quinta-feira, 1 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17420: (De) Caras (66): Tabanca de Faro reuniu 75 participantes no seu 2º encontro anual, em 20 de maio último (Eduardo Estrela, ex-fur mil, CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71)


Foto nº 1 > Faro > Tabanca de Faro > 2º Encontro anual  > 20 de maio de 2017 > Foto parcial do grupo  de participantes cujo total era da ordem dos 75.


Foto nº 2  > Faro > Tabanca de Faro > 2º Encontro anual  > 20 de maio de 2017 >  Junto ao monumento aos combatentes de Faro: da esquerda para a direita, o Zé Luís, o Vila Nova, o Aníbal, o Luis Formiga e eu, [ Não  está identificado o camarada que, em primeiro plano,  segura a coroa das flores]  


Foto nº 3 >  Faro > Tabanca de Faro > 2º Encontro anual  > 20 de maio de 2017 > Almoço de convívio: da esquerda  para a direita,  o Fernando Silva, o Jorge Martins, o Humberto Rosa, o Zé Augusto Vidal, eu   e a minha mulher Antonieta Estrela.


Fotos (e legendas):  © Eduardo Estrela (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de 30 de maio p.p., enviado pelo Eduardo Estrela [ ex-Fur Mil da CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71]

Luis!

Aí vão três fotografias do nosso encontro de Faro (*).

A 1ª, tirada nas escadas do acesso ao jardim do restaurante,  não contempla toda a malta que se reuniu, pois as escadas eram pequenas para os cerca de 75 participantes. 

A 2ª foi tirada junto ao monumento que evoca os companheiros naturais do concelho de Faro, arrancados à vida na flor da idade. Na mesma estão da esquerda para a direita, o Zé Luís, o Vila Nova, o Anibal, o Luis Formiga e eu. Não me recordo do nome do camarada que segura a coroa das flores, enquanto escutávamos a alocução do amigo Dr. João Botelheiro. 

A 3ª. fotografia,  feita na mesa do restaurante, tem da esquerda para a direita  o Fernando Silva, o Jorge Martins, o Humberto Rosa, o Zé Augusto Vidal, eu e a minha mulher Antonieta Estrela.

No passado sábado 27, estive no almoço do BCaç 2879 ao qual a CCaç 14 estava agregada. O encontro aconteceu no Folgosinho, Gouveia, e teve cerca de 200 participantes.

Um abraço meu e da malta da Tabanca de Faro, nome já escolhido como refere o Zé Viegas.

Eduardo Estrela

PS - Diz o Povo e com razão " O que abunda não anula"... Depois de ter enviado as fotografias, visitei o blogue e verifiquei que uma delas já lá está inserida a das escadas (a foto nº 1). Aproveito para identificar a senhora. que está na direita do Zé Luís. Trata-se da sua esposa, dona Isabel Pratas. (**)

2. Comentário do editor LG

Eduardo, obrigado. Aqui tens as tuas fotos e o teu texto... Não tinha reparado na esposa do Zé Luís (*)... O Zé Viegas não me mandou a legenda... Voltaremos a publicar a "foto de família"... 75 participantes, dizes tu ? Ótimo, têm que se reunir mais vezes durante o ano.

PS -  Tens fotos da malta da CCAÇ 14 que foi ao último convívio do BCAÇ 2879 ? Temos falado pouco de vocês, CCAÇ 14...

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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P17419: Historiografia da presença portuguesa em África (77): "Guiné, Alvorada do Império", 1952, um álbum de glórias do Governador Raimundo Serrão (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 23 de Maio de 2017:

Queridos amigos,
Nunca tinha ouvido falar neste álbum de glorificação do Governador Raimundo Serrão, que sucedeu a Sarmento Rodrigues.
Aqui se conta a história como cheguei à biblioteca ultramarina da Caixa Geral de Depósitos, hoje proprietária do riquíssimo arquivo histórico do Banco Nacional Ultramarino, onde há documentação de grande importância para o estudo da história da Guiné.
Agradeço publicamente à senhora D. Filomena Rosa a gentileza que teve em fotografar todas estas imagens que nos ajudam a conhecer um pouco mais o passado da Guiné.

Um abraço do
Mário


Guiné, Alvorada do Império, 1952

Beja Santos

Vale a pena contar a história de como tomei conhecimento desta obra. Licitei-a num leilão de livros online, jamais ouvira falar em tal livro, o que acontece é que alguém licitou mais forte e arrebatou-me a presa. Fui no dia seguinte à casa de leilões e folheei o livro, que tem a forma de um álbum. É a consagração propagandística do Governador Raimundo Serrão, que governou a Guiné de 1949 a 1952. É pois um álbum de vaidades em que se omite discretamente que o governador inaugurou muita coisa deixada pelo seu antecessor, Sarmento Rodrigues. Pedi informações aos bibliotecários da Sociedade de Geografia de Lisboa; palavra puxa palavra foi-me referido o arquivo histórico do BNU, ali seguramente poderia consultar o exemplar. Contactei o Gabinete de Património Histórico da Caixa Geral de Depósitos, assim cheguei à Biblioteca Ultramarina, sediada em Sapadores. Descobriu uma carrada de leituras para fazer e refazer. E alguém me chamou à atenção para um património de investigação valiosíssimo, poucas vezes frequentado: os relatórios de exercício do BNU na Guiné, de 1916 até 1974. É por estas e por outras que estou firmemente convencido que a minha relação com a Guiné só acaba quando eu acabar.

