sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16494: FAP (97): Pedaços das nossas vidas (1): "Marte, saia a Força Aérea, o Pirata ejectou-se em Gandembel", por TGeneral PilAv José Nico - I Parte (José Nico / Miguel Pessoa)

1. Mensagem do nosso camarada Miguel Pessoa, Cor PilAv Ref (ex-Ten PilAv, BA 12, Bissalanca, 1972/74), com data de 14 de Setembro de 2016, contendo um trabalho intitulado "Marte, saia a Força Aérea, o Pirata ejectou-se em Gandembel!", da autoria do TGeneral PilAv José Nico, relatando o abate, em 28 de Julho de 1968, do avião pilotado pelo então TCor PilAv Costa Gomes, Comandante do Grupo Operacional 1201, que vamos publicar em duas partes.

Caros editores
O General Nico (da Força Aérea) disponibilizou este texto para publicação no blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné", socorrendo-se da minha pessoa para vos fazer chegar o artigo.
Dada a sua extensão não sei se será possível a sua publicação num único poste. Tenho sempre receio da sua divisão em partes, por poder eventualmente desinteressar o leitor. Mas a equipa editorial irá certamente ponderar as duas hipóteses... e decidir-se pela melhor opção.

Um abraço.
Miguel Pessoa


PEDAÇOS DAS NOSSAS VIDAS[1]

Cumpri muitas missões durante a minha carreira na Força Aérea Portuguesa. A comissão na Guiné, porém, sobrepôs-se a todas as outras e marcou-me indelevelmente para o resto da vida. A mim e certamente a todos os que, de algum modo, partilharam a mesma experiência. É dela ou de acontecimentos com ela relacionados, que vos irei dando conta… 


VII – “Marte[2], saia a Força Aérea, o Pirata[3] ejectou-se em Gandembel!”

Por TGeneral José Nico

I Parte

A frase em título reproduz uma angustiante emissão rádio efectuada na frequência 49,0 MHz FM, ao fim da manhã do dia 28 de Julho de 1968. Nesse preciso momento encontrava-me a efectuar o “sector”[4] de Nova Lamego, com um DO-27, e confesso que fiquei gelado. O Comandante do Grupo Operacional 1201 (GO 1201), na altura o combatente mais graduado da Força Aérea na Guiné, tinha sido forçado a abandonar o avião por razões que não foram explicadas no momento, numa área que todos sabíamos infestada de guerrilheiros. Por esse motivo assumi instintivamente a sobrevivência, em consequência da ejecção, como um risco menor naquela situação. Foi a possibilidade do Tenente-Coronel Costa Gomes ser capturado pelo inimigo que mais me assustou. Respondi imediatamente ao Tubarão[5] informando-o que o Sampunhe na Mouco[6] ia interromper a missão e rumar a Gandembel para ajudar a tentar localizar o piloto no solo. Todos os aviões em voo mantinham escuta permanente em 49,0 MHz, que era o canal para apoio aéreo às forças de superfície, e foram vários os pilotos que também alteraram a missão para se dirigirem a Gandembel. Soube-se depois que o G-91 5411, pilotado pelo Comandante do GO 1201, tinha sido atingido por fogo antiaéreo e incendiara-se. O número dois da formação, alarmado com o enorme rastro de fogo deixado pelo avião, incitara o chefe a ejectar-se imediatamente o que ele fez alguns segundos depois. Logo a seguir, enquanto observava o pára-quedas a descer para a mata, o Capitão Vasquez comunicou a situação ao Centro Conjunto de Apoio Aéreo (CCAA) e com essa transmissão rádio alertou o dispositivo aéreo para aquela emergência. As palavras que então proferiu ainda hoje ressoam na memória de todos os que as ouviram naquele já longínquo dia e são elas que dão o título a mais este “PEDAÇOS DAS NOSSAS VIDAS”. 


Limitações organizacionais da Força Aérea na Guiné 

A minha vida mudou radicalmente quando, no dia 28 de Setembro de 1967, a porta do HC-54 Skymaster 7504, que me transportou até Bissau, se abriu e uma baforada de ar quente e húmido invadiu a cabine dos passageiros. Tinha feito a viagem desde Lisboa com o meu camarada de curso, o Tenente Balacó Moreira, e foi aquela bofetada de calor húmido com odor a ferrugem que nos anunciou o peculiar ambiente em que íamos viver e combater a partir daquele dia. 

Tínhamos completado o treino operacional em F-86F, na Esquadra 51 de Monte Real mas, para a guerra que se desenrolava na Guiné, não houve qualquer preparação específica. Era um nível de formação que ultrapassava as capacidades de uma pequena unidade de voo como era a Esquadra 51. Penso mesmo que nunca foram inseridos, no treino que se seguia ao curso de pilotagem de aviões de caça (em T-33), os ensinamentos resultantes da recolha de informações e da análise do que se estava a passar em África, nem a disseminação de eventuais lições aprendidas, nem sequer das práticas da cooperação aeroterrestre. A Força Aérea, com a expansão forçada pela defesa dos territórios ultramarinos, ficou de tal modo estirada que estas questões que exigiam um estado - maior central, com capacidade para estudar o nível operacional da guerra, nunca foram convenientemente resolvidas. 

Desembarquei assim em Bissau necessitando de tempo e experiência para perceber o que faziam os que já lá estavam e o porquê de como o faziam. Como a actividade era intensa as oportunidades para concretizar a necessária qualificação para operar no teatro de operações da Guiné surgiram em catadupa, umas atrás das outras. Apenas me foi explicada uma prioridade: como o DO-27 era pau para toda a obra quase todos os pilotos, independentemente do tipo de aeronave a que se destinavam, que no meu caso era o G-91, tinham que ser também qualificados naquela aeronave. E foi assim que, logo no dia seguinte à chegada, comecei a receber instrução no DO-27 e passados três dias fui considerado apto para operações. Só depois disso, no dia 3 de Outubro de 1967, efectuei então o primeiro voo em G-91 e poucos dias depois estreei-me contra o dispositivo antiaéreo do PAIGC no Quitafine[7].

Outra questão muito importante, que na altura me passou despercebida, foi que o nível operacional da guerra pura e simplesmente não existia na Força Aérea ou, para ser mais preciso, existia apenas uma pessoa que tinha estatuto para analisar o que se passava, pensar o que se poderia fazer com os recursos disponíveis e planear: o Tenente-Coronel Costa Gomes, Comandante do GO 1201 que nessa função era apoiado pelo Comandante da Esq 121, o Capitão Vasquez. Todos os outros elementos, na grande maioria jovens tenentes do quadro permanente e alferes e furriéis milicianos, eram executantes puros que dominavam apenas o nível táctico. Não havia um estado-maior operacional e isso influenciou sempre, sem que nos apercebêssemos, a qualidade da nossa operação mau grado o voluntarismo e agressividade dos pilotos, como se perceberá do episódio que me proponho relatar. 

De facto, agora à distância de 50 anos, analisando a nossa organização e a forma de emprego do poder aéreo naquele tempo, é óbvio que as responsabilidades de nível operacional residiam na pessoa do Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné[8] (COMZAVERDEGUINÉ). Numa condição de guerra é, na actualidade, indiscutível que deviam ter sido responsabilidades apoiadas por um estado-maior o que nunca aconteceu. Poder-se-ia agora argumentar que dada a pequena dimensão da componente aérea as responsabilidades de nível operacional caberiam nas competências do Comando-Chefe e, de facto, isso podia ter sido feito não fosse o facto do QG conjunto ser um comando essencialmente terrestre. Da Força Aérea apenas contava com um oficial de ligação com o posto de capitão. Mas mais ainda, nos casos em que o comandante da zona aérea não tivera experiência anterior nas unidades de caça, essas responsabilidades eram informalmente assumidas pelo comandante do grupo operacional como se fosse uma coisa natural. Mas tal como o comandante da zona também o comandante do grupo operacional não dispunha de um estado-maior de combate. Em termos práticos foram responsabilidades de cariz vincadamente unipessoal e, por isso, foram deficientemente exercidas mas nunca ninguém se apercebeu desta lacuna porque não fazia parte da nossa cultura. 


Antecedentes do abate do Pirata[9]

No dia 26 de Julho de 1968 uma parelha de G-91, em patrulhamento na fronteira Sul, foi alvejada por fogo antiaéreo, na vizinhança do corredor do Guilege. O relatório do chefe da formação referia que foram detectadas três armas no ponto GUILEGE 8 H 1 5/9, próximo da antiga tabanca de Sare Morso[10]. Porque situações desta natureza tinham sido comuns nos últimos meses de 1967 até Março de 1968 tudo sugere que não foi atribuído nenhum carácter de urgência ou excepcionalidade à informação. No entanto, havendo diariamente um briefing dado pelos oficiais de informações do CCAA às 17h00, sobre a actividade efectuada em cada dia, é muito provável que o facto tenha sido divulgado nessa altura. Pessoalmente não tenho memória disso e tenho a certeza de que se tivesse dado conta dessa ocorrência teria ficado focado nela. Mas mais ainda, se o assunto não foi referido no briefing ao fim do dia deveria ter sido no briefing da manhã, no dia seguinte, às 08h00, onde era exposta a actividade prevista para esse dia. Também, provavelmente pensando que a posterior análise do relatório seria suficiente para desencadear as acções mais adequadas, os pilotos envolvidos não comunicaram o facto de viva voz, nem ao Comandante da Esquadra 121, nem ao Comandante do Grupo Operacional. O certo é que nenhum deles tomou conhecimento da existência daquela AAA[11] e isso influenciou negativamente as decisões posteriores.

