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quarta-feira, 18 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18534: Historiografia da presença portuguesa em África (113): Imagens e relatórios dos actos de vandalismo praticados pelo MLG, na Praia de Varela, em Julho de 1961, encontrados no acervo documental do Banco Nacional Ultramarino (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2018::

Queridos amigos,
São estes os felizes acasos que gratificam as horas a folhear inúmeros dossiês, cujo conteúdo, em tantíssimos casos, é inodoro, insípido e incolor. E assim se chegou ao vandalismo perpetrado pelo MLG - Movimento de Libertação da Guiné, capitaneado por François Mendy, seguramente figura anda simpática para Amílcar Cabral, conforme o comunicado de Novembro 1963, que também se apensa com a documentação trocada sobre estas destruições.
Atenda-se que os responsáveis do BNU na Guiné procuravam as melhores fontes, estou presentemente a analisar o desencadear das hostilidades por parte do PAIGC e as preciosas informações que o gerente de Bissau envia para Lisboa, não hesito em dizer que se trata de uma documentação de estalo.

Um abraço do
Mário


Julho de 1961: o MLG pratica vandalismo na praia de Varela

Beja Santos 

A primeira grande manifestação de práticas subversivas na Guiné teve lugar em Julho de 1961, com ações em S. Domingos, Susana e Varela, era o primeiro sinal de organizações armadas, sediadas no Senegal. O PAIGC está ainda em fase de preparativos, Cabral enviou um lote de quadros para a China, a propaganda e subversão será desencadeada no Sul, em 1962.

Foi no acervo documental do Arquivo Histórico do BNU que encontrei imagens desse vandalismo em Varela, onde o BNU era proprietário de duas casas de férias. Todo o processo da aquisição das duas moradias está perfeitamente identificado. Em Agosto de 1961, Castro Fernandes, um dos administradores do BNU e figura proeminente do Estado Novo, visita Varela e escreve que “As casas do Banco foram pilhadas de todo o seu cheio recheio, e partidos os vidros e objectos sanitários. Os edifícios nada sofreram, havendo, apenas, que limpá-los e, porventura, pintá-los. Nada deverá ser feito sem que o governo da Província possa assegurar o policiamento militar daquela estância de repouso. Logo que esta cobertura militar for feita, a gerência providenciará no sentido de reparar o que haja de ser reparado e promoverá para que fiquem mobilados como estavam. Quando a defesa e policiamento da praia for feita, autorizo que seja entregue ao governador da Província um subsídio de 100 contos destinado a contribuir para as reparações no edifício do hotel e arranjos urbanísticos”.

A situação irá normalizar-se em Março de 1962, já há cobertura militar. O gerente desloca-se a Varela depois de obter autorização no comando militar e informa Lisboa do seguinte:
“Encontra-se ali um pelotão de 30 homens comandados por um alferes. Não nos parece, na nossa rápida estadia, que reinasse ali uma grande disciplina. Deve-se isso, talvez, ao facto de estarem isolados e viverem durante largo tempo em comum, e comandados por um rapaz ainda bastante novo.
As tropas estão alojadas na antiga residência de Verão do governador da Província, e ainda no antigo hotel que ali havia pertencente a João Manuel Pireza que tudo perdeu, e, está agora em Bissau, explorando um hotel. O aspeto daquilo tudo, que antes era praia com alguma concorrência, até de franceses que vinham do território vizinho, é bastante desolador. Houve vandalismo puro. Além de terem roubado o que encontraram, espatifaram os interiores das casas que lá existiam, e ainda o que é mais grave com a conivência daquelas que lá viviam e serviam há longos anos.

As casas do banco conservam as paredes exteriores e interiores em razoável estado. Os armários interiores, vidros, instalações elétricas, tudo está partido e estragado. Os quadros elétricos também desapareceram. Os lavatórios foram roubados, alguns dos outros artigos sanitários estão partidos. Faz pena tanta desolação.
Também nos surpreendeu não haver lá qualquer vedeta ou lancha, como parece ter havido anteriormente e intercepte os barcos que navegam afoitamente nas nossas águas muito perto à praia. Alguns militares com quem falámos sobre isso disseram-nos desconfiar levarem armamentos que descarregam perto em Catão. Esta nossa observação foi posta numa conversa que tivemos com o chefe dos serviços secretos militares com quem quase todos os dias nos encontramos. Ficou pensativo mas nada nos disse. Não nos admirou o silêncio. Faz parte da sua missão.
Para V. Exas. poderem melhor apreciar os actos de malvadez e vandalismo que sofreram as casas do banco, cuja construção presidiu a óptima ideia de proporcionar ao pessoal umas férias confortáveis e repousantes depois de um ano de labuta, junto remetemos 11 fotografias tiradas pelo gerente da Filial".




As 11 fotografias que encontrei no arquivo não estão em bom estado, reproduzem-se aqui talvez as três melhores e que permitem visualizar a pilhagem e destruição que por ali andou.




Num outro dossiê encontrei referência a François Mendy, o dirigente do MLG que andou envolvido nessas façanhas. Trata-se de um comunicado do PAIGC com data de 15 de Novembro de 1963 em que Amílcar Cabral adverte que fora criado em França uma organização destinada a angariar fundos junto dos africanos O fundador do PAIGC alerta para a ladroeira a que estavam a ser vítimas por parte de François Mendy, um vigarista encartado. E assim termina: “Cuidado com os ladrões e traidores que aproveitando a vossa boa-fé vos rouba, assim como ao nosso Partido. Fora com os ladrões da espécie do François Mendy".

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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE MARÇO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18388: Historiografia da presença portuguesa em África (111): Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca em O Mundo Português, por Edmundo Correia Lopes (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18278: José Matos: O F-86F Sabre em combate no CTIG: da Op Atlas em agosto de 1961 ao seu regresso a Portugal, por pressão do "amigo americano" e sua substituição, em 1966, pelo nosso familiar Fiat G-91, cedido pelo "amigo alemão" (Artigo original publicado na prestigiada Revista Militar, nº 2584, maio de 2017)


Figura 1 – Operação Atlas >  De 8 a 15 de agosto de 1961 > A rota dos caças F-86 de Portugal para a Guiné.Ilustração – Paulo Alegria


Figura 2 – O North American F-86F 5313, um dos caças destacados na Guiné. Ilustração – Paulo Alegria




I. Mensagem do nosso amigo e grã-tabanqueiro Jose Matos com data de 21 de dezembro último:

Olá, Luís

Vinha desejar a todos os camaradas da Guiné Bom Natal e pedir-te para divulgares no blogue mais um artigo meu da Revista Militar exclusivamente sobre a Guiné. Que passem pelo site da revista para ver.

https://www.revistamilitar.pt/artigo/1244

Ab

José Matos


PS - Podes reproduzir o texto na totalidade mas mete sempre o link para a Revista Militar pois tenho interesse que as pessoas também vejam lá....


II. O F-86 SABRE EM COMBATE NA GUINÉ


por José Matos (*)


[Investigador independente em História Militar; tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial, principalmente na Guiné; é colaborador da Revista Mais Alto, da Força Aérea Portuguesa; tem publicado também o seu trabalho em revistas europeias de aviação militar, em França, Inglaterra e Itália; é membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de setembro de 2015, tendo  mais de 25 referências no nosso blogue]


Revista Militar, nº 2584, maio de 2017 (com a devida vénia...)


No contexto do antigo império colonial português, os territórios da Guiné e de Cabo Verde desempenhavam um papel relevante nas rotas marítimas e aéreas de ligação à África Austral, onde Portugal tinha duas colónias importantes: Angola e Moçambique. 

disso, na ilha do Sal, em Cabo Verde, a Força Aérea tinha um aeródromo (AM1) que podia usar para missões de patrulhamento marítimo permitindo um controlo sobre o Atlântico. Desta forma, a manutenção da Guiné e de Cabo Verde sob o domínio português era essencial na estratégia global de manutenção do império colonial. 

Daí a pronta reacção do Governo de Salazar, quando, em Julho de 1961, ocorreram os primeiros ataques no norte da Guiné, protagonizados pelo Movimento de Libertação da Guiné (MLG) com sede no Senegal. Este movimento nacionalista desencadeia as primeiras acções armadas na colónia portuguesa, em meados de Julho de 1961, atacando algumas povoações no norte, junto à fronteira com o Senegal. 

Estes primeiros ataques levam o Governo em Bissau a destacar efectivos militares para as zonas atingidas, o que parece ter dissuadido novos ataques por parte do MLG (1). Contudo, estes primeiros ataques são um sinal de que a guerra de guerrilha está prestes a começar na Guiné, o que leva a Força Aérea Portuguesa (FAP) a destacar da base de Monte Real, oito caças North American F-86F Sabre para aquele território ultramarino. Durante os anos de permanência na Guiné, os F-86 vão ser o principal avião de combate da FAP, desempenhando vários tipos de missões por todo o território.

