domingo, 22 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17895: Agenda cultural (599): "Conspirou? Certamente, mas…", título do trabalho apresentado pelo Coronel Art Ref António José Pereira da Costa no Congresso Internacional levado a efeito nos passados dias 11 e 12 deste mês, na Academia Militar (Campus Amadora), subordinado ao tema "Gomes Freire de Andrade: O Homem e o Seu Tempo"



Oeiras > Ponta de São Gião > Praia da Torre > Freguesia de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caixas > Forte de São Julião da Barra, visto do lado poente > 3 de setembro de 2017 >  É considerado o maior e mais compeloa militar de defesa no estilo Vauban, ainda existente em Portugal. No passado, era nossa maior fortificação marítma, baluarte da defesa do reino e da sua capital.... No séc. XIX tornou-se prisão política. Foi aqui que o "mártir da Pátria",  gen Gomes Freire de Andrade, foi executado, não por fuzilamento (como ele pediu) mas por enforcamento, sendo o corpo cremado e as suas cinzas deitadas ao Tejo, em 18/10/1817. Foi acusado de liderar uma conspiração contra os ingleses que governavam o país, enquanto o regente (e futuro D. João VI) e a corte viviam no outro lado do Atlântico, desde 1807, na sequência das invasões napoleónicas. Um processo de justiça infamante, como muitos na nossa história...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017), Todos os direitos reservados. [Edição:r: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Em mensagem do dia 17 de Outubro de 2017, o nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª da CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), enviou-nos para publicação, a nosso pedido, o texto da sua intervenção no Congresso Internacional, levado a efeito nos passados dias 11 e 12 deste mês, na Academia Militar (Campus Amadora), subordinado ao tema Gomes Freire de Andrade: O Homem e o Seu Tempo[*].


Conspirou? Certamente, mas…

Declaração de Interesses 

Como bom Brandoniano, para a elaboração deste trabalho, tomei como base a obra de Raul Brandão, "Vida e Morte de Gomes Freire", que considero absolutamente inultrapassável, no detalhe e na profundidade da análise dos acontecimentos e das personalidades dos intervenientes. É pouco provável, mas se surgir algum documento, que não tenha sido analisado por Raul Brandão, ele nunca poderá produzir grandes alterações relativamente à visão dos factos que nos deu. Para além daquela obra, consultei outros documentos, nomeadamente a "Memória sobre a Conspiração de 1817 […] Escripta e Publicada por hum Português", "Amigo da Justiça e da Verdade" e atribuída por Raul Brandão a Joaquim Ferreira de Freitas, (o padre Amado). O exemplar que consultei foi oferecido à Sociedade Martins Sarmento pelo Conde de Vila Pouca e será a versão mais completa deste texto. Aparentemente publicada em Londres, apresenta um sem número de anotações manuscritas a lápis de cor azul. Estou convencido de que foram feitas pelo escritor tal, é a semelhança entre a sua caligrafia e a das anotações. Devo confessar que estou de acordo com uma boa parte dos comentários que deixou.


Título

O título que escolhi foi inspirado numa frase de Raul Brandão, na qual, referindo-se a Mathilde de Faria e Mello e não temendo más interpretações, o autor pergunta: “Casada?” e reponde: “Certamente!”.

Não existe nenhuma certidão daquele casamento, mas não importa. Matilde teve, durante a sua vida o comportamento de uma mulher casada e que amava (muito) o seu marido.

Da mesma maneira podemos perguntar: A conspiração existiu? Certamente!

Gomes Freire sabia-o, mas não a denunciou, embora não acreditasse nela. Contudo, achava-a necessária e até imperativa. As duas situações são, portanto, semelhantes. Nenhum dos dois se prendeu com questões de forma para fazer o que achava que devia ser feito. Em última análise diremos que ter conhecimento da revolta e não a denunciar é pactuar com ela… A conivência é uma forma de colaboração.

Venho falar de Gomes Freire enquanto Homem, Homem com H grande, como Raul Brandão lhe chama várias vezes, expressão que é o máximo elogio que se lhe pode fazer, a ele ou a outro qualquer homem e especialmente a um militar.


Palavras-chave

Escolhi três palavras-chave, que traduzem sucintamente o desenrolar dos acontecimentos: Revolta, Beresford e Tortura. Vou abordá-las não necessariamente por esta ordem.

A vida de Gomes Freire é uma constante aquisição de experiência e capacidades no campo operacional, completada com a observação e estudo prático e teórico da gestão de grandes meios logísticos e humanos. Quando regressa a Portugal, em 1815, não teria outro oficial capaz de ombrear consigo nestas áreas. Acresce que terá sido chamado a desempenhar funções no âmbito dos assuntos civis e governo militar, nas diversas cidades onde foi representante do poder napoleónico o que lhe concede uma nítida vantagem sobre os seus pares. Era um homem valente, culto, sabedor, experiente, próximo dos soldados e do povo. Seria, por isso, o oficial-general mais completo do seu tempo. Como denominador de todas estas qualidades, uma última: a frontalidade. Uma verdadeira mistura explosiva!

E, por uma questão de personalidade, em choque permanente com os superiores hierárquicos, de mentalidade reduzida e anquilosados pela burocracia, mas sempre prontos a demolir quem se lhes opusesse. As invejas não tardaram a surgir e, sufocadas por algum tempo, explodirão em Tortura, logo que para isso tiverem ocasião.


O Construir da Inveja

A sua vida foi um amontoar de invejas e ressentimentos dos que nunca lhe perdoaram as suas capacidades e o seu voluntarismo. Tendo assentado praça como alferes no Regimento de Infantaria de Peniche (a 9 de Outubro de 1782) começa a sua actividade operacional, incorporado na Marinha. As oito investidas realizadas na baía de Argel (Julho de 1784) sobre o poder naval ali sediado foram muito duras. As barcaças artilhadas com que esse tipo de ataques era feito eram dificilmente manobráveis e os combates realizados a curtas distâncias. Estas circunstâncias marcaram-no, enquanto militar e homem, a par dos múltiplos aspectos da organização da campanha (23 de Junho a 24 de Setembro de 1784) que terá observado em pormenor.

Ao voltar a Portugal, em menos de quatro anos, atinge o posto de sargento-mor do seu Regimento (27 de Abril de 1788). Naquele tempo, o sargento-mor era a terceira figura do regimento e aquelas funções eram desempenhadas por oficiais criteriosamente escolhidos e que, de um modo simplificado poderemos dizer que eram os “comandantes executivos” da unidade. O regulamento do tempo responsabiliza-os, entre diversas funções, pela disposição do regimento para a batalha.

Mas é em 1788, na Guerra da Crimeia, que, verdadeiramente, se forma como militar através da participação em combates violentíssimos, levados a cabo por grandes efectivos, em maus terrenos e sob condições meteorológicas severíssimas. As descrições de Raul Brandão apontam para situações fome e frio, com a soldadesca a viver miseravelmente em barracas de campanha, para não falar do saque da cidade de Oczakov (Dezembro de 1788) defendida por 310 canhões. O número de mortos de ambas as partes atinge várias dezenas de milhar.

Regressado a Portugal, como coronel dos exércitos russos, parte então, (20 de Setembro de 1793) à testa do regimento de que era coronel para a Campanha do Russilhão. As descrições de Raul Brandão sobre esta campanha são verdadeiramente surrealistas e, por outras vias, sabemos que foi uma operação tão inútil quão inconveniente. A logística foi péssima (alimentação, alojamento e higieno-sanitária), quando não falhou e a actividade operacional decorre em condições climáticas muito severas. Os franceses, de invadidos passaram rapidamente a invasores, e a retirada é acompanhada de deserções em massa dos militares espanhóis que se sentem muito felizes cada vez que se rendem. O ambiente entre a oficialidade portuguesa é mau, sem que John Forbes Skellater tenha mão nos seus inferiores. É aí que Gomes Freire cria uma amizade para a vida com António de Sousa Falcão – em horas de perigo e incerteza – e uma inimizade que roça o ódio com Luís Carlos de Clavière e D. Miguel Pereira Forjaz, ajudantes de ordens de João Forbes Skellater. Os ajudantes-de-ordens, normalmente oficiais do estado-maior, eram intermediários entre um comando superior e os comandos inferiores. Transmitiam pessoalmente ordens, observavam a sua execução e a situação da unidade. Conferenciavam com o respectivo comandante e depois reportavam as suas impressões ao comandante que os enviara. Tinham, por isso, grande influência nas decisões que eram tomadas e eram tidos – com razão ou sem ela – como intriguistas e manipuladores da acção do comando a que pertenciam.


Para além de outros indícios claros de desorganização e indisciplina, a situação no comando do Exército Auxiliar Português tornou-se tão insustentável, que Gomes Freire é mandado regressar a Lisboa. Chega mesmo a falar-se da abertura de uma devassa ao comportamento das forças portuguesas no combate de 20 de Novembro de 1794.

É aqui que a inveja começa a desenvolver-se e a sede de vingança desenhar-se para ser servida em doses de tortura, mal a oportunidade surja.

O episódio cómico-bélico denominado Guerra das Laranjas foi mais uma afirmação de Gomes Freire no campo operacional. Era então Quartel-mestre do Exército de Trás-os-Montes, servindo sob as ordens do Marquês de La Rosière, o que atesta a sua capacidade de organizador de forças e gestão de meios logísticos. Ao protagonizar uma acção ofensiva sobre Monterrey, a que hoje poderíamos chamar “golpe-de-mão” torna-se num dos três oficiais que procuraram lutar contra o marasmo que foi a actuação das forças portuguesas. Os outros foram Matias José Dias Azedo (em Campo Maior) e Eusébio de Sousa Soares (em Vila Real de Santo António).