Nesse mesmo dia 26 de Julho, ao fim da tarde, na reunião diária no Comando-Chefe[12], foram referidas pelos oficiais de informações notícias dando conta da existência ou construção de um túnel na zona fronteiriça, que passaria debaixo do corredor[13] que, vindo de Kandiafara, penetrava no território nacional. Como nessa altura o alvejamento dos G-91, ocorrido durante a manhã, ainda permanecia no âmbito da Força Aérea, os oficiais de informações do Comando-Chefe não estabeleceram qualquer ligação entre aquelas notícias e a AAA que já fora detectada. 

No dia seguinte, 27 de Julho, uma segunda parelha de G-91 voltou a ser alvejada pelas mesmas armas[14] mas, novamente, nem o Comandante da Esquadra 121, nem o Comandante do GO 1201 tomaram conhecimento do facto. O relatório deve ter tido o tratamento de rotina a nível do CCAA mas não influenciou imediatamente o nível de decisão do grupo operacional, o que se pode explicar por motivos de natureza circunstancial. Provavelmente, absorvidos por outras solicitações, nem o Comandante do GO 1201, nem o Comandante da Esquadra 121 assistiram aos briefings de informações das 17h00 do dia anterior nem ao das 08h00 desse dia e também nenhum dos pilotos envolvidos achou necessário comunicar-lhes o facto directamente. 

Sensivelmente na mesma altura em que os guerrilheiros, certamente apoiados pelos barbudos do Fidel[15] como era a prática corrente, faziam tiro ao alvo à parelha de G-91 que acabo de referir, o Tenente-Coronel Costa Gomes chamou o Capitão Vasquez que conhecia bem o trilho do corredor do Guilege e informou-o sobre as notícias que ouvira no dia anterior referindo o aumento da actividade do PAIGC e a história da construção de um túnel. Deu-lhe então instruções para efectuar um reconhecimento visual em DO-27, para confirmar ou desmentir essas notícias, e recomendou-lhe que levasse com ele um piloto de helicópteros para o caso de vir a ser necessário lançar uma operação helitransportada. 

Friso novamente que, até ao momento, apesar das indicações já existentes, tanto o comandante do grupo como o Capitão Vasquez continuavam a ignorar a existência de armas AA[16] activas junto ao corredor do Guilege. Começou assim a desenhar-se uma armadilha que iria ter consequências desastrosas. 


O RVIS[17] ao corredor do Guilege na tarde do dia 27 de Julho de 1968

É com as palavras que se seguem que o então Capitão Vasquez relata o que aconteceu durante o RVIS: 

“Planeei a missão com o Tenente Ruano e descolámos com destino ao corredor do Guilege. 

Iniciámos o reconhecimento a partir de Porto Balana voando a cerca de 300 pés sobre o terreno e mantendo o trilho à nossa direita. Fomos observando ou "lendo" o trilho, à procura de indícios que configurassem ou não a suspeita levantada na reunião no Comando-Chefe. 

Pouco depois de atravessar a picada Gadamael Porto - Gandembel, seguindo o corredor em direcção à “cambança” para Kandiafara e com o trilho entre 200 a 300 metros à direita, fomos subitamente surpreendidos por um intenso tiroteio antiaéreo, vindo da esquerda da nossa rota de voo. As armas que disparavam seriam duas ou mais, dado o intenso matraquear ouvido dentro do avião e a quantidade de trajectórias tracejantes avistadas, próprias de armas de calibre não inferior a 12,7 mm. (Ver a rota de voo, no croquis da carta de 1/50.000). Reagi voltando imediatamente pela direita para me afastar das armas e por sorte entrei imediatamente num aguaceiro que caía naquele momento sobre o trilho o que terá facilitado o escape. Não sentimos nenhum estrondo, nem surgiram sinais de mau funcionamento o que deu logo a sensação de que não tínhamos sido atingidos. 

Regressámos imediatamente a Bissau com uma aterragem intermédia em Buba para inspeccionar o avião o que permitiu confirmar que não tinha sido danificado.” 

A rota do RVIS desenhada numa carta 1:50.000 pelo ex-Capitão Vasquez 

À chegada à BA12, Bissalanca, o Capitão Vasquez e o Tenente Ruano foram imediatamente relatar ao Tenente-Coronel Costa Gomes o que se tinha passado. O comandante do grupo mostrou-se surpreendido e questionou a credibilidade da presença das armas AA naquela zona. Na sua ideia, a anterior tentativa do PAIGC declarar o Quitafine uma zona libertada[18], com recurso à instalação de numerosas armas AA, tinha acabado por ser derrotada em Março de 1968 e não faria agora sentido insistirem naquela táctica porque a Força Aérea acabaria por destruir-lhes o arsenal. Além disso, tinha sido o Tenente-Coronel Costa Gomes que liderara essa campanha e penso que lhe custou admitir que, pelo menos aparentemente, estava tudo a voltar à estaca zero. Chegou mesmo a chamar a atenção do Capitão Vasquez para a responsabilidade do que estava a relatar mas a segurança das afirmações dos dois pilotos acabou por convencê-lo. 

É certo que o PAIGC tinha continuado a instalar AAAA ao longo da fronteira mas apenas em território da Guiné-Conacri. Procuravam atingir os aviões a operar nas proximidades e raramente foram detectadas. Lembro-me de uma vez em que voava sobre a fronteira Sul com o Tenente Firmino das Neves ter avistado por entre a folhagem o característico relampejar de uma AA que não nos atingiu. Outro caso de que tenho conhecimento, esse na mesma altura em que ocorreu o episódio objecto do presente relato, deu-se com uma parelha com o Capitão Vasquez e o Tenente Balacó Moreira. Voavam também sobre a fronteira e começaram a ver uma série de flocos que se formavam mais acima da altitude de voo. Eram claramente rebentamentos de granadas de canhões AA 37mm que deviam estar programadas para os 8000´. Não foi possível detectar as armas e o chefe da formação deu ordem para descer imediatamente para anular o campo de visão dos atiradores não tendo havido consequências. 

Ao fim da tarde, na reunião no Comando-Chefe, o Tenente-Coronel Costa Gomes comunicou então o que se tinha passado durante o RVIS no corredor do Guilege. A reacção do Brigadeiro Spínola, no seu estilo peculiar, foi muito directa e até um pouco desabrida: 
- Isso é um problema para a Força Aérea resolver! – disse ele rodando a cara de modo a fixar o Comandante do Grupo Operacional. 

O ex-Tenente-Coronel Costa Gomes diz que até lhe pareceu que o monóculo do Comandante-Chefe faiscou quando deu aquela ordem. Talvez tenha sido o reflexo momentâneo de alguma luz mas o que mais o marcou foi a percepção de que naquele caso a Força Aérea era ele, Costa Gomes, e só ele. Sentiu por isso que o Comandante-Chefe lhe estava a dar uma ordem de missão personalizada e que ele, naturalmente, teria de cumprir. 


Um reconhecimento fotográfico que correu mal 

No dia seguinte o Comandante do GO 1201 deu ordem para que fosse preparada uma parelha de G-91 para se efectuar um reconhecimento fotográfico. Nessa manhã eu estava incumbido de executar um TGER[19] em DO-27 em apoio do batalhão de Nova Lamego. Por mero acaso, antes de partir, assisti a uma conversa entre o comandante do grupo e o Capitão Vasquez em que os dois combinavam um reconhecimento fotográfico a baixa altitude para localizar e identificar umas AA junto ao corredor do Guilege. Foi a primeira vez que ouvi falar dessas armas e, não sei porquê, fiquei com a sensação que aquilo podia correr mal. 

Conta o ex-Capitão Vasquez que planeou a missão sozinho e que, numa carta 1:50.000, traçou uma rota em que o ponto inicial para a aproximação ao alvo era o aquartelamento do Guilege. Daí para a frente era só manter rumo e velocidade e o alvo devia ser avistado, se tudo corresse bem, um minuto e dezasseis segundos depois. A baixa altitude não havia referências, só se via o campo verde de um ondulado uniforme formado pelas copas das árvores. A navegação tinha que ser por isso muito estável e ao fim do tempo era necessário subir ligeiramente para tentar detectar visualmente onde estavam as AA, manobrar para corrigir a posição relativa, colocar o retículo da camara mais adequada no alvo e accionar o sistema fotográfico. 

A seguir deviam descer imediatamente e afastarem-se flectindo para a esquerda para evitar entrar na Republica da Guiné-Conacri. 