Antes dos ataques do MLG, a Força Aérea não tinha ainda meios aéreos na Guiné, nem qualquer tipo de estrutura de apoio no aeródromo de Bissalanca (AB2), situado a uma dezena de quilómetros a noroeste de Bissau. Em 1961, esta pequena infraestrutura aeronáutica tinha, além da aerogare civil, um hangar em acabamento, não tendo meios aéreos próprios atribuídos. O único avião militar que passava, uma vez por semana, pela capital guineense, era um P2V-5 Neptune de patrulha marítima, habitualmente estacionado a mais de 500 milhas de distância, na ilha do Sal, em Cabo Verde. Porém, as acções do MLG no norte da colónia levam a FAP a tomar medidas e a reforçar o dispositivo aéreo na Guiné, sendo o destacamento dos F-86 a medida mais significativa.

Já no princípio de 1961, se falava com insistência, em Monte Real, na possibilidade de caças F-86 fazerem uma deslocação às ilhas de Cabo Verde (2) Perante o agravamento da situação, é então decidido enviar os caças para Bissau. Foram escolhidos os aviões da linha da frente que apresentavam menor probabilidade de avarias graves e também os que tinham maior potencial de horas de voo antes da próxima grande inspecção, para que se mantivesse a sua operacionalidade pelo máximo período de tempo (3).

Os F-86 não tinham sido a primeira escolha do comando da 1ª Região Aérea (1ª RA), que englobava a Guiné. O comandante da 1ª RA, General Machado de Barros, tinha inicialmente escolhido o F-84G para ser enviado para o AB2. Os aviões estavam sedeados na base aérea da Ota e a intenção das chefias da 1ª RA era enviar oito caças para Bissalanca. A ordem é recebida na Ota pelo Capitão Gomes do Amaral, que começa a preparar os aviões para um voo directo entre Portugal continental e a Guiné (4) . Porém, com o início da guerra em Angola, os F-84 são enviados para Luanda, sendo então decidido pelas chefias da 1ª RA o envio de um destacamento de F-86F para a Guiné.


Operação Atlas

Em Monte Real começam então os preparativos para uma longa viagem de duas mil milhas náuticas, sob o nome de código “Operação Atlas”. Por ordem do Estado-Maior da Força Aérea (EMFA), é decidido que os caças devem partir da base aérea do Montijo, fazendo depois escala na base de Gando, nas Canárias, e na ilha do Sal, em Cabo Verde (Figura 1). Na linha da frente, em Monte Real, são então preparados dez caças (oito, mais dois de reserva) para a primeira parte da viagem entre Monte Real e o Montijo.

Os dez caças descolam de Monte Real, na manhã de 8 de Agosto, transportando sob as asas, nos suportes externos, dois depósitos de 200 galões e, nos suportes internos, dois outros de 120 galões, o que confere ao avião a máxima capacidade de transporte de combustível. 

Os F-86 passam um dia no Montijo, sendo visitados, na manhã de 9 de Agosto, pelo Secretário de Estado da Aeronáutica, Coronel Kaúlza de Arriaga, acompanhado pelo comandante da base, Coronel Rodrigues Frutuoso. Nessa mesma manhã, os oitos caças destacados para a missão na Guiné descolam do Montijo para uma viagem de 722 milhas náuticas até às Canárias, chegando nesse mesmo dia a Gando. 

Os pilotos passam a noite na base espanhola, partindo no dia seguinte, para a segunda etapa da viagem até à ilha do Sal, o que representa mais 800 milhas náuticas de voo sobre o oceano. Mantendo o mesmo regime de velocidade e de altitude usado na viagem para Gando, os caças atingem a pista do Sal ao fim de 2h27min de voo. Os F-86 chegam sem problemas aquele aeródromo, sendo então preparados para a última etapa da viagem até Bissau, num trajeto de 526 milhas náuticas. 

No entanto, a saída para Bissau é condicionada por um súbito mau tempo em Cabo Verde (já não chovia há sete anos), o que impede a partida dos caças e da equipa de apoio aos aviões. Finalmente, as condições meteorológicas melhoram no dia 15 de Agosto e os caças iniciam a última parte da viagem chegando à Guiné ao fim de 1h17min de voo. 

Toda a viagem, desde Portugal, decorre sem incidentes, sendo à época, uma deslocação digna de registo, devido à distância percorrida (5). Para este primeiro destacamento são escolhidos oito pilotos: quatro oficiais e quatro sargentos, sob o comando do Capitão Ramiro de Almeida Santos. Além deste oficial, estão neste destacamento o Capitão José Almeida Brito, os Tenentes Aníbal Pinho Freire e Alcides Teixeira Lopo e os Sargentos José Pombo Rodrigues [, mais tarde, conhecido no TO da Guiné como comandante Pombo],  Rui Salvado da Cunha, António Rodrigues Pereira e Humberto Cartaxo da Silva (6). 

Os pilotos de F-86 fazem destacamentos de três meses na Guiné, sendo substituídos no final desse tempo. Esta rotação de pessoal vai proporcionar aos pilotos de Monte Real uma experiência importante num teatro de operações africano até então desconhecido para os pilotos portugueses. Em termos operacionais, os caças portugueses podiam desempenhar vários tipos de missões, que passavam pela defesa área do território, apoio aéreo às forças de superfície e missões de reconhecimento visual, além da presença dissuasora que exerciam em função do poder do fogo disponível e da rapidez com que podiam chegar a qualquer ponto do território (Figura 2).


Os primeiros tempos na Guiné

Os primeiros tempos do F-86 na Guiné são relativamente pacíficos com os aviões a desempenharem missões de reconhecimento visual (RVIS) e armado (RECA) sobre a colónia. Os grandes problemas que os caças portugueses enfrentam são, na verdade, a falta de condições do AB2, ainda em fase de consolidação para receber os novos meios aéreos. 

Bissalanca apresentava, nessa altura, grandes carências, como infra-estruturas militares. Podemos ver isso nos primeiros relatórios que o comandante do destacamento envia para Lisboa. Ramiro Santos refere que a pista de rodagem se encontrava muito suja e com muitas pedras, não sendo fácil limpá-la devido à ausência de uma vassoura mecânica. A placa de estacionamento não suportava a acção corrosiva do JP-4 usado pelos F-86 e o abastecimento dos aviões era feito por bidons, o que tornava a operação muito demorada (7). Os equipamentos UHF de comunicações, que existiam na torre de controlo, não satisfaziam as necessidades e a gestão do tráfego aéreo era muito incipiente, não existia serviço meteorológico e a pista apresentava vários problemas de segurança com pessoas e animais a atravessarem a zona de rodagem (8).

Os primeiros voos de F-86 na Guiné ocorrem no dia 19 de Agosto e, logo numa das primeiras saídas, a cargo do Tenente Teixeira Lopo e do Sargento-ajudante Cartaxo da Silva, o F-86 “5361” do primeiro sofre um “birdstrike” com um jagali, ficando o “cannopy” manchado de sangue e sofrendo também danos no estabilizador do leme de profundidade do caça. 

Este primeiro acidente deixaria o “5361” fora de serviço por várias semanas, até à chegada ao AB2 de uma cauda nova pedida a Monte Real (9).  No dia seguinte, dois F-86 pilotados pelo Capitão Almeida Brito e pelo Sargento-ajudante Rodrigues Pereira sobrevoam a cidade de Bolama, a baixa altitude, durante uma visita do Governador e Comandante-Chefe da Guiné, Comandante Peixoto Correia, isto depois do avião do Capitão Brito ter falhado três tentativas de arranque (10). 

Durante os meses seguintes, os caças portugueses vão fazendo vários voos de reconhecimento, principalmente na região norte da Guiné, embora com o recurso a um mapa de estradas deficiente, o que dificultava os voos na zona de fronteira, devido ao risco de violação do espaço aéreo do Senegal.

Em Outubro de 1961, dois F-86 fazem uma deslocação à ilha do Sal, de grande importância estratégica para a Força Aérea. Como sublinhava Ramiro Santos, no seu primeiro relatório sobre a viagem dos F-86 para Bissau, Cabo Verde tinha uma importância estratégica extraordinária no controle do Atlântico (11). No entanto, a deslocação ao Sal visava, sobretudo, resolver um problema administrativo que era a renovação da diligência dos pilotos no AB2. Como estavam em serviço fora da sua base de origem, que era Monte Real, os pilotos deslocados tinham direito a ajudas de custo, que podiam ser canceladas caso os pilotos estivessem mais de um mês no AB2. Para contornar este problema, os pilotos faziam um voo à ilha do Sal, o que lhes permitia renovar a diligência.

Ainda em Outubro[de 1961], os pilotos do primeiro turno do Destacamento 52 fazem a sua despedida sobre Bissau com uma exibição acrobática em formação de seis caças, tendo o F-86 “5322” pilotado pelo Tenente Lopo ultrapassado a barreira do som sobre a cidade (12). Em finais desse mês, chegavam a Bissalanca os pilotos do segundo turno, prosseguindo assim a missão dos F-86 num território onde a guerra ainda não tinha chegado.

