Guiné, em 2014.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14190: Notas de leitura (674): “Senhor médico, nosso alferes”, por José Pratas, By the Book, (www.bythebook.pt, telefone 213610997), 2014 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14205: Historiografia da presença portuguesa em África (56): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte VIII (Mário Vasconcelos): Mais 4 lojas de Bissau, três delas já com telefone















Fotos: © Mário Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Mário Vasconcelos
1. Continuação da publicação de anúncios de casas comerciais, da Guiné. Reproduzidos, com a devida vénia, de Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*).

Trata-se de uma gentileza do nosso camarada Mário Vasconcelos [,ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72,Mansoa, e Cumeré, 1973/74; foto atual à direita] que descobriu um exemplar, já raro, desta edição, no espólio do seu falecido pai.

Dos 4 anúncios acima apresentados, registe-se a particularidade de se tratar de lojas já com telefone... [Recorde-se que a moderna sede
dos Correios e Telégrafos data de 1950 e é obra do arquiteto lourinhanense Lucínio Cruz, que pertencia ao Gabinete de Urbanização Colonial]:

(i) Luz António de Oliveira, telefone nº 67

(ii) Mamud ElAwar & Co Lda

(iii) Casa Humberto,. de Humberto Salgueiro Rosa, telefone nº 43

(iv) João Baptista Pinheiro & Irmão, telefone nº 102

Mamud ElAwar, tal como Aly. Souleiman e  Michel Ajouz, já aqui referidos, era então um dos mais conhecidos comerciantes da Guiné, de origem libanesa. O  Salim Hassan ElAwar devia ser seu irmão  (ou membro da família):tinha lojas em Bafatá e Cacine.

Não sabemos se o Mamud ElAwar era muçulmano (provavelmente era, pelo nome e apelido). Já o Michel Ajouz devia ser cristão maronita, por celebrar o natal cristão e ter uísque em casa para oferecer aos militares de Bissorã, como foi o caso do nosso camarada Manuel Joaquim, que passou com ele o natal de 1965.  (Os cristãos maronitas  são cerca de de 3,2 milhões em todo o mundo, obedecem ao Papa da Igreja Católica, mas têm uma liturgia própria; no Líbano, serão um pouco mais de 1 milhão, constituindo mais de 20% do total da população). (LG)

PS - Não sei se este Pinheiro e irmão eram famíliares do nosso camarada Carlos Pinheiro, um dos nossos cicerones de Bissau do nosso tempo. Tenho ideia que o Carlos tinha lá, em Bissau,  uma família de comerciantes, seus parentes. Havia também um Costa Pinheiro, que era um casa importanmte, Enfim, é um assunto que  o nosso camarada pode esclarecer, se assim o entender.

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Notas do editor:

Último poste da série > 26 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14191: Historiografia da presença portuguesa em África (51): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte VII (Mário Vasconcelos): Quem não se lembra da Casa António Pinto ou "Pintosinho". alegadamente a melhor e a mais moderna loja da província ?

Postes anteriores:

24 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14178: Historiografia da presença portuguesa em África (50): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte VI (Mário Vasconcelos): (i) João Said Handem (Gadamael); (ii) Jacinto Maria de Figueiredo Duarte (Bedanda, com filial no Chugué e Cafine); (iii) Michel Ajouz (Bissorã); e (iv) Hipólito da Costa Ribeiro (Fulacunda): compra e venda de mancarra, coconote, óleo de palma, fazendas, miudezas, mercearias...


24 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14178: Historiografia da presença portuguesa em África (50): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte VI (Mário Vasconcelos): (i) João Said Handem (Gadamael); (ii) Jacinto Maria de Figueiredo Duarte (Bedanda, com filial no Chugué e Cafine); (iii) Michel Ajouz (Bissorã); e (iv) Hipólito da Costa Ribeiro (Fulacunda): compra e venda de mancarra, coconote, óleo de palma, fazendas, miudezas, mercearias...

22 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14173: Historiografia da presença portuguesa em África (49): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte IV (Mário Vasconcelos): Há, pelo menos, 6 comerciantes libaneses em Bafatá: Jamil Heneni, Toufic Mohamed, Rachid Said, Fouad Faur, Salim Hassan Elawar e irmão

21 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14169: Historiografia da presença portuguesa em África (48): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte III (Mário Vasconcelos)

20 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14167: Historiografia da presença portuguesa em África (47): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte II (Mário Vasconcelos)

20 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14164: Historiografia da presença portuguesa em África (47): Revista de Turismo, jan-fev 1956, nº especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte I (Mário Vasconcelos)

Guiné 63/74 - P14204: (Ex)citações (259): Sobre o paradeiro do Pintosinho, e mais histórias de Bissau no pós-independência... E já agora, quando querem fazer um encontro da Tabanca Grande aqui no Fundão ? Prometo ter "ostras e camarões da Guiné"... (Mário Serra de Oliveira)

1. Resposta, com data de 28 do corrente, de Mário Serra de Oliveira a um pedido de informação sobre o Pintosinho, a conhecida casa de António Pinto, em Bissau, do nosso tempo (*):

[foto à esquerda: Mário Serra de Olievria, ex-1.º cabo escriturário, BA 12, Bissalanca, 1967/68; viveu nos EUA; é autor de Palavras de um Defunto... Antes de o Ser (Lisboa: Chiado Editora, 2012, 542 pp, preço de capa 16€]


Olá, grande e estimado Luís Graça:

E um prazer imenso trocar algumas palavras com a pessoa por detrás de um dos blogues que eu mais aprecio... quiçá por me tocar também a mim fazer parte da tertúlia.

Agora, antes de responder, permite-me pedir desculpa pela falta de acentos. Estou a usar um portátiç devido a que, já depois de aqui chegar, a EDP teve a gentileza de ter uma queda de tensãoo, e queimou-me o computador com o teclado português. Sei que vais compreender.

Respondendo... começo por dizer que conheci, e muito bem, o Pintosinho (creio que pai e filho). Foi lá que comprei uma carrinha Renault 4 (de "gola" alta) e muita outra mercadoria.

Ter sido preso não foi do meu conhecimento directo. Eu continuei a vida de labutar - e mais ainda depois do 25 de Abril - por ter adquirido casas do meu ramo (comes e bebes) a alguns dos nossos que decidiram vir embora.

Casa Pintosinho, Bissau, 1956 (*)
Creio que o Pintosinho não ficou em Bissau. Recordo, isso sim, um representante nativo que, por casualidade, até andava a cobrar dívidas, incluindo algumas minhas. O que era mais que nomal, uma vez que se comprava a mercadoria a 30, 60, 90 dias, era prática corrente, tal como numa economia livre. Recordo que, temporariamente ou não, aquilo tinha fechado.

Agora, se quiseres saber mais, tenho muitos amigos guineenses, alguns nos EUA, alguns em Dakar (Embaixada dos EUA - ex-colegas de trabalho na mesma Embaixada onde trabalhei também, em Bissau) e, mesmo na Guiné penso ainda estar vivo o António Pinheiro - da Casa Pinheiro, localizada ao lado direito da rua paralela à avenida principal, se esvermos a olhar para o Palácio, junto ao rio - om quem tratei de alguns assuntos com ele em Braga, à frente de uma exportadora ICIC, qualquer coisa.