Quando os dois pilotos chegaram à linha da frente levantou-se a questão de quem seria o número um da formação. Pessoalmente penso que isso seria indiferente visto que naquele tipo de aproximação baixa apenas contava o rigor da navegação. O Capitão Vasquez embora já tivesse sido alvejado por aquelas AA não sabia com precisão onde elas estavam e, portanto, tinha tantas probabilidades de acertar como o comandante do grupo. Estava é mais rotinado no voo baixo o que poderia facilitar a detecção de qualquer pormenor que lhe permitisse corrigir a navegação e, por último, estava mais habituado a utilizar o equipamento de reconhecimento fotográfico. No entanto, apesar de contestada pelo capitão, a decisão do comandante do grupo foi peremptória: seria ele a liderar a missão. Nos últimos anos ouvi várias vezes o ex-Tenente-Coronel Costa Gomes explicar o que o levou àquela opção. Evoca normalmente dois motivos. Diz ele que, naquela altura, imaginava ter sido directamente responsabilizado pelo Comandante-Chefe. Sentia que o Brigadeiro Spínola estava à espera que fosse ele a resolver o problema daquelas AA e, além disso, como se tratava de uma missão com algum risco e sendo o mais antigo não podia deixar de ser ele a ir à frente. Era inadmissível proceder de outra forma. O que se passou a seguir foi mais ou menos o seguinte: 

A parelha descolou seguindo os procedimentos de rotina e voaram a uma altitude confortável até terem o Guilege à vista. O Tenente-Coronel Costa Gomes pilotava o G-91 5411 e o Capitão Vasquez seguia-o cerca de 300 metros atrás no G-91 5416. Depois desceram e passaram o Guilege já a voar muito baixo. O número dois deixou-se então atrasar para criar maior espaçamento entre os aviões e facilitar a manobra individual. Ao fim do tempo previsto o número um iniciou uma subida suave para tentar localizar as armas. Viu-as imediatamente à sua direita, numa zona desmatada, com um ligeiro declive, mas estava praticamente em cima delas sem condições para fotografar. Aparentemente surpreendidos os atiradores das AA não abriram fogo imediatamente, possivelmente porque estavam à espera de alvos na direcção de Gandembel que era para onde estava virada a encosta onde estavam instalados. 

Reflectindo agora sobre os detalhes deste momento penso que o facto de não terem disparado logo terá funcionado no imediato como uma espécie de tranquilizante para o Tenente-Coronel Costa Gomes. Só assim se justifica que numa situação tão vulnerável não tenha iniciado imediatamente uma manobra de evasão. Ainda estava a avaliar o que poderia fazer para se colocar em posição para fotografar quando, por volta dos 800’ e com cerca de 250 KIAS, viu as armas começarem a disparar todas ao mesmo tempo e sentiu o que lhe pareceu serem umas pancadas na fuselagem. Imediatamente acenderam-se as luzes de aviso de fogo o que o levou, instintivamente, a aumentar ainda mais o angulo de subida. Pelo retrovisor viu que tinha fogo na cauda e então comunicou[20] ao número dois o que sucedera e pediu-lhe para verificar o estado do avião. 

O Capitão Vasquez concentrado na sua própria navegação não tinha dado por nada. Estava a procurar localizar as AA, que não chegou a ver, quando ouviu a comunicação do chefe da parelha. Olhou imediatamente para a frente e viu o outro avião numa atitude pronunciada de subida com a cauda envolta em chamas que se prolongavam num longo rastro. 

Há quase cinquenta anos que o ouço repetir o que sentiu naquele momento. Diz ele que a situação lhe pareceu tão severa que não hesitou em dar-lhe indicação para se ejectar imediatamente, apesar dos gravíssimos perigos que o esperavam no solo: 
- "Pirata, tem fogo, ejecte-se já, Pirata, ejecte-se já"!!!! 
- “Vou aguentar mais um bocado” – respondeu o Pirata que, apesar do fogo, estava bem consciente dos riscos da proximidade aos guerrilheiros do PAIGC. 

A seguir, o número dois observou o avião do chefe a meter a asa esquerda em baixo e rodar para esse lado, a muito baixa velocidade, como se fosse fazer um “renversement”. Não chegou a rodar 180º mas terá completado entre 110º e 120º de rotação nessa manobra saindo mais ou menos apontado ao sol e ao único aquartelamento do Exército naquela zona: Gandembel. 

O Tenente-Coronel Costa Gomes conhecia bem a área, tinha estado poucos dias antes no aquartelamento com o Brigadeiro Spínola e por isso estava orientado e foi sem dificuldade que, apesar da aflição, localizou imediatamente o aquartelamento. Manteve a direcção do voo até ter Gandembel mesmo à sua direita e então ejectou-se. Pelos meus cálculos terão decorrido cerca de 30 segundos desde que foi atingido até esse momento. 

O número dois, que entretanto tinha “cortado a volta” para se aproximar, ficou a ver o pára-quedas descendo sobre a mata, bastante próximo do aquartelamento. Foi então que mudou para a frequência de apoio aéreo e emitiu o alarme que compõe o título deste relato. 

O TCor Costa Gomes com o Comandante-Chefe em Gandembel poucos dias antes de ser abatido 

A rota desde o Guilege até ao alvo e depois à ejecção.

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Notas:

[1] - Série de artigos inicialmente projectada para ser publicada na revista Mais Alto da Força Aérea.
[2] - Indicativo táctico do Centro Conjunto de Apoio Aéreo na Base Aérea 12 (CCAA). Anos mais tarde passou a ser designado Centro de Operações Aero-Tácticas (COAT)
[3] - Indicativo táctico do TCor Francisco Dias da Costa Gomes, na altura Comandante do Grupo Operacional 1201
[4] - Missão de ligação e apoio logístico em proveito de um batalhão do Exército.
[5] - Indicativo táctico do Cap Fernando de Jesus Vasquez, Comandante da Esquadra 121 que emitiu o alerta e que, na circunstância, era o asa do Comandante do Grupo.
[6] - Indicativo táctico do autor do presente artigo.
[7] - Na altura, a única directiva superior para a Força Aérea era uma nota da Secretaria Geral da Defesa Nacional (na Cova da Moura, em Lisboa), com umas poucas linhas de texto dando conta do emprego de armas antiaéreas pelo PAIGC, no Sul da Guiné, e que terminava com as seguintes palavras “…pelo que deve a Força Aérea proceder à sua neutralização.”
[8] - O mais elevado nível de Comando da Força Aérea no Teatro de Operações da Guiné.
[9] - Pressupostos baseados na rotina diária das operações.
[10] - ZASITREP 209/68 26JULHO
[11] - Anti-Aircraft Artillery
[12] - QG do Comandante em Chefe
[13] - Corredor do Guilege
[14] - ZASITREP 210/68 27JULHO
[15] - O enquadramento das operações antiaéreas pelos cubanos já está suficientemente recortado para se assumir que também participaram nesta acção. Por essa altura os apoiantes cubanos eram quase todos pretos para não se distinguirem facilmente no meio da guerrilha.
[16] - Antiaérea(s)
[17] - Sigla que designava uma acção de reconhecimento visual
[18] - Estratégia desenhada pelo Comité de Descolonização da ONU, também conhecido como Comité dos 24. Como a estratégia não vingou o Comité dos 24 acabou por decidir enviar, em 1972, três embaixadores que efectuaram uma passeata furtiva no Sul da Guiné e declararam depois ter estado em “zonas libertadas”. Foi com base nesse testemunho, claramente fabricado, que Portugal foi considerado ocupante ilegal do território o que criou as condições políticas para que, a seguir, em 24 de Setembro de 1973, o PAIGC declarasse unilateralmente a independência. Na prática, a declaração unilateral da independência não foi uma iniciativa do PAIGC mas sim um plano concebido e orquestrado pelo Comité dos 24.
[19] - TGER: sigla para transporte geral que neste caso incluía tudo o que um batalhão normalmente necessitava distribuir pelas companhias. Normalmente era transportado pessoal, correio, víveres, munições, etc..
[20] - As comunicações tácticas entre os G-91 eram efectuadas em UHF, gama de frequências que não estava disponível nos outros tipos de aeronaves do GO1201.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16296: FAP (96); Algumas correções, para a história: (i) Morais da Silva comandava a Esquadra121, também dos Fiat G-91 e nunca voou helicópteros; (ii) quem veio substituir o cap pilav Cubas em 1970 foi o cap pilav Zúquete da Fonseca, o meu primeiro comandante de Esquadra; (iii) não foi a Esquadrilha mas a Esquadra de voo 122, que sempre se designou por Canibais; (iv ) quando lá cheguei, em 8/12/1970, ainda conheci a "velhice", o Jorge Félix, o Solano de Almeida, o Heleno e o Falé... (Lino Reis, ex-alf mil pil, BA 12, Bissalanca, 1970/72)

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16493: (De)Caras (45): Conversa com Jerónimo de Sousa, Soldado Condutor Auto da Companhia Polícia Militar 2537 (Bissau, 1969/71) (Mário Beja Santos)


O nosso ex-camarada de armas (e hoje secretário-geral e deputado do PCP)  Jerónimo de Sousa foi capa da revista "Visão", na sua  edição nº 1216, de 22 de junho de 2016


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2016:

Queridos amigos,
Quando li a reportagem sobre Jerónimo de Sousa e vi referência ao mato da Guiné, atirei-me à leitura. Havia para ali exageros inaceitáveis: a Bambadinca bombardeada, uma ida absolutamente incompreensível de uma seção reforçada da PM para Demba Tacobá, missão apresentada como num dos locais mais desolados da colónia, próximo da fronteira do Senegal.
Trocámos correspondência, gostei do desportivismo do secretário-geral do PCP, propôs uma conversa esclarecedora do que realmente se passara. Gostei daquela hora de convívio. Subsistem mistérios, um deles a natureza da missão, Demba Tacobá, para quem se recorda era uma tabanca em autodefesa num território em que naquele tempo ainda se circulava com absoluta segurança, sou testemunha, Jerónimo de Sousa nunca conseguiu apurar quem os atirou e porquê para castigo de abrir valas e pôr arame-farpado. Falámos da roupa aos pedaços, 47 dias com o mesmo fardamento, lembrei-lhe as micoses, as virilhas cortadas, enfim, rendi-me à versão que me deu.
Foi uma despedida cordial, por alguma razão somos camaradas da Guiné, e para sempre.