Como militar experiente e bem habilitado nas duas áreas fundamentais para o efeito, Gomes Freire de Andrade expediu opiniões sobre a reorganização do Exército e, por sugestão do Duque de Sussex, acabou por escrever (1806) um livro de mais de 400 páginas no qual expõe um plano para a reorganização do Exército visando evitar os graves inconvenientes sobre a vida das populações motivados pelas levas, pelo serviço militar tão longo e dos graves prejuízos para a agricultura que considera a base da vida do país.

Nesta área, é o trabalho mais completo produzido por um oficial português até então. É proposta uma divisão territorial do país para efeitos defensivos, determinados os principais eixos de aproximação a Portugal e, consequentemente, quais as medidas logísticas, dispositivo a adoptar, de treino regular das unidades, e até uma avaliação em termos financeiros das medidas preconizadas. Este trabalho ter-lhe-á granjeado mais alguns ódios, especialmente porque as I e a III Invasões utilizaram os eixos que havia apontado. É mau ter razão antes de tempo.

À data da I Invasão, Gomes Freire é responsável pela defesa da área de Setúbal, recebendo ordem de Junot para comandar a II Divisão das tropas que marchariam para França. Aguardando um desembarque britânico, (que só surgirá quando a Inglaterra entender que é conveniente) resiste à ordem procurando demorar o encontro com a unidade que iria comandar, mas, ao tentar atravessar a Espanha, a sublevação das populações põe-lhe a vida em perigo. Consegue entrar em França e, a partir da sua apresentação em Paris, a sua vida é um autêntico rosário de colocações, em variadas tarefas que seria óptimo que conseguíssemos detalhar. O período entre 1808 e a sua rendição em Dresden, em 1814, é talvez o mais rico da sua vida, mesmo sendo pobre como Job e não passando de um prisioneiro condecorado e armado. Depois da rendição é conduzido, sob prisão à Hungria, e só regressa a Paris, a 5 de Junho de 1814, perdido da sua Matilde que o procurou num percurso de mais de 2000 Km numa Europa esventrada por muitos anos de guerras de vários tipos e formas. Nunca lhe poupará elogios e ela estará ao seu lado especialmente no momento da captura.

Gomes Freire sabe que não é bem quisto em Lisboa e procura demonstrar, antecipadamente que, a menos que tivesse realizado o milagre de S. António, nunca combatera em Portugal, nem na Península Ibérica. É uma dura batalha a produção do cartapácio (processo, como hoje diríamos) que lhe permitiria fugir à sanha dos procuradores. Mesmo assim, quando regressa a Lisboa, via Londres, em 25 de Maio de 1815, ainda passa pela Torre de Belém por alguns dias.


A revolta existiu… 

Os documentos que constam na devassa mostram que havia uma revolta em movimento. Quando Gomes Freire chega a Lisboa, os franceses tinham saído de Portugal havia cerca de quatro anos, depois de um saque de mais de oito meses. Os afrancesados são perseguidos pelas suas ligações – especialmente ideológicas – ao invasor e a situação social é uma catástrofe.

A descrição de Raul Brandão fala de falta de braços nos campos, recorda que a corte fugiu e já poderia ter voltado, que o tratado de comércio com a Inglaterra põe o país a saque económico, que a reestruturação exército cria mal-estar, embora Beresford tenha “cortado a direito”. Há suspeitas de imoralidade na Igreja, fome nas Beiras e os preços sobem loucamente. O número de órfãos, viúvas e desenraizados é enorme. Um dos conspiradores é coronel, visita de casa de Gomes Freire, casado e com filhos. Há trinta meses que não recebe vencimento. Quem não conspiraria nestas circunstâncias? Para um homem próximo do seu povo e pronto a defender os seus camaradas estão criadas as condições para que, pelo menos feche os olhos à revolta e chefie, se necessário.


A Tortura 

A análise dos factos, ocorridos entre 25 de Maio (domingo) e 18 de Outubro de 1817 (sábado) revela um processo kafkiano. Para além da óbvia condenação, deveria passar por um crivo de tortura bem estreito.

A prisão dos réus ocorre 25 de Maio de 1817, numa operação bem planeada e conduzida, entre a meia-noite e as quatro horas da manhã, sob controlo de oficiais estrangeiros. Beresford chega ao Regimento de Cavalaria de Alcântara pouco antes da meia-noite e à quatro da manhã já está em casa, no Pátio do Saldanha. Verificamos uma demonstração de força materializada pelos efectivos empenhados e ainda por 5 baterias (cada um com 4 peças + 1 obus) prontas e com os murrões acesos, junto do Arsenal do Exército.

Só Gomes Freire é enviado para S. Julião da Barra e mantido incomunicável até à execução.
O lugar onde esteve preso e as condições de vida celular a que foi sujeito nos primeiros dias de prisão confirmam-no.

O processo não observa as regras processuais em vigor nem a jurisprudência existente ao tempo.
Nunca virá a ser acareado com os outros réus que o acusavam, o que seria uma diligência elementar.
É interrogado na cela, apenas na presença de um desembargador e um escrivão.


No âmbito da tortura poderemos acrescentar a assistência médica que lhe é “prestada”, em duas visitas, realizadas a 6 de Julho e 12 de Julho pelo físico-mor do Exército, José Carneiro Barreto, o que seria sinónimo da intenção de um tratamento feito por alguém de créditos clínicos firmados. Os relatórios revelam um agravamento do reumático de que o General sofria e que estaria directamente relacionado com as condições de habitabilidade da cela onde estava preso, assim como com a idade e os sofrimentos da vida em campanha. Gomes Freire queixou-se de indisposição de estômago e […] de incommodo  de ventre que, na opinião do cirurgião, são bem de acreditar pela conspurcação da língua e outros signais. O médico pretendeu combater a indisposição de estômago com um emético (produto que provoca o vómito) e o incommodo de ventre com um catártico (laxante). Queixou-se também de enxaquecas que o médico não valorizou. O médico propõe que seja permitido ao prisioneiro que se barbeie, pois será um primeiro passo para a cura de uma erupção cutânea que o aflige.

Ainda no âmbito da saúde, sabemos que o tenente-coronel Haddock, em serviço na fortaleza, informa Beresford de que Gomes Freire algumas vezes está agitado.

A devassa não observa as regras processuais em vigor, como o advogado dos réus demonstra na sua contestação à sentença. Nega-se-lhe o apelo para o Rei que era um direito que tinha e os documentos que entrega a Archibald Campbell desaparecem e não têm qualquer efeito. É aqui que o réu se compenetra de que vai morrer e desabafa com Campbell.

No âmbito da tortura, encontramos ainda a indicação do método e local de execução designado na sentença.

A sentença foi proferida em cinco dias e os recursos apresentados pelo advogado de defesa prontamente considerados improcedentes, o que, para uma justiça fortemente burocratizada, como a do tempo, é muito suspeito. (17 de Outubro de 1817).

O pouco tempo que mediou entre a condenação dos réus e a execução da sentença. Pode parecer estranha a publicação deste documento, ocorrida já após a execução. Todavia, sabemos que era necessário actuar contra (hum, principalmente) dos réus e secar as veleidades dos que quisessem repetir a aventura.

No dia da execução, Gomes Freire barbeia-se e farda-se a rigor, mas é obrigado e despir a farda e a vestir a alva dos condenados e a humilhação prossegue, enquanto aguarda a execução descalço durante várias horas. O tenente-coronel Haddock dá-lhe uns sapatos para que possa marchar para o patíbulo com certa comodidade. Isso irá valer-lhe aquilo que a que hoje chamaríamos um processo disciplinar que encerra sem consequências. Seria garrotado de acordo com a sentença. Pede para ser fuzilado nos mesmos moldes que o marechal Ney. Acaba enforcado.

Antes tenta despedir-se dos soldados, mas é impedido de se lhes dirigir. São prontamente virados de costas para o patíbulo a fim de não lhes poder transmitir alguma mensagem maçónica, ao mesmo tempo que os frades presentes iniciam um canto religioso em altos berros.

D. Miguel Pereira Forjaz dá ordem pessoal ao Arsenal Régio para o fornecimento do alcatrão a usar na queima do cadáver de Gomes Freire.

Tudo se conjuga para um assassínio premeditado, precedido de tortura.


E a Igreja Católica 

A posição da Igreja Católica não surpreende. Uma ordem de 8 de Junho de 1817, ordena a celebração (a 22 Junho) de um Te Deo de Acção de Graças em todo patriarcado de Lisboa, pela descoberta da conspiração. Haviam passado 15 dias sobre a prisão dos réus e a Igreja já os dá como culpados, chamando-lhes “insensatos, temerários e atrevidos”. A sua hierarquia congratulou-se com a vitória das forças conservadoras na repressão aos subversivos e assim, ganhou em dois tabuleiros: apoiou o poder, o que sempre lhe trouxe dividendos, e ganhou tempo retardando a evolução das ideias na sociedade.

Virá a surgir no processo, sim, mas apenas no que respeita a uma das suas tarefas habituais e que mais ninguém desempenhava: a encomenda das almas dos condenados à morte que, quase de certeza iam parar o céu, considerando que se haviam arrependido e confessado os seus pecados e tinham pouco tempo para pecar...


William Carr Beresford, Marechal-General 

William Beresford (reestrutura o Exército a partir de 15 de Março 1809) é o primeiro a saber da conspiração. É, essencialmente, um militar estrangeiro a quem é dada uma missão. Reestruturado o Exército Português e expulsas as forças francesas de Portugal (Maio de 1811) continua a sua acção, agora procurando levar a Regência a conduzir uma política que fosse favorável aos interesses ingleses. O seu poder foi aumentando por delegação do poder real, nomeadamente depois de cada ida ao Brasil.

Os denunciantes Pedro Pinto de Morais Sarmento, José de Andrade Corvo de Camões (ambos militares) e o bacharel João de Sá Pereira Ferreira Soares, procuram-no na sua casa e descrevem-lhe o que haviam sabido em consequência da denúncia involuntária de um tal António Cabral Calheiros Furtado de Lemos, tenente demitido do Regimento de Infantaria n.º 3. Prova-se durante o processo que está perturbado, mas as suas atitudes conspirativas são tidas como correctas.