Ele estava ligado a uma empresa de Angola chamada a "Friango" (Angola Free) para onde as Caves Primavera exportaram cerca de 5 milhões de contos em vinho tinto. Eu tentei arranjar crédito para a LC (Letter of Crédito) do Banco Nacional de Angola...e até era possível, misturando a mesma LC (má) com outras LC boas, tal como fizeram os bancos americanos ao misturar "crédito bom com crédito mau, sobre empréstimos imobiliários. Algo assim parecido esteve quase a ser realizado, à custa de "algo para alguém" que tratava do assunto. Talvez se lhe posssa chamar "vigarices" mas, na guerra, vale tudo! Não seria guerra com armas mas guerra económica.

Vou perguntar sobre o Pintosinho à minha amiga Nené Cabral, em Dakar, cujo marido foi preso após o golpe de Novembro, do Nino, derrubando o Luís Cabral. Eu estava lá. Fui acordado pelo meu chefe americano, para que me refugiasse na Amembassy. Lá fora, só se ouviam disparos tipo castanholas e, aqui e ali, uma morteirada. Era excitante a alegria que se sentia, pelo menos por mim, e pelos locais...já que que o sentimento de descontameto pairava no ar. Uma tensão de "cortar à faca".

Desculpa lá o desvio da conversa principal mas eu vivo isto a cada dia da minha vida. Tanta injustiça que presenciei, que, o que sinto, está enraizado em mim.

Entratanto, gostaria de levar à consideraão dos organizadores dos almoços, a possibilidade de, numa próxima, o mesmopoder ser relalizado noutro cantinho de Portugal. Por exemplo, cá na minha aldeia, onde existem vários ex-camaradas anánimos (não têm computador). Existe o Carlos Couto, dono do Hotel Samasa (Fundão) que me conheceu no Pelicano. tem capacidade para organizer tudo o que for necessário. Prometo ter "Ostras e Camarão" da Guiné. Prometo tentar ter a presenca do Embaixador da Guiné.

Abraço fraternal

Mario S. de Oliveira (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de janeiro de 2015 >  Guiné 63/74 - P14191: Historiografia da presença portuguesa em África (51): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte VII (Mário Vasconcelos): Quem não se lembra da Casa António Pinto ou "Pintosinho". alegadamente a melhor e a mais moderna loja da província ?

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14203: Manuscrito(s) (Luís Graça) (44): A triagem de Manchester e o paciente português




A triagem de Manchester
e o paciente português




por Luís Graça






Na sala de espera
do banco de urgência
há pacientes que desesperam
com paciência,
pacientes com paciência de santo,
leia-se com a compostura do santo,
sentado num banco.

Gente que não conhece
a porta do cavalo do hospital.
Muito menos tem santo-e-senha
para entrar no paraíso
no dia do juízo final.
– Mais logo, eu estou de banco, apareça!–
...Ou então esqueça e desapareça,
arre!,
da lista dos (im)pacientes vivos,
que só atrapalham quem trabalha
e quem se empenha!
Sangrai-o e sangrai-o
e, se morrer, enterrai-o.


Há um jovem casal
de apaixonados,
just married,
ela de fitinha amarela, no pulso,
lívida, branca, exangue, gravidíssima,

no banco do hospital.

Há dois negros que dormitam
e que devem sofrer de paludismo.
Estão ali há horas, quiçá dias,
semanas, meses, anos, séculos,
Poderiam ter vindo dos arrozais do Sado,
há décadas atrás,
tremendo de sezonismo.
Estão de fita verde, ecológica...
Mas... mal por mal,
antes cadeia que hospital
e antes justiça que misericórdia.


Há um casal de paquistaneses
ou de indianos,
eu sei lá,
hindus ou muçulmanos.
Ele é o (im)paciente,
de fita laranja,
que o sistema de Manchester
é quem mais ordena
e não olha à cor ou ao tom da pele,
muito menos à raça
que, no reino, foi abolida por decreto real:
– Racista, eu, sra. enfermeira ?
Até tive um amigo preto da Guiné,
ex-combatente da guerra colonial,
meu camarada,
de saudosa memória.
Trabalhava, no gosse gosse,
no estaleiro do subempreiteiro,
que dizia que não era mal nenhum aquela tosse,
que o matou,
mas isso é outra história,
era da tísica,
era da sida,
era do catarro,
era do tabaco,
era do bagaço,
era do tempo
que fazia no hemisfério norte.
Afinal, foi o trabalho que o matou,
dizendo-lhe, esses, sim, os racistas,
que o trabalho era bom p´ró preto!
E quem tem trabalho tem sorte!...

Há velhos.
Muitos.
Azuis.
Em saldo.
Doentes de solidão,
abandono,
exaustão.
Doentes de Alzheimer,
Parkinson,
fim de estação.
Chegam ambulâncias,
de Almoçageme, Alcáçovas, Alcácer, Almargem...
Da outra margem,
tristes lugares ao sul,
onde a morte se veste de branco e azul
em paredes caiadas:
– Tentativa de suicídio –
diz o bombeiro para o securitas,
e p’rós mirones, voyeuristas
e tabagistas,
que estão lá fora,
ao relento da noite.
– A velha quis matar-se com comprimidos,
imaginem, a maluca!
Digam-me lá se tinha alguma necessidade de fazer isso ?!–
pergunta,
entre raiva e a mágoa,
a nora que chora,
como a nora que range
sob os alcatruzes ajoujados de água.

Alentejanos, ciganos,
mouros, sefarditas, africanos,
jovens de brinquinho,
colarinhos azuis, muitos,
brancos, poucos,
dourados, nenhuns,
ativos e não ativos,
pescadores, traficantes,
toxicodependentes,
mães solteiras, aflitas,
domésticas em robe de dormir,
famílias monoparentais,
doentes pré-terminais...
E até um um cão,
um canito, magricela,
a quem os (im)pacientes dão bolachas.

Há um português emergente
em cada dez.
Vermelho.
Doente,
(im)paciente,
dormente,
pouco ou nada eloquente,
muito menos inteligente,
quiça moribundo,
diz o sistema de triagem de Manchester.

Há um português muito urgente
que vem na ambulância do 112,
da emergência médica pré-hospitalar.
De um triste lugar ao sul.
Há um português laranja,
que fica em segundo lugar,
e que tem direito a subir ao pódio
no jogo da sorte e do azar.

O resto não conta,
são verdes, azuis e amarelos,
fura-greves,
racha-sindicalistas,
proletas,
marretas,
hipocondríacos,
daltónicos,
queixinhas,
refratários,
fujões,
desertores,
contribuintes ilíquidos,
grafiteiros,
com camisas às florinhas,
cidadãos de segunda,
gente que não presta,
feios, porcos e maus,
vítimas de todas as gripes sazonais,
uni-vos!,
gente de baba e ranho,
pouca honesta,
que fuma
e que bebe
e que come a street food,
as bifanas de Vendas Novas
ou as sandes de coiratos,
e que vive da economia subterrânea,
paralela,
informal,
e dos subsídios da exclusão social,
que anda sempre com o credo na boca
e a crise na algibeira,
e que nunca ouviu o professor Pádua
a dizer que no andar é que estava o ganho!...