Um abraço do
Mário


Jerónimo de Sousa, Companhia da Polícia Militar 2537, 3.º Pelotão, Guiné

Beja Santos

A revista Visão, na sua última edição de Julho de 2016, publicou uma reportagem sobre o secretário-geral do PCP, referindo tratar-se de uma viagem, entre outras paragens, aos esteiros do Tejo, ao mato da Guiné, à infância em Pirescoxe e às primeiras gloriosas reuniões que os históricos do PCP. Interessou-me logo esta relação entre os matos da Guiné e o líder comunista. Li, e fiquei bem perplexo. O Soldado Condutor da Polícia Militar, Jerónimo de Sousa, fez comissão militar na Guiné entre 1969 e 1971. Depõe na entrevista que um dia o comandante o acordou de madrugada e o mandou apresentar no aeroporto com mais elementos de uma secção reforçada, foram 47 dias para um dos locais mais desolados da colónia, próximo da fronteira do Senegal. Reza o texto:  
“Aterraram em Bambadinca, recentemente arrasada por 80 morteiradas”.

Li emudecido, Bambadinca foi flagelada em finais de Maio de 1969, praticamente sem consequências, e num outro ataque, poucos anos mais tarde, os foguetões foram todos parar ao rio Geba. Teriam feito uma viagem num Dakota e em Bambadinca mandaram-nos para uma localidade Demba Tacobá, perto de Dulombi. Foi-lhes dito:

“O PAICG apanha aqui a malta à mão. Se querem dormir, cavem abrigos montem segurança. Se querem comida, comprem na aldeia mais próxima. De vez em quando passaremos por cá. Vocês são homens fortes, são da Polícia Militar, passem bem”.

Regressaram a Bissau mês e meio depois, com a mesma roupa que tinham levado, já desfeita, e um alferes enlouquecido.

Aturdido com esta baralha informativa, escrevi ao deputado Jerónimo de Sousa, tentei aclarar que povoação era aquela próxima do Senegal e junto a Bambadinca, que arrasamento fora aquele, como sobrevivera com a mesma roupa no pelo 47 dias a fio. Trocámos correspondência, o secretário-geral do PCP revelou-se bem-humorado e pronto a cavaquear. Marcou-me entrevista para a Soeiro Gomes, e durante uma hora voltámos à Guiné.

Ainda hoje não sabe os motivos que levaram o comandante a enviá-los à pressa para Demba Tacobá. Como se falava de Demba Tacobá, procurei esclarecer se não havia confusão com Demba Taco, perto de Amedalai e de Taibatá e Moricanhe, já a apontar para o Corubal. Não, era mesma Demba Tacobá, uma localidade em que tiveram de abrir valas, viver em moranças numa localidade que nem de arame-farpado dispunha. Lembrava-se de uma criança ramelosa, não tinham levado maqueiro mas havia um saco de primeiros-socorros, lavou os olhos à criança, removeu o pus, e horas depois a criança aparecia-lhe com uns ovinhos nas mãos, era o seu agradecimento. Tratou-se de uma experiência terrível, o alferes entrou em perturbação, dava tiros a despropósito, chegava junto dos militares e rasgava-lhes as cartas de jogar, apanharam paludismo, de Bambadinca o alferes foi transferido para o HM 241 e posteriormente evacuado. Regressaram e foram levados. O mais importante foi a seguir. Estabeleceu um pacto com aqueles homens com quem viveu em Demba Tacobá, tinham aprendido as vicissitudes do viver do mato, andar a angariar alimentos para a subsistência, nem rações de combate lhes deram, compraram um panela por 500 pesos, galinha, cabrito, arroz e alguns legumes, era tudo negociado na localidade. Tinham aprendido a dureza do isolamento.

O pacto era simples: a partir daquele dia não se iria lixar nem mais um soldado. Assim foi durante semanas, o comando não gostou dos relatórios, queria resultados, detenções de gente de bota mal engraxada, barba por fazer, camisa aberta, cabeça descoberta, ou havia resultados ou voltariam a ser metidos no mato. Não desarmaram, iniciaram caça a oficiais e sargentos com tal intensidade que o comando percebeu o fundo da questão.

Jerónimo de Sousa passou a ver de maneira muito diferente a condição militar e lembrou-me uma história. Um dia, a desoras, apanharam um oficial médico totalmente embriagado. Toca de começar um auto de detenção. O tenente-médico gritava:

- “Prendam-me! Prendam-me já! Prefiro a prisão a voltar para o hospital e cortar corpos, não vos passa pela cabeça o sofrimento que vai por aquelas salas de operações e também não vos passa pela cabeça que eu tinha acabado de montar consultório, que amo a minha mulher, que tenho filhos crianças, que um dia me convocaram e para aqui me atiraram. Prendam-me! Estou saturado da minha dor e do sofrimento que tenho que viver na sala de operações”.

Havia ainda um assunto na manga, os tais 47 dias com a roupa a desfazer-se, recordei-lhe brandamente que três dias com aquele roupinha suada, empoeirada e emporcalhada dava direito a feridas e comichões, respondeu que iam conseguindo umas lavagens de tempos a tempos, fingi que acreditava piamente em tudo quanto estava a ouvir, não há corpo humano que resista a tanta falta de higiene.

Tinha-se passado uma hora de conversa, Jerónimo de Sousa avisou-me que ia partir para a Madeira daí a pouco. Perguntei-lhe se tinha fotos daquele tempo, disse que tinha para ali uma foto mal-amanhada e que me ia mandar durante a tarde, o que aconteceu. Avisei-o que a conversa havida ia para o blogue e que ele ainda está a tempo de se inscrever. Sorriu com gentileza, a Guiné fica muito longe mas foi determinante para ele passar a ver a condição humana com outros olhos.

Jerónimo de Sousa na Guiné
Foto: © Jerónimo de Sousa / Mário Beja Santos (2016). Todos os direitos reservados 
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16430: (De)Caras (43): Os "periquitos" da Tabanca da Linha: almoço-convívio de 21 de julho de 2016, no restaurante "Caravela de Ouro", em Algés, Oeiras (Manuel Resende)

Guiné 63/74 - P16492: Os nossos passatempos de verão (14): Grande mural de arte urbana, de homenagem a um grande poeta português... Em Lisboa, na encosta de uma das sete colinas, num jardim e miradouro que muitos lisboetas não conhecem...



Lisboa >  Setembro de 2016 > Um dos mais belos jardins e miradouros da capital, na encosta de uma das sete colinas >  Mural "Do great things" / "Façam coisas grandes"... Homenagem a um grande poeta...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O verão está a chegar ao fim e com ele, os nossos passatempos de verão... O blogue reanima-se, já ultrapassou os 8 milhões e meio de visualizações em 12 anos e tal de vida, aparecem novas colaborações e novos camaradas dão a cara... Somos já 726 grã-tabanqueiros...

"Do Great Things" é um mural de grandes dimensões,  desenhado e pintado a "spray", em 2015,. por uma grande artista português, da chamada "arte urbana", com projeção mundial.... Vamos lá  a ver se os leitores adivinham:

(i) quem é o autor ?

(ii) qual é o poeta "retratado" e homenageado justamente por "fazer grandes coisas" ?
´
(iii) onde fica, em Lisboa, este jardim e miradouro  (deconhecido da maior parte dos lisboetas e dos turistas que nos visitam) ?

(iv) que dimensões aproximadas terá ?

(v) e, por fim, que slogan será este, "do great things", e qual o seu significado ?

Não é preciso responder a tudo... E há perguntas mais fáceis do que outras... Na Net encontram depressa  a resposta... Bom resto de verão.

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Nota do editor;

Último poste da série  > 10 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16472: Os nossos passatempos de verão (13): "Amarante, princesa do Tâmega" - Parte III: "Não passarão!"... uma lição de história, e de amor pátrios: evocando a heróica defesa da ponte do Rio Tâmega, de 18 de abril a 2 de maio de 1809

Guiné 63/74 - P16491: Manuscrito(s) (Luís Graça) (96): Em Bambadinca, à noite, íamos ao nimas e sonhávamos com gajas boas...



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > BCAÇ 2852 (1968/70) / CCAÇ 12 (1969/71) > O autor, no bar e messe de sargentos.