Vejamos agora a surpresa desta “Guiné, Alvorada do Império”. Não se esconde de modo algum que não se trata de um álbum de glórias, abre-se mesmo com o seguinte parágrafo: “Decorre o terceiro aniversário da posse do Governador Engenheiro Raimundo Serrão. Esta obra fica a assinalar uma data e a marcar para a vida da Guiné um dos seus passos mais decisivos. O engenheiro Serrão é um puritano da arte, um perfeito esteta que o escalpelo da sua ação e experiência burila e retoca com segura mestria e amplia até, como se asas gigantescas a atirassem a grandes alturas, em busca de perfeição”. Está tudo dito.

Depois um pouco de história antes de chegarmos aos triunfos que consagraram a obra do governador. Primeiro, uma galeria de governantes. Fala-se depois da pacificação, dizendo que o período da ocupação, de 1879 a 1918 é uma comovedora odisseia; soldados e colonos, irmanados pelos mesmos sentimentos, trouxeram à Guiné a certeza dos seus destinos e a Portugal esse orgulho adormecido que tornou grande, essa grandeza que encheu séculos e concebeu impérios ao fluxo de novas civilizações. Dá-se realce às operações do Capitão Teixeira Pinto na pacificação, das três imagens que ali se publicam sobre Abdul Indjai retirei uma que não conhecia, até agora não a tinha visto publicada.

Seguem-se imagens de Bissau de ontem, o cais do Pidjiquiti está sempre presente, a residência do governador era bem modesta, mostram-se os principais edifícios, havia repartições públicas dentro de Amura, com os seus canhões apontados para o Geba mas também para Intim e Bandim. Mais adiante fala-se de uma obra de grande valor humanitário, o Asilo da Infância Desvalida, fundado em 1934. E depois um atropelo de imagens, onde se misturam celeiros, depósitos de água, centrais elétricas, a chegada do ensino liceal, a Estação Zootécnica de Bissorã, alguma pompa e circunstância na inauguração de diferentes postos sanitários, caso de Bambadinca e Contuboel. No final, um rol de trabalhos para glória do governador Serrão. Tenho para mim que é valor de muitas destas imagens que justifica o pedido que fiz à responsável pela biblioteca ultramarina para nos ceder este acervo e só espero que vos satisfaça a curiosidade de olhar uma Guiné que já não existe.

Peço a vossa atenção para o texto da sentença arbitral de Ulysses Grant, o presidente norte-americano que dirimiu a chamada questão de Bolama. A sua estátua foi criminosamente derretida, tirou-se aos bolamenses e aos guineenses em geral um vestígio da sua identidade.
















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Nota do editor

Último poste da série de 19 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17377: Historiografia da presença portuguesa em África (76): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte V: De regresso, de Bafatá a Bissau, sexta-feira. 7 de fevereiro, com passagem por Fá (Mandinga), Bambadinca, Xitole e Porto Gole

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17418: Inquérito 'on line' (117): Imagens com história: a minha ida a Fátima (4/4/1965) e a minha chegada ao Cais da Rocha Conde de Óbidos (4/4/1974) (Jorge Araújo)




I. Mensagem do nosso colaborador permanente, Jorge Araújo, com data de 23 do corrente:

Caro Luís,

Com algum atraso, por dificuldades de gestão da(s) agenda(s) - a minha e a dos meus - só agora conclui a resposta ao teu apelo relacionado com a temática "FÁTIMA" e os resultados apurados no inquérito "on-line". (*)


É curta a narrativa, mas é a possível neste "Mês do Coração".

Um abraço, com saúde da boa.

Jorge Araújo.





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 Nota do editor:

Último poste da série >  18 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17375: Inquérito 'on line' (116): Fátima... Num total (final) de 84 respostas, conclui-se que : (i) todos lá fomos, pelo menos uma vez na vida, antes (44%), durante (8%) ou depois da tropa (20%); (ii) não tanto como peregrinos (20%) mas mais como turistas (55%)... A questão admitia mais do que uma resposta.


(...) O facto mais surpreendente é que todos nós, ex-combatentes, crentes ou não crentes, já fomos a Fátima, num dado momento da nossa vida, uma ou mais vezes.

A maioria (55%) respondeu que foi lá "como simples turista ou em passeio". E só um em cada cinco admitiu que foi lá como "verdadeiro peregrino ou crente" (20%).