Que já não há o azul
nem o verde
do meu país,
nem as outras cores do arco-íris,
na paleta das cores do gestor
dos doentes e das doenças.

Que há fé,
e até caridade,
mas pouca, muito pouca, esperança,
Senhor;
por isso, seja paciente,
tenha compaixão de nós,
ponha lá isto na sua lista
de recados e lembretes,
e não nos deixe cair em tentação
de fugir ao fisco.
E muito menos nos deixe expor ao risco
de perder a cabeça
quando ela um dia for precisa para pensar.

Queimaram-lhe os ossos,
depois de morto,
ao pobre do Garcia d' Orta,
o patrono.
Ironia, mau sinal, pior prenúncio.
Não se põe nome de cristão novo
na porta,
na tabuleta,
no anúncio!

Haja Deus!,
implora o bravo pescador português,
quando a medonha tempestade
parece querer engolir
o seu barco, casca de noz.

Haja saúde!,
Senhor,
Senhor Ministro.
com a sua licença,
Senhor Ministro da Doença,
que eu vou escrever no livro amarelo de reclamações,
que a palavra vem do latim minister,
de minus,
menos, servidor,
aquele que serve alguém, superior,
um mestre, magister,
que, esse sim, vem de magis, mais, maior...
E esse alguém, aqui,
só pode ser o povo,
o pobre do paciente português,
perdido no labirinto
do sistema de triagem de Manchester.

E a não ser assim, 
sou eu que minto,
ou então é porque é cínica
a declaração da missão vigente,
é blá-blá a acreditação clínica,
é treta o novo organograma, afinal:
Em cima o utente,
Em baixo o presidente!


...É triste e feia e fria
a sala de espera da urgência
do hospital.

Luís Graça
v8 29 jan 2015



O sistema de triagem de Manchester, adotado em Portugal em 2004. Fonte: Cortesia de Governo e Portugal > Ministério da Saúde > Centro Hospitalar de Leiria

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P14202: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (36): Fazendo votos para que o tchon Manjaco, o tchon Fula, o tchon Pepel e o tchon do Largo São Domingos se entendam sempre como nestes últimos 40 anos.



Lisboa, Festival Todos - Caminhada de Culturas, 11 de Setembro de 2011... Largo de São Domingos > Monumento "Lisboa, cidade da tolerância", lema de Lisboa para o mundo, escrito em 34 línguas... Memorial, inaugurado em 2008, às vítimas judaicas do massacre de Lisboa de 19 de Abril de 1506... O Largo de São Domingos é, na baixa lisboeta,  um dos locais de encontro preferidos de muitos dos nossos antigos camaradas guineenses (fulas, manjacos, papeis, mandingas...) que se fixaram em Portugal, depois da independência da Guiné-Bissau

Foto e legenda: © Luís Graça / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2011). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do nosso "mais velho" Antº Rosinha [ex-fur mil em Angola, 1961/62, topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93, ex-colon e retornado, como ele gosta de dizer com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem vidas para contar ...]:


Data: 18 de janeiro de 2015 às 18:59

Assunto: Colonizações, Descolonizações e Emigrações-Os muçulmanos do General De Gaulle e os do General Spínola)


Como espero que não melindre demais e dentro de certa "liberdade de expressão", como agora está na moda este termo, publica se entenderes, Luis Graça,  e cumprimentos para todos.

Luis Graça,  podes considerar impróprio, mas oportuno penso que é,  este assunto dentro de uma "guerra colonial", que é daquilo que de certa maneira  se trata hoje em plena Europa ex- colonial, com aquelas confusões francesas.

Não sei se é verdade ou mentira, mas quando foi da independência de Argélia, falava-se em Luanda por entre a censura de Salazar, que o gen De Gaulle teria dito, naquela euforia dos argelinos, que "ainda vão sentir muito a nossa falta".

Mas, verdade ou mentira De Gaulle ter dito tal coisa,  foram milhões de argelinos que não passaram sem aquela vivência e tranquilidade francesa e refugiaram-se lá [, na França].

E naquela altura, quem vivia como eu, futuro retornado, em Luanda,  sabíamos que ia ser mais ou menos o que se passou e passa, só que não sabíamos que ia ser tão grave para os europeus e africanos. (Na Argélia, foram genocídios tribais sem conta,)

E agora vamos, embora numa dimensão pequeníssima, à emigração dos nossos  "spinolistas"  guineenses.

Então é assim:

Os Guineenses em Lisboa fizeram do  Largo de São Domingos um simpático ponto de encontro e, como a maioria são ou eram inicialmente fulas de tendência muçulmana, superam em muito as  meia dúzia de idosas cristãs que frequentam aquela velha igreja desse Largo de São Domingos.

Penso que aquela igreja passava a ter mais frequência de muçulmanos como mesquita do que hoje com meia dúzia de idosas cristãs. E quem discordava de aquela igreja virar mesquita se os muçulmanos não lançassem a moda dos véus e burkas das bajudas?

E quem levava a mal, se os muçulmanos não proibissem as bajudas de entrar nas marchas de Santo António de Lisboa em Junho?

Também ninguém condenava coisas desses africanos, nossos amigos, e alguns antigos companheiros de tropa, se não trouxessem hábitos normais na terra deles, mas muito estranhos em Lisboa, tais como a excisão feminina.

E, desde que os muçulmanos de Lisboa condenassem ou pelo menos não adoptassem burkas nas mulheres e excisões nas bajudas, e não proibissem as esposas se estas quisessem  entrar nas marchas de Santo António,  talvez  muitos  portugueses e guineenses lisboetas que não são ateus,  se entendessem religiosamente.

Sem dúvida que a Europa tem que pregar aquele ditado que diz que "Em Roma sê Romano". Mas a Europa, que não considera os íberos europeus de corpo inteiro, dá muitos tiros nos pés, por tradição.

E um  dos piores tiros que deu nos pés, depois das 3 Grandes Guerra perdidas, a 1ª a 2ª e a Guerra Fria, foi as independências (abandonos de milhões de povos africanos totalmente impreparados para se autogovernarem fora das tradições milenares em que viveram sempre).

E os Americanos, Russos e Suecos, com a «dignidade abolicionista»  da Guerra Fria,  tiveram muitas culpas na desgraça dos africanos que atravessam a nado o Mediterrâneo e invadem a Europa aos milhares onde se inserem muitos lobos (terroristas) no meio dos cordeiros.

Quem diria que um dia assistiríamos a um tipo de guerra tribal em plena Paris! Na Nigéria e no Niger já se passa coisa idêntica.

E como estamos no blogue da Guiné, fazemos votos que, como até aqui, que o Tchon Manjaco e o Tchon Fula e o Tchon do Largo São Domingos e o Tchon Pepel se entendam sempre como estes últimos 40 anos.