Beresford procura conselho (noite de 22 de Maio), reunindo-se, em sua casa, com três funcionários superiores da administração: o Cipriano Ribeiro Freire (Presidente da Junta do Comércio), o Visconde de Santarém e José António de Oliveira Leite de Barros (Desembargador do Paço e Auditor-geral do Exército). Conforme o conselho que lhe é dado, no dia seguinte, procura o Marquês de Borba que se compromete a informar a regência.
Participada a revolta, assegura a captura dos conspiradores numa operação que dura apenas quatro horas, conduzida sob controlo de um número considerável de oficiais estrangeiros. Terminada a operação, publica em Ordem do Dia um louvor à tropa, em 30 de Maio de 1817. Aparentemente uma atitude simpática para como o Exército e a Polícia, mas até que ponto não poderá ser um auto-louvor?
Depois, aparentemente, sai de cena.

Os pedidos de Beresford seguem sempre as vias “hierárquicas” normalmente através do Intendente Geral de Polícia, João de Matos Vasconcelos Barbosa de Magalhães.

Logo em 29 de Maio de 1817, pede (à Regência) que Gomes Freire "tenha aqueles artigos que o seu commodo exigisse” e nomeia Archibald Campbell como responsável pela sua guarda. Naquele tempo, era possível que os criados acompanhassem os senhores durante os seus períodos de prisão. Tal não foi autorizado a Gomes Freire, embora Beresford tivesse estranhado uma tal atitude. Campbell, enquanto governador da Praça, sustenta-o durante os seis primeiros dias de reclusão. Por fim, não podendo melhorar mais as condições de vida do preso, pede para ser substituído, mas Beresford não aceita. Não assiste à execução, embora Gomes Freire tenha pretendido despedir-se dele e agradecer-lhe o seu empenho. Declara-se doente.

Os papéis enviados, por Gomes Freire, para a Regência, são elaborados sob controlo de Campbell e recebidos com autorização do governo. Foram entregues ao Marquês de Borba, Presidente do Governo, mas desapareceram. Tal como Beresford, Archibald Campbell é cuidadoso no contacto com as autoridades portuguesas e procura evitar confrontos com o “desembargador” que promoverá a execução.

A recusa das autoridades em permitir que o preso se barbeasse, apesar das insistências de William Beresford e Archibald Campbell, é prova indirecta de que quem controlava o tratamento que lhe era dado, pretendia causar-lhe toda a dor que lhe fosse possível, porém não o assumindo directamente. Campbell dispôs-se até a assistir à actuação do barbeiro, ou procurou que fossem fornecidas navalhas especiais ao prisioneiro para que se barbeasse. Nenhuma das soluções foi autorizada o que prova que, mesmo na prisão e independentemente da condenação que viesse a receber, Gomes Freire não estava a salvo da intenção da Regência de o torturar e que a ajuda dos britânicos era necessariamente tímida. É provável que esta solução não desagradasse a Beresford. Sabemos que ele e Gomes Freire só viveram simultaneamente em Lisboa durante pouco mais de dois anos, sendo lógico que mal se conhecessem pessoalmente. William Beresford é censurado por querer avistar-se com Gomes Freire o que nunca sucederá.

Amanhã completam-se 200 anos sobre a morte de
Gomes Freire de Andrade

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BIBLIOGRAFIA 

ANDRADE, Gomes Freire de, Ensaio sobre o Methodo de Organisar em Portugal o Exército Relativo à População, Agricultura e Defeza do Paiz, Nova Officina de João Rodrigues Neves, Lisboa, 1806.

BRANDÃO, Raul, Vida e Morte de Gomes Freire, 4.ª edição, Editorial Comunicação, Rua da Misericórdia, 67-2º, 1200 – Lisboa, Janeiro de 1988, Colecção Obras Completas de Raul Brandão, Depósito Legal n.º 20027/88.

FREITAS, Joaquim Ferreira de (o padre Amado), Memória sobre a Conspiração de 1817, vulgarmente chamada Conspiração de Gomes Freire, Escripta e Publicada por hum Português, Amigo da Justiça e da Verdade[1], Impresso em Londres por Ricardo e Artur Taylor e em Lisboa na Impressão Liberal, em 1822. Este último mais completo foi oferecido à Sociedade Martins Sarmento pelo Conde de Vila Pouca (S.L.f-3-72)

[1] - Autoria atribuída por Raul Brandão
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Notas do editor

[*] Vd. postes de:

6 de Outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17829: Agenda cultural (589): Congresso Internacional, dedicado a Gomes Freire de Andrade, na Academia Militar (Campus Amadora), nos dias 11 e 12 de Outubro de 2017, com a uma intervenção a cargo do Cor Art.ª Ref António J. Pereira da Costa
e
8 de outubro de 2017 Guiné 61/74 - P17834: Agenda cultural (590): Bicentenário da morte do general Gomes Freire de Andrade (1757-1817): eventos (António J. Pereira da Costa, cor art ref)

Último poste da série de 22 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17894: Agenda cultural (598): DocLisboa2017: Hoje, às 16h15, no Cinema São Jorge, "Os Cantadores de Paris" (Portugal / França, 2017, 80'), um filme de Tiago Pereira

Guiné 61/74 - P17894: Agenda cultural (598): DocLisboa2017: Hoje, às 16h15, no Cinema São Jorge, "Os Cantadores de Paris" (Portugal / França, 2017, 80'), um filme de Tiago Pereira






Cinema São Jorge - Sala Manoel De Oliveira,
Lisboa


Os Cantadores de Paris 

Tiago Pereira | 2017 | Portugal, França, 80’

“Como é cantar uma cultura que não se conhece? 

Três portugueses, uma italiana, uma alemã e seis franceses formam o grupo Cantadores de Paris, dedicado ao cante alentejano. 

Trazemos elementos do grupo a Serpa para os cruzar com os grupos locais.”  (Tiago Pereira )

Projecções:

22 OUT / 16.15, Cinema São Jorge – Sala M. Oliveira

28 OUT / 16.15, Cinema São Jorge – Sala M. Oliveira


Vd. aqui "trailer" do flme > Sinopse:

"A música portuguesa a gostar dela própria2 apresenta um filme de Tiago Pereira

Em Paris criou-se um grupo de Cante Alentejano formado por pessoas de várias proveniências.
O cante Alentejano tem uma coisa incrível que é o seu lado de confessionário, os homens másculos, bem constituídos cantam sobre as flores e os passarinhos e as mulheres quando não imitam os motes dos homens cantam segredos femininos e lamentam-se por estar casadas, as pessoas usam o cante como escape do que de outra forma não seria bem visto em sociedade. Isto é uma análise possível, a minha neste caso. 

O documentário quer-se nesse tom de confissão, não é uma reportagem, o que importa é mostrar não é narrar, não é um filme de entrevistas, os interpretes usam a câmera como espelho, como algo que está lá no camarim ou na rua e falam com ela, podem-se vestir ou pintar em frente a ela mas também usá-la como confessionário, confessam-se, falam dos seus medos, da dificuldade do cantar em português, do que o cante os faz pensar e sentir."

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de outubro de  2017 > Guiné 61/74 - P17891: Agenda cultural (597): DocLisboa2017, de 19 a 29 de outubro: destaque para dois filmes sobre a África Lusófona, um realizado na Guiné-Bissau ("Spell Reel", de Filipa César, 96') e outro em São Tomé e Príncipe ("O Canto do Ossobó", 99')

Guiné 61/74 - P17893: Blogpoesia (534): "O que vejo da minha janela..."; "Os vira-casacas" e "O Tratado da Insolência", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:

 
O que vejo da minha janela…

Não é o mundo inteiro que eu vejo da minha janela.
Linda. Rica ou feia é só uma parte minúscula.
Só dela não retiro a ideia global do que seja o mundo.
É preciso saltar para fora e longe.
Ver o novo e o diferente.
Trazer para dentro e reflectir.
Retirar o bom. Extirpar o mau.
Enriquecer a ideia e a visão das coisas.
Melhorar. Avançar depois.
Novas etapas. Crescer.
Não ficar igual. O que é mais pobre…

Berlim, 17 de Outubro de 2017
17h9m
Jlmg

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Os vira-casacas

Eu era miúdo. Nos tempos pós-guerra.
Eram de fome.
De vez em quando, chegava um freguês:
-Ó Quinzinho. Pode virar-me este fato?
Meu Pai saudoso, era alfaiate, o estendia na mesa, examinava.
- Sim senhor.
Pode vir buscá-lo p’rà semana.
Os tempos passaram.
A guerra amainou.
Mudou-se a fome.
Agora é de vergonha.
Dum dia para o outro, a toque dos ventos,
Se vira a casaca,
Tudo em casa.
Nem precisa alfaiate…

Berlim, 22 de Outubro de 2017
9h19m

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O Tratado da Insolência

Anda por aí um livro de grande tiragem, denominado
– Tratado da Insolência -.
Foi adoptado como livro base, de formação política, por aquela ala de políticos baixos,
Que a utiliza como escada na vida.
Em vez da escola.
É o vale tudo. Acabou-se a Ética.
Para derrubar o adversário.
E lhe ocupar a cadeira.
Tudo serve.
- Mentir? O mais que se puder.
- Ofender? Que mal é que tem?
É o bota-abaixo, de qualquer jeito.
- Assumir as culpas próprias e responsabilidades? Que estupidez! Nem pensar nisso.
- Imputá-las aos outros. Assim é que é.
Se quer ser insolente… deve comprá-lo.
Ficará mestre!...
Mas, por favor, emigre para bem longe…
noutro planeta que não a Terra.

Berlim, 20 de Outubro de 2017
5h10m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17863: Blogpoesia (533): "São verdes e negras..."; "Mais um pouco..." e "Língua materna", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17892: Fotos de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74, que está a preparar a edição de um terceiro livro, memorialístico, "Em Nome da Patria"



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > "Beleza das mães [. biafadas,] de há 44 anos... Reparem na perna e braço do bebé"...