Durante o ano seguinte [1962], os chamados voos de soberania ocuparão a maior parte das missões dos F-86, ao mesmo tempo que se sucedem as rotações de pilotos vindos de Monte Real. No entanto, a 17 de Agosto de 1962, um acidente envolvendo um F-86 provoca a perda total do avião. O acidente acontece no regresso a Bissalanca, quando o Capitão Gomes do Amaral e o Tenente Amílcar Barbosa são surpreendidos por um forte aguaceiro sobre o AB2. Devido à fraca visibilidade, o Tenente Barbosa efectua várias aproximações à pista e acaba por aterrar no terço final da faixa de aterragem. O piloto acaba por sair fora da pista, embatendo nuns montes de terra enlameados ficando o F-86 voltado de lado. Quando chegam os primeiros socorros encontram o avião sem o piloto, que já tinha abandonado o F-86 apenas com ligeiras escoriações (13).

Entretanto, na Guiné-Conakry, o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), liderado por Amílcar Cabral, vai-se preparando para a luta armada, que terá início a 23 de Janeiro de 1963, com um ataque ao aquartelamento de Tite, muito perto de Bissau.


O começo da guerra

A partir de Janeiro de 1963, a guerra na Guiné é protagonizada pelo partido nacionalista de Amílcar Cabral, o PAIGC, que faz o seu primeiro ataque contra o quartel de Tite. Este ataque é protagonizado por 15 a 20 elementos do PAIGC que atacam o quartel de madrugada, provocando um morto e dois feridos entre as tropas portuguesas. Os guerrilheiros mantêm o quartel sob fogo intenso durante meia hora e, na escaramuça, sofrem três baixas (14).

O ataque, no entanto, assinala simbolicamente o início da guerra na Guiné, embora a actividade subversiva do PAIGC fosse já anterior a esta data. Nessa mesma noite, as forças portuguesas sofrem uma emboscada na região de Fulacunda (área de Buba) perdendo dois soldados (15). Quatro dias depois, um novo ataque da guerrilha na mesma região provoca mais duas baixas e quatro feridos nas tropas portuguesas (16).

Ainda no mês de Janeiro[de 1963], as forças portuguesas registaram as primeiras emboscadas na região de Bedanda, no sul da Guiné, e as acções da guerrilha continuam nos meses seguintes aumentando de intensidade (17) Enquanto o PAIGC ataca no sul da província, o MLG ataca a norte efectuando várias acções contra povoações e emboscadas a viaturas militares (18).

Quanto à Força Aérea, não sabemos exactamente quando terá sido efectuada a primeira acção ofensiva, mas, a 4 de Abril de 1963, um avião de observação Auster é alvejado com armas ligeiras a partir da tabanca de Darsalame, o que leva a FAP, no dia seguinte, a desencadear uma acção de demonstração de força sobre a povoação em questão, usando para o efeito oito caças F-86F, que bombardeiam as imediações da aldeia (19).

Os caças portugueses estavam equipados com seis metralhadoras Browning Colt TM3, calibre 12,7 mm, e podiam transportar vários tipos de armamento, como os foguetes de 2,75”, bombas GP de 50 e 250 kg e tanques de napalm de 350 l. Em Portugal, usavam também os mísseis ar-ar Sidewinder AIM-9B, em missões de defesa aérea, mas que nunca foram usados na Guiné.



Figura 3 – Armamento do F-86F da Força Aérea Portuguesa. lustração Paulo Alegria


O pretenso bombardeamento do Senegal

A 9 de Abril, o Governador da Guiné, Vasco Rodrigues, recebe uma informação do cônsul do Senegal em Bissau, segundo a qual a emissora de Dakar noticiara que quatro aviões da Força Aérea teriam bombardeado, na manhã desse dia, uma aldeia senegalesa perto da fronteira com a Guiné.

 No seguimento da notícia, o comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG), Tenente-coronel Durval Serrano de Almeida, informa o comandante militar da Guiné, Brigadeiro Louro de Sousa, que, no dia 9, não descolara qualquer avião da FAP para missões de fogo. Porém, no dia anterior, quatro aviões, sendo dois F-86F e dois T-6, tinham bombardeado as tabancas Bunhaque, muito perto da fronteira com o Senegal.

 Para apurar o que se passou, o comando da ZACVG envia um oficial ao local, juntamente com os oficiais envolvidos no ataque, chegando à conclusão que o ataque dos aviões portugueses tinha ocorrido de facto do lado português e não do lado senegalês (20).  No entanto, o Governo de Dakar solicita uma reunião urgente do Conselho de Segurança (CS) da ONU, onde apresenta queixa contra Portugal, o que dará a origem a uma moção no CS de condenação de qualquer incursão de forças militares portuguesas em território senegalês.


Mais uma perda

No mês seguinte, a 31 de Maio, a FAP perde outro F-86, quando o avião “5322”, pilotado pelo Capitão Fausto Valla, é atingido por estilhaços de uma bomba de 250 kg, que acabava de largar, na zona de Bedanda, no sul da Guiné, perto do rio Cumbijã. Este piloto efectuava, juntamente com outro F-86 “5356”, pilotado pelo 2.º Sargento Manuel Pereira Clemente, um bombardeamento rasante (BOR), quando ambos os aviões são atingidos pelos estilhaços das próprias bombas.

 Com vários furos na fuselagem, os pilotos tentam regressar ao AB2, transportando ainda cada avião uma bomba na asa. Ao cruzar o rio Geba, o F-86 de Fausto Valla sofre um flame-out no motor e o piloto é obrigado a ejectar-se sob o olhar atento de Pereira Clemente. O avião explode no solo, embora a bomba que trazia permaneça intacta, tendo sido desarmada mais tarde. Quanto a Pereira Clemente consegue aterrar em Bissalanca depois de largar a bomba que transportava, no rio Geba (21).


O relatório Deslandes

Em meados de Maio de 1963, uma missão de avaliação, liderada pelo Secretário-Geral da Defesa Nacional, General Venâncio Deslandes, visita a Guiné durante uma semana e analisa a situação militar no terreno, produzindo um relatório para o ministro da tutela. Juntamente com o relatório principal há também um relatório do Tenente-coronel Augusto Brito e Melo, que identifica os principais problemas que as forças portuguesas enfrentam na Guiné e que nos ajuda a compreender a situação dos F-86 em Bissalanca. Por este relatório anexo podemos ver que a Força Aérea tinha no AB2, em Maio de 1963, os seguintes meios: sete F-86F, oito T-6, oito Auster, três DC-3, um Broussard e um P2-V5 em diligência.

Quanto aos F-86, a operação dos Sabre é a que apresentava mais problemas. Os aviões voavam muito pouco, com 8 a 23 saídas operacionais por mês, carecendo todos de urgente substituição devido a terem ultrapassado o período de Inspect and Repair as Necessary (IRAN), em mais de um ano. Tinham também problemas de comunicação rádio com as forças terrestres, pois só podiam comunicar em UHF, o que tornava inviável a comunicação com as tropas no solo equipadas com rádios PRC-10. Desta forma, os F-86 só podiam efectuar missões pré-planeadas, ficando o apoio próximo a cargo dos T-6 com fraco poder de fogo e muito vulneráveis a fogo antiaéreo (22).

 As células dos aviões encontravam-se muito mal tratadas, em virtude das irregularidades na pista e no estacionamento. A pista estava a ser reparada, mas o estacionamento, em virtude de ser de alcatrão, quando devia ser de cimento, não tinha solução, pois seria sempre corroído pelo combustível dos aviões (JP-4). 

Brito e Melo salientava ainda que os pilotos de F-86 eram bem preparados, mas não tinha dúvidas que, se o ritmo de voos aumentasse, provocaria, provavelmente, a ruptura do sistema de manutenção do AB2 (23).  Convém referir que, nesta altura, os F-86 que estavam na Guiné ainda não tinham sido substituídos por novos aviões, mas, finalmente, em Julho de 1963, chegam a Bissalanca, por via marítima, oito caças novos (24).


A visita de Krus Abecasis


Três meses depois da visita de Deslandes, o Chefe do Estado-Maior da 1ª Região Aérea, Coronel Krus Abecasis, decide também visitar a Guiné, em particular a Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG), produzindo depois um relatório para o Estado-Maior sobre a situação dos meios aéreos do AB2 e a sua actividade operacional, no mês de Julho.

 Este relatório é entregue, a 14 de Setembro de 1963, e dá-nos uma boa perspectiva sobre o estado de prontidão dos F-86 (25). Os oito caças destacados em Bissalanca estavam na generalidade prontos, embora um estivesse prestes a atingir o prazo do IRAN e apenas quatro estivessem equipados com rádio VHF, o que limitava a capacidade de contactar as tropas no terreno apenas a metade das unidades disponíveis.