Os que lá foram logo depois de vir do ultramar (17%) ou muitos anos depois de vir do ultramar (20%) somam mais de um terço. Nestes haverá, por certo, um nº razoável de pagadores de promessas, mas que é difícil de quantificar, talvez uns 10% ou menos dos respondentes.(**)

Faltam-nos testemunhos de camaradas que tenham ido em peregrinação a Fátima, a pé ou de carro, por razões de fé, e nomeadamente no pagamento de promessas feitas por ocasião da guerra no ultramar /guerra colonial (por ex., não ter sido mobilizado, não ter ido como atirador, não ter morrido ou não ter sido ferido, ter voltado são e salvo).

Mas este é um assunto do foro íntimo, é difícil encontrar camaradas dispostos a dar, em público, no nosso blogue, o seu testemunho sobre a sua ida a Fátima. (...)

Guiné 61/74 - P17417: Falsificações da história (2): o ataque a Bambadinca em 28/5/1969: eu estava lá !... e vou enviar em breve um texto conjunto com o Fernando Calado com a nossa versão dos acontecimentos (Ismael Augusto, ex-alf mil manut, CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Da esquerda para a direita: o fur mil José Carlos Rodrigues Lopes, dos reabastecimentos, um mecânico (que não consigo identificar) , o Ismael Quitério Augusto (que estava de oficial de dia, como se fica a saber pela braçadeira vermelha), e o 2º sargento Daniel (se não erro: 2º srgt mecânico auto Rui Quintino Guerreiro Daniel).(*)

No Pelotão de Manutenção, constituído por 32 militares, havia um oficial de manutenção (o Ismael Augusto), um 2º srgt mecânico auto (o Daniel), um fur mil mec auto (o Herculano José Duarte Coelho), dois 1ºs cabos mec auto (João de Matos Alexandre e António Luis S. Serafim), mais três soldados mec auto (Amável Rodrigues Martins, Rodrigo Leite Sousa Osório e Virgílio Correia dos Santos)... Tinha ainda um 1º cabo bate-chapas (o Otacílio Luz Henriques, mais conhecido por "Chapinhas"), um correeiro estofador (1º cabo Norberto Xavier da Silva) e ainda um mecânico electro auto (Vieira João Ferraz). Os restantes dezanoveeram condutores auto: primeiros cabos (2) e soldados (17)...

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Blogue Luís Graça.)



1. Mensagem de ontem, do Ismael Augusto, membro da nossa Tabanca Grande, cmdt do pelotão de manutenção, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 2852),

Amigo e Camarada Luis Graça:

Tenho lido as versões mais disparatadas sobre o ataque, ou flagelação a Bambadinca. Esta é a mais fantasiosa. Não tem pés nem cabeça. (**)

Mantive-me em silêncio por considerar que cada um tem direito ás suas versões, vividas ou ouvidas de terceiros e também por saber que a memória muitas vezes atraiçoa. Também mantive o silêncio por considerar que haveria temas mais relevantes.

Mas sempre e apesar de tudo entendi que um dia talvez fosse o tempo de dizer alguma coisa.

Como perguntaria o saudoso Batista Bastos, se por acaso entrevistasse alguém sobre este tema "Onde é que estava no 28 de Maio de 1969, quando do ataque a Bambadinca? " Se a pergunta me fosse dirigida diria, como muitos outros amigos, eu estava lá, em Bambadinca.

O único mérito desta afirmação é que de facto estava lá.

Vou enviar em breve um texto conjunto com o Fernando Calado, que também lá estava e que se não for completo, terá o mérito de conter o essencial do que aconteceu.

Acrescentarei uma história, que acho divertida, que me foi contada na mesma Bambadinca, em Junho de 1995, por um antigo comandante do PAIGC, que comandava um bi-grupo na noite do ataque.

Até lá um grande abraço e os parabéns sempre renovados pelo excelente trabalho que tu e toda a equipa do blogue vem fazendo. A reconstrução das memórias é uma tarefa sem preço.

Ismael Augusto

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Ismael... Fico radiante com o teu mail e o prometido texto a quatro mãos...

Estou de acordo que se publiquem todas as versões, porque os olhos e os ouvidos de cada um são únicos... Mas, no teu/meu/nosso blogue, há o saudável princípio do contraditório... Sem
triangulação de fontes e saturação de versões não há "verdade histórica"...

Gostava de saber mais sobre este repórter de guerra, Al J. Venter (**), que devia ser próximo, política e ideologicamente, do regime de então... Só sei que ele visitou Bambadinca um ano depois do ataque, já vocês, a malta do BCAÇ 2852,  deviam estar em casa...

Arranjei esta série ("Falsificações da história") justamente para podermos rebater, com elegância e sentido de humor, aldrabices e fanfarronices que por aí se escrevem, a par de lapsos, imprecisões, erros... de um lado e do outro. Estamos a falar de "factos históricos", não de leituras da história: aí cada um lê ca história com os "óculos" que tem, ou seja, com suas "grelhas de leitura"...