Antº Rosinha

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Guiné 63/74 - P14201: Os nossos regressos (33): Ficámos na Amura, a aguardar embarque no Uíge... Partimos para Lisboa em 30 de outubro de 1968 (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

1. Texto enviado pelo Mário Gaspar [ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), autor do livro de memórias "O Corredor da Morte" (Lisboa, 2014)], enviado a 13 do corrente:


Caros Camaradas da Tabanca Grande

A Companhia de Artilharia 1659 (CART 1659), com o lema “Os Homens não Morrem”, foi rendida pela CART 2410, penso que em 20 de Outubro de 1968. Rumámos a Bissau, do mesmo modo como chegáramos a 19 de Janeiro de 1967, quando rendemos a Companhia de Caçadores 798, na LDM e no Batelão. Para eles era a alegria do fim da comissão. Saíam já outras viaturas com os militares da Companhia rendida, que gritavam sorridentes em altíssimos berros:
- Salta periquito, salta periquito…

Pouco ou nada lembro da viagem para Bissau. Parece mais que o regresso não existiu, e que eu fiquei lá nas matas e nas bolanhas da Guiné.Não me recordo de ter tirado fotografias, na lancha em que segui para Bissau, mas elas existem e estavam num rolo da minha máquina fotográfica Canon, e estão aqui.






Guiné > Outubro de 1968> LDM  > Viagem Gadamael-Bissau  > Na LDM, de regresso a Bissau: o  meu Pelotão, estou de tronco nu e lenço no pescoço, na segunda fila a contar de baixo.




Guiné > Outubro de 1969 > LDM  > Viagem Gadamael-Bissau > A minha secção, sou o terceiro de cima





Guiné > Bissau > Outubro de 1968 > Eu, no Forte da Amura, a muitos poucos dias de embarcar no Uíge




Guiné > Bissau > Praça do  Império > Monumento Ao Esforço da Raça > Outubrod e 1968 > Eu, Mário Gaspat, aguardando o regresso


Lembro-me sim de chegar a Bissau, de entrarmos em viaturas. Fizemos muito barulho, cantámos, também a Marcha da Companhia, querendo acordar Bissau. Ficámos aquartelados no Forte da Amura. Ficámos a fazer todos serviços inerentes ao posto de cada um. Tínhamos os dias livres, e procurávamos comprar algumas prendas para oferecer aos nossos familiares quando do regresso, tão desejado, a casa. Dali, seria Lisboa o destino. As esplanadas estavam cheias, e enquanto conversávamos uns com os outros, íamos bebendo umas cervejas, normalmente algumas mesas na esplanada enorme do Hotel Portugal.




Guiné > Bissau >Outubro de 1968 > A dias do embarque de regresso, na esplanada do Hotel Portugal


Era o nosso local de encontro. Falava-se só de guerra. Nós acompanhávamos toda a situação de guerra em toda a Guiné. Até viemos a saber que a Companhia [, CART 2410,] que nos rendera já tinha tido problemas graves. À noite, numa esplanada, ainda comprei umas catanas, e outras prendas. No Mercado de Bissau, adquiri, máscaras de pau-preto, piripiri ou jindungo e muitos petiscos – principalmente pombos verdes no “Zé da Amura”, os pregos no “Benfica”, e cerveja, ostras e camarões em todo o lado. E mulheres todas, até as do MNF [, Movimento Nacional Feminino], que até tinha bons pedaços.




Guiné > Bissau > s/d m[. c 19690/70]   > "Praça Honório Barreto e Hotel Portugal"... Bilhete postal, nº 130, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa") (Detalhe). 

Colecção: Agostinho Gaspar / Edição: Blogue  Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).



Como o General Spínola, na última visita que nos fizera em Gadamael Porto, pedira para que fossem distribuídos camuflados novos a toda a Companhia, visto aqueles que possuíamos estarem todos rôtos, a nossa Companhia começou a ser conhecida em Bissau por ZORBA, outros militares julgando sermos uma Companhia de periquitos, visto vestirmos fardas acabados de chegar do Casão Militar, diziam sempre:
– Salta periquito!...
– Salta? Vai já saltar! – Respondíamos quase em uníssono – afinal éramos a Família ZORBA. E toca de mandar umas bofetadas a quem tinha dito tal frase. Foram-se habituando à nossa presença, e já diziam:
– Esses tipos são velhos, são da ZORBA!

Os dias foram passando. Ainda fiz um serviço de Sargento da Guarda. Foi quando conheci pessoalmente, o agora cantor consagrado, Marco Paulo.

Na Casa da Guarda, vendo a documentação existente, verifiquei que tinha um preso detido. Depois de pensar que esta situação me poderia trazer alguns problemas, decidi mandar chamar o 1.º Cabo Cozinheiro. Disse-lhe o que se passava, tendo ele respondido:
– Eles possuem as chaves da prisão, costumam sair por vezes, e regressam depois! – Respondi-lhe:
– Pelo sim pelo não, faz-me o favor de mandar chamá-lo?!

Depois de falar com o rapaz que estava preso, dizendo-lhe que estava no fim da comissão, e que não fosse acontecer-lhe algo, eu poderia ser prejudicado,  ele respondeu:
– Volto já para a prisão, meu Furriel, tem razão!

Comecei a ler um livro de Rainer Maria Rilke, oferecido por uma das minhas madrinhas de guerra.





Guiné > Bissau > Outubro de 1968 > Almoço de despedida da CART 1659


Os dias todos iguais demoravam a passar e o paquete Uíge, da CCN [, Companhia Colonial de Navegação] nunca mais chegava. A CART 1659 organizou um almoço num grande restaurante em Bissau. Foi uma grande festa e cantámos, mais de uma vez, a Marcha do Regresso, a música foi executada por meio dos sons dos pratos, dos talheres, de palmadas das mãos nas mesas e com o bater dos pés no chão.

Finalmente no dia 30 de Outubro de 1968 embarcámos para Lisboa. Tal como sucedeu, no embarque numa lancha para Bissau, não me recordo da saída de Gadamael, nem mesmo como entrei no Uíge e foi parar ao porão uma mala de cânfora, com alguma bagagem dentro. (*)

Não regressaram três camaradas.

Mário Vitorino Gaspar
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 1 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13455: Os nossos regressos (32): Fotos do álbum do ex-1º cabo bate-chapas, pelotão de manutenção comandado pelo alf mil Ismael Augusto, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)

Guiné 63/74 - P14200: Parabéns a você (854): Luís Graça (Henriques), ex- Fur Mil de Armas Pesadas Inf da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71), fundador e Editor deste Blogue de ex-Combatentes

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14192: Parabéns a você (853): Mário Serra de Oliveira, ex-1.º Cabo Escriturário da BA 12 (Guiné, 1967/68)

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14199: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (18): Férias

1. Em mensagem do dia 26 de Janeiro de 2015, o nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), depois uma longa ausência para recuperar energias, enviou-nos a sua décima oitava "Carta de Amor e Guerra".