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > Malta do 1.º pelotão, à civil...



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > "A espectacular equipa dos 'Serrotes de Fulacunda' que só perdia quando eu jogava. Tinham de me deixar jogar porque eu era o cantineiro. O autor {o segundo a contar da esquerda, na primeira fila,] é, naturalmente, o "dono da bola"...


Amarante > José Claudino da Silva >  s/d > Bate-chapas, "self-made man" ou "homem que se fez a si próprio", escritor, com dois livros publicados (um de poesia e outro de ficção). Está a elaborar um terceiro com as cartas que foi trocando com a futura esposa.

Fotos (e legendas): © José Claudino da Silva (2017), Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Fotos do álbum de José Claudino da Silva:

(i) natural de Penafiel;

(ii) residente em Amarante;

(iii) bate-chapas, reformado;

(iv) ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART /BART 6520 / 72, Fulacunda, 1972/74;  (*)

(v) "self made man" ou "homem que se fez a si próprio", escritor, é autor de dois livros, um de poesia (2007) e outro de ficção (2016), estando a finalizar um terceiro ("Em nome da Pátria"), de que iremos pré-publicar alguns excertos, com a devida autorização do nosso camarada;

(vi) membro nº 756 da nossa Tabanca Grande. (**)
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sábado, 21 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17891: Agenda cultural (597): DocLisboa2017, de 19 a 29 de outubro: destaque para dois filmes sobre a África Lusófona, um realizado na Guiné-Bissau ("Spell Reel", de Filipa César, 96') e outro em São Tomé e Príncipe ("O Canto do Ossobó", 99')



1. Está decorrer, de 19 a 29 deste mês, o DocLisboa 2017, o mesmo é dizer, o 15º Festival Internacional de Cinema... E por que se trata, de facto, de um dos mais prestigiados festivais de cinema documental, a níval mundial, é apropriado o slogan promocional, "em outubro o mundo inteiro cabe em Lisboa"...

De acordo com o programa, na Competição Interbacional, "este ano, o Doclisboa apresenta 19 filmes em competição, 12 dos quais em estreia mundial ou internacional. Estão representados 17 países, numa selecção que se caracteriza pela diversidade temática, estética e formal, numa amostra daquilo que é o pulsar do cinema mais actual produzido em todo o mundo."

Em contrapartida, na Competição Portuguesa apresentam-se "11 trabalhos [...que] atravessam vários formatos e universos neste espaço aberto à exibição de criações livres, com as linguagens plásticas e narrativas mais diversas.". E há as outras seções já habituais: Verdes Anos (21 filmes de "novos realizadores", proporcionando  "uma visão alargada sobre a riqueza e diversidade dos trabalhos produzidos em território nacional);  Retrospetiva (dedicada ao cinema checo e quebequiano); Heart Beat; Da Terra à Lua; Riscos: Cinema de Urgência; Doc Alliance... além de Passagens, Atividades Paralelas, Projeto Educativo... (É obrigatório consultar o programa,para o leitor não se perder!...).

Para séniores (, como é o caso da maior parte dos nossos leitores), os preços por sessão são a 3 euros e meio  (Culturgest, Cinema São Jorge, Cinema Ideal) ou 2, 15 € (Cinemateca)... Há "vouchers", de 5, 10 e 20 bilhetes,  ficando cada sessão mais barata.

 No "Observador",  de 18 do corrente, o crítico Eurico de Barros escolheu 11 filmes para 11 dias, de uma vastíssima programação (duas centenas de longas, médias e curtas metragens).

No Público, de 19 do corrente, Jorge Mourinha assina  a crónica "Doclisboa, dez dias de aventuras em rally paper"... onde  escolher é que é o busílis!... Pensando na generalidade dos nossos leitores e na sua ligação à África lusófona, ficam para já aqui duas sugestões deste conhecido crítico cinematográfico

"(...) Nas competições, vale desde já a pena marcar na agenda dois títulos que evocam as memórias do colonialismo e da independência: o assombroso Spell Reel, de Filipa César, finalmente em estreia nacional, em busca do cinema perdido da Guiné-Bissau, e O Canto do Ossobó, de Silas Tiny, que olha para a presença colonial em São Tomé e Príncipe.

"Spell Reel e O Canto do Ossobó serão também projectados em sessões escolares, que têm lugar entre as 10h30 e as 14h, e que, para aqueles que tiverem essa disponibilidade, são este ano abertas ao público" (...)

Spell Reel

ESTREIA PORTUGUESA

PRIMEIRA OBRA
Filipa César | 2017 | Alemanha, Portugal, França / Germany, Portugal, France | 96’
Sinopse:

Um arquivo de material audiovisual em Bissau. À beira da ruína completa, as imagens testemunham o nascimento do cinema guineense enquanto parte da visão descolonizadora de Amílcar Cabral, o líder da libertação assassinado em 1973.
Sessões  > 26 OUT / 18.45, São Jorge – Sala M. Oliveira27 OUT / 10.30, Culturgest – Grande Aud. | Sessão para escolas aberta ao público
Ver aqui o "trailer" (2' 00'')

O Canto do Ossobó
The Song of Ossobó



ESTREIA MUNDIAL

Silas Tiny | 2017 | Portugal | 99’

Sinopse:

Rio do Ouro e Água-Izé foram das maiores roças de produção de cacau em São Tomé e Príncipe durante o período colonial português. Milhares foram marcados pelo trabalho forçado equiparado à escravatura. Regresso ao meu país, para encontrar os vestígios desse passado.

[Silas Tiny é o nosso conhecido realizador de "Bafatá Social Clube",  2012, 78']

Sessões > 23 OUT / 22.00, São Jorge – Sala M. Oliveira
26 OUT / 14.00, São Jorge – Sala 3 | Sessão para escolas aberta ao público
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P17890: Convívios (828): os esquálidos, esgrouviados, a companhia do Como, os bravos do Cachil... os 'últimos moicanos' da CCAÇ 557 (1963/65), mais de meio século depois do seu regresso, voltam a encontrar-se, pela 29ª vez, no próximo dia 4 de novembro, agora em Sapataria, Sobral de Monte Agraço (José Colaço)


Ponte de Sôr > 5 de novembro de 2016 > CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > Convívio anual dos "resistentes"... onde nunca faltam  o Francisco dos Santos, aqui ao centro (com o  José Colaço, à esquerda a "fazer guarda de honra"). O Francisco é  nosso grã-tabanqueiro, tal como o Zé Colaço, (*)

Foto (e legenda): © José Colaço (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, com data de hoje, de José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), membro da nossa Tabanca Grande desde Junho de 2008:

Caríssimo Luís e editores

Luís, os veteraníssimos, ex-militares da companhia de CCAÇ 557, os esquálidos, esgrouviados, a companhia do Como,  os bravos do Cachil...   eis as alcunhas que alguns camaradas e o povo da Guiné dedicou à nossa companhia...

Após cinquenta e dois anos do seu regresso,  os ex- militares da CCAÇ 557, os resistentes, organizam o seu vigéssimo nono consecutivo almoço anual de convívio.

Este ano terá lugar no dia 04/11/2017,  no restaurante "O Ferrador",  na localidade de Sapataria,  Sobral de Monte Agraço. (**)

Anexo do nosso último convívio,. em Ponte Sor, em 5/11/016... No grupo, destaca-se o nosso conhecido poeta popular Francisco dos Santos, ao centro (e eu, Colaço,  à esquerda a fazer guarda de honra).

Um abraço,
José Colaço
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16778: Convívios (775): Almoço anual dos veteraníssimos ex-combatentes da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), em Ponte de Sôr, no passado dia 5...Este ano fomos só vinte, mas o nosso poeta Francisco Santos continua vivo e inspirado (José Colaço)

Guiné 61/74 - P17889: (Ex)citações (325): Os capitães de África, pelo professor Rui Ramos (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,

A história das guerras do império, por vagas sucessivas, envereda pelos seguintes domínios: 

(i) logo a seguir ao 25 de Abril os teóricos à esquerda e extrema-esquerda a desvelar aspetos sombrios do colonialismo, desde a palmatória aos massacres, 

(ii) e o teóricos da direita e extrema-direita a apontar para a tragédia da descolonização; 

(iii) o novo fluxo prendeu-se com o sofrimento daqueles que combateram pela presença portuguesa, perseguidos e executados, isto a par da permanente acusação do dedo soviético e da ganância norte-americana à espreita de petróleo e diamantes; 

(iv) seguiu-se a acusação irrestrita de que a descolonização prejudicou por inteiro os descolonizados; 

(v) no fluxo presente, em que é impressionante o acervo de conhecimentos sobre o que foram as campanhas de África e em que contexto internacional se moveram as decisões de Salazar e Caetano, passa-se banho lustral sobre os fundamentos das lutas de libertação e temos historiadores a falar dos teatros de guerra sem jamais os ter estudado.

Encontra-se no trabalho de Rui Ramos bojardas como a seguinte, a propósito da invasão da Guiné Conacri, em 1970: "O PAIGC acabou por abandonar todos os acampamentos permanentes no interior do território".

Pasma como quebra o silêncio para denunciar a inqualificável besteira.

Um abraço do
Mário


Os capitães de África, pelo professor Rui Ramos

Beja Santos

Em escassas duas semanas, de quatro proveniências diferentes recebi o artigo que o professor Rui Ramos publicou no jornal Independente em 2006 sobre as guerras que travámos em África:

http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2017/09/oscapit%C3%A3es-de-%C3%A1frica-por-prof-rui-ramos.html. (*)

O documento é naturalmente polémico, será precisamente por isso que anda nas redes sociais, dá satisfação aos descontentes e azedumentos. À pergunta de que aquela guerra fora o simples resultado da natureza do regime político em 1961 ou da idiossincrasia do seu chefe, o historiador não hesita: “Nenhum governo português poderia ter feito outra coisa em Março de 1961”.