Há imprecisões factuais que persistem, deliberadamente ou não,  e que acabam por serem fixadas na literatura, na comunicação social, na Net, etc. . Uma delas foi Madina do Boé, como local da proclamação (unilateral) da independência da Guiné-Bissau, em 24/9/1973... O nosso blogue já publicou postes suficientes para corrigir este "erro toponímico"... Outro mito que persiste é o início da guerra na Guiné em 23/1/1963, com o ataque a Tite...Ora o terror e o contraterror, a guerra subserviva e contrassubersiva, em suma, a guerra colonial, já tinha começado há muito mais tempo, e envolveu inicialmente outros atores para além do PAIGC...

Temos o "dever de memória", de ambos os lados... As nossas histórias, mesmo com h pequeno, fazem parte da história comum, com H grande, dos nossos dois povos e países...

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11249: Tabanca Grande (390): Ismael Augusto (ex-alf mil manut, CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), novo grã-tabanqueiro, nº 609

Guiné 61/74 - P17416: Agenda Cultural (563): Apresentação das obras literárias: "Revisitar Goa, Damão e Diu", pelo Prof Doutor Valentino Viegas; "Memórias do Oriente", do Coronel Luís Dias Antunes; "De Bragança a Macau", do Superintendente Isaías Teles; e "Radiografia Militar e os 4 DDD", do Dr. Manuel Barão da Cunha, dia 3 de Junho de 2017, na Casa de Goa, Lisboa

C O N V I T E

Integrado nas Tertúlias Fim do Império, apresentação das obras literárias: "Revisitar Goa, Damão e Diu", pelo Prof Doutor Valentino Viegas; "Memórias do Oriente", do Coronel Luís Dias Antunes; "De Bragança a Macau", do Superintendente Isaías Teles; e "Radiografia Militar e os 4 DDD", do Dr. Manuel Barão da Cunha.

Dia 3 de Junho às 16h00 na Casa de Goa


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Nota do editor

Último poste da série de 25 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17394: Agenda Cultural (562): Juvenal Amado ("A tropa vai fazer de ti um homem") na Feira do Livro de Lisboa, no Espaço Chiado, 5 de junho, pelas 18h00,,,E os jacarandás vão estar em flor!

Guiné 61/74 - P17415: Os nossos seres, saberes e lazeres (215): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (4) (Mário Beja Santos)




1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 20 de Fevereiro de 2017:

Queridos amigos,
Vai para 50 anos quando se deu este primeiro encontro. Era impensável permanecer no Vale das Furnas mais do que umas horas, um aspirante a oficial miliciano auferia 1100 escudos, que tinha que ser criteriosamente rateados por um aluguer de quarto, uma comensalidade no Restaurante Nacional e gastos vários, impensável a pernoita no Hotel Terra Nostra.
O septuagenário pôde abrir os cordões à bolsa e oferecer-se três dias no parque, no vale e na lagoa. E ficaram impressões tão fortes, tão doces, recordações de aprazimento tão plenas e aquele conforto físico de mergulhar o corpo acerca de 40 graus, na Poça da Dona Beija, cercado de mata luxuriante.
Estou ansioso por voltar.

Um abraço do
Mário


São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (4)*

Beja Santos

A decisão está tomada: o viandante vai passar a manhã por inteiro a deambular pelo Hotel Terra Nostra, haverá banhos na piscina de água férrea, seguir-se-á, depois de almoço, um passeio ao Vale das Furnas, para mimosear os olhos com as caldeiras em trabalho. Mal aqui se chegou e o viandante recordou um jantar em casa de Armando Côrtes Rodrigues, na rua do Frias n.º 101, hoje uma instituição cultural relevante. O último elemento da revista Orpheu, que no regresso a São Miguel se tornou um escritor místico e de pendor regionalista, legou à cultura açoriana monumentos etnográficos do maior valor, pois nesse jantar, para além de ter oferecido um livro com a sua correspondência com Fernando Pessoa, entregou-lhe um volume de dois irmãos que passaram um verão no Vale das Furnas, os irmãos Bullar, um documento precioso que o viandante traz consigo, muito gasto pelo uso. O Vale das Furnas é alfobre de obras românticas e de relatos de viajantes estrangeiros, e os escritores nacionais como Senna de Freitas deixaram impressões encomiásticas. Aqui nasceu a conceção do parque público, na segunda metade do século XIX. O que era lenda, mito, relato assombroso sobre as águas termais, montanhas cheias de fogo, fumarada eterna, regatos de água fria e de água fervente, nascentes que lançam para o ar água a ferver com um urro medonho, jazigos subterrâneos de enxofre, que muitos viajantes registaram, com o especial destaque para esse assombroso escritor do século XVI, Gaspar Frutuoso, autor de um conjunto de volumes intitulados Saudades da Terra, de escritor exímio do povoamento, da fauna e da flora.
O local edénico conhecerá um grande empreendimento turístico nos anos 1930, o hotel Terra Nostra, uma preciosidade em Arte Nova, por aqui vai começar o passeio.