CARTAS DE AMOR E GUERRA

18. Férias


Bissorã, 13/9/1966 - Fur. Milicianos Adrião Mateus e António Magalhães, da CArt 1525, e Manuel Joaquim (CCaç 1419) posam na pista de aviação enquadrados por camaradas da CArt 1525 e ansiosos por partir para férias. No fundo da foto percebe-se a imagem do DAKOTA CR-GAT que levará os três para Bissau. 

Foto: © Adrião Mateus. 

Vale de Figueira, 13/3/66

(... ... ...)
Faltam poucos meses para gozares as tuas férias. Regozijo-me com o saber que terás possibilidades disso. Mas, meu querido, tal como vivo contente, ansiando a hora de te abraçar, tremo de temor e de insegurança; receio este encontro contigo. (...).

Meu querido, sê razoável e compreensivo ao analisares o que vou dizer-te. (...). Sugiro-te que seria melhor não regressares daí sem teres terminado definitivamente a comissão estipulada.
Mais vê:

Depois de passares cá as férias, já com perfeito conhecimento e experiência do que por aí se passa, será bastante mais difícil e doloroso teres de voltar para o mesmo inferno. É que já vais com os olhos bem abertos. Não vais decerto como quando foste inicialmente, com a esperança de que isso aí é melhor do que o que por cá se conta.

Para mim também terá um sabor bastante amargo. Compreendes-me, querido? Não quero dizer, terminantemente, que não venhas. Faz o que entenderes. É apenas uma opinião minha.
(... ... ...)

Bissorã, 17/3/66
(... ... ...)
Esperemos que isto vá correndo razoavelmente e cá fico a pensar, para já, em Setembro, altura em que irei ter contigo. Mas ainda falta tanto tempo! (...). Escolhi Setembro por verificar que seria essa altura aquela em que eu mais precisaria de descansar. Além disto arranjaria alento para a arrancada final, sempre a mais difícil de suportar.

Setembro será o mês do ano! Será o mês do nosso encontro. Ah, quanto eu desejo abraçar-te, quanto desejo ouvir-te, minha querida, sentir-te feliz junto de mim!
(... ... ...)

Vale de Figueira, 23/3/66

Tenho comigo a tua última carta. Gosto muito dela, meu querido. E, perante a tua alegria e todo o teu entusiasmo pela possibilidade de uma visita próxima, peço-te desculpa se as minhas palavras, que já deves ter em teu poder, ensombram de algum modo toda essa alegria, toda essa esperança. Decerto, meu querido, que compartilho também essa alegria. Mas eu desperdiço muitas vezes possíveis momentos de felicidade, só porque o terrível pessimismo anda comigo.

Vem sim, meu amor. Eu quero-te aqui comigo. Receio esse contacto? São preocupações antecipadas que nada adiantam. É muito mais sublime e nobre encarar os problemas de frente e resolvê-los calmamente no momento oportuno. (...).

Meu M. querido, (...) parte da última carta é já sem valor. Porque eu quero que venhas. Queria mesmo que viesses hoje se tal fosse possível ... Peço muita desculpa se te indispus e quero agora significar todo o meu apoio ao teu projecto de férias. (...). Ah, Setembro! Quando apareces? (...).
(... ... ...)

Quinta de S. Lourenço, 9/4/66
(... ... ...)
Meu querido M., tenho a comunicar-te que passei um domingo de Páscoa na mais completa satisfação e alegria que me foi possível. Estive com os teus pais no Casal Novo.

E então, gostas? Sabes que tu, meu amor, estiveste sempre presente? Não sentiste? Eu sei que te alegras com a nossa alegria, que sentes a nossa tristeza, que comungas da nossa possível felicidade.
Domingo de Páscoa fizeste connosco o voto de em Setembro nos encontrarmos de novo. Saudosamente te esperamos.
(... ... ...)

Maqué, 10JUL66

Não, não mudei de terra. Estou, simplesmente a "estagiar" num "lindo sítio" (...) onde o meu grupo faz segurança a uma ponte. (...). O abrigo onde estamos instalados é uma autêntica fortificação. Ainda bem. (...). Salve-se a pele que o resto suporta-se. (...).

Em Setembro aí estarei. Não poderei faltar. (...). Anseio pelas férias. Não interessa que passem depressa ou que, ao regressar, sinta ainda maior dor do que a que senti quando vim da 1ª vez.
Preciso, em primeiro lugar, de descanso. Depois ... preciso de vos ver, a ti e a todos os elementos que mais unidos estão a este teu querido.
(... ... ...)

Vale de Figueira, 12/7/66

(... ... ...)
Estamos a poucos meses do nosso reencontro mas parece-me que agora os meses têm mais dias e os dias mais horas. É a ansiedade, a vontade de precipitar esse acontecimento (...). Aguardemos então esse dia com alegria e certeza (...).
(... ... ...)

14/9/1966 - Chegada a Lisboa

Após o entusiasmo da chegada, surgiu o problema da repartição do tempo de férias de modo a poder visitar os meus familiares e amigo(a)s mais chegado(a)s. Era previsível que, no fim, alguém se queixaria.


Lockheed L-1049G Super-Constellation: Terá sido este o avião utilizado para as minha férias. Fez a carreira Lisboa-Bissau no período de 1961-1967. 

Imagem retirada, com a devida vénia, de «restosde coleccao.blogspot.com»

Cacém, 15/9/66

Reencontrei-te! ... Nos beijos e abraços, gestos de amor e paixão, toda a diversidade de sentimentos, de estremecimentos, de sensações neles experimentei! (...) Não te reconheci, de início, no meio da multidão, meu querido. Era o nervosismo, a ansiedade de cair nos teus braços e de depor nos teus lábios ardentes e sensuais o calor dos meus beijos, (...). Lembras-te do que te disse ontem?

Custaram-me mais a aguentar os momentos de expectativa que antecederam a tua chegada, (...), do que todo o tempo que já passei afastada de ti. (...).

Beijos da tua N., extensivos à tua mãezinha.

Até sábado, meu Amor

Foi chegar e partir de novo no dia seguinte, agora a caminho de Pombal, para os braços da Mãe querida. E os dias de férias lá foram sendo geridos com base em três polos: Pombal, Leiria (ligações escolares e profissionais) e Lisboa (área de trabalho e de residência da namorada).

Logo verifiquei que o tempo era pouco para o que queria fazer. Ainda por cima tinha programado encontrar-me com algumas das minhas correspondentes. Não tendo transporte próprio, estava sujeito aos horários de comboios e de autocarros, transportes lentos e por vezes escassos.

Foi um mês de lufa-lufa, de um lado para o outro. Se houve razões de queixa da Mãe, a verdade é que nunca mas mostrou. Não aconteceu o mesmo com a namorada.

Eu queria acudir a todo o lado, actualizar-me recolhendo informações sobre o que se passava na chamada Metrópole, discutir os problemas político-sociais, esquecer-me do dia-a-dia da guerra, coisa difícil de esquecer quando estava entre os meus entes mais queridos. O tema "guerra" e o fantasma do meu regresso estavam sempre presentes, o tempo tinha outra dimensão, parecia-nos muito mais perto o dia do doloroso regresso.