 Apesar de as condições serem boas, na generalidade, já se começavam a detectar problemas relacionadas com o armamento interno dos aviões, que se encontrava “em situação precária falta de diversas origens, desde utilização imprópria por parte de alguns pilotos até menos cuidada manutenção” (26). As inspecções das 25, 50 e 100 horas eram realizadas localmente e a manutenção era de bom nível. Tinham sido voadas 51,4 horas/avião pronto, em Julho, e o destacamento contava com catorze pilotos aptos a voar o F-86.


As pressões norte-americanas

Por essa altura, a presença dos F-86 na Guiné já suscitava preocupações no Departamento de Estado norte-americano, que não queria ver equipamento militar cedido no âmbito do Military Assistance Program (MAP) desviado para África.

 A questão dos F-86 era das mais relevantes neste domínio e começam a surgir pressões para que os aviões regressem a Portugal. O assunto vai-se arrastando ao longo de 1963, sem que o Governo Português acate as exigências norte-americanas. O próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Franco Nogueira, tem uma longa conversa, em Junho de 1964, com o embaixador americano em Lisboa, George Anderson, em que o problema é novamente abordado. Nogueira argumenta que os F-86 não estavam na Guiné em operações, mas que serviam apenas como factor dissuasor contra possíveis ataques aéreos vindos dos países vizinhos. Anderson concorda com o argumento, mas considera que não era de prever qualquer ataque aéreo estrangeiro e que, “no caso de tal ataque, criar-se-ia uma situação política nova que alterava os dados do problema, mesmo para os Estados Unidos”.

 Nogueira pergunta então se “Washington tomaria uma posição de activa reacção contra uma agressão aérea provinda de fora”, ao que o embaixador americano responde que “não podia prever como reagiria o seu Governo, e muito menos assumir compromissos”. Anderson insistiu que o problema dos F-86 na Guiné “se tratava de uma questão de princípio” e que era um tema muito explorado pelos inimigos de Portugal, ao que Nogueira comentou que deviam de existir muitos no Departamento de Estado, “porque todos pareciam aferir a política dos Estados Unidos para com Portugal pelo que sucedesse aos F-86” (27).

Pouco tempo depois deste encontro, a pressão americana aumenta de tal forma, ao ponto de Washington se recusar a fornecer sobresselentes para a Força Aérea, caso os portugueses não retirassem os caças da Guiné (28).  Lisboa acaba por ceder, o que provoca grande preocupação no novo Comandante-Chefe da Guiné, Brigadeiro Arnaldo Schulz (29).

 Em carta ao Ministro da Defesa, General Gomes de Araújo, Schulz salienta a importância deste meio aéreo na guerra da Guiné e a falta que ia fazer no apoio às tropas terrestres, que ficariam assim completamente dependentes dos T-6, “que se manifestam cada vez mais vulneráveis em face da melhoria constante dos meios antiaéreos do inimigo e mesmo assim em número insuficiente” (cinco aparelhos operacionais).

 Constrangido, Gomes de Araújo, explica a Schulz (30) a verdadeira razão da retirada ao dizer que “os americanos recusam-se agora a venderem-nos as peças sobressalentes para estes aviões (F-84 e PV2) e ainda todo e qualquer outro material. Recusam mesmo qualquer espécie de negociações enquanto nós mantivermos os F-86 na Guiné”. Face a isto, o ministro só via duas soluções: “a primeira consistiria em mantermos aí os F-86, pois certamente eles não iriam aí buscá-los; mas esta situação elimina qualquer espécie de entendimento em relação a todos os outros materiais, em especial quanto ao F-84, PV2 e DC-6, que em breve estariam imobilizados; a segunda consiste na retirada dos F-86 da Guiné, atitude que abre portas a negociações (…)”.


Em busca de uma alternativa

Para compensar a falta dos Sabre, o ministro propunha várias medidas alternativas. Uma delas era reforçar o dispositivo na Guiné com aviões T-6 e alguns PV2 provenientes de Angola, a outra, era procurar rapidamente no mercado mais aviões F-86 e, caso isso não fosse possível, transferir alguns F-84 de Angola para a Guiné. 

Neste sentido, escreve ao Comandante-Chefe de Angola, dando conta da decisão do ministério de transferir para a Guiné os aviões F-84 de reforço em Angola. A decisão do ministro é analisada no comando da 2ª Região Aérea em Luanda, que emite um parecer desfavorável quanto a um possível envio de caças F-84 para a Guiné (31).

 Em alternativa, o Governo Português tenta comprar um lote de caças canadianos F-86 Sabre 6 ao serviço da Luftwaffe, mas o negócio é vetado pelo Canadá por influência dos EUA (32).  Perante a recusa canadiana, a Alemanha Ocidental oferece então um lote de caças Fiat G.91 R/4, que se revelaram mais adequados ao tipo de guerra subversiva que se desenrolava em África (33).

 Contudo, a retirada dos F-86 reflectiu-se no rendimento dos meios aéreos em Bissalanca. Enquanto, em 1964, se registaram 13 820 horas de voo no AB2, esse número decresceu para 13 417 horas, em 1965 (34).  A falta só seria compensada em 1966, com a chegada dos primeiros Fiat G.91 à Guiné.


Comentário final


Num balanço final, podemos dizer que o destacamento dos F-86F, de Monte Real para a Guiné, foi uma operação bem-sucedida, apesar das dificuldades iniciais de operação num aeródromo ainda em fase de consolidação. O objectivo inicial caracterizava-se por uma acção dissuasora sobre os movimentos insurgentes que os F-86 exerceram por toda a colónia, passando depois a desempenhar missões de combate com o início da guerra.

 Ao longo dos três anos de permanência destes caças na Guiné, os pilotos e mecânicos dos diversos destacamentos ganharam experiência num ambiente de guerra africano, que foi útil para a operação de outros meios de combate nos teatros de guerra das antigas províncias ultramarinas. Muitos destes pilotos e técnicos seriam depois mobilizados para outros cenários de guerra, onde aplicariam os conhecimentos obtidos na Guiné.

Em termos operacionais, os aviões realizaram inúmeras missões de combate em apoio às forças terrestres, usando vários tipos de armamento à disposição do caça da North American. Embora fosse um avião concebido para missões de defesa e combate aéreo, o F-86 tinha alguma capacidade de ataque ao solo, que foi usada intensamente na Guiné.

 Durante a atividade operacional perderam-se apenas dois aviões: um, devido a um acidente durante uma aterragem em condições meteorológicas adversas, mas em que o piloto escapou apenas com pequenas escoriações, e outro, devido a um bombardeamento mal calculado, em 1963, que levou à ejecção do piloto e consequente perda da aeronave.

 No entanto, a utilização de meios OTAN fora dos limites geográficos da Aliança Atlântica continha elevados riscos políticos, que acabaram por se manifestar na intransigência norte-americana dos caças regressarem à metrópole, o que levou Portugal a procurar outras alternativas porventura mais adequadas à guerra subversiva que se desenrolava em África.


Arquivos consultados

1 – Arquivo da Defesa Nacional (ADN)

2 – Arquivo Histórico da Força Aérea (AHFA).

[Revisão / adaptação e fixação de texto / edição para o blogue: LG] (**)
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Notas do autor:

(1) FELGAS, Hélio, Guerra na Guiné, 1ª Edição, Serviço de Publicações do Estado-Maior do Exército, SPEME, Lisboa, 1967, p. 61.

(2) LOPO, Alcides Teixeira, Viagem dos Falcões, Kiak-Revista dos Pilotos de Caça da Esquadra 51, Base Aérea nº 5, Junho de 1968, p. 13.

(3) LOPO, op. cit., p. 15

(4) Informação prestada ao autor pelo Coronel Gomes do Amaral, em 2 de Julho de 2013.
(5) Missão Atlas, Relatório sobre a viagem dos F-86F para Bissau, 17 de Agosto de 1961, Arquivo Histórico da Força Aérea (AHFA) ZACVG Cx. 91.

(6)  LOPO, op. cit., p. 16.

(7) Missão Atlas, Relatório sobre a viagem dos F-86F para Bissau, 17 de Agosto de 1961, AHFA, ZACVG Cx. 91.

(8) Relatório mensal do Destacamento de F-86, Bissau, 1 de Setembro de 1961, AHFA, ZACVG Cx.91.

(9) Ibidem.

(10) Ibidem

(11) Missão Atlas, Relatório sobre a viagem dos F-86F para Bissau, 17 de Agosto de 1961, AHFA, ZACVG Cx. 91.

(12) Informação prestada ao autor pelo Dr. Alcides Lopo, em 19 de Agosto de 2014.

(13) Informação prestada ao autor pelo Coronel Gomes do Amaral, em 22 de Setembro de 2014.