E refere as chacinas, os apelos à violência da UPA, incluindo o ideólogo de alguns revolucionários, Frantz Fanon. Na suposição de que o historiador aposta na imparcialidade e na contextualização dos factos, estava sem querer que houvesse algumas palavras abonatórias de que se encetara desde o termo da II Guerra Mundial uma gradual consciencialização anticolonial, que o Estado Novo estava ciente de que vinham problemas do principal anfiteatro planetário, as Nações Unidas, onde as novas nações independentes clamavam pelo fim das colónias.

O Estado Novo iludiu a realidade, e depois de umas largas pinceladas sobre a chegada de colonos a Angola e Moçambique, remata que não teria sido fácil em 1961 o abandono de África, ninguém pensara em retirar nem mesmo o PCP e os demais antissalazaristas. Houve portanto guerra aos movimentos de libertação porque era inevitável, ponto final, foi uma História sem antecedentes, um autêntico conto de fadas.

Rui Ramos fala da evolução da guerra e da estratégia salazarista, cita mesmo Marcelo Caetano em Março de 1974: “Não será por falta de dinheiro que nos renderemos”. Dinheiro houvera muito, mas estava tudo a correr mal desde 72, primeiro a crise mundial de alimentos, dispararam os preços, só baixarão no fim da década, a seguir o primeiro choque petrolífero e o castigo árabe a Portugal, pensou-se em racionamento, houve quilómetros de bicha, candonga a gasolina, se o professor Rui Ramos conversar com alguns do seus colegas e que conhecem economia e finanças, ficará surpreendido como a inflação subiu acima dos 30% no fim do primeiro trimestre de 1974.

Apregoa os mesmos argumentos de que a guerra se apresentava viável, que os principais movimentos de libertação constituíam um complicado folhetim de desânimos, cisões constantes, ajustes de contas sanguinários e deserções espetaculares. Era bom que o professor Rui Ramos estudasse a fundo o que foi o PAIGC, por exemplo, teve altos e baixos mas foi-se fortalecendo e prestigiando, conseguiu os necessários apoios técnicos, em armamento e equipamento, formou quadros e nos últimos anos da guerra fez reverter para o interior da Guiné uma matéria-prima de grande qualidade, os quadros cabo-verdianos que não tinham condições de estender a guerrilha a Cabo Verde.

Não esclarece muito bem o que mudou de Salazar para Marcello Caetano, deste refere novos argumentos, mais complicados, assentes numa solidariedade humanitária, para justificar as operações militares. “Convenceu-se também de que a estratégia da guerra limitada e de longa duração não podia continuar”.

Então, o historiador atira uma régua para cima da mesa, já que era necessário pôr fim à guerra: “Caetano proporcionou aos chefes militares os meios para romperem com a modesta rotina salazarista e tentarem esmagar a guerrilha. O ano 1970 foi marcado por iniciativas dramáticas: a invasão da Guiné Conacri, o grande assalto ao Planalto dos Macondes em Moçambique, e um novo plano de operações no Leste em Angola. Os resultados iniciais não foram maus. Na Guiné, o PAIGC acabou por abandonar todos os acampamentos do território”.

Penso que nunca ficaremos a saber se o académico ilude os factos, é ignorante e tacanho ou consultou os dossiês errados. Tivesse ele procurado ler o que foi o ano militar da Guiné de 1970, e mesmo 1971, e descobriria que o PAIGC não abandonou nenhum acampamento, esquece-se que ainda há muita gente viva que por aqui anda e que os arquivos estão cheios dessa documentação. O académico sugestionou-se, sentiu-se livre para dizer umas bojardas.

O que aconteceu depois? Kaúlza e Spínola teriam ficado despeitados por não terem sido candidatos à presidência da República, em 1972 e foi posta a propalar a tese de que o governo não lhe dera os recursos materiais ou as autorizações políticas necessárias. Curiosamente, esta argumentação não bate certo com o que, depois do 25 de Abril escreveram militares como Kaúlza de Arriaga ou Silvino Silveira Marques e mais recentemente um tenente-coronel aviador de escrita alucinada, Brandão Ferreira.

O que escreve sobre o desfecho do regime e a ascensão do MFA é pura pirotecnia argumentativa: os capitães entendiam que a democracia portuguesa se iria fazer abrindo estradas, administrando escolas e hospitais, como se fazia em África. O historiador profere estes dislates, tanto quanto sei ninguém lhe foi ao pelo. Será por indiferença? Segue-se, no termo do artigo, a verrina e a destilação de veneno:

“Só a mitologia de esquerda podia dar uma boa consciência aos homens do MFA. Só ultimamente se começou a perceber o verdadeiro sentido da retirada portuguesa. Havia mais africanos a combater do lado português do que do lado dos partidos armados. Na Guiné, metade dos confrontos com o PAIGC eram da responsabilidade das milícias locais”.

Que ninguém se pasme como se pode ser tão leviano. E nem uma palavra sobre aquele trimestre fatídico para Marcello Caetano, em que mandou negociadores sigilosos falar com o PAIGC, a FRELIMO, o MPLA, a FNLA e a UNITA. Numa entrevista a um jornal brasileiro, Caetano irá com uma certa displicência que era inevitável as independências, era um fenómeno internacional onde já não cabia a argumentação portuguesa em prol de um Portugal do Minho a Timor. (**)
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Notas do editor:

(*) O link constante no texto não funciona pelo que tive de pesquisar na net uma alternativa. Encontrei este: http://macua.blogs.com/files/os-capit%C3%A3es-da-%C3%A1frica-ii---2004.pdf que permite até carregar o PDF.

(**) Último poste da série de 16 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17867: (Ex)citações (324): os memoriais de Buruntuma (CART 1742, 1967/69) e Ponte Caium (3º Gr Comb, CCAÇ 3546, Piche, 1972/74): Abel Rosa, António Rosinha, Carlos Alexandre e Valdemar Queiroz

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17888: Tabanca Grande (450): António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, e novo membro da Tabanca Grande, com o nº 757... Faz parte da Associação de Alunos da Universidade Sénior de Vila Franca de Xira.



Guiné > Região do Cacheu > CCAC 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) > Destacamento de Pete > 9/11/1970 > Visita do General Spinola no dia seguinte ao ataque ao destacamento. À sua direita,. parece-nos ser o o comandante do BCAV 2862 (1969/70), ten cor  Carlos Alves Morgado, nosso conhecido da Op Ostra Amarga.


Foto (e legenda): © Victor Garcia (2009) . Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné)



1. Mensagem de anteontem do António Ramalho, ex.fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, e novo membro da Tabanca Grande, com o nº 757:


Caro Luís Graça,  boa noite. (*)

Hoje li que fui "despromovido",  o  nº 756 foi dado a outro camarada de armas!...(**)

Se bem entendi,  se não dissesse nada manteria, seria?

Não vai mal ao Mundo, a capicua [ 757] também me agrada.

Não tenho a certeza se estarei no próximo sábado, na Casa do Alentejo,  já que uma das minhas filhas vem cá a casa passar o dia (Sábado ou Domingo).alternando-se.

Oportunamente enviarei um texto que inclui numa colectânea de histórias de vida com mais 29 amigos/colegas da Universidade Sénior de Vila Franca de Xira.

É o lado cómico/positivo da minha estadia como sempre a encarei.
Um forte abraço.

António Fernando Rouqueiro Ramalho

2. Comentário do editor:

António, não fostes nada despromovido,  afinal o José Claudino da Silva já estava na calha há mais tempo do que tu, desde 3 de outubro... Mas o nº 757 é mais fácil de fixar... Vou-te já apresentar ao resto da Tabanca Grande, O teu nome passa, desde hoje, a figurar na lista alfabética, de A a Z, dos amigos e camaradas da Guiné que compõem a Tabanca Grande, num total de 757, dos quais infelizmente 59 já não estão entre nós, mas não foram para a "vala comum do esquecimento".

Falta-te apenas um,a foto do antigamente...Já pedi ao Victor Garcia, mas ele infelizmente não tem nenhuma contigo, do tempo de Guiné, só dos convívios anuais do pessoal da companhia.

Se não te vir sábado, teremos mais oportunidades...Em abril de 2018, iremos fazer o nosso 12º Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real... Ficas desde já convocado...

Quanto à Universidade Sénior, é bom aprender contigo e com quem sabe como é que a gente pode envelhecer alegre e saudavelmente...

De facto, ficámos a saber que fazes parte da Associação de Alunos da Universidade Sénior de Vila Franca de Xira, fundada em 2007. Aliás, fizeste parte da comissão instaladora e pertences aos atuais órgãs sociais. Quanto à tua CCAV 2639, vais-te juntar, aqui na Tabanca Grande, como já sabes, aos teus camaradas Victor Garcia, ex-1º Cabo Atirador, do 3º Pelotão; e o o Mário [Jorge Figueiredo] Lourenço, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista.

Sê, portanto,  bem vindo, manda fotos e histórias!...Um abração... Luís

3. Resposta. com data de 17 do corrente, do Victor Garcia a um pedido de informação dos nossos editores:

Caro amigo Luis Graça

Como resposta a este teu e-mail, comunico-te que sim, que conheço perfeitamente o ex-furriel António Ramalho e o qual já tive ocasião de observar no poste dele colocado na sua página da Tabanca.

Como é sabido houve um período no nosso tempo na Guiné que a CCav. 2639 esteve separada em três locais distintos mas todos na zona de Bula, por causa do reordenamento das populações. Os locais eram:

Capunga, com a colocação do 3º grupo de combate, “por sinal era o grupo a que eu pertencia”

Pete, com a colocação do 2º e 4º grupos de combate;

Ponta Consolação, com a colocação do 1º grupo de combate.


Ora o Furriel Ramalho embora tenha estado em Ponta Consolação,  como ele o diz, houve um período em que foi desviado para Capunga e portanto estivemos juntos em Capunga.