Perante isto surgiram alguns desentendimentos, não com a Mãe mas com a namorada. Esta, ao invés de ter tido umas semanas felizes junto de mim, deu por si a lamentar-se pelas minhas "longas" ausências. Sabia e compreendia bem que minha mãe tivesse prioridade mas via os outros como seus "inimigos" na luta pela minha presença. Disfarçou mais ou menos bem até ao fim das férias. Mas durante o tempo de espera de embarque, no aeroporto, apareceu-me fria e distante, de pouca conversa e dispersiva nos diálogos, comportamento que atribuí às amarguras da despedida. E assim, disto convencido, regressei à Guiné a 19 de Outubro.

Logo na sua carta de 23 de Outubro me deu o toque quanto à razão da sua frieza na despedida. Poderia o caso ter ficado por aqui mas resolvi replicar a tal toque, defendendo o meu comportamento, de que resultou uma polémica que durou bastante tempo. E só então percebi que não houve só prazer e alegria no nosso encontro e quão difícil lhe foi suportar as minhas ausências, ausências que ela não imaginara virem a ser tão frequentes, principalmente as motivadas pelos encontros que tive com as minhas correspondentes.


Lockheed L-1049G Super-Constellation em Bissalanca, aeroporto "Craveiro Lopes". 

Imagem em postal ilustrado, edição «Foto Serra-Bissau».

Mansoa, Outubro-24/66

Cá estou, minha querida, respirando o calor e o "calor" deste famigerado ambiente. Um poucochinho roído de saudades, com uma vontade doida de correr para ti. Cá, a situação continua na mesma. Ainda estou em Mansoa mas talvez vá hoje para Bissorã. Se não for, melhor. Tenho de aproveitar todas as oportunidades que se me deparam para me safar da guerra. Eu quero é ir para ti (...).
(... ... ...)

Cacém, 23/Outubro/1966

Não infiras, pelo meu comportamento um pouco frio na despedida, que nele haveria sinais de desprendimento. (...). Se o sentiste, e agora doi-me sobremaneira, se o meu comportamento devido ao meu estado psíquico nesse dia te induziu a tais conclusões, quero dizer-te agora para o não levares a sério. Contrariamente a tudo isso, e abstendo-me já de pieguices e lamúrias, amo-te cada vez mais e também cada vez mais de maneira diferente, com mais conhecimentos, mais responsabilidades na arte de amar e de me fazer amar.

Com esta nova separação, corajosa e duramente enfrentada, (...), começou para mim mais uma etapa para uma nova vitória para, novamente minada pela saudade, voltar a experimentar a alegria incontrolável do reencontro. (...).

Sem dúvida, meu M. querido, a despedida terá sido bem mais dolorosa para ti. Esperam-te mais uns meses de árdua labuta. Quando actuamos porque é forçoso actuar, em prol do que nunca ousaríamos levantar um dedo, amarfanhando princípios e ideais, nada nos poderá sorrir (...).
Mais um esticão e estarás de volta, meu Amor. Reage ao desalento como sempre o tens feito e, se possível, abstém-te, torna-te estranho a todo esse ambiente de guerra e devassidão política em que estás metido. É a minha opinião, na ânsia de ajuda que te quero prestar.
(...)

Há ainda uma coisa que hoje quero referir, meu M. querido. As nossas relações neste curto período de contacto não se processaram dentro daquele quadro de harmonia que eu esperava. Não tenho de me queixar pois para tal dei contributo. Actuei, reconheço-o, umas vezes por orgulho mas verdadeiramente mais por teimosia e despeito. Nem por isso expresso o meu total arrependimento porque não seria verdadeira ao afirmá-lo.

Meu Amor, é assim a tua N. A que encontraste, modificada, mais bela mercê do teu entusiasmo e da ansiedade em a sentires real a teu lado, reflexo da felicidade e do entusiasmo que a dominavam; a que deixaste, mais melancólica mas mais gaiata, reflectindo as certezas da nossa magnífica união, a total certeza na sobrevivência do nosso Amor; e ainda a que encontrarás no teu regresso, mais bela ainda, mais mulher na reflexão da suprema ventura de nos sabermos definitivamente a respirar no mesmo ambiente, (...).

Nestas três pessoas descortinarás a tua mulher, estou certa. Essa hora soará e as páginas que escreveremos de aí em diante ofuscarão brilhantemente a fúnebre e horrenda palavra guerra, a qual agora nos aparece como prato diário. Paz queremos nós! É esta a ambição que se nos instila para seguramente virmos a alcançar essa paz, (...).

Amorosamente te beijo e abraço, meu querido.

Tua N.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11767: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (17): Jovens politicamente atentos

Guiné 63/74 - P14198: Em busca de... (253): João Fernando Lemos dos Santos, ex-Soldado Condutor Auto da CART 1742 (Abel Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742, Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), com data de 27 de Janeiro de 2015, no sentido de encontrar um seu camarada e amigo de Unidade:

Procuro o meu camarada João Fernando Lemos dos Santos, Soldado Condutor Auto, NM 02688066, que prestou serviço militar na Guiné, integrado na CART 1742, "Os Panteras", que esteve em Nova Lamego e Buruntuma nos anos de 1967 a 1969.

O Lemos foi o "arquitecto" do Memorial que a Companhia deixou em Buruntuma e, velhinho, ainda lá se encontra.

A informação não confirmada é que o Lemos, depois do serviço militar, foi para Lisboa, mas ultimamente surgiram indicações de que reside na zona da Figueira da Foz.

Durante a vida militar foi residente na Rua Dr. Albano Sá Lima em Leça da Palmeira - Matosinhos.

Qualquer informação pode ser encaminhada para o Abel Santos da 4.ª Secção/4.º Pelotão/CART 1742, para os telefones: 229 955 690 ou 919 253 200.


 De pé, da esquerda para a direita: Lemos, Pereira, Eusébio, Santos e Aníbal

Da esquerda para a direita: Lemos e Santos

Buruntuma - Memorial da CART 1742, "arquitectado" por João Fernando Lemos dos Santos.
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14187: Em busca de... (252): exemplares de 1970/71 da revista "Presença" do Movimento Nacional Feminino (Júlio César, ex-1º cabo, CCaç 2659, Cacheu e Teixeira Pinto, 1970/71)

Guiné 63/74 - P14197: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (29): Aeronáutica na Guiné - Os CESSNA dos TAGP e os seus pilotos (Jorge Araújo)


1. O nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), enviou-nos a seguinte em 9 de Janeiro:


AERONÁUTICA NA GUINÉ - OS CESSNA

Caríssimo Camarada Luís Graça,

Bom dia... e bom Ano.

O P14134, hoje publicado, fez-me recordar a única viagem aérea realizada num Cessna. Creio que foi em Fevereiro/1974 (?) quando me desloquei de Bafatá a Bissau, por um motivo que já não tenho presente.

Independentemente desse detalhe, o que importa neste caso é adicionar mais um pequeno contributo à causa da historiografia da aeronáutica - militar e civil - do nosso tempo no CTIG.