Foto : © Luís Graca (2005). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Em Bambadinca,
à noite, 
íamos ao nimas 
e sonhávamos com gajas boas 



por Luís Graça



Quantas vezes, à noite, em Bambadinca,
fumando um cigarro,
depois de um duche com água que sabia a ferro,
e depois do jantar, 

com toalha, garfo, faca e tudo,
descontraídos,
à civil,
de copo de uísque na mão,
duas pedras de gelo
e água de Perrier,
nas traseiras do aquartelamento,
no conforto relativo do bar e messe de sargentos,
sobranceiro à grande bolanha, 
gozando o merecido repouso dos guerreiros, 
o mesmo é dizer, as delícias do sistema,
não assistimos ao "fogo de artifício",
ao longe,
ao mesmo tempo que tentávamos adivinhar,
em voz alta,
quase em disputa acalorada uns com os outros,
quem eram os "desgraçados",
qual era tabanca em autodefesa,
ou qual o destacamento ou aquartelamento,
dentro ou fora do setor L1,
que estavam a "embrulhar",
a levar "porrada",
o tipo de granadas que explodiam,
as armas pesadas, 

os calibres,
os bigrupos, 
os quilómetros que distavam da nossa posição, 
enfim, cronometrando o ataque ou a flagelação,
estimando prováveis baixas...
e esperando ansiosamente
que os nossos obuses respondessem,

e nos ajudassem a desfazer o nó na garganta...



Por vezes, os gajos do PAIGC 
usavam inclusive balas tracejantes,   
e as nossas tropas, "very lights", 
tornando ainda mais real, 
cinematográfico
e, ao mesmo tempo, fantasmagórico, 
o "espetáculo"  
que se desenrolava à nossa frente 
no écrã gigante da noite africana... 
E tudo isto, à distância, 
sem a gente nada fazer 
ou sem nada poder fazer... 



Nessas noites, em Bambadinca,
tínhamos pelo menos a certeza
de poder dormir numa cama com lençóis lavados,
na nossa cama,
de molas e colchão de espuma,
mesmo destilando por todos os poros...
Era dia (ou noite) de folgar as costas,
de poupar o "coirão",
e, se possível, sonhar com gajas boas...



Pois é, o nimas é ficção, 
é arte, 
é estética
e a guerra é a guerra...
e é pornográfica!
No final da fita, os atores "mortos" levantam-se, 
tomam um banho, 
perfumam-se 
e voltam para o "glamour" dos seus dias, 
os que são estrelas de cinema, 
que não os pobres diabos dos figurantes!... 
Na guerra, os mortos ficam lá, 
definitivamente, 
e não se levantam mais, 
e a nudez da morte 
é o mais insuportável dos espectáculos 
para os safados dos vivos... 




Não há "charme",
não há "glamour" na guerra,
caros cinéfilos...
É por isso que tu não gostas de ver filmes de guerra,
nem de ler romances de guerra...
Tinha razão o comandante do CISMI, de Tavira, 
a fábrica da guerra, em 1968,
quando te proibiu, a ti
e a mais camaradas instruendos,
que continuassem a montar uma exposição
(pretensa ou ingenuamente didática)
sobre a II Guerra Mundial...
Argumentava ele,
a bem da Nação
e do moral das nossas tropas,
para justificar a sua prepotência de censor:
- Senhores instruendos,
para guerra, já basta... a nossa!

 
Ele tinha razão,
ou pelo menos tu achaste
que o senhor comandante do CISMI tinha toda a razão:
afinal, para guerra já bastava a nossa,
o sangue, o suor e as lágrimas
que estávamos a destilar nas salinas de Tavira,
nas bolanhas da Guiné,
nas chanas do leste de Angola
ou nas picadas do norte de Moçambique. (**)


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Notas do editor:

Guiné 63/74 - P16490: Parabéns a você (1136): Manuel J. Ribeiro Agostinho, ex-Soldado Radiotelegrafista - CCS/GG/CTIG (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16470: Parabéns a você (1135): Rui Baptista, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3489 (Guiné, 1971/74) e Tony Grilo, ex-Soldado Apont Obus 8.8 do BAC 1 (Guiné, 1966/68)

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16489: Memória dos lugares (345): O destacamento e a jangada de João Landim, no Rio Mansoa (José Nascimento / Francisco Gamelas / Leonel Olhero / Alcídio Marinho)



 Guiné > Região de Cacheu > Junho de 1973 > Margem direita do rio Mansoa... Travessia  de João Landim, que se fazia em janganda. . Primeiro entravam as viaturas, depois as pessoas. Bissau ficava a cerca de quinze/vinte  quilómetros. Foto nº 51C, do álbum de Francisco Gamelas.

Foto (e legenda): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > 1965/66 > A famosa jangada que atravessava o Rio Mansoa em João Landim, ligando Bissau com a região do Cacheu

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados



1. Comentários ao poste P16486 (*):

José Nascimento [ex-Fur Mil Art da CART 2520, 
Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71); vive no Algarve]


João Landim era constituído por um barracão em madeira e que era gerido em conjunto pela Marinha, que uma jangada, e pela Engenharia, que tinha outra jangada. A outra parte era um barracão em alvenaria, se a memória não me falha, era dividido em duas partes.

As condições não eram as melhores, havia uma latrina feita em madeira construída sobre o lodaçal da margem do rio Mansoa. Havia uns bidões com um chuveiro onde podíamos tomar banho, muitas vezes tínhamos que esperar que nos touxessem água de Safim e era de lá que esperávamos que viessem as nossas refeições e que quase sempre chegavam tarde e a más horas.

Felizmente havia um gerador que fornecia energia eléctrica, mas estavam tão perto de nós que ainda hoje parece que ouço o roncar do seu trabalhar. A guarnição era constituída por uma secção e quando o alferes Marques, ainda em Safim,  me disse, "vais para lá tu,  Nascimento", só aceitei ir com voluntários. A maioria do pelotão ficou em Safim.

Com algum receio dos jacarés ainda dei uns mergulhos no rio Mansoa e também vivi alguns episódios curiosos. João Landim ficava na margem direita do rio e mal de nós se nos quisessem fazer algum mal, penso que não havia interesse por parte do PAIGC, porque João Landim era um ponto de transição entre a zona de guerra e a dita ilha de Bissau e os guerrilheiros podiam perfeitamente passar entre a população. Quem é que sabia? Quando tiver oportunidade coloco umas fotos.

PS - Caros editores: quero corrigir que João Landim ficava na margem esquerda do rio Mansoa e não na margem direita, a sua água era salgada e sofria a influência das marés (cheia/vazia) e por vezes chegava quase ás paredes do nosso barracão. Nunca me senti muito seguro neste destacamento com pouco mais do 6 gatos pingados, sendo que durante a noite estava sempre um elemento de sentinela e como é evidente o meu sistema de alarme estava sempre em alerta.



Carta da província da Guiné  (1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa do destacamento de João Landim, cujas instalações ficavam na margem esquerda do rio Mansoa, do aldo de Safim, ou seja, na ilha de Bissau, e não na margem direita, do lado de Bula. A distãncia, em linha reta, até Bissau deveria seria de 20 km.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


Francisco Gamelas [ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089
 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73): vive em Aveiro]


Sobre João Landim, tanto quanto recordo, não existiria no local qualquer destacamento. Era a malta de Bula que fazia a protecção, sempre que a jangada era utilizada. Creio mesmo que era malta de Bula que operava a jangada. Isto do lado Norte. Do lado de Bissau nunca me recordo ali existir qualquer tipo de protecção, nem recordo ter ali existido qualquer conflito com a população. As viaturas circulavam livremente. Ataques do PAIGC à jangada, no meu tempo, nunca ouvi falar.

Leonel Olhero [, ex-Fur Mil Cav do Esq Rec 3432 (Panhard),
Bula, 1971/73]


A protecção às jangadas em João Landim era feita pela malta do Esquadrão de Bula.

As jangadas eram operadas pela Marinha que estava aquartelada do lado de lá, na outra margem, num destacamento de barracas feito de latas. Todavia, ao fim da minha comissão 1973 (embarquei em 4/10/73),  João Landim já tinha instalações condígnas feitas em cimento e "até" bonitas.

Fui furriel das Panhards e fiz escoltas a João Landim, três vezes ao dia e sem conta. Nunca aquelas colunas foram atacadas.









Guiné > Rio Mansoa > João Landim >  c. 1972/74 > A "jangada militar"


Fotos (e legendas): © Leonel Olhero  (2012). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Alcídio Marinho [ex-fur mil inf, CCAÇ 412 
(Bafatá, 1963/65): vive no Porto]


Quando chegou o mês de abril de 1965, o meu pelotão (3º) estava destacado, desde março, ma povoação de Geba, fomos avisados que iriamos ser rendidos pela CCAÇ  557 (, do José Botelho Colaço).

Chegou o fim do dito mês de abril e rumamos a Bissau, ficando a pertencer ao BCAÇ 600.
Em Bissau fazíamos patrulhamentos nocturnos e destacamentos semanais em João Landim, a nível de secção reforçada, cerca de vinte homens.

Então, colocou-se o problema, qual dos sargentos vai comandar o destacamento? Ofereci-me, para ir.
Levei o pessoal da minha secção e mais uns voluntários, incluindo um cozinheiro.
Na aquela altura, as instalações eram apenas um barraco e cada um desenrascava-se. Levamos géneros e viveres para uma semana, quando era preciso, éramos reabastecidos

No fim da primeira semana, do pessoal os que quiseram regressar a Bissau, foram substituídos por outros voluntários. Ali não havia o problema do serviço como havia em Bissau, cada um andava de calções e á vontade.