(14) Telegrama do Governador da Guiné para o Ministério do Ultramar, Bissau, 23 de Janeiro de 1963, ADN F2/102/324/4.
(15) Comunicado do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Serviço de Informação Pública das Forças Armadas, Lisboa, 24 de Janeiro de 1964, ADN F2/102/324/4.

(16) Telegrama do Governador da Guiné para o Ministério do Ultramar, Bissau, 27 de Janeiro de 1963, ADN F2/102/324/4.

(17) FELGAS, op. cit., pp. 66-68.

(18) FELGAS, op. cit., pp. 61-64.

(19) BISPO, António de Jesus, Guiné, algumas notas sobre o teatro de operações, Revista Mais Alto n.º 406, Nov/Dez 2013, p. 22.

(20) Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Relatório respeitante a uma pretensa violação do espaço aéreo e ataque ao solo da República do Senegal, Bissau, 4 de Abril de 1963, ADN F2/105/345/1.

(21) Informação prestada pelo Comandante Manuel Pereira Clemente, em 19 de Agosto de 2014.

(22) Ibidem.

(23) Ibidem.

(24) CORREIA, José Manuel, Rotina de Guerra – Os F-86F Sabre na Guiné, Revista Mais Alto n.º 358, Nov/Dez 2005, p. 37.

(25) Relatório da missão do CEM do Comando da 1ªRA à Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, 3 a 23 Agosto 1963. ADN/FG/SGDN Cx. 6093.2.

(26) Ibidem.

(27) NOGUEIRA, Franco, Diálogos Interditos, Volume II, 1ª Edição, Editorial Intervenção, Braga, 1979, pp. 58-60.

(28) MATOS, José, A saga do Sabre Mk.6, 1ª parte, Revista Mais Alto nº 394, Novembro/Dezembro de 2011, pp. 37-38.

(29) Carta do Comando-Chefe da Guiné para o Secretariado Geral da Defesa Nacional, 4 de Julho de 1964, ADN F1/07/31/21.

(30) Carta do Ministro da Defesa Nacional para o Comando-Chefe da Guiné, 10 de Julho de 1964, ADN F1/07/31/21.

(31) Carta do Comando-Chefe das Forças Armadas de Angola para o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, Assunto: Transferência de aviões F-84 para a Guiné, Luanda, 1 de Agosto de 1964, ADN/FG/Cx. 6093.2.

(32) MATOS, José, A Saga do Sabre 6, Revista Mais Alto nº 394 e 395, Nov/Dez 2011 e Jan/Fev 2012.

(33) MATOS, José, Projecto Feierabend, Revista Mais Alto nº 396 e 397, Mar/Abri e Mai/Jun 2012.

(34) ABECASSIS, Krus José, Bordo de Ataque. Memórias de uma caderneta de voo e um contributo para a História, 2º volume., 1ª Edição, Coimbra Editora, 1985, p. 514.

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Notas do editor:

domingo, 16 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17586 Tabanca Grande (441): António Abrantes: foi cadete em Mafra, em julho de 1961, com o Manuel Alegre, Arnaldo de Matos e outros, sendo o Ramalho Eanes tenente; foi alferes mil, CCAÇ 423 (São João e Tite, 1963/65); senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 748.


Foto nº 1 



Foto nº 2 


Foto nº 3 


Foto nº 4


1. Mensagens, de 8 do corrente,  do novo grã-tabanqueiro, António Abrantes, que se vai sentar à sombra do nosso poilão, nº lugar nº 748. Foi alf mil inf, CCAÇ 423 (São João e Tite, 1963/65) (*)

Camaradas:

Só agora reparei que não enviei certos dados necessários:

(i) Fui Alferes Miliciano de Infantaria, especialidade de Armas Pesadas e,  como era dos que tinham melhor classificação e dada a especialidade,  não seria mobilizado.

(ii) Estava a dar instrução de Morteiros, em Viseu, quando a mês e meio de acabar o tempo normal fui mobilizado e para uma Companhia de Cacadores !

(iii) A minha Compannhia, a CCac 423, foi a ultima a ir por terra para o Sul da Guiné ,saindo de Bissau, Nhacra, Mansoa, Mansaba, Bafatá, Xitole, Aldeia Formosa, Buba, onde pernoitamos, Fulacunda, Brandão, Nova Sintra e, dada impossibilidade de chegarmos a S João, desvio para Tite para ao outro dia irmos até ao Enxudé (Porto de Tite ) onde embarcamos numa draga (a Geba) para,  numa viagem atribuladam  passarmos ao lado de Bissau e já no canal de Bolama nos aproximarmos do Continente, e com água pela cinta desembarcamos em S João . 

(iv) Como o IN não contavam  aqui não houve tirosM esses, os tiros começaram com uma emboscada no célebre "cruzamento de Buba" e acompanharam - nos várias vezes até Nova Sintra;

(v) De São João  vim evacuado para o HMP em Lisboa , tendo regressado a Guiné e ficado, como era o alferes com mais antiguidade, coocado na 4ª  Rep  do QG como Adjunto do Chefe de Transportes.

(vi) como curiosidade a minha medalha das campanhas da Guiné (felizmente sem ser herói) é a única que tem na legenda "Guiné 63-64-65-66-67". 

Um Grande Abraço a todos os Camaradas.


2. Nova mensagem do nosso novo membro da Tabanca Grande:

Pedias-me alguns dados meus: 

(i) estou reformado,  dada a provecta idade;

(ii) fui apanhado na Universidade e enfiado em Mafra, na EPI, em 31 de Julho de 1961;

(iii) no curso de oficiais milicianos (COM),  éramos, como eu costumo dizer (na paródia), "eu, o Manuel Alegre, o Arnaldo Matos (MRPP) e mais 493":

(iv) o general Eanes era lá tenente;

(v) depois de passar à disponibilidade,  arranjei emprego ligado a produtos farmacêuticos e acabei a licenciatura como estudante- trabalhador...

Um grande abraço a todos os camaradas, coma esperança de também poder ficar a sombra do poilão da Tabanca Grande.

Nota: Tenho poucas fotografias mas a seu tempo mandarei mais algumas (se me for permitido) bem como algumas "estórias" passadas na Guiné.

Aqui vão as legendas:

Foto do  aspiarnte a oficial miliciano .Antonio Manuel de N. R. Abrantes , pouco antes de embarcar [Foto nº 2]

Foto tirada em Tomar, vê-se parte do meu pelotão, com o malogrado Furriel Hércules Arcádio de Sousa Lobo, da 3ª secção (ainda cabo miliciano) [Foro nº 2] 

Foto tirada em Bissau, a única que possuo com qualidade razoável [Foto nº 3]

Toto  mais recente [Foto nº 4]

3. Comentário do nosso editor LG ao poste P17552 (**):

Caro camarada António:

É uma honra ter, no blogue da Tabanca Grande, um representante dos bravos da CCAÇ 423. Até agora, não havia ninguém que representasse condignamente esta subunidade.

Não leves a mal que a gente se trate por tu, à boa maneira romana: afinal fomos e continuamos a ser camaradas de armas, no sentido forte do termo.

Fica desde já, o convite para te sentares à sombra do nosso poilão. Temos um lugar livre, o nº 748... Só precisamos, de acordo com os nossos regulamentos, de duas fotos tuas, uma dos heróicos tempos de Quínara e outra atual... E dois parágrafos de apresentação: já sabemos quem foste, pode-nos dizer quem és hoje, onde vives, o que fazes... Estás, por certo, reformado mas não "arrumado": precisamos de ti para cobrir esse ano de 1963, e os seguintes... Há falta de documentação fotográfica, de testemunhas, de histórias, etc.

Posso continuar a contar contigo ?

O precioso "comentário" que me mandaste sobre a maldita mina ou fornilho do dia 3/7/1963 (há 54 anos!) foi transformada em poste, como podes ver aqui.

Tens o meu email ou do Carlos Vinhal, para nos contactar, de futuro.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 30 de junho de  2017 > Guiné 61/74 - P17527: Tabanca Grande (440): Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (1938-2017), ex-alf mil médico, CCAÇ 675 (Binta e Guidaje, 1964/66), nosso grã-tabanqueiro nº 747... Mais um camarada que não queremos que fique na vala comum do esquecimento

(**) Vd. poste d e29 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17522: (De) Caras (88): O fur mil inf Hércules Arcádio de Sousa Lobo, natural da ilha do Sal, Cabo Verde, foi gravemente ferido pelo primeiro fornilho acionado no CTIG, às 9h00 do dia 3 de julho de 1963, na estrada São João-Fulacunda, vindo a morrer no HMP, em Lisboa, no dia 16, devido às graves queimaduras. Eu era o comandante da coluna (António Manuel de Nazareth Rodrigues Abrantes, ex-alf mi inf, CCAÇ 423, São João e Tite, 1963/65)

sábado, 4 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17104: (Ex)citações (323): Buruntuma, que foi grande na guerra e na paz... Uma pequena homenagem aos bravos que souberam fazer a guerra e a paz, do Jorge Ferreira (1961) ao José Valente (1974)


Guiné- Bissau > Região de Gabu > Maio de 2016 > Piche, entre Gabu (a 30 km a oeste) e Buruntuma (a 37 km, a nordeste, na fronteira com a Guiné-Conacri. Canquelifá, mais a norte, fica a 30 km.