Quanto ao piloto dessa viagem singular, não sei de quem se trata. No entanto, seria interessante, decorridos que estão mais de quarenta anos, poder identifica-lo neste espaço de partilha.

Para o efeito, anexo uma foto desse dia e dessa viagem feita no CESSNA - CR - GBA [para a colecção dos Cessna].


Um abraço,

Jorge Araújo

Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494
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Nota de M.R.: 

Vd. Também o último poste desta série em:



terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14196: Blogpoesia (400): Auschwitz (J. L. Mendes Gomes)



Polónia > Entrada para Auschwitz II-Birkenau, o campo de extermínio do complexo de Auschwitz.
Património Mundial da UNESCO (Cortesia de Wikipedia)


Auschwitz...

por J.L. Mendes Gomes

impossível de ver e não chorar...
sinto vergonha da humanidade!...
o que é capaz de realizar.
para que serve a inteligência?
essa força e esse dom
da natureza,
tão sublime,
que te faz um ser superior
à toda a multidão de seres...
em toda a terra.

como foi possÍvel
descer tão baixo,
muito pior que a animalidade...
é leal.
só mata para sobreviver...

porquê reduzir a nada
os milhões de iguais,
com vontade de os exterminar...
e o seu direito de viver...

pela forma a mais cruel...
impossível para uma fera, a mais animal...


sinto horror...
sinto pavor de ti!
pelo que me podes vir a fazer!...

ouvindo Brendan Perry

Slubice, Polónia, 
27 de Janeiro de 2015
22h00m
Joaquim Luís Mendes Gomes

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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14096: Blogpoesia (399): "Eu e a Mina", de Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art.ª, Minas e Armadilhas da CART 1659

Guiné 63/74 - P14195: Memória dos lugares (284): Bissau. fortaleza da Amura: fiz lá serviço de sargento de dia e de guarda, e conheci um preso que tinha as chaves da prisão... (Mário Gaspar, ex-fur mil at art MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


Bissau > Outubro de 1968 > O Máruio Gaspar junto ao forte da Amura.. Esta foto à anterior às obras de remodelação da fortaleza. Recorde-se que,alguns meses depois, no o início do ano de 1969, o novo Governador da Guiné, brig António Spínola,  terá manifestado o seu interesse em “cuidar da Fortaleza de S. José da Amura”, motivo pelo qual o arquiteto Luís Benavente terá sido requisitado para elaborar os estudos e o plano de actuação necessário.  Data deste período (e desta campanha de obras) a instalação na fortaleza do Comando Chefe [, QG/CCFAG - Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné], da Companhia de Polícia Militar, de um destacamento adido à Polícia Militar e do Comando Chefe do Agrupamento de Bissau.


Foto: © Mário Gaspar (2015). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), autor do livro de memórias "O Corredor da Morte" [Lisboa, 2014]


Data: 13 de janeiro de 2015 às 21:08

Assunto: Forte da Amura (*)

Caros Camaradas:

Existiu uma Guerra, uns a denominam Guerra do Ultramar, mas para mim foi uma Guerra Colonial. Iniciada em 1961, dizem que terminou em 1974, mas mentira, nem mesmo em 1975 porque ela continua bem infiltrada dentro de cada um de nós. Se a pretendermos narrar, hoje, amanhã é tarde, temos pouco tempo à nossa frente. Não querendo que seja narrada, sem mentiras e omissões, temos de dar as mãos, e todos os camaradas contribuírem. Se tal não se pretender porque é prejudicial para alguém, então partam para outra – mas não contem comigo:

a) Blogues em que se contem anedotas – e existem por aí tantos!... que tal umas almoçaradas e jantaradas em louvor aos que morreram?

b) É com muita tristeza que ao consultar o Arquivo Histórico-Militar, e já lá fui as vezes suficientes para o verificar, tantas contradições e as tais omissões – e quem omite mente – de pôr as mãos à cabeça;

c) Depois uns senhores Gungunhanas surgem de barriga cheia, no seu trono, como donos da palavra, e sem respeito algum pelos outros – a pessoa a quem me dirijo sabe bem do que falo – e é pena;

d) O nosso blogue é uma família, e o local de troca de mensagens, não é uma arena; estudei em Vila Franca de Xira e sei bem como marra o boi. Não gostando das esperas de toiros, deixei de as frequentar.


Em relação ao Forte da Amura o que posso dizer? Cumpri a Comissão isolado no mato e não em Bissau. O que assisti em Bissau – em Setembro/Outubro de 1967 – quando estava no período de gozar licença invadiu-me de tristeza. Tiroteio em Bissau? Então não eram as Tropas Especiais que andavam em Guerra em plena cidade aos tiros após um jogo de futebol ?! (**)

(i) estive no Forte da Amura e fiz Sargento de dia e Sargento de Guarda, até ao embarque, em outubro de 1968;

(ii) o quartel não era de todo mau;

(iii) os s meus pequenos-almoços eram no "Zé da Amura", com uns pombos verdes fritos e cervejas;

(iv) conheci lá o  Marco Paulo que me ofereceu mancarra e cerveja que rejeitei;

(v)  havia alguém que não queria que eu morresse à sede e me enviava cervejas fresquinhas, mas nunca tive conhecimento quem era;

(vi) tinha um preso a meu cargo e, se não tenho a sorte de perguntar a razão de não estar preso, talvez não tivesse vindo com a minha Companhia;

(vii) quem passou a comissão de serviço no Forte da Amura teve muita sorte, coitados daqueles que estiveram nos "cus do mundo",  isolados no mato;

(viii) em Bissau havia muita mulher branca e até muita miúda cabo-verdiana linda.

Cumprimentos

Mário Vitorino Gaspar

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 20 de janeiro de  2015 > Guiné 63/74 - P14165: Memória dos lugares (282): Gadamael... O enigma da palavra ASCO que consta de um edifício em ruínas (que era messe de oficiais no tempo da CART 2410...) pode estar decifrado: seria o acrónimo da casa comercial Aly Souleiman & Companhia que existia em 1956 (Luís Graça / Mário Vasconcelos)

(**) Vd. poste de 2 de janeiro de  2010 > Guiné 63/74 - P5580: FAP (44): A verdade sobre os incidentes, em Bissau, em 3 de Junho de 1967, entre páras e fuzos... (Nuno Vaz Mira, BCP 12)

Guiné 63/74 - P14194: Casos: a verdade sobre... (7): O tema da Guerra da Guiné a imputar-nos a execução de detidos, de prisioneiros e da mutilação dos cadáveres voltou à Tabanca Grande (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 23 de Janeiro de 2015:

Prezado amigo e camarada Carlos Vinhal.

A atitude do jornalista escritor José Vicente Lopes de eleger o blogue como fonte, viva, para a reconstrução da história da Guerra da Guiné é sábia da parte dele e gratificante para nós. Essa guerra onde empenhamos a juventude, a saúde e avida é um romance real e nós os seus actores.

Copiei o estilo dos camaradas António Rosinha e C. Martins para o texto anexo e dá-lhe o destino que entenderes.

Com um abraço e expectativa das notícias prometidas...