Perguntas-me se tenho alguma foto dele… Infelizmente do tempo da Guiné não tenho nenhuma com ele ou mesmo onde ele pudesse estar em conjunto com outros.

Tenho sim das nossas confraternizações anuais onde ele costuma comparecer.

Exemplo disso tem na minha página no sector dos convívios as fotos:

(i) Fila de pé, é o segundo a contar da direita com pulôver vermelho nos ombros

http://www.vitor-garcia.com/Imagens/2639Convivios/Grandes/Convivio13.jpg

(ii) Fila do meio, o quarto a contar da esquerda e com barba

http://www.vitor-garcia.com/Imagens/2639Convivios/Grandes/Convivio16.jpg

(iii) Fila de pé, o segundo a contar da esquerda e com polo vermelho

http://www.vitor-garcia.com/Imagens/2639Convivios/Grandes/Convivio33.JPG

(iv) Fila do meio, o Nono a contar da esquerda e com polo laranja
Caro amigo Luis,  foi  tudo o que pude fazer para te ser o mais prestável possível.

Desde já te digo que estás completamente à vontade para,  se assim o entenderes,  fazeres o uso que entenderes dessas fotos “Linkadas” ou mesmo outras que encontres na minha página.

Despeço-me com um abraço amigo.

Victor Garcia
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 15 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17864: O nosso livro de visitas (194): António Fernando Rouqueiro Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)....Será possível saber do paradeiro da menina Helga dos Reis que eu e o cabo enfermeiro do meu pelotão ajudámos a vir ao mundo, em 6 de janeiro de 1971, na tabanca de Ponta Consolação (Nhinte) ? A estar viva, terá hoje 46 anos

Guiné 61/74 - P17887: Notas de leitura (1006): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
Vale a pena, nesta fase da investigação, recordar o ponto de partida da documentação que se está a compulsar. Há referências mínimas a 1915, os relatórios de execução começam efetivamente a partir de 1916. Nada da história do BNU a partir de 1903 aparece nos arquivos. Daí não haver comentários às chamadas campanhas de pacificação, ao derrube das muralhas à volta de Bissau, no tempo do governador Carlos Pereira, já na I República, não encontrei qualquer referência à Liga Guineense que entrará no jogo partidário, toda esta nova era republicana é ajuizada criticamente pela ausência de figuras de gabarito na governação, e pela perpetuação de todos os atrasos, não se vislumbra um plano de desenvolvimento. A situação conhecerá um salto qualitativo com a chegada de Velez Caroço que tentará implantar uma grande seriedade na vida administrativa, resolver o angustiante problema dos cambiais numa altura em que a República pouquíssimo investe na Guiné.
Para a filial de Bolama vai travar-se a luta pela sobrevivência, Bolama definha, o gerente arvora-se em pensador económico, dá sugestões. Mas ninguém o ouve.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (5)

Beja Santos

Despontou a rivalidade entre as agências do BNU da Guiné. No seu relatório do pós-guerra, o gerente de Bolama agarra-se com unhas e dentes à tese de que o futuro da província tem o seu farol naquela capital criada em 1879, dali irradiará irrevogavelmente o desenvolvimento. É da maior pertinência ler a sua argumentação, prevendo um futuro que não aconteceu:
“Se hoje o comércio procura de preferência Bissau, se ali acorre a navegação de longo curso, se se traça a planta de uma grande cidade, tudo isso pode sofrer profundas alterações desde que o porto de Bissau deixe de ter a importância que hoje tem.
Não há razões se não transitórias para que ali hoje se centralize o mais importante comércio da colónia. O seu porto desabrigado, batido no tempo das chuvas por violentos tornados, a violenta corrente do rio Geba que, certamente na opinião dos entendidos, provocaria enormes assoreamentos se se fizessem muralhas e aterros para atracações de grandes navios e para projetadas gares marítimas, e a ideia de ali fazer a testa de um caminho-de-ferro de penetração que teria de atravessar extensas regiões alagadiças, estão em contraposição com o porto de Bolama: abrigado, com fraca corrente, gabado pelos capitães de navios estrangeiros que conhecem um e outro porto e com a circunstância de mesmo em frente de Bolama ficar o continente e onde poderia ser a testa de um caminho-de-ferro que subindo pela margem esquerda do rio Geba pusesse o interior em comunicação com o porto de Bolama.
A realização desse melhoramento derivaria a maior parte do movimento para Bolama. Para saída da província, o próprio canal de Orango, direto a Bolama, daria melhor navegação, no dizer dos náuticos, depois de balizado, que o canal do Geba hoje usado.
Se a proposta que o governo da colónia fez já ao ministro para balizagem daquele canal e para início do estudo do caminho-de-ferro de S. João (em frente a Bolama) fora avante e dela resultara a convicção de que razão têm ou não técnicos, mas conhecedores do terreno, que o traçado natural deve ser de S. João a Bafatá, mais que certo será o declínio de Bissau e consequentemente a transição da importância do comércio de Bissau para Bolama.
Daí resultará também o repovoamento da vasta e rica região do Rio Grande, tendo-se já com esse fim deixado essa área com uma taxa de imposto de palhota menos elevada que a de outras regiões da colónia, tentando ali fazer convergir a população que outrora foi batida e escorraçada para outros pontos pelos Beafadas, hoje sem poderio.
Enquanto porém esse plano e projeto não for realizado e dele resultem consequência benéficas para Bolama, os lucros desta filial serão variáveis”.

E tece considerações sobre a clientela da filial de Bolama, clientes nacionais e internacionais, fala da fusão que se prevê entre a Empresa Agrícola e Comercial dos Bijagós Lda, a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné e a Companhia de Fomento Nacional. “Se a fusão das três firmas se der, fica sendo uma importantíssima companhia e decerto tratarão de dar maior desenvolvimento aos seus negócios e à Companhia e Fomento Nacional, em Bafatá”. O gerente de Bolama exprime-se como um futurólogo, falando de Bafatá:  
“No centro do território da colónia é hoje onde se centraliza grande parte do comércio do interior. A sua importância aumentará ainda se for avante a construção do caminho-de-ferro de penetração. Bafatá será um entroncamento das vias que partem quer de Bolama quer de Bissau e quer a linha siga para Farim quer para o território francês para Firdu, quer mais para baixo para Cadé, dali partirão os ramais e a sua importância aumentará. Se ali estabelecermos uma agência ou subagência do nosso banco, os lucros da agência de Bissau e os desta Filial sofrerão decréscimo, mas permitam-nos Vossas Excelências que lhe digamos que mais valerá essa diminuição de lucros para Bissau e para nós do que dar-se a fusão das três companhias indicadas e o Banco Colonial antecipar-se-nos e pôr ali alguma agência”.

O gerente da filial irá ainda exprimir sobre outros assuntos, mas voltará ao seu tema de eleição, as comunicações, dizendo o seguinte: “As vias principais de comunicação para o interior são as navegáveis. Estradas, poucas há e não existe nenhum plano para uma rede geral à qual se subordinassem as que se fazem numa ou noutra circunscrição. Essas estradas, ou melhor caminhos, no tempo das chuvas são intransitáveis. As vias navegáveis não estão convenientemente navegáveis e limpas e daí estarem algumas quase inavegáveis”. E a exposição articula-se com uma petição apresentada pela associação comercial sobre a construção de um caminho-de-ferro de penetração até Bafatá e que seguisse para a colónia francesa. Volta-se novamente ao assunto da imperatividade do censo, saber qual a população da colónia. E escreve: “Ultimamente, soubemos que se arrolaram 200 mil palhotas; calculando-se 3 almas por palhota, sendo certo que na maioria dos casos albergam 5 a 7 indivíduos, teríamos uma população gentílica de 600 mil pessoas, cifra a que teríamos que adicionar a população que não vive em palhotas e as das regiões não arroladas. Julgamos por isso que a colónia deve ter perto de 1 milhão de habitantes”.

Dentro daquela linha que é informar Lisboa sobre acontecimentos de vulto como nomeações e exonerações, em 20 de Abril de 1919 comunica-se para Lisboa: “O Governador, Coronel de Artilharia Josué Duque foi exonerado e mandado seguir para a metrópole. A exoneração foi quase geralmente bem recebida, pois era acusado de nada fazer. Era extraordinário o desrespeito com que a este governador se referiam não só os chefes de serviço mas também o funcionalismo de pequena categoria. Foi nomeado para o substituir o Capitão de Infantaria Henrique Alberto de Sousa Guerra. A nomeação foi desigualmente recebida conforme as simpatias de uns e antipatias de outros. A Associação Comercial prepara uma representação para lhe ser entregue ao tomar posse, e em que são indicadas as necessidades da colónia”.


Outro acontecimento relevante que a filial de Bolama entendeu trazer ao conhecimento de Lisboa foi a prisão do régulo Abdul Indjai. O gerente sintetiza o currículo do régulo do Oio e as acusações que lhe eram feitas. Eram inúmeras as queixas dos comerciantes que temiam que aquele comportamento contagiasse outros régulos, vivia-se uma grande instabilidade na região entre Mansoa, Bissorã e Farim, e o Conselho do Governo mostrou-se dividido sobre a expulsão do antigo braço direito Teixeira Pinto ou a sua entrega aos tribunais. E a notícia termina assim: “Hoje reuniu de novo o Conselho do Governo em sessão deliberativa e talvez porque alguns chefes de serviço reconhecessem o caminho errado que iam seguindo com politiquices contra o governador, acompanharam os vogais eleitos, votando por maioria a expulsão da colónia por 10 anos, máximo período que a Carta Orgânica permite, fixando-lhe para cumprimento do desterro, por proposta do governador, a ilha da Madeira”.

As coisas não se passaram assim, Abdul Indjai foi para Cabo Verde, o seu advogado tudo fez para ter um julgamento em tribunal, adoeceu e morreu no arquipélago.