Há alguns anos, fez-se uma grande intervenção, e com talento, imprimiu-se conforto sem descaraterização. No passado, entrava-se por uma porta onde estava aquele lindo mosaico Terra Nostra, passeou-se o viajante por espaços que já tiveram outras funções, a beleza está intacta, veja-se o gracioso lance de escada, manteve-se a atmosfera do que fora um restaurante. Seguiu-se para um espaço em frente que dava pelo nome de casino, tanto quanto foi dado saber nunca houve aqui a roleta francesa nem nenhum milionário saiu depenado, era um salão de festas, bem à moda das termas, talvez com recitais de canto e piano, chás e bailaricos, excelente ocasião para os filhos de gente abonada tentaram a sua sorte nas coisas do coração.




O casino é hoje um lugar de eventos, tipo casamentos e batizados. Manteve-se o seu caráter inicial, pululam as telas de Domingos Rebelo, o mais conceituado pintor micaelense do século XX, que se aperfeiçoou em Paris e foi contemporâneo de Amadeo Souza Cardoso, Emmerico Nunes e Eduardo Viana. Passou décadas em São Miguel, deixou registos de grande beleza sobre os usos e costumes locais, os emigrantes, as festas religiosas, etc. No momento exato em que começam a brotar hidrângeas, o viajante não resistiu ao esplendor daquele carreiro de azul, pois fica associado à sua primeira viajem ao local, 50 anos atrás, e sempre que a palavra furnas lhe vem à mente são sempre estas hidrângeas que aparecem na memória fotográfica, antes das caldeiras, da água férrea e das fumarolas. E agora vamos para o parque Terra Nostra que tem muita história, mais dois séculos de vida.




Tudo começou em 1775, quando Thomas Hickling, então cônsul dos Estados Unidos em São Miguel, aqui fez construir a sua residência de Verão, Yankee Hall. No entanto, só a partir de meados do século XIX é que o jardim, que tinha uma área inicial de dois hectares, experimentou um notável desenvolvimento. Adquirido em 1848 pelo Visconde da Praia, o jardim conheceu uma primeira ampliação. O seu filho, o Marquês da Praia e Monforte, a partir de 1872, prosseguiu a obra dos pais, embelezou a casa, ordenou o jardim, mandou construir um canal serpentiforme, grutas, avenidas, caminhos ladeados de laranjeiras, estas desapareceram. O viandante delicia-se com belíssimas espécies arbóreas. Vasco Bensaude, nos anos 1930, mandou ampliar o jardim, hoje uma das maiores preciosidades dos atores, pela sua forma endémica e nativa, espantosa coleção de fetos, as azálias, as camélias. Vasco Bensaude não se poupou a esforços, trouxe jardineiro escocês, renovou a casa do parque e o tanque de água férrea. Os seus sucessores também não pararam, introduzindo mais três mil árvores e espécies arbustivas. É um jardim fascinante. Como se diz nos Açores, o viandante está-se consolando, o dia de amanhã é para ir até ao Vale das Furnas, outro cântico dos cânticos da natureza.

(Continua)
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Notas do editor

(*) - Poste anterior de 24 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17391: Os nossos seres, saberes e lazeres (213): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17409: Os nossos seres, saberes e lazeres (214): Um passeio aos Alpes Bávaros (Francisco Baptista, ex-Alf Mil)

Guiné 61/74 - P17414: Convívios (805): Rescaldo dos Encontros do pessoal da CCAÇ 617; Pel Mort 942 e BCAÇ 2885 (João Sacôto / César Dias)

Pessoal da CCAÇ 617 e Pel Mort 942 participante do XXIII Convívio


 
1. Mensagem do nosso camarada João Sacôto (ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), com data de 28 de Maio de 2017, enviando-nos para publicação duas fotos relativas ao XXIII Convívio da sua Unidade e do Pel Mort 942.

Se tiver interesse, envio reportagem do último convívio da CC 617 ( 27/05/2017- XXII).
O actual camarada decano é o Ex-1.º Sargento Felício que conta actualmente 90 anos.


Bolo Comemorativo

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2. Mensagem do nosso camarada César Dias (ex-Fur Mil Sapador da CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71) com data de 30 de Maio de 2017, enviando-nos duas fotos relativas ao XXII Encontro do pessoal do seu Batalhão:

Boa tarde Carlos 
Espero que continues em forma, eu vou-me cuidando dentro do possível. 
Mais uma vez te peço, caso tenhas possibilidade de publicar a nossa (BCAÇ2885) participação em mais um aniversário do regresso da Guiné. 
Teve lugar em Coimbra e foi a 20 de Maio. 
Quanto ao titulo, é mesmo esse: "Cada vez somos menos". 
Mais uma vez fico grato 

Um abraço companheiro
César Dias


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Nota do editor

Último poste da série de 21 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17382: Convívios (804): 2º encontro da Tabanca do Algarve, Faro, 20/5/2017 (José Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68)

Guiné 61/74 - P17413: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXII Parte: Cap XIII - No início do ano de 1966, o Movimento Nacional Feminino (MNF) visita Cufar e premeia os "Lassas"... Mamadu baixa ao hospital



Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/67) > Início de 1966 > Dª. Cecília Supico Pinto,  presidente do MNF,  de visita a Cufar.

Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.


Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XXII Parte > Cap XIII  (pp- 77-80)

por Mário Vicente


Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele;

(xvii) depois de umas férias (... em Bissau), Mamadu regressa a Cufar e á atividade operacional: tem em Catió, um inesperado encontro com o carismático capelão Monteiro Gama...

(xviii) Op Tesoura: dezembro de 1965, tomada de assalto a tabanca de Cadique, cujas moranças são depois destruídas com granadas incendiárias.

(xix) Cecília Supico Pinto e outras senhoras do MNF visitam Cufar no início do ano de 1966 e Mamadu é internado no HM 241 (Bissau).




Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXII Parte: Cap XIII: Mamadu de férias no Hospital Militar (pp. 77-80)


Natal de 1965, Natal de Guerra em descanso. Hoje é dia de tréguas.

Passagem de Ano de 1965/1966. Novas tréguas, mas os nossos obuses flagelam Cabolol, Cobumba e Caboxanque, para desejo de bom ano. Será mais manobra de diversão do que outra coisa. Pressente-se que algo está para acontecer. Há uma semana que o P2V5 sobrevoa o Cantanhez e descarrega toneladas de bombas. É um festival pirotécnico extraordinário. O nosso avião lança balões iluminantes e as antiaéreas do PAIGC, com balas tracejantes ajudam a abrilhantar a festa. Em Cufar o pessoal assiste aos rebentamentos que, apesar da distância, estremecem os abrigos. Deve ser cada ameixa! Vamos ver os efeitos? E fomos mesmo!... Mal pensávamos nós que aquilo sobrava para os Lassas e muitos outros.

A três de Janeiro do ano da graça de Deus de 1966, é lançada uma ofensiva sobre o Cantanhez. Dois destacamentos de fuzileiros, uma companhia de pára-quedistas e quatro compa­nhias do exército. A CCAÇ, como não podia deixar de ser, lá estava incluída no rol da [op] Safari. Objectivo: dar combate ao inimigo na região de Darsalame e Cafal onde se encontra a base principal do PAIGC, na zona Sul.

Frente a Darsalame, a CCAÇ desembarca debaixo de fogo. Os grupos de combate progridem pela bolanha contornando a mata na tentativa da sua abordagem pelo lado Norte. Entretanto o fogo IN é intensíssimo. Enterrados na lama da bolanha, junto ao tarrafo, vamos progredindo aos poucos, mas com a forte resistência que é feita com armas ligeiras apoiadas por metralha­doras pesadas, morteiros 82 e RPGs. 


A CCAÇ fica detida a Norte na bolanha, entre a mata e o tarrafo. Não se vê possibilidades nenhumas de progressão e começa a haver problemas com o sol escaldante de meio do dia. Falta a água. Aparecem os primeiros casos de desmaio derivados a insolação. Estamos bloqueados e os helicópteros não conseguem chegar junto de nós para evacua­ções e reabastecimento de água. Caímos numa ratoeira. Com a ajuda dos T6, há dois pilotos aventureiros dos helis que arris­cam. Deixam-nos uns bidões de água e levam alguns soldados, já com sintomas de desidratação. 

Mamadu sente fortes picadas no baixo ventre. Não era a primeira vez que sentia aquilo, quando tinha de andar enterrado na lama, mas nunca ligara. Manda Cigarra tomar conta da secção e informa Almeida de que vai ao furriel enfermeiro para este lhe injectar qualquer coisa. Arrasta-se até ao posto de comando, agora já com grandes dores. Juvelino manda Mamadu baixar as calças e cuecas e, rapida­mente, verifica que o furriel tinha dois papos, como ovos de galinha, junto às virilhas. Sem dizer nada ao companheiro, pela rádio transmite com Paolo, do Comando:
-O Furriel Mamadu tem de ser evacuado pois tem duas hérnias inguinais que, ao mínimo esforço, podem obstruir ou mesmo estrangular!

Mamadu ouve a conversa, e objecta:
-Evacuado eu? Estás maluco! É pá vai levar no olho, e mete lá também a merda das tuas injecções pois eu passo bem sem elas. Eu não vou deixar a minha secção aqui sem mim. Diz ao Paolo, a Carlos, a quem tu quiseres, que eu não saio daqui! 
Juvelino manda o Casal Ventoso preparar uma injecção, para adormecer as dores de Mamadu, e transmite com Paolo:
-O Mamadu está maluco, picou-lhe a mosca, não quer sair daqui, é melhor suspender a evacuação.

Virando-se para o colega furriel, o enfermeiro diz-lhe na sua linguagem vernácula de madeirense:
-És maluco? Então vai-te foder! Se essa merda es­trangula, vais mais depressa para a tua terra. Mas deixa lá, dão­-te uma cruz de guerra. Só tenho pena é da viúva ficar sem consolo durante a noite. Se eu lá estivesse, consolava-a.
-Vai mas é tu levar no cu, tarado de merda!
-Tarado, eu? É tão bom Mamadu! Se calhar não gos­tas?!... Não me digas que a Miriam é só para te lavar os tomates?!