Manuel Luís Lomba


“Uma Guerra Desnecessária”… 

O tema da Guerra da Guiné a imputar-nos a execução de detidos, de prisioneiros e da mutilação dos cadáveres voltou ao convívio da Tabanca Grande, neste mês de Janeiro, efeméride do início da sua guerra “militar”, com o ataque a Tite, em 23/01/63), da derrota, morte e eventual profanação do cadáver do comandante paigcista Jaime Mota(1), em 7/01/74, na mesma altura em que, ali ao lado, o pelotão dos 29 valentes derrotava o cerco e assalto combinados de infantaria, artilharia e blindados do IN a Copá, narrado pelo camarada António Rodrigues(2).

Exército Português há só um, o fundado por D. Afonso Henriques e mais nenhum!

Em 1128, o rei fundador, ao comando da sua primeira batalha, derrotou o IN galego Fernão Peres de Trava, não o matou, não o maltratou e concedeu-lhe o dom da sua pessoa para o escoltar até à sua mãe, não como prisioneiro, não obstante vitorioso, mas como um homem e companheiro afectivo dela.
Num teatro de guerra, D. Afonso Henriques elevou ao auge o seu respeito pela dignidade humana do combatente.

As guerras são loucura humana, injustas, desnecessárias, exceptuando as de legítima defesa.

Quando o nosso compatriota Amílcar Cabral detonou a Guerra na Guiné, éramos país com mais de 8 séculos de história civilizacional e pluricontinental há 5 séculos. A nossa Constituição, essa lei fundamental, imperava em toda a dimensão da portugalidade e reconhecida por todas as instâncias internacionais.

“Vestiram-nos a camisola” (a farda) e expedidos para a Guiné, fazer uma guerra para acabar com aquela guerra…

Jamais o Povo da Guiné-Bissau beneficiará de cooperação tão extensa e profunda como a que lhe prodigalizou o Exército Português, ao custo de sangue, suor e lágrimas, como contrapartida…

Amílcar Cabral trocou a ética e tradições do Exército Português, que terá servido até à patente de alferes miliciano, pela doutrina e métodos de guerrilha de Mao Tsé Tung, líder da China, onde se tirocinou, em 1960, com passaporte de cidadão português…

Correspondemos sempre por cima aos martírios que nos eram impostos no teatro de operações, cedo nos apercebemos que Amílcar Cabral sabia muito melhor o que fazia do que nós que aquela guerra da Guiné não acabaria no binómio derrota-vitória: só teria fim por desistência, por falta de comparência…
Como assim, se Portugal era país, tinha exército e o PAIGC era exército e não era país? Paradoxalmente, de derrota em derrota, o PAIGC levou os portugueses a desistir primeiro… E não lhe entregaram um país em Bissau; foram desfazer-se dele, em Argel…

Por esse formato de independência, pouco mais sobrou para o Povo da Guiné-Bissau que o PAIGC de Conakry, Moscovo e Havana e o seu exército… A história vem tratando a Guerra da Guiné como “Uma Guerra Desnecessária” – citando Churchil…

No tocante aos aludidos crimes de guerra, a criminalidade é imanente à condição humana (está bem dito, Luís Graça?). Pela multiplicidade da gente que a informa, a sociedade castrense não será excepção à regra. Há muitas provas da coragem de muitos em não pactuar com ela, pelo silêncio, sabendo de antemão que passariam a ser pisados.

Trazemos à colação o testemunho e autocrítica do coronel Vasco Lourenço, o principal motor do MFA, vertidos no seu livro Do Interior da Revolução (Âncora Editora, 2009), pags. 38 e 39.

Era comandante da subunidade de Cuntima, mandou prender dois régulos, conotados com o IN, entendeu despachar o mais notório para a sede do batalhão, para ser interrogado por especialista, com as mãos algemadas atrás das costas. Só que aquele detido era príncipe da sua etnia e reagirá, não à detenção, mas ao que considerou grave afronta à sua condição, com uma greve de fome, até à morte. O general Spínola levantou-lhe um auto de averiguações e só não o terá punido porque o seu comandante do batalhão reclamou junto do Comandante-chefe a responsabilidade da ocorrência; mas não deixou de ser transferido de Cuntima para Nema…

É este o meu (nosso) Exército e D. Afonso Henriques o seu patrono…

O exército do PAIGC foi o primeiro a atormentar a vida dos guineenses, começando por destruir a sua economia, os seus equipamentos sociais, a matá-los e a estropiá-los.

O Exército Português bombardeava e assaltava as suas bases, na floresta; o exército do PAIGC flagelava as vilas e tabancas densamente povoadas, que aboletavam guarnições militares (chegou a dirigir 300 por mês). As baixas dos relatórios registam as vítimas do costume: velhos, mulheres, crianças e incapazes…

Em 1962, o exército do PAIGC começou a atormentar e a matar guineenses em Catió, Susana, Varela, S. Domingos - e nunca mais parou…

A malta grisalha que foi envolvida nessa guerra, vai-se reunindo a curtir a nostalgia do tempo que não volta, sem patriotismo africano saudosista. Haja libertação e libertadores, mas mitologias à parte.

Amílcar Cabral foi o instituidor da pena de morte na Guiné, há 100 anos abolida por Portugal, aplicando-a a delitos comuns e a delitos políticos, no I Congresso de Cassacá, em Fevereiro de 1964, e ordenou execuções imediatas. Quando em 1 de Junho de 1970 foi a Roma receber as bênçãos de S. S. o Papa Paulo VI, poucos dias antes havia ordenado fuzilamentos em Quitafine, pelo delito de oposição política, entre os quais o de Abdulai Seck, chefe da segurança do partido, em Ziguinchor.

Todos os homens são iguais e guerra é guerra – parafraseando o ex-sapador Braima Cassamá.

Um abraço para o Luís Graça, os editores, camaradas intervenientes, extensivo ao José Vicente Lopes(3).

Descansa em paz, comandante Jaime Mota.

Manuel Luís Lomba
____________

Notas do editor

(1) Vd. postes de:

15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (1) Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 (Virgínio Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)

15 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14151: Casos: a verdade sobre... (2): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte II (Virgínio Briote / Rachid Bari, ex-sold trms, CCAÇ 21, Bambadinca, 1973/74, natural do Quebo e residente em Portugal)

17 de janeiro de  2015 > Guiné 63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III (Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)
e
18 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14160: Casos: a verdade sobre... (4): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte IV: "Guerra é guerra, meu irmão", dizia-me em 2008 o antigo guerrilheiro Braima Cassamá que reencontrei em Guileje (José Teixeira)

(2) Vd. poste de 7 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14128: Efemérides (181): Copá – Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)

(3) Vd. postes de:

3 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10221: Notas de leitura (387): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (1) (Mário Beja Santos)

6 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10230: Notas de leitura (388): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (2) (Mário Beja Santos)
e
10 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10247: Notas de leitura (390): Aristides Pereira, Minha Vida, Nossa História, entrevistas de José Vicente Lopes (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 de Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14193: Casos: a verdade sobre... (6): Tratamento de prisioneiros do PAIGC (ex-fur mil armas pesadas inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70)