 [Vd. poste de 31 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16151: Revisitando o "chão fula", e ligando o passado com o futuro (Patrício Ribeiro, Impar Lda) - Parte II: Piche]

Foto: © Patrício Ribeiro (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Gabu > Buruntuma > Dezembro de 2015 > Tabanca e rua principal

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Buruntuma > É uma das mais bonitas e originais capelas que temos visto nas nossas fotos da Guiné... Deve ter tido várias mãos, ao longo do tempo... Um delas, de arquiteto, mestre de obras e decorador, terá sido a de José Mota Tavares, nosso camarada, antigo alferes capelão miliciano, da CCS/BCAÇ 1856 (Nova Lamego, 1965/67) que nos mandou, recentemente, fotos da "sua" capela (*)...

Foto: © Mota Tavares (2016). Todos os direitos reservados.


Guiné > Região de Gabu > Buruntuma > Memorial da CART 1742, "arquitectado" por João Fernando Lemos dos Santos > "Que os vivos mereçam os nossos mortos"

[Vd. poste de 28 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14198: Em busca de... (253): João Fernando Lemos dos Santos, ex-Soldado Condutor Auto da CART 1742 (Abel Santos)]

Foto: © Abel Santos (2015). Todos os direitos reservados.


1. Temos 75 referências no nosso blogue sobre Buruntuma... As mais recentes são relativas ao livro de Jorge Ferreira, nosso grã-tabanqueiro, e o prmeiro dos oficiais portugueses  a comandar o destacamento de Buruntuma (sendo a sua área de açãpo o triângulo Buruntuma- Bajocunda- Piche): esteve com 45 homens, metade metropolitanos e metade guineenses (a quem já tinha dado instrução em Bolama), entre novembro de 1961 e outubro de 1962...  Era uma força mista, de "infantes" (3.ª CCAÇ) e de "cavaleiros" da CCAV 252 (1961/63).

De rendição individual, mobilizado para a o TO da Guiné em maio de 1961 (e regressado a casa em junho de 1963), o Jorge Ferreira pertencia à 3.ª CCAÇ, sediada em Nova Lamego. Entre o início e o fim da guerra, muitas coisas aconteceram nesta povoação de fronteira, de importância estratégica para a defesa do leste e em especial, da região do Gabu...

No seu tempo, e tal como hoje, Buruntuma  era uma povoação construída junto à fronteira, ao longo de uma rua, por onde passava a "pomposamente" chamada estrada internacional que ligava Bissau à recém independente república da Guiné-Conacri... O nosso camarada António Martins de Matos, ex-ten pilav (BA 12,  Bissalanca, 1972/74) diz que demorava 1h30 a chegar lá, de DO 27, e 25 minutos de Fiat G-91..., no limite do raio de ação da aeronave (que era subsónica)...

Buruntuma, em mandinga, quer dizer, "algum dia serás grande"... Como muitos topónimos do leste da Guiné, é de origem mandinga (caso de Bambadinca, "a cova do lagarto")... Pertenceu ao império  (ou reino do Gabu) (1537-1867), que por sua vez resultou da desagregação do grande Império do Mali (séc.  XIII-XVI)... E.m 1867, a "batalha de Kansalá" ditou o fim do reinado mandinga e a ascensão política dos fulas. Fulas e mandingas  coexistem hoje, pacificamente, no Gabu... O mesmo não aconteceu durante  a guerra colonial (ou do ultramar, ou de libertação, conforme as designações de uns e outros).

Evocamos, a talhe de foice, e a título meramente ilustrativo, alguns episódios, contados por camaradas que por lá andaram em diferentes épocas... Na esteira de Jorge Ferreira, podemos dizer que Buruntuma foi grande, na guerra e na paz...  Esta pequena antologia é também uma homenagem a todos aqueles que souberam fazer a guerra e a paz (******).


Manuel Luís Lomba > Não fui feliz em Buruntuma

Salvé, camaradas de Buruntuma!

Seguramente que sou um dos vossos mais velhos: CCav 703, 1965-66.

Não me exponho a grandes contradições ao dizer-vos que essa capelinha de Buruntuma remonta ao meu tempo: resultara da reconversão de um armazém de mancarra e complementada por um nicho votado à Senhora de Fátima, implantado no sítio da "torre" artística, que lhe é posterior. 

A sua concepção e execução pertencem ao furriel Manuel Francisco Moniz de Simas, um açoriano que combinava perfeitamente a sua alma de artista com a de guerreiro, que fará carreira nos Estados Unidos como escultor de ossos de baleia e a fechará como professor do Secundário em Ponta Delgada. Foi inaugurada pelo nosso capelão, tenente António Lavajo Simões, ora residente no Seminário de Vila Viçosa.

Na parte mais alta da tabanca mandinga deixamos (em abril de 1966) um parque de "roncos", à sombra e em redor de um grande poilão, com vedação feita com as leivas dos barris de vinho, inscrições apropriadas num pedregulho. Jamais me esquecerei de um rondo de arromba - a festa das "mulheres paridas"...

A ideia e a sua exploração partiu deste comentador e velho camarada, comandante da milícia e responsável pela "Apsico" local; a obra foi também mérito do Simas..

Ah, não fui feliz em Buruntuma. (**)


Domingos Gonçalves > Buruntuma, o meu batismo de fogo

26 de junho de 1966... Ao entardecer rebentou uma armadilha colocada pelas nossas tropas perto da fronteira.

Um alferes da guarnição local com o respectivo grupo de combate, reforçado por alguns dos soldados do meu grupo, comandados por mim, foi verificar as causas da explosão. Junto do local das armadilhas, que não sei se era em território português, ou da Guiné-Conacry, encontravam-se duas vacas quase mortas. Com alguns tiros de G3, acabou-se-lhes com a vida.

Imediatamente, do outro lado da fronteira, bastantes armas pesadas começaram a disparar sobre Buruntuma, enquanto que, as armas ligeiras, alvejavam o terreno fronteiriço onde nos encontrávamos.

Cautelosamente conseguimos retirar do local, mais para o interior, sem, contudo, conseguir entrar no nosso aquartelamento que, durante cerca de uma hora, ficou sob o fogo cerrado das armas do inimigo.

Abrigados por um ligeiro declive do terreno, e pela protecção do arvoredo, sentíamos nos ares o silvar das granadas que, às dezenas, choviam sobre Buruntuma.

Aqui e além as explosões provocavam incêndios, principalmente nas casas dos nativos, cujo telhado era feito de capim. Quase em simultâneo as armas de Buruntuma também abriram fogo. As bazookas e o canhão sem recuo vomitavam granadas ininterruptamente. Os morteiros cuspiam, para o outro lado da fronteira, os seus tenebrosos projécteis. Através das seteiras dos abrigos as metralhadoras consumiam centenas de munições. As armas ligeiras, os canos já aquecidos, disparavam, um pouco ao acaso, contra um inimigo que não tinham capacidade de atingir. De um e outro lado era ensurdecedor o ruído da fuzilaria e o detonar das granadas.

Anoiteceu. De ambos os lados começou a abrandar a intensidade do combate. Lentamente, o silêncio foi caindo sobre a povoação martirizada. Era o fim de uma pequena batalha. Cautelosamente, os soldados que estávamos fora do aquartelamento, longe da protecção dos abrigos subterrâneos, fomo-nos aproximando do arame farpado e entrámos no quartel.

Dirigi-me ao posto de socorros. Lá dentro, aguardando tratamento, já havia muitos feridos. Outros, brancos e negros, foram depois chegando. O médico, que na vida civil era cirurgião, trabalhava afanosamente, ajudado pelos enfermeiros, extraindo estilhaços, colocando ligaduras, injectando soro... Só muito tarde deu por findo o seu trabalho.
Contabilizados os prejuízos verificou-se que havia três mortos entre a população e bastantes feridos tanto entre os soldados como entre os civis. Para além disso o nosso sistema de transmissões estava inutilizado, as instalações danificadas e alguns indígenas tinham perdido as suas casas.

Trabalhava em Buruntuma um agente da PIDE que, através do sistema de transmissões particular, de que dispunha, alertou Bissau para o sucedido e pediu que fossem evacuados para o Hospital Militar os feridos mais graves. Eram já altas horas da noite quando nós, os oficiais, nos fomos deitar.

No abrigo onde dormíamos comentavam-se os acontecimentos com alguma insensibilidade. Já deitado, o capitão murmurava:
- Os filhos da puta não nos deixam em paz...