Estive duas semanas seguidas no principio de maio. Mais tarde na última semana na Guiné, voltei e dali partimos na antevéspera do embarque (Uíge), para Lisboa (27/5/1965).

Foram umas férias bem merecidas.

A jangada era em madeira, tinha um cabo que atravessava o rio, e que passava numas roldanas que com umas manivelas fazia a travessia do rio.

A população civil era controlada à entrada de um lado e do outro.

As unidades militares eram apenas controladas pelas ordens de serviço e também era controlado o peso e o número das viaturas para não sobrecarregar a jangada.

O pessoal que manobrava a jangada eram nativos comandados por um cabo, creio que era papel (raça).
Durante o dia, quatro militares estavam no controle em terra, de cada lado do rio. Na jangada circulavam dois e às vezes três. A outra malta estava estacionada do lado de Bissau.


Guiné-Bissau > Ponte Amílcar Cabral,  mais conhecida  por  ponte João Landim. Com 785 metros de comprimento, inaugurada em 2003, tendo sido totalmente financiada pela União Europeia e construída por um consórcio espanhol  [Foto à esquerda com a devida vénia, fonte: Acciona-Engineering]


Por vezes éramos visitados por colunas da Companhia e às vezes até aparecia o Comandante da Companhia, o Sr. Tenente Azevedo

Um dia, deixaram passar um individuo com uma malinha. Ele já estava na jangada e eu mandei que saísse para revistar a mala. Dentro tinha ligaduras e outro material médico. Mandei um rádio para Bissau e vieram buscá-lo, já não passou dali.

Foram umas semanas bem passadas. Quando queríamos peixe, lá vai uma granada ofensiva para o rio 
e recolhíamos o peixe, que distribuíamos pelos nativos que apareciam por ali.

Assim conheci João Landim, não estava sujeito aos salamaleques da tropa macaca de Bissau.



Guiné-Bissau > Rio Mansoa, Ponte Amílcar Cabral > Abril de 2005 > Belíssima foto do português Carlos Galveias [Reproduzida, com a devida vénia, do seu blogue República da Guiné-Bissau > 28 de abril de 2005 > Guiné-Bissau Topur 2005 - Actualização].

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Guiné 63/74 - P16488: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (34): A “santidade” do Santos

1. Em mensagem do dia 10 de Setembro de 2016, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta boa memória da sua guerra:


Memórias boas da minha guerra

33 - A “santidade” do Santos

Conhecia o Rui Santos desde meados dos anos 50. Eu frequentava ainda a catequese e via-o, mais velho uns 5 anos, muito ligado à igreja, onde até chegava a ajudar nas exéquias religiosas. Tinha estado pouco tempo no seminário, mas salientava-se bastante pela sua religiosidade, aliás, bem demonstrada pela sua assiduidade em todas as actividades ligadas à igreja. Por certo, trouxera de lá esse hábito acentuado da adoração a Deus, através das várias práticas religiosas.

Trabalhava no escritório de contabilidade de um primo de Mozelos. Andava sempre limpinho, engraxadinho e bem vestido. De mãos bem tratadas, unhas bem aparadas e envernizadas, chegava a “incomodar” a malta que o apelidava de “Ruisinha”. Por vezes, querendo explorar-lhe esse aspecto meio efeminado, até lhe apalpavam o cu. Porém, com as miúdas, que o consideravam um rapaz delicado e bonito, ele relacionava-se muito bem. Por isso, era normal encontrar o Rui convivendo com elas, especialmente com uma lindíssima rapariga chamada Geninha. Além da sua beleza natural bem visível, onde se salientava a pele aveludada e morena, os cabelos lisos e os olhos cor de avelã, a Geninha, com o seu comportamento discreto, tinha uma imagem de beata, aliás sempre escolhida para fazer de santa nas recriações religiosas, nos espectáculos promovidos na cave da Residência Paroquial e no cortejo de oferendas, por sinal também bastante participado. A sua beleza pura e o seu porte suave e ponderado, faziam-na uma “santa” de verdade. Digamos que encarnava facilmente a figura mística de Nossa Senhora. Pois, enquanto as outras miúdas se batiam pelos rapazes mais “bandalhos”, esta “santa” parecia dar preferência às “mariquices” do Rui.

Ela pertencia á família “dos da Bouça” (Maria Joaquina e Manuel Augusto), proprietários da Quinta da Bouça, lá do outro lado da aldeia. Os “da Bouça”, de aparência humilde eram bastante recatados. Tinham simpatia e eram bem conhecidos pela dedicação à igreja e ao amanho das suas terras. E como também valorizavam muito o comportamento religioso do Rui, pareciam vê-lo como um bom partido para a sua Geninha.

A “Tijona” (Eugénia), madrinha e tia da Geninha, solteirona por vocação, nunca largava aquela sobrinha, que com ela vivia desde a nascença. Não era por acaso que sempre que o Rui estava por perto da Geninha, a “Tijona” também marcava presença. Digamos que ela era o “anjo da guarda”, garantia da santidade daquela relação. Nunca se cansava de acusar os homens de feios, porcos e maldosos.

Por sua vez, o Tio Albino, também solteiro, completava a família. Nas horas vagas fugia para a caça ou pesca, chegando a faltar à missa, o que demonstrava já não sentir a mesma confiança divina de outrora. Diz-se que este seu comportamento tem a ver com o mau desenlace de um amor que sentiu por uma vizinha. Entregara-se todo a ela, respeitando-a em tudo, inclusive na sua promessa de castidade antes do casamento. Porém, quando já preparavam a boda, descobriu-se que ela estava grávida de um tal Zé Mecânico, de Lourosa. Desde então, parece detestar todas as mulheres, considerando-as “umas putas” e o “animal” mais manhoso que habita à superfície da terra.

Na minha imaginação de católico adolescente, quando pensava naquela relação amorosa, via os jovens, juntinhos, sentados no muro da pequena ponte romana, à beira do moinho velho. Estavam envoltos naquela paisagem bucólica, onde se destacam em fundo verde, as cores matizadas das flores primaveris. O ribeiro de águas cristalinas, onde escalos, bogas e trutas abundavam, serpenteava no fundo do vale, por entre fetos de vários tamanhos, arbustos diversos, altos choupos e frondosos amieiros. Os jovens pareciam escutar o borbulhar da água, também incluído naquela basta orquestra de pássaros, onde cada um procurava salientar o seu cântico, seu palreio, seu pio ou seu chilreio. Sobre o regaço da Geninha, poisam algumas flores campestres, presas pela sua mão delicada, levemente sobreposta pela mão do apaixonado Rui. Olham para o céu azul, onde algumas nuvens brancas lhes fornecem formas e figuras imagináveis. Ora enriquecidas pela presença das andorinhas esvoaçando em círculos, parecendo mover-se ao ritmo da passaral orquestra. Aí, parecem descobrir as imagens mais sagradas da Santa Madre Igreja, à qual manifestam o seu amor, sua adoração e, ao mesmo tempo, lhes prometem o respeito da sua santa relação.

Naqueles anos seguintes, as coisas evoluíam normalmente, sem surpresas nem sobressaltos. Com a fórmula da promoção dos três “éfes” (Fátima, Futebol e Fado) vivia-se na paz do Senhor. Tudo a preto e branco, claro. Até parecia que nada se alterava. Reinava a ditadura do Estado Novo. Todo o Império continuava bem controlado por Salazar, bem auxiliado pelo Cardeal Cerejeira e fortemente protegido pela PIDE. Estava tudo tão bem controlado que, nas eleições presidenciais de 1958, em que o povo se abriu massivamente em apoio ao General Humberto Delgado, viu os seus resultados falsificados escandalosamente.

No início de 1960 o Rui integrou o serviço militar no RAP 2. Estava perto de casa, pelo que não sentia grandes dificuldades em cumprir essa sua prestação obrigatória. Porém, já se acentuavam ventos muito adversos em direcção ao regime político de Portugal.

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Logo no início de 1961, surgiu a sublevação do norte de Angola, conduzida pela UPA (FNLA). A revolta de Cassange foi reprimida com bombardeamentos da FA. Porém, a acção da UPA acentuou-se em Março, especialmente no dia 15, com vários ataques a Fazendas, Postos Administrativos e Postos de Polícia. Foram mortos cerca de 1200 brancos e 6000 negros.

A sublevação do norte iniciou-se com uma greve dos trabalhadores agrícolas.

Chegada a Lisboa em festa, do paquete Santa Maria, a 16 de Março. 

Entretanto, a 22 de Janeiro, numa acção aparentemente concertada com a revolta africana, um grupo de 23 exilados, chefiados pelo Capitão Henrique Galvão, assaltou o paquete de luxo Santa Maria, a caminho de Miami, que funcionou durante quase um mês como propaganda anti-regime Salazarista. Todavia, o MPLA (apoiado pela URSS e Cuba) só dá como início da guerra colonial, a data de 4 de Fevereiro de 1961, data dos ataques à Prisão de São Paulo de Luanda e a uma Esquadra da Polícia. .