O repositório de informações para Lisboa tem tanto de vasto como de surpreendente. Houve heróis militares que se fizeram cair em desgraça, com destaque para Marques Geraldes e Graça Falcão. O leitor vai ficar admirado com os dados que Bolama possuía sobre Jaime Augusto de Graça Falcão. Seguir-se-ão dados úteis sobre o que era o mercado guineense em 1920 e o relatório de 1921 voltará a uma linguagem de descasca pessegueiro, vive-se novamente um período áspero que antecede a chegada de Velez Caroço, um grande governador que não deixará de ter inimigos de estimação, que usarão de todo o trotil possível para o deslustrar, em vão.

Jorge Frederico Velez Caroço, um ponto de viragem na governação da Guiné

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 13 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17858: Notas de leitura (1003): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 16 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17865: Notas de leitura (1005): “AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade, Uma vitória no mundo dos silêncios”, por José Saúde, Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17886: Lembrete (27): Amanhã, 21, às 15h30: Casa do Alentejo, Lisboa, sessão de apresentação, do livro do nosso camarada José Saúde, "AVC - Recuperação do Guerreiro da Liberdade". Atuação de: (i) Grupo Musical Os Alentejanos, de Serpa; e (ii) Grupo Coral Cantadores do Desassossego, de Beja.. Entrada livre.




Cartaz promocional do evento.  Entrada livre.

Vd, aqui referências ao nosso camarada José Saúde, autor do livro "AVC- Recuperação do Guerreiro da Liberdade" (Lisboa, Chiado Editora, 2017)., ex-fur mil op esp/ranger, CCS / BART 6523, Nova Lamego/Gabu, 1973/74; natural de Vila Nova de São Bento, Serpa, vive em Beja.

Sobre a Casa do Alentejo, no Palácio Alverca, Rua Portas de Santo Antão, 58, Lisboa, ver aqui página no Facebook e sítio na Net (**)

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Vd. também poste de hoje, 20 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17885: Agenda cultural (596):  Até 27 deste mês, exposição SILVA JÚNIOR, Arquitecto de O Magestic Clubc / Casa do Alentejo, Lisboa, R. das Portas de Santo Antão, 58... Visitas comentadas pela dr.ª Helena Pinto, especialista em História de Arte, dias 19 e 26, pelas 18.30h. Entrada livre.

Vd. ainda  postes de:

16 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17865: Notas de leitura (1004): “AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade, Uma vitória no mundo dos silêncios”, por José Saúde, Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)

(...) O livro intitula-se “AVC, Recuperação do Guerreiro da Liberdade, Uma vitória no mundo dos silêncios”, por José Saúde, Chiado Editora, 2017. A substância do testemunho é um AVC que deixou aos 55 anos o nosso confrade José Saúde entre a vida e a morte. É uma descrição detalhada, que não escusa o íntimo, desses momentos de descalabro em que não se sabe contabilizar o volume das perdas até à recuperação em que se reganha a dignidade e autonomia, graças a uma resiliência inabalável. (...)

(...) O meu AVC restringiu-me a uma limitadíssima linha de fronteira entre o viver e o morrer. Sobrevivi. Recuperei e cá estou pronto para lançar mais uma obra que narra um mundo de experiências e que partilho com os companheiros deste revés. (...) 

(**) Último poste da série > 10 de setembro de ã, 212017 > Guiné 61/74 - P17753: Lembrete (25): hoje, domingo, dia 10 de setembro, às 17h30, na Chiado Café Concerto, Avenida da Liberdade, nº 180, Lisboa, lançamento do novo livro do nosso camarada José Saúde, "AVC - Recuperação do Guerreiro da Liberdade"

Guiné 61/74 - P17885: Agenda cultural (596): Até 27 deste mês, Exposição SILVA JÚNIOR, Arquitecto do antigo Magestic Club, hoje sede da Casa do Alentejo, Lisboa, R. das Portas de Santo Antão, 58... Visitas comentadas pela dr.ª Helena Pinto, especialista em História de Arte, dias 19 e 26, pelas 18.30h. Entrada livre.



Exposição SILVA JÚNIOR,
Arquitecto de O Magestic Club / Casa do Alentejo 
Visitas comentadas pela Dr.ª Helena Pinto, 
especialista em História de Arte, 
dias 19 e 26, pelas 18.30h

Os alentejanos têm prazer e gosto em dizer que a nossa Associação Regionalista é um espaço esplendoroso. Gostamos de a visitar e mostrá-la aos nossos amigos, até porque sabemos que todos ficam encantados com a sua beleza. Perguntam-nos como e quando foi construído este espaço. A partir de hoje, dia 14 de Outubro (e até dia 27) temos a resposta completa, é inaugurada a Exposição, onde estão recuperadas e expostas as plantas que o autor do Magestic Club, o arquitecto Silva Júnior concebeu para construir o 1º casino de Lisboa. 

Ao entrarmos um pouco na história desta nossa belíssima sede e, recuando ao final do séc. XVII, encontramos na Rua das Portas de Santo Antão um palácio aristocrático, pertencente à família Paes do Amaral, viscondes de Alverca, de quem adoptou o nome de Palácio Paes de Amaral ou Palácio Alverca, propriedade desta família até 1981.

Este solar no princípio do século XX, foi arrendado (com exceção das lojas) a um grupo de empresários que, após obras radicais assinadas pelo eclético arquitecto Silva Júnior, foi reconvertido, (entre 1917-19), num “club” luxuoso, denominado “Majestic Club”, um dos primeiros casinos de Lisboa, onde o jogo e o dinheiro dos ricos empresários criaram e guardaram aqui uma vida dourada, completamente desfasada da realidade portuguesa, quando a guerra e a fome atingiam a maior parte da população. Em 1928, já com alguma decadência, adopta o nome de “Monumental Club”. 

Em 1932, o espaço Magestic Club foi arrendado pelo Grémio Alentejano, cuja fundação remonta a 10 de Junho de 1923, designado, posteriormente, por Casa do Alentejo.  Em 1981, um descendente dos viscondes de Alverca vendeu o palácio à Associação Regionalista Alentejana. Em boa hora, felizmente! 

O visitante, ao entrar na nossa Casa, descobre a frescura do belíssimo pátio árabe, encanta-se e praticamente esquece que entrou na sede da Associação Regionalista do Alentejo. É evidente que esta ambivalência tem aspectos muito positivos, mas acarreta a grande responsabilidade da manutenção, preservação e divulgação de tão rico património edificado. Se a nossa Associação possui, entre as suas congéneres, a mais visitada e admirada sede, há que reconhecer que tem sido graças ao empenho dos alentejanos, à sua identidade, cultura e património que um vetusto palácio da baixa pombalina recebe e guarda uma vivência única e invejável. 

Os alentejanos tornaram-no um edifício público visitado por todos, nacionais e estrangeiros, recebendo, em 2011, a classificação de MIP (Monumento de Interesse Público). 

Há algumas décadas, o espólio do arquitecto Silva Júnior não se sabe bem porquê, foi encontrado num alçapão em condições pouco dignas. As direcções que nos antecederam sempre se preocuparam com este magnífico espólio e bateram a portas de várias instituições para que tal precioso achado fosse, quanto antes, devidamente tratado. A actual direcção teve a sorte de ser levada a bater à porta certa – o Arquivo Histórico Municipal de Cascais, com o qual assinámos uma feliz parceria. Todo o espólio do vanguardista arquitecto foi recuperado, esteve exposto no Arquivo de Cascais e chegou, agora, à sua Casa, a Casa do Alentejo. 

A Direção
Casa do Alentejo
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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17881: Agenda cultural (595): Convite para o lançamento do livro "A Caminho de Viseu", da autoria do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira, a ter lugar no próximo dia 4 de Novembro de 2017, pelas 10,30 horas, nas instalações do RI 14 de Viseu. No final da sessão haverá um almoço de confraternização e debate

Guiné 61/74 - P17884: Parabéns a você (1331): Fernando Súcio, ex-Soldado Condutor Auto do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74) e Rogério Cardoso, ex-Fur Mil Art da CART 643 (Guiné, 1964/66)


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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17878: Parabéns a você (1330): Joaquim Ascenção, ex-Fur Mil AP Inf da CCAÇ 3460 (Guiné, 1971/73)

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17883: In Memoriam (306): Cadi Candé (c.1927-2017), arquétipo da mãe africana, exemplo de humildade, abnegação e coragem... Homenagem à mãe do nosso amigo e irmãozinho Cherno Baldé (Bissau)


Guiné-Bissau > Bissau >  c. 1995/1997 > Eu e a minha mãe, Cadi  Candé (c. 1927-2017) ... Aqui com c. 70 anos. A foto foi tirada depois do primeiro regresso do Chermo Baldé, de Lisboa, onde frequentou, um mestrado no ISCTE  (1993/95)


Guiné > Região de Bafatá > Fajonquito > 1973 > A mãe Cadi  Candé (c. 1927-2017),  acompanhada da minha irmãzinha,  nos trabalhos da bolanha.  Aqui com c. 46 anos

Fotos (e legendas): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Pela página do Facebook do Cherno Baldé soubemos da triste notícia, a morte da sua querida mãe, Cadi Candé, com cerca de 90 anos de idade:

17/210/2017

Tudo acaba.

No dia 13 de Outubro faleceu em Bissau a minha querida mãezinha, Cadi Candé (que a sua alma repouse em paz), e no dia seguinte foi enterrada na vila de Fajonquito, onde viveu a maior parte da sua vida.

A todos que nos acompanharam nessa dor, quero manifestar os nossos sentimentos de gratidão. Tudo acaba, mas a vida continua.


2. Seu neto, Braima K. Nhamadjo (, "meu sobrinho, filho da minha irmã que está numa das fotos com a nossa mae na bolanha de Fajonquito, actualmente docente na Universidade Lusófona de Bissau#.), também escreveu na sua págima do Facebook:

17/10/2017

Tudo acaba.