A guerra para ele era algo a que já estava habituado e pouco o impressionava. Quando em conversa se referia a acções de combate transmitia até a ideia de gostar das sensações da guerra. Eu sentia-me de certo modo aterrorizado com a baptismo de fogo que, sem o desejar fui obrigado a receber.

Foi um baptismo sério e prolongado... E cheio de calor!... (***)


Mota Tavares > Buruntuma, o silêncio de Deus...

Li, com muito entusiasmo o relato da vossa visita ao Gabu [, poste por AO - antigo alferes capelão], no meu tempo Nova Lamego. Aí passei quase dois anos. Todas as terras de que vocês falam, me foram familiares e de que tenho muitas fotografias e diapositivos. Estive [lá] em 1965-67.

Tenho imensas histórias de Piche, Canquelifá (uma operação e duas vezes debaixo de fogo), Fá (emboscada e… aventura!), Bajocunda, Copá, Madina do Boé (8 ou 10 vezes debaixo de fogo, três mortos, duas fugas durante a missa para o abrigo…), Buruntuma onde construí uma linda capela – fui o arquitecto, o engenheiro, o pintor, o mestre de obras com o apoio do capitão de que ainda hoje sou amigo. 

[Foi] inaugurada pelo brigadeiro Reimão Nogueira e [nela foi] baptizado um furriel de Lisboa. Chegou-me há tempo uma foto dessa capela 'vandalizada' pelos militares que lá estiveram depois – transformaram-na em escola!…

Bafatá, Bula, Bissau… as escoltas, 12 vezes debaixo de fogo, 27 operações com muitas histórias que dariam um enorme texto! Mas, por hoje, fico por aqui e ao vosso dispor. (*)


António Martins Matos > Buruntuma, cu de Judas...

Buruntuma era mesmo no cu de judas.

Tinha igualmente aquele estigma, (semelhante a Guidage e Pirada) demasiado próximo da fronteira com o país vizinho, podia ser utilizada como tiro ao alvo do PAIGC sem que pudéssemos ripostar, já que o Spínola não autorizava missões da FAP no estrangeiro.

Os aviadores aterravam na direcção da fronteira e descolavam na direcção oposta (qualquer que fosse o vento ou as condições meteorológicas).

Andei várias vezes por ali à procura de MiGs imaginários, nunca os vi!!!

Um dia deixaram-nos ir partir umas bilhas lá para Koundara, quando aterrámos em Bissau já estávamos a dever combustível ao G-91. (**)


C. Martins > Buruntuma, turismo em tempo de guerra...

Contava-se entre os artilheiros que o alferes miliciano,  comandante do Pel Art  de Buruntuma, em 73, resolveu um dia ir de Buruntuma até Nova Lamego em bicicleta, vestido à civil e munido de máquina fotográfica... Ia  parando pelo caminho e fartou-se de fazer fotos de pássaros, passarinhos e até passarões.

Quis regressar da mesma forma, mas o comandante do sector obrigou-o a ir numa coluna... Resultado: a coluna sofreu uma emboscada, ele levou um tiro num pé e estragou a máquina fotográfica...

Não sei se foi verdade, mas que se contava, contava. (**)


 Luís Borrega > Buruntuma e o carisma de Spínola

Caro António Matos: Quando foste a Buruntuma bombardear Kuundara (?), não seria Kandica?.. O gen Spínola estava lá em Buruntuma. A CCav 2747 tinha tido um valente ataque IN na noite de 25/11/71. Dia 27, Spínola vai de DO a Buruntuma. Manda formar a guarnição, a milícia e a população.. Nesse momento chegam seis Fiats G-91, rasam Buruntuma e Kandica, ali as antiaéreas começaram a disparar mas calaram-se logo. A seguir ouviram-se enormes rebentamentos em Sofá, a base do PAIGC. Nova passagem e largaram o resto das bombas e retiraram-se para Bissau.

Spínola mostrou o seu carisma de chefe. Falou às populações locais:
-Viram o que aconteceu? Agora vão dizer aos do lado de lá, que se tornam a fazer outro ataque com morteiros, mando o dobro dos aviões e o dobro das bombas!

Com esta atitude moralizou extraordinariamente os militares da CCav 2747 e milícias. (**)


José Manuel Matos Dinis > Buruntuma, as famosas 13 horas debaixo de fogo

É verdade,  o sentimento de Spínola em relação àquela fronteira. Não sei desde quando, mas o general teria mandado informar que, se Buruntuma fosse atacada, as NT ripostariam sobre Kandika. Em 27 de fevereiro de 1970, após um ataque àquele aquartelamento em 24  (é o que consta da História da Unidade, embora me pareça que decorreu mais tempo), que provocou 28 mortos civis, depois de vários transportes de material (obuses, canhões e morteiros, bem como munições, guarnições, e outra tropa de segurança), as NT retaliaram durante cerca de duas horas. O IN respondeu durante 13 horas.

As famosas 13 horas de Buruntuma. As NT sofreram 1 morto e 5 feridos.

Da mesma história da unidade consta que o IN sofreu 8 mortos militares, incluindo o tenente comandante, e o chefe da alfândega [do outro lado da fronteira].

Foi a primeira acção em que participou a minha companhia, através do 1º.pelotão e do Fur mil Azevedo, de armas pesadas. (**)


Luís Guerreiro > Buruntuma: Pel Caç Nat 65, e o 1º cabo Ismael que chegou a levar para o mato o cano do morteiro 60 cheio de vinho

Tem sido com interesse que tenho seguido as crónicas do José Manuel Dinis da CCaç 2679, pois os nossos caminhos cruzaram-se em Piche, Buruntuma e Bajocunda, onde menciona diversas vezes o Pel Caç Nat  65.

Na sua chegada na coluna de Nova Lamego para Piche, e que teve como escolta o Pel. Fox e o Pel Caç Nat 65, onde menciona que era comandado por um cromático alferes que deambulava de pistola à cinta, empunhando uma moca com um lenço amarelo, esclareço que o dito alferes se chamava Monteiro, e esse era o seu equipamento preferido mesmo em patrulhamentos.

Estivemos implicados no ataque de 27 de fevereiro de 1970 à base de Kandica, retaliando o ataque a Buruntuma, onde o Pel Caç Nat 65 permaneceu cerca de um mês, antes de ser transferido para Bajocunda.

Também menciona o apontador do morteiro, que chegou a levar [o ando de] este cheio de vinho durante uma saída para o mato, é verdade, chama-se Ismael, era cabo, e um excelente operador do morteiro 60, embora por vezes se encontrasse sob os efeitos do álcool, era bom rapaz e excelente combatente.


Ramón Pérez Cabrera > Buruntuma, cemitério do jovem internacionalista cubano Ramón Maestre Infante

Na 2ª fase da Op Djassi (a primeira tem a ver como os três G - Guidaje, Guileje e Gadamael, maio / junho de 1973, ainda no tempo do Spínola), Ramon Pérez Cabrera [, autor de "La historia cubana en África: 1963-1991: pilares del socialismo en Cuba", edição de 2005], iz que participaram "14 internacionalistas cubanos", um dos quais, um jovem oficial que tinha partido de Cuba por via aérea em 13/12/1973, e que vai encontrar a morte nas imediações de Copá (ou de Canquelifá?), às 8 da manhã do dia 8 (ou 7?) de janeiro de 1974, surpreendido por tropas portuguesas. 

O seu corpo terá sido "levado para Buruntuma", mutilado e exumado, diz Ramón Pérez Cabrera. Tratar-se-ia, quanto a nós, da mesma emboscada em que terá sido apanhado vivo, o cabo-verdiano Jaime Mota, 1940-1974, alegadamente executado depois

Ramón Maestre Infante terá sido o último dos 9 internacionalistas cubanos a morrer na "guerra de liberación" da Guiné-Bissau. Enfim, mais um caso para alimentar a nossa série Controvérsias, e que o nosso Jorge Araújo vai, por certo, querer explorar, ele que agora tem em mãos o "dossiê médicos cubanos". (****)


Luís Graça > Buruntuma: a chantagem do terror com o comandante Bobo Keita no pós 25 de abril

O Bobo Keita, antiga glória do futebol guineense, tinha feito parte da delegação do PAIGC, na 1.ª ronda de negociações de paz, em Argel... Depois de Argel, regressou à Frente Leste. E deve-lhe ter subido à cabeça a mania do protagonismo...

Aqui, no leste, foi claramente 'mais papista que o Papa', passando a perna à direção política do PAIGC. Foi ele quem teve a iniciativa de:

(i) colocar barragens para controlos dos nossos veículos militares, nas estradas do leste;

(ii) forçar a desocupação do quartel de Buruntuma;

...para além de (iii) ter resolvido, através do terror (3 fuzilamentos e diversas prisões), um conflito em Paunca com milícias (ou não seriam antes os militares da CCAÇ 11?)...