UPA massacra negros e brancos

O MPLA aponta o 4 de Fevereiro como início da Guerra Colonial

Entretanto, o Ministro da Defesa, Botelho Moniz, quer substituir o Salazar por Marcelo Caetano. Pensa em dar um rumo diferente à política ultramarina. Porém, o seu amigo Presidente Américo Tomaz, não lhe faz a vontade e é logo demitido dessa pasta ministerial, que agora passa a ser acumulada pelo próprio Salazar. Diz-se que este golpe, conhecido como “Abrilada”, morreu antes de nascer. Dois dias depois, a 13 de Abril, todo o mundo assistiu ao discurso de Salazar, do qual sobressai a célebre frase: “Para Angola, rapidamente e em força”.

É nesta fase que se desenvolvem em Portugal sentimentos de patriotismo e de vingança. Processa-se uma mobilização bastante alargada; os militares têm que seguir para Angola, outros serão reintegrados no serviço militar e outros iniciam preparação intensiva, para reforçar os contingentes. Entre o medo e o dever, existe a confiança inabalável de que a nossa razão, aliada à supremacia militar, vai vencer facilmente, “aqueles pequenos grupos de terroristas infiéis”

O Rui, com cerca de um ano de tropa, já fazia contas e mais contas, para organizar a sua nova vida pós-serviço militar. Porém, vê-se, de repente, mobilizado. Mudou para Mafra, para uma breve especialização de um mês e a 5 de Maio, seguiu de barco, com os primeiros combatentes, para defender Angola. Ele sentiu as emoções fortes daquele desembarque festivo em Luanda. A população, agradecida, aplaudia o desfile dos militares desarmados, abraçava-os e beijava-os. Contam que estes momentos inesquecíveis alimentaram o espírito num misto de patriotismo, solidariedade e vingança.

Chegada a Luanda das primeiras tropas, para responder aos ataques subversivos.

Foram alojados lá, na alta da cidade, nuns prédios em construção, pertencentes ao Seminário, ainda sem janelas e sem acabamentos. Depois de uma breve adaptação pelo Grafanil, seguiram para norte, para onde tinham ocorrido os referidos massacres. Porém, adivinhando-se grandes dificuldades de locomoção, foram de barco, entraram no Rio Zaire e desembarcaram em Noqui, de fronte de Matadi. Inicialmente, tudo parecia abandonado nas fazendas e pequenas povoações dizimadas. Os “turras” dominaram a seu bel-prazer e os indígenas que escaparam, atravessaram o Rio Zaire e fugiram para o Congo. A tropa encontrou várias dificuldades, por falta de alimentos e de equipamentos adequados para o combate. À medida que avançavam para sul, maiores eram as dificuldades e mais eram os confrontos. O terror exposto no início da guerra, por parte da UPA, voltava sempre que a oportunidade surgia. Só que, agora, as nossas tropas retaliavam com a mesma moeda e maior motivação. Dos terrores da guerra, pouco se fala. As situações extremadas trouxeram ao de cima o mais cruel e mais condenável da raça humana.

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Lembro-me da chegada do Rui e da festa que lhe fizeram. Não se falava do que ele terá passado por lá, por Angola. Nessa altura havia muita mobilização de militares e era inconveniente falar-se em coisas ruins. No entanto, não faltaram foguetes, discursos patrióticos e muitos abraços. E lembro-me também do falatório de então, referindo que o Rui estava muito diferente e que já não estava interessado na Geninha. Todos os dias saía da aldeia de manhã e aparecia à noite. Logo, familiares, vizinhos e amigos comentavam que o rapaz ficara diferente por influência dos horrores que havia passado. E quando constou que namorava uma rapariga, desconhecida, do Porto, acrescentava-se a possibilidade de causas de “bruxedos africanos”.

Mas, como eu já não frequentava a JOC, nem outras actividades ligadas à Igreja, perdi o contacto do Rui, da Geninha e de outros jovens do lado de lá da aldeia. Uns anos mais tarde, quando a minha mãe fez os 80 anos, “obrigou” os filhos a participarem numa excursão a Fátima. Alugou um autocarro e completou-o com as pessoas amigas, que costumavam ir com ela no cumprimento de promessas. Foi nessa viagem que tive a oportunidade de falar com o Rui e saber das suas lembranças vividas na guerra de Angola. Foi ele que me deu todos esses pormenores, desde a sua mobilização até à sua chegada. Ainda pensei em falar-lhe daquele namoro com a Geninha mas, a seu lado estava a sua mulher, uma senhora que transmitia muita simpatia, apesar de nunca tirar os óculos escuros. Falámos também da Angola que eu conheci, tendo participado num concurso de pesca, em 1973, que venci, em Santo António do Zaire, local onde ele também estivera durante o serviço militar.

Equipa de pesca da Câmara Municipal de Cabinda com o pargo de 14,2Kg que nos daria a vitória, no concurso junto à foz do Rio Zaire

Dos pormenores pessoais, fui procurar satisfazer a curiosidade, junto de minha mãe. Fiquei então a saber que o casal era um casal exemplar, de quem todos gostavam, que frequentavam a igreja assiduamente e que tinham um filho padre que estava lá para junto do Papa, em Roma. E exclamou:
- A D. Teresinha é uma santa. Sempre há homens que têm tanta sorte! Nem queiras saber! Eles costumavam ir comigo a Fátima e conhecia-os bem, lá da igreja. Eu só vi boas acções desta família.

E, quando lhe perguntei por aquela moça muito bonitinha, conhecida por Geninha, “dos da Bouça”, a minha mãe olhou-me de lado e, parecendo gaguejar um pouco, foi dizendo:
- Também costuma vir a Fátima. Não digas nada, mas parece que ela disse que a Tia, a “Tijona”, é que é o grande amor da sua vida.

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Em Abril de 2013, integrei um grupo de ex-combatentes que foi ao Palácio de Belém entregar uma petição visando a intervenção do Presidente da República, Cavaco Silva. Claro que ele não teve sensibilidade para nos receber, naquele dia, nem nos anos que ainda governou. O objectivo era simples: conseguir o regresso dos corpos dos ex-combatentes mortos na guerra do ultramar e recuperar, também, os ex-combatentes sem-abrigo, que continuam desamparados nas ruas. Só quem anda nestas lutas se apercebe da triste, da hipócrita e da repugnante postura que os nossos governantes têm para com os ex-combatentes.

Entrega de petição à Presidência da República

Naquelas horas de convívio encetei conversas com vários camaradas. Um deles, a determinada altura interpelou-me:
- Ó Pá, pela tua fala, fazes-me lembrar um amigo cabo que tive, de Santa Maria da Feira.

Logo lhe respondi:
- Acertaste, mas olha que o concelho é muito grande, tem trinta e tal Freguesias.

E ele continuou:
- Chamava-se Santos, sim Rui Santos. Era um gajo muito delicado, educadinho, certinho e limpinho. Fomos dos primeiros a chegar a Angola.

Eu interrompi-o:
- Não digas mais. Também era religioso?
- Não era religioso, era um santo! Imagina o gajo sempre a rezar e a obrigar-nos a fazer o mesmo. E, até, a fazermos promessas!

E, após mais algumas referências a esse rapaz especial, confessou:
- Não digas nada, porque prometemos segredo, mas ele, durante uma emboscada lá no norte, em que nossos colegas foram mortos e esquartejados, prometeu casar com uma prostituta, no caso de se salvar. Por acaso, não sabes nada dele?

Fiquei sem fala.

No regresso de Lisboa, quase não falei com os colegas do MAC - Movimento Cívico dos ex- Combatentes. Inicialmente, ainda os acompanhei na revolta contra o desprezo dos governantes e o desinteresse ou desmobilização dos nossos camaradas. Depois, bem,… depois, foram quilómetros e quilómetros de imaginação a passar pela minha cabeça.

“O Rui, acabado de chegar, envolto nos festejos e nos carinhos, a evitar a Geninha, aludir cansaço, e o querer dormir bem, para iniciar o cumprimento da sua promessa. 

Começar pelo Café Derby, seguir pelo Royal, descer a Banharia, Rua Escura, Ribeira e subir até os Caldeireiros. Talvez, no regresso vir pelo Bonjardim. Olhar para todas as raparigas e não saber o que decidir.

Mas, como fazer despesa em todas as casas que visitasse? Como aguentar tantos copos e petiscos? Como se adaptar ao ambiente ou, como se ajustar a uma daquelas raparigas? Umas viciadas e outras não, mas todas portadoras de uma história incrível, das tais, capazes de fazer chorar as pedras da calçada.

Desorientado, refugia-se na Igreja de Santo Ildefonso, descansa, pensa e pondera. Por fim, parecendo iluminado pela Virgem Maria, a santa que o salvou, toma a decisão: Seguir à risca o que prometeu e perguntar à respectiva Madrinha qual a rapariga mais desgraçada, para a pedir em casamento.

A Madrinha, comovida perante uma causa tão séria e tão importante, começa a benzer-se, vai a correr acender uma vela, junto à imagem de Nossa Senhora de Fátima e grita:
- Milagre! Milagre!

Logo as “donzelas” disponíveis acorrem para junto da Madrinha, querendo saber o que se passa. A Madrinha levanta bem a cabeça, volta-se para elas e exclama:
- Nossa Senhora de Fátima mandou este belo rapaz vir buscar a nossa Micas Zarolha.

E, voltando-se para o Rui, continuou:
- Fique sabendo, meu santo, que um dia me virá dizer que foi aqui que encontrou o grande amor da sua vida.”