Andar com fé é saber que cada dia é um recomeço. É saber que temos asas invisíveis e fazer pedido para as estrelas, voltando os olhos para o céu. Andar com fé é manter a mão estendida para dar e receber. Andar com fé é usar a força e a coragem que habitam dentro de nós, quando tudo parece acabado. Tudo finda, menos o amor, pois este sempre viverá. O amor a minha falecida avo é eterno...RIP MAMA CADI


3. Excertos do Cherno Baldé, com memórias da sua mãe (*)


(i) Amiga Felismina  (**),

Obrigado por este bonito quadro da vida portuguesa dos anos 60, pleno de doçura e de reconhecimento que me encantou sobremaneira. (...)

A descrição que fazes da tua mãe, salvaguardada a diferença do contexto, claro, corresponderia na perfeição a minha mãezinha, um pouquinho só mais alta (um metro e sessenta) talvez, inteligente e incansável no trabalho.

Ela assumia a sua condição de mulher africana, extremamente dócil e obediente, mas ao mesmo tempo, sabia mostrar os limites da tolerância, quando era necessário.

Uma vez, estalou na família uma discussão sobre se eu devia ou não continuar na escola portuguesa. A minha mãe não vacilou nem um palmo e disse na cara do meu pai:
- O meu filho vai continuar na escola.

 E aí o meu pai ficou completamente confundido: afinal o filho era dela?... desde quando?
- Desde o momento em que ele ainda vivia na minha barriga de mulher, - respondeu ela, sem pestanejar. - Não é agora, depois de tantos anos de trabalho e de pancadas,  é que ele vai abandonar, para ir onde?

A sua decisão prevaleceu diante de todos os Almames e Califas da aldeia.

As características típicas da sociedade africana com que os etnólogos europeus pintaram os africanos, onde o homem é o centro do mundo e decide tudo, não corresponde sempre a realidade destes povos, é tudo muito mais complexo e muito mais difícil de destrinçar e de catalogar.(...)

(iii) (...) Sobre a minha mãe podia dizer muito e não dizer nada, na verdade, ela nunca foi p'ra além daquilo para que tinha sido moldada, isto é, ser uma mulher de casa, camponesa activa, devota e dedicada ao seu marido e à sua família. Cumpriu a sua missão, foi uma autêntica escrava, uma máquina de trabalho, nunca teve tempo para o repouso e muitas vezes comia de pé, a andar, os restos da panela e não sabia o que era o cansaço. Era a última a dormir, quando dormia, e a primeira a por-se de pé, antes das 5 da manhã.

(...) A minha mãe, quando era caso para isso, dizia brincando que, se a cabeça da família era ele, o meu pai, o pescoço era ela e perguntava, rindo:

- Agora, digam-me lá uma coisa, entre estas duas, a cabeça que se encontra em cima, baloiçando, e o pescoço que a suporta, quem é a mais importante?

Mas isto era a brincar e em família. 

(...) Hoje, com mais de 80 anos de idade (disse-me que por volta de 1936/37, quando o pai voltou de Canhabaque, ela teria aproximadamente 9/10 anos de idade), e como se ela soubesse do futuro, é cega e sou eu e a minha esposa que cuidamos dela. A saúde e a boa disposição começam a faltar mas ainda encontra-se fisicamente bem e de sentido bem lúcido, a sua memoria é prodigiosa.  (...) 

Quero agradecer a todos os editores do Blogue da Tabanca Grande por se interessarem por uma pessoa tão simples como é a minha mãe que espero possa representar, mesmo que de forma simbólica,  a mãe africana, em particular, e as mães de todos nós, de forma geral, exemplos de humildade e de abnegação.


4. Poema de Felismina Mealha, de homenagem à sua mãe (*)

Saudade

Há sempre no fundo do meu ser
Uma saudade do passado!
Saudade de uma voz.
De um corpo querido
Que há muito partiu
e nos deixou sós!
Uma voz estridente!
Bem timbrada!
Inteligente!
Forte!
Calma!
Uma voz que me enche a alma
e me acalma…
A voz da minha mãe!..

Felismina Costa
Agualva, 26 de Março de 2006


6. Comentário dos nossos editores:

Cherno, nosso amigo e irmãozinho:

Temos dificuldade em aceitar a morte, mesmo quando somos crentes.  E, pior ainda, a morte daquela por quem viemos ao mundo,  A "mindjer grandi" Cadi Candé chegou ao km 90 da autoestrada da vida, Africana, guineense, mulher, que conhecei a violência da guerra e os tempos difíceis do pós-independência, o seu caminho foi mais o da "picada" do que o da "autoestrada", a avaliar pela evocação, tão realista e tão terna, que fazes dela.

Afinal, a mãe de cada um de nós, na Guiné, em Portugal, ou na China, será sempre, para nós, a melhor mãe do mundo... E quando ela morre, é muito de nós que também morre com ela. Daí a nossa obrigação de evocarmos a sua  memória, de fazer.lhe a devida homenagem e mostrar-lhe a nossa gratidão....

A Candi Candé terá tido grandes alegrias e profundas  tristezas, como todas as nossas mães.  Uma alegria, grande por certo, foi a de saber que o seu filho querido tinha conseguido fazer o seu percurso escolar, com sucesso,  chegando até à universidade, e diplomando-se com um curso superior. Tu e nós todos, os teus amigos,  estamos-lhe gratos por ela (e oo teu pai...) te deixar continuar a estudar na escola dos "tugas"... Isso fez toda a diferença, entre vocês, os irmãos...(Julgo que tens um outro irmão, licenciado pela Universidade de Lisboa, farmacêutico.)

Devia ser uma senhora, a tua mãe, com grande inteligência emocional, mesmo sendo analfabeta. Pelos textos que escrevestes, sobre a tua saga familiar, percebe-se que foi uma figura estruturante na tua vida, e na vida dos teus irmãos. Como tu lembras, e muito bem, se o teu pai era a "cabéça", ela era o "pescoço", se não mesmo a "coluna vertebral" da família.

 Por outro lado, estás de parabéns, tu e a tua família, e em especial a tua esposa,  por cuidares bem da tua mãezinha,  nos últimos anos de vida, na tua casa em Bissau, com tanto amor e carinho.  São valores, esses, que transmites aos teus filhos e  que se estão a perder em todo lado, a começar pela Europa. Os "velhos" hoje são apartados das famílias e  institucionalizados, nos famiegrados "lares de idosos", verdadeiros "terminais da morte", e morrem quase sempre sozinhos, sem alguém, querido,  que lhes segure a mão e lhes feche os olhos, ajudando-os a fazer a derradeira viagem.

Aceita, Cherno,  este pequena homenagem dos teus amigos da Tabanca Grande. Força para ti, para os teus filhos, tua esposa e demais família. (LG/CV/EMR) (***)
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Guiné 61/74 - P17882: Ser solidário (207): notícias da Fundação João XXIII - Casa do Oeste, com sede em Ribamar, Lourinhã: (i) barco-ambulância já está em Quinhamel; (ii) festa convívio de solidarieddae com a Guiné-Bissau, no próximo domingo, 22, em Santo Isidoro, Mafra


Foto nº 1 > Desebarque, no porto de Bissau, do barco-ambuilância > O delegado da Fundação na Guiné, prof. Raul da Silva, reportou a operação nestes termos:

“Vim testemunhar que operação de desembarque do barco correu bem, como planificado. O barco já está no lugar onde deve ficar, provisoriamente, em Quinhamel . Recebemos isenção total dos Portos de Bissau (APGB) e das Alfandegas de Bissau. Só pagámos grua e a escolta a Quinhamel. Graças a Deus... ".


Foto nº 2 > Cartaz do convívio de  solidariedade com a Guiné-Bissau (*) > "Neste momento em que vários meios de comunicação social têm posto em causa a seriedade deste trabalho e divulgado noticias distorcidas, importa reforçar a nossa determinação e aumentar e melhorar a nossa resposta às necessidades imperiosas e aos apelos que nos vêm da Guiné através de muitos e extraordinários animadores/líderes guineenses que confiam e esperam o nossos valioso apoio".



Foto nº 3 > Cartaz da Festa das Colheitas

Fotos (e legenda): © Fundação João XXII - Casa do Oeste  (2017) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de António Ludovino. membro do conselho de administração da Fundação João XXIII - Casa do Oeste:


Data: 18 de outubro de 2017 às 16:22
Assunto: noticias da Casa do Oeste

Amigos

Tomo a liberdade de vos enviar as últimas noticias da Fundação João XXIII-Casa do Oeste… e CONVIDAR-VOS para as nossas próximas atividades: Convívio Solidariedade com o Povo da Guiné (dia 22 em Santo Isidoro. Mafra) e Festa das Colheitas (dia 29 na Casa do Oeste, em Ribamar. Lourinhã). (**)

Abraço

A. Ludovino

BARCO AMBULÂNCIA JÁ ESTÁ EM BISSAU


O barco-ambulância, projeto que a Fundação João XXIII-Casa do Oeste  tem vindo a trabalhar desde 2011, (angariação de fundos, aquisição, reparação, equipamento, documentação, legalização e transporte) chegou finalmente à Guiné transportado pelo navio Hidrográfico da Marinha Portuguesa.

O barco destina-se a tirar do isolamento a população da ilha de Pechiche [, ou Pecixe,] , uma ilha que tem 6.000 habitantes.

CONVIVIO SOLIDARIEDADE COM O POVO DA  GUINÉ

À semelhança de anos anteriores vamos realizar no próximo domingo, dia 22 de Outubro, um Convívio, em Santo Isidoro, Mafra, para  todos os colaboradores, amigos e familiares que se sintam irmanados nesta obra da Fundação João XXIII-Casa do Oeste de  Solidariedade com o Povo da Guiné… [Vd. programa supra, foto nº 2]

Contamos contigo! Coma tua família e amigos!

Ver mais no blog e no facebook da Casa do Oeste:




Av. 25 de Abril n.º 13 2530-627 Ribamar Lourinhã

Tel. + Fax. 261 422 790 NIPC. 502 683 430

e-mail. casadooeste@sapo.pt
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