Ele próprio reconheceu, antes de morrer, na altura em que foi entrevistado para o seu livro de memórias, que a chantagem feita aos tugas de Buruntuma era mero bluff, que não era sua intenção atacar nenhum quartel...

A verdade é que este homem podia ter originado uma tragédia de consequências imprevisíveis e incalculáveis... A sua atitude de fanfarrão obrigou à intervenção pessoal do Fabião e do Juvêncio Gomes (delegado do PAIGC em Bissau) (*ª)


José Valente > Buruntuma: Guerra e paz

Há vários meses que estava em Buruntuma, como furriel do 28.º Pel Art quando no dia 5 de julho de 1974 fui obrigado a retirar para Ponte Caium. Tive que voltar a Buruntuma para inativar as munições de artilharia que tínhamos sido obrigados a abandonar. A tensão era tal que a todo o momento temíamos o pior. Felizmente tudo correu bem.

Mas o mais caricato da história da guerra é que passados alguns dias me sentei em Bafatá a uma mesa de café, a beber cerveja, com o comandante 'Nai', do comando leste do PAIGC, a quem e a seu pedido ofereci o livro "Portugal e o Futuro",  de António Spínola, e em troca recebi, tirado da própria lapela do uniforme, um pin original do PAIGC. Alguns dias antes éramos inimigos,  agora trocávamos presentes. Coisas de uma guerra que nunca compreendi nem quero compreender. (**)

Jose Valente
Furriel Mil 28.º PelArt


Luís Graça > Buruntuma > A primeira guarnição do leste a ser desocupada pelas NT, em 5/7/1974

Buruntuma foi a primeira guarnição da zona leste a ser desocupada pelas NT e ocupada de imediato pelo PAIGC, por uma força comandada pelo Bobo Keita, em 5 de julho de 1974. Camajabá e Canquelifá foram desocupadas a seguir, a 6 e a 7 de julho, respetivamente.

As restantes guarnições do leste só foram desativadas em agosto e setembro, respeitando os planos de retração do nosso dispositivo militar (aprovado pela 3.ª Rep/QG/CCFAG) (...)

Os factos acima relatados pelo Bobo Keita são confirmados pelo relatório da 2.ª rep. O ultimatum de Bobo Keita às NT em Buruntuma é vista uma clara violação ao acordo de cavalheiros estabelecido pelas NT e o PAIGC no que respeito à retirada, planeada, ordenada e concertada (a nível local), dos nossos aquartelamentos e destacamentos. 

Alega-se que Bobo Keita estaria "mal esclarecido" sobre esse acordo e os seus trâmites. Por outro lado, as instalações das NT eram particularmente apetecidas pelos combatentes do PAIGC, na zona leste, mais árida, com menos vegetação do que no sul, e em plena época das chuvas. No relatório da 2.ª Rep, diz-se explicitamente que o comportamento indisciplinado dos homens de Bobo Keita se devia também, em parte, ao facto de serem "periquitos", de serem novos na região e na guerrilha, viverem em condições precárias e estar-se na época das chuvas. (*****)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17089: Agenda cultural (543): Sessão de lançamento do livro de fotografia do nosso camarada Jorge Ferreira sobre Buruntuma, Gabu, 1961/63... Apresentação a cargo de Luís Graça, editor do nosso blogue.... Concerto de Korá com mestre Braima Galissá, nosso grã-tabanqueiro... Local e data: Galeria-Livraria Verney, Centro Histórico de Oeiras, sábado, dia 4 de março, às 15h00... Estamos todos convidados!







1.  Convite com data de 12 do corrente do nosso camarada Jorge Ferreira

[ Foto à direita: Jorge Ferreira, ex-alf mil da 3ª CCAÇ, tendo estado em Buruntuma com o seu pelotão (20 metropolitanos e 20 guinenses) entre novembro de 1961 e julho de 1962; a 3ª CCAÇ estava sediada em Nova Lamego, tendo mais tarde dado origem à CCAÇ 5, "Gatos Pretos", sediados em Canjadude]

Caros Amigos

Junto envio o "CONVITE" para a sessão de apresentação do "BURUNTUMA ... ".

Seria para mim um privilégio poder contar com a V/ Presença na Mesa fazendo companhia ao Prof. Luís Graça que se disponibilizou para apresentar o Livro e em reconhecimento pelo "papel relevante" que desempenha como dinamizador do Convívio entre a Comunidade dos "JOVENS" que estiveram mobilizados na Guiné.

Na expectativa de poder contar com a V/ presença, subscrevo-me com Amizade
Jorge Ferreira


2. Como chegar à Galeria-Livraria Verney, Oeiras

Na Av Copacabana, (Liv. Verney), a primeira rua à esquerda dá acesso ao Parque Estacionamento Municipal (Gratuito) que, por sua vez, dá acesso "a pé", ao ARCO ao lado da porta da Galeria (Liv. Verney1),. na Rua Cândido dos Reis, nº 90.



Galeria-Livraria Verney

3. Ficha técnica, dedicatória e apoios



Preço de capa:  12, 5 € + portes. Pedido ao autor  através do endereço de email: jorgeferr@netcabo.pt


Dedicatória aurtografada ao blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné



[pág. 06]

Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Mais do que um simples repositório de informação e conhecimento de um determinado tempo e espaço (Guiné e Portugal, 1961/74), o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné é um ponto de encontro entre homens (e algumas mulheres) que fizeram a guerra e a paz, uma ponte de ligação entre dois povos  que têm muitas coisas em comum, a começar por  uma língua e uma história,  é sobretudo um espaço interativo de partilha de memórias e afetos entre combatentes da guerra colonial (ou do ultramar, como se queira), uma comunidade virtual a que puseram o nome de Tabanca Grande. Um espaço onde todos cabem com tudo o que os une e até com aquilo que os pode separar.  
Não têm a veleidade de fazer história, com H grande, mas também não querem ser meros figurantes do filme da história, reúnem-se muito simplesmente por que gostam (e sentem a obrigação de)  contar a “petite histoire” dos seus verdes anos na tropa e na guerra,  partilhando uns com os outros (e com os seus filhos e netos) os seus álbuns de fotografia e os seus escritos, em prosa e em verso. Como camaradas que foram no passado e que continuam a ser,  tratam-se hoje por tu, deixando de lado  títulos, postos, idade, convenções  ou outras barreiras à livre e espontânea comunicação entre eles.
Encontram-se todos os anos, pelo menos uma vez,  na primavera. Sabem que são um “espécie em vias de extinção”. E têm diversas "tabancas pequenas" espalhadas por aí, de norte a sul do país... Não haverá pelo mundo fora (incluindo a Web) muitas comunidades (virtuais e reais) como esta, de veteranos de guerra.
O Jorge Ferreira foi dos primeiros militares a ser mobilizado para a então província da Guiné, e é um dos mais recentes (o nº 728) a entrar para a Tabanca Grande. É um homem de muitos seres, saberes e lazeres, a começar pela paixão da fotografia. Com a sua inseparável câmara Konika, ele fixou, com rara sensibilidade socioantropológica, momentos únicos e irrepetíveis do quotidiana e da cultura das gentes de Buruntuma, no leste, no limite na região de Gabu, mas ainda em pleno  “chão fula”, quando os "bombolons" da guerra já começavam a tocar ao longe, no norte e no sul da Guiné…
[pág. 07]
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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17013: Militares mortos na 1.ª Guerra Mundial e Guerra do Ultramar do concelho de Torre de Moncorvo (Armando Gonçalves) - Parte III: 1961, o "annus horribilis" de Salazar






Torre de Moncorvo: logo da câmara municipal (cortesia da página do município). 
O município erigiu, em 2013, um monumento aos combatentes da guerra do ultramar.





"O navio de passageiros português Santa Maria que largara do porto de Curaçao, nas Caraíbas, rumo a Miami, com 600 passageiros, foi tomado de assalto na madrugada de 22 de janeiro de 1961. Um punhado de 23 exilados políticos portugueses e espanhóis, comandados pelo famoso oposicionista capitão Henrique Galvão, pretendia um golpe político-militar (que no limite seria conquistar o poder em Angola). Falharam tudo, menos o golpe publicitário contra Salazar. (...) N
o tombadilho do Santa Maria uma faixa vai rebatizar o navio: Santa Liberdade, essa foto não será publicada em Portugal. "(...)

Cortesia de Diário de Notícias 150 anos > 13/9/2014


1. Continuação do trabalho de pesquisa do nosso amigo Armando Gonçalves, professor de História, do Agrupamento de Escolas Dr. Ramiro Salgado, em Torre de Moncorvo, e que aceitou integrar a nossa Tabanca Grande, passando a ser o nº 733 (*)


Parte III (pp. 12-15)










(Subtítulo da responsabilidade do editor. Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16992: Militares mortos na 1.ª Guerra Mundial e Guerra do Ultramar do concelho de Torre de Moncorvo (Armando Gonçalves) - Parte II: Portugal e a 2ª Guerra Mundial