Era mesmo tarado, o Juvelino. Enquanto se passava este diálogo, o Casal Ventoso tinha preparado a injecção. Juvelino, com ar mais gozão agora, volta à carga provocando o colega:
-Bem, agora prepara lá o traseiro porque, pelo menos, vais levar uma pica na bundinha pois temos que aliviar as dores.
-Está bem, mas não me chateies mais os cornos!

E aí temos Mamadu, de cu para o ar deitado na lama da bola­nha. Mal tinha acabado de ser injectado e já uma nuvem de água e lama se abatia sobre os três militares. Uma granada de mortei­ro tinha rebentado a quinze metros. Sorte do caraças. Um pouco mais ao lado, e Mamadu tinha sido apanhado, mesmo com as calças na mão.


O furriel arrastou-se novamente para junto dos seus soldados. A morfina começou a fazer o seu efeito e as dores aliviaram mais. Ao anoitecer, a CCAÇ retirou para o cais de Darsalame onde devia pernoitar. Derivado ao estado de saúde e de esgotamento físico, foram evacuados de lancha para Catió vários militares, entre eles o furriel Ma­madu.

Em Catió, o furriel foi visto pelo médico do batalhão, que mandou dar-lhe mais uma injecção e,  no dia seguinte de manhã, Mamadu partia de avioneta para o Hospital Militar de Bissau. 

No hospital, o cirurgião observa, manda tirar análises com urgência e marca a operação para o dia seguinte de manhã. Mamadu entra em preparativos. Na manhã seguinte, após tomar um calmante, vai para a sala de operações. Sentado na marquesa, para anestesia, é-lhe dada uma injecção epidural. Esticado na marquesa aos poucos vai deixando de sentir as pernas. O cirurgião, com uma pinça, dá-lhe um beliscão na barriga, e Mamadu grita. A anestesia ainda não fizera o efeito total. Mais uns minutos, um novo beliscão e agora o furriel já não reage. Pelo espelho do suporte da lâmpada que ilumina o seu corpo, Mamadu vê o médico fazer uma incisão e aparece um veio de sangue. Pede água, pois sente sede, mas só ouve muito ao longe alguém dizer:
-Se te dou água começas para aí a vomi­tar.

Adormeceu. Os Lassas, soube-o depois, reembarcaram no dia seguinte, sem problemas de maior.

Como reconhecimento do seu trabalho, os Lassas recebem dias depois a visita da Sra. Presidente do Movimento Nacional Feminino,  Dª. Cecília Supico Pinto, acompanhada da Presidente da delegação de Bissau daquele movimento. Deixaram uma máquina de projectar filmes de 8 mm, uma viola e mais uns pacotes de cigarros. Soube também que o seu companheiro de luta contra o mosquito, o tenente Obstetra, tinha regressado ao seu Batalhão em Tite. O Comandante e 2º. Comandante do BCAÇ 619, teriam ido a Cufar fazer as despedidas, pois tinham terminado a sua comissão, a substituição seria feita pelo BCAÇ 1858.

No Hospital Militar, ao princípio da tarde Mamadu acordou. O primeiro movimento foi levar a mão direita aos testículos. Estavam lá. Não queria ficar eunuco. Aos poucos, ainda sem dores, foi tomando noção onde estava. O pessoal de enfermagem, um colega furriel de cor e etnia Papel e o cabo Porto, tripeiro de gema, eram porreiros. Como companheiros de enfermaria tinha o furriel Mário com uma ferida na coxa, feita por um estilhaço, e que não havia maneira de sarar deitando litros de pus sangui­nolento; na outra ponta, o sargento Carvalhais, de cu pró ar, aguentando uma perfuração na rechonchuda nádega, causada por um tiro numa emboscada em Gandembel.

Ao segundo dia já havia confraternização, e fala-se da merda da guerra.. Eu estou aqui, eu acolá ele lá. Ao terceiro dia Mamadu e Carvalhais foram levantados e começaram a poder movimen­tar-se. Nesse dia, ao fazer o tratamento, o cabo Porto informa o furriel Mário que, se aquilo continuar assim, o médico vai operá-lo. Porto,  experiente,  diz que tem de haver qualquer coisa dentro da perna para esta não sarar. A operação era uma porra. Cortar o músculo, é sempre um risco e não se sabe no que vai dar. Num repente o cabo vira-se para o furriel e diz-lhe:
-Oh Márinho, aguentas os cavais, carago? Tentamos? É capaz de valer a pena!

Mário a medo responde:

-Bem... vamos lá, mas... devagarinho!

O Porto vira a perna furada para o lado, começa a apalpar com suavidade e toma uma resolução:
-Enrola o lençol, e põe-o na boca! Se doer grita à vontade!

Deve ser horrível. O cabo carrega uma, duas, três vezes na perna do desgraçado Mário que dava urros como um urso e uivava como um lobo. O esforçado Porto sua em bica e do buraco, só sai pus e sangue. Mais um espremão, e da ferida sai uma coisa negra parecendo sangue pisado. Com uma pinça, agora com uma delicadeza extrema, o cabo pega nessa coisa negra. Mário chora de dores como criança e o Porto ri como desmiolado, olhando para o negro ferrado pela pinça. Nada menos nada mais que um pedaço de camuflado. O estilhaço tinha perfurado a perna, e ti­nha deixado dentro o pedaço da farda, razão da infecção e daquele sofrimento todo. 