Silva da Cart 1689
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16268: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (33): O rapaz do “sorriso parvo”

Guiné 63/74 - P16487: Os nossos seres, saberes e lazeres (173): From London to Surrey (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2016:

Queridos amigos,
Em rigor não foi uma viagem meteórica, daquelas de ir num dia e vir no outro, foi um gosto passear-me por Londres e depois enclausurar-me num hotel sito no Surrey, um daqueles casos em que a natureza é pródiga e o seu envolvimento é um convite à distensão. O que mais me empolgava era perceber a série de transformações da casa, aproveitei os intervalos e os fins de tarde para por ali andar a cirandar.
Selsdon é uma vilinha talvez sem história mas tem aspetos que me tocaram muito. À porta de uma cervejaria, no seu interior, uma memória de Sir Julian Huxley, irmão do conhecido escritor, por ter sempre apoiado a causa ambiental da região. E percorrendo aquelas ruas empestadas de cheiro de fish and chips, encontrei duas lojas de filantropia, para ali as pessoas doam o que têm em excesso para fazer bem aos outros. Nunca compreendi essa nossa incapacidade para tão inspirador voluntariado.

Um abraço do
Mário


From London to Surrey (3)

Beja Santos

Tomei comboio em London Victoria até East Croydon, cidade de subúrbio, incaraterística, procurei o autocarro 64 que me deixaria em Selsdon, aí começaram as peripécias, o condutor disse que já não se circulava com dinheiro, era tudo com cartões, devia-me ter abastecido, uma gentil senhora percebeu que eu estava atarantado e com o seu cartão permitiu que eu tivesse acesso à viagem, insistia em pagar, depois de muito insistir entreguei-lhe duas libras. Alertou-me para o número de estações, que depois de sair virasse à direita, passasse o supermercado Sainsbury’s, atravessasse a rua e entrasse em Selsdon Park, um quilómetro à frente encontraria a mansão transformada em hotel. Tudo correu bem, nem havia a ameaça de um pingo de chuva. Arrumei a trouxa e comecei as minhas pesquisas. Aqui viveu o bispo de Rochester, no início do século a casa adaptou-se a hotel, o presente proprietário introduziu-lhe benfeitorias, sem danificar os sinais do passado.





Comecei por dar espetáculo, gostei da pintura do teto, mas de tão profusamente iluminado o caminho que me restava era deitar-me na alcatifa e procurar um ângulo convincente. Esqueci-me que andavam por ali doentes de toda a espécie, uma rapariga mais velha do que eu deu um gritinho quando me viu no chão, esclareci e a colega sorriu, de onde virá este marmanjo para fotografar tetos, tirar fotografias a lareiras, anglas da casa, vitrais? Tudo isto é século XIX, o império britânico tinha réditos para esta classe viver na abastança, uma abastança com sinais de gosto, entenda-se. Quando vejo isto tudo, que é mais europeu do que europeu, pergunto-me o que lhes acontecerá se houver uma maioria que dite a saída da União Europeia. Percorro a Grã-Bretanha, o cristianismo, a arte medieval, o apogeu da industrialização, a literatura, a ciência, as explorações geográficas, e aqui me detenho, são sopro genuinamente europeu. Gostava de saber onde é que estes tipos inventaram que vivem numa ilha fora da Europa… É preciso ter descaramento!


E para que saibam que esta deambulação não é uma refeição grátis, foram dois dias e meio a falar de inovação nos sistemas de saúde, a debater os processos das associações de doentes participarem em ensaios clínicos, a criarem redes de interação e a saber fazer boa advocacia junto dos poderes políticos. Como em tudo na vida, ouvi apreciações brilhantes e outras não tanto, momentos houve que saí para apanhar ar, e numa dessas alturas provi-me da câmara para registar a bela natureza que nos circundava.


Passeei por aqui demoradamente, são as amplas traseiras de Selsdon Hotel, dá para ver os acrescentos a partir da residência episcopal. Tem majestade, os britânicos quando se viram cheios de dinheiro contagiaram-se com belas mansões com sinais do passado, é por isso que nas boas casas de campo do século XIX vemos reminiscências do chamado estilo Rainha Ana ou Jacobita. O resultado é que quando nos passeamos no interior encontramos cantos e recantos, alguns deles esconsos, não há os longos corredores que encontramos nos hotéis feitos de origem. Em suma, dá gosto conviver com este cheiro do passado.




Depois do longo sono de Inverno, a natureza começa a vibrar em Fevereiro, o primeiro sinal do novo tempo são os campos com longos tapetes de snowdrops, acreditem que é uma beleza. Vêm depois as bluebells e os narcisos, as árvores cobrem-se de flores e quando há raios de sol a natureza é vibrante. É por isso que eu me despeço deste passeio partilhando convosco esta exuberância de verde e arvoredo que parece caminhar para o infinito.
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Nota o editor

Poste anterior de 7 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16459: Os nossos seres, saberes e lazeres (172): From London to Surrey (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16486: Álbum fotográfico de Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089, ao tempo do BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73) - Parte XI: A jangada de João Landim, no Rio Mansoa...



Foto nº 51A


Foto nº 51B

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Foto nº 51 > Junho de 1973 > O rio Mansoa em João Landim e a  jangada que fazia a sua travessia. Primeiro entravam as viaturas, depois as pessoas. Bissau ficava a cerca de quinze quilómetros e  para a "peluda",  o fim da comissão, faltavam, ainda quatro longos meses. A Helena regressaria mais cedo a casa,  o Francisco só chegará a Lisboa a 11/10/1973, no T/T Niassa, com os seus rapazes do Pel Rec Daimler 3089.


Foto nº 52 >  Rio Mansoa, João Landim > Junho de 1973 > Veículo da segurança ao local, pertencente à CCAV 3420 (Bula, 1971/73, que era comandada pelo cap cav Salgueiro Maia.


Guiné > Região do Cacheu > Junho de 1973  > A famosa jangada de João Landim que "de há séculos" atravessava o Rio Mansoa, levando durante a guerra colonial milhares de homens, armas e  viaturas, da "ilha de Bissau"  para o o centro, para o norte e para o nordeste,  para a região do Cacheu e para região do Oio, e vice-versa,,, Era um ponto estratégico, razão por que havia lá um  destacamento das NT.

Finalmente, e já nos finais do séc. XX e princípios do séc. XXI, foi construída uma ponte, com financiamento e tecnologia da União Europeia...  Tendo arrancado em 1998, só  foi inaugurada em 2003 devido às vicissitudes da guerra civil de 1998/99. Com  780 metros de comprimento, era então o maior empreendimento realizado na Guiné-Bissau. (LG).

Fotos (e legendas): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73) (*).

Francisco Gamelas, que é engenheiro eletrotécnico de formação, quadro superior da PT Inovação,  reformado, vive em Aveiro, e publicou recentemente "Outro olhar - Guiné 1971-1973" (Aveiro, 2016, ed. de autor, 127 pp. + ilust; preço de capa 12,50 €).

Os interessados podem encomendá-lo ao autor através do seu email pessoal :
franciscogamelas@sapo.pt.

O design é da arquiteta Beatriz Ribau Pimenta, a partir da foto. nº 29. Tiragem: 150 exemplares. Impressão e acabamento: Grafigamelas, Lda, Esgueira, Aveiro.


A jangada do Mansoa

por Francisco Gamelas

De repente, o rio.
Largo.
A jangada,
já atracada,
a nossa espera. Amargo
o teu sorriso. Também sorrio.
Escoltaram-nos até aqui
as panhards do Salgueiro Maia, 
ali de Bula.
Estranha, a chula
que se ensaia
no balanço da jangada em frenesi.
Do outro lado,
quase Bissau.
Já não é precisa a escolta.
O meu amor vai e já não volta,
o que não é mau.
Fico, assim, mais sossegado.
Leva no ventre
o nosso primeiro fruto
a crescer.
Vai-nos doer,
mas não é caso de luto.
Entre 
o agora e o meu regresso
apenas quatro meses
de suplício,
que mais parece um vício,
às vezes
que lhe tento fugir, sem sucesso.

João Landim,
local de passagem 
sobre as águas do Mansoa,
Não é à toa
que as pessoas em viagem
vacilem até ao fim.
Jangada velha, gingona.
corrente forte,
dependente do tempo e da maré.
Mas a vida é como é.
Para tudo é preciso sorte,
até a jangada se manter à tona.

Maio de 2015

In: Francisco Gamelas - Outro olhar: Guiné, 1971-1973. Aveiro, 2016, ed. de autor, pp. 120-121 (Com a devida vénia...)




Guiné > Região do Cacheu > Mapa de Bula (1953) >  Escala 1/50 mil >  Pormenor: Rio Mansoa e passagem em João Landim (**)

14 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10667: Álbum fotográfico de Leonel Olhero (2): Bula (Fernando Súcio / Leonel Olhero)

12 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10656: Álbum fotográfico de Leonel Olhero (1): Bula (Fernando Súcio / Leonel Olhero)

7 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10629: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (3): Enquanto não chegar a evacuação, ao meu lado ninguém morre! ... Promessa cumprida! (Parte II)

12 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9032: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (45): Destacamentos - Pedaços

12 de julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4674: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (16): O alvoroço dos (re)encontros: obrigado, malta da CCAÇ 2790 (António Matos)