Nessa tarde, ainda mal acordados da sesta, ouviram um heli descer à frente do Hospital. Coxos e torcidos correram para a varanda. Não se viram macas nem feridos. Apenas um caixote do bacalhau, tapado com um pano camuflado. Passados uns minutos já todo o hospital sabia que no caixote vinham três corpos. Como seria feita a divisão, pelos caixotes de madeira, que os levariam para a sua terra, pensou Mamadu? Ficou mais sossegado, por saber que não era nada dos lados de Cufar, mas voltou a pensar nos Antónios e Mães de Salzedas, na resolução da dicotomia da guerra, vida e morte! 

Os companheiros de enfermaria retiraram-se e Mamadu apenas ficou com a companhia do também internado colega na enfermaria contígua, natural de Cabo Verde. E continuou a conversa. A determinada altura, Mamadu entrou em parafuso ao ouvir o seu colega sair-se com esta:
-O meu chefe e o teu estão errados!

Seria provocação? Ou seria tentação? Como já havia uma certa confiança entre os dois, ele também tinha tirado o CSM em Tavira e com família em Lisboa, Mamadu avançou:
-Talvez não queira entender o que disseste, meu amigo! Mas dou-te uma resposta provocatória. Já reparastes, que vós tendes atitudes mais racistas que nós, brancos?

Seguiu-se um silêncio de eternidade, até que Mamadu ouviu as seguintes palavras:
-Analisando em concreto, és capaz de ter razão.

A conversa acabou e cada um regressou à sua enfermaria.

Na tarde seguinte, apareceram umas senhoras simpáticas do MNF, a quem Mamadu informou gostar bastante de ler, e pe­diu se lhe arranjavam “A Besta Humana”,  do Émile Zola. Muitas desculpas mas não conheciam a obra, no entanto iam tratar do assunto. Até hoje não teria sido lido, se o próprio não o tivesse comprado.

Neste tempo todo desleixou um pouco a correspondên­cia. Fragilizado, como pedinte, apenas mandou um bate estradas (aerograma) a Tânia, muito simples e cauteloso, a solicitar se queria ser sua madrinha de guerra. Era uma forma hábil de contornar e chegar lá. Sem problemas, podia morrer mouro porque ao S.P.M. 2628 nada chegou, vindo de Terras do Lado do Norte. Madrinha não haveria. 

Arrependeu-se depois, no momento estava sem informação e não sabia a situação existente. Poderia ter levantado problemas. E começou a pensar seria­mente no assunto, embora fosse um problema psicologicamente sério. Maria de Deus talvez não deixasse de ter razão. Deveria seguir os seus conselhos. “Se Tânia gostasse de ti já tinha dado um sinal.” Talvez fosse verdade! Mas gostava dela, o que é que havia de fazer?!...

Pontos tirados e alta, menino Mamadu, pois, há mais clientes e toca a recuperar depressa, pois aqui não fazes falta nenhuma. Em Cufar é que falta gente.

Neste tempo de recuperação, ainda deu para estar com João Uva. O João continuava também imparável, com o espírito dos Locos. Tinha dado ao slide da sua CCAÇ e militava agora nos de Brá. Três vezes o ferro lhe queimou a carne. Se não fora o Santo Mártir, padroeiro da terra de seus pais, ter zelado por ele, tinha-se ficado no Cantanhez nos caminhos de Cabedu para o Cafal.

Em Santa Luzia, já em recuperação, teve um encontro que não calculava. Enquanto esperava pelo carro para o HM para mudar o penso, viu aproximar-se um tenente e dois alferes. Olhou! E não teve tempo de dizer algo, o tenente dirigiu-se para ele e abraçando-o, perguntou-lhe:
-Eh pá, o que estás aqui a fazer!
-Olá Jorge, eu já sabia que vinhas aqui parar, as tuas tias falaram com a minha mãe, não esperava era encontrar-te.

O furriel contou a sua história ao tenente, e este informou que a Companhia dele ia para Bissorã. Ainda deu para falar das aventuras conjuntas na aldeia da Planície.
-Se necessitares de algo. já sabes CART 1525.

Seguiu-se um forte abraço de despedida.

Encontrar um amigo e companheiro de infância, em terras da Guiné, é grande motivo de alegria!

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 7 e maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17325: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXI Parte: Cap XII - Op Tesoura, Cadique, dezembro de 1965: "Meu furriel, eu sou um criminoso, um assassino! Numa das casas, quando lancei a granada, estava um bebé a chorar lá dentro!" (1º cabo Cigarra)

Guiné 61/74 - P17412: Parabéns a você (1262): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 30 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17411: Parabéns a você (1261): Joaquim Pinto Carvalho, ex-alf mil, CCAÇ 6, Bedanda, 1972/73