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quarta-feira, 9 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12956: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (26): Leiria, o pior tempo do meu início de vida militar; Santarém onde a Cavalaria não é melhor nem pior, é diferente; Tavira, onde ia morrendo; Carregueira do bidonville; Mafra onde a instrução era levada a sério (Augusto Silva Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), com data de 5 de Abril de 2014:

Camarada e Amigo Carlos Vinhal,
Antes de mais, faço votos sinceros para que esteja tudo bem contigo e família. 
Inserido no tema em epígrafe, junto texto e fotos relacionados com o mesmo, que desde já agradeço revejas para possível publicação.
No caso de algo não estar correcto ou não te facilitar o teu trabalho de editor, solicito / agradeço que me informes para a respectiva correcção.
Como sempre, estás à vontade para editar quando bem entenderes ou alterar o que achares por bem. 

Recebe Um Grande e Forte Abraço com votos de muita saúde.
Augusto Silva Santos


A CIDADE OU VILA QUE EU MAIS AMEI OU ODIEI, NO MEU TEMPO DE TROPA, ANTES DE SER MOBILIZADO PARA O CTIG


LEIRIA

Bandeira da Cidade de Leiria


Vista parcial da Cidade de Leiria

Assentei praça no RI 7 (Regimento de Infantaria 7) em Janeiro de 1971. Após avaliação das minhas habilitações, haveria de ser transferido para a EPC mas, no escasso tempo que estive nesta cidade, poderei dizer que foi onde passei o pior tempo do meu início de vida militar.

Logo no primeiro dia roubaram-me o colchão da cama e um cobertor, pelo que tive de dormir vestido em cima de outro cobertor, numa caserna que na altura nem luz tinha. Parte das coisas eram feitas com luz das lanternas ou das velas.

Na primeira semana fui designado para fazer faxina à cozinha / refeitório, onde assisti a coisas para mim absolutamente impensáveis, desde levar os panelões com as vassouras de varrer o chão, e a comida a ser confeccionada nas piores condições de higiene. Até uma aranha eu apanhei na sopa. Escusado será dizer que, a partir daí, poucas mais vezes eu voltei a comer do rancho. Só mesmo quando não tinha outra alternativa.

Ainda me lembro que, muito perto do quartel, havia um talho onde se comprava a carne para ser cozinhada no tasco que ficava ao lado. Era muitas vezes a nossa safa. Foi uma cidade que me marcou pela negativa, mas não ao ponto de a odiar.


Janeiro 1971. 2ª Companhia / 6º Pelotão. Sou o terceiro de pé, da direita para a esquerda.

J
aneiro 1971. Na caserna com o camarada de beliche.


SANTARÉM

Bandeira da Cidade de Santarém


Vista parcial da Cidade de Santarém

Felizmente que, passado pouco tempo, efectivou-se a minha transferência para a EPC (Escola Prática de Cavalaria), onde haveria de concluir a recruta. Aqui tudo era de facto muito diferente, daí é o lema por todos assumido de: “A Cavalaria não é melhor nem pior, é diferente”.

Desde as condições das instalações, à comida, à disciplina, era tudo um mundo à parte, tendo em conta a minha primeira e traumatizante experiência. Foram 3 meses de intensa e particular actividade, que me haveriam de marcar para o resto da minha vida militar, pela positiva. Foi uma recruta difícil, debaixo de muita chuva e frio, sempre de capacete na cabeça (era uma das partes mais difíceis de aguentar), por vezes passada nas valas de esgoto a céu aberto, e de seguida lavagens à mangueirada em plena parada para limpar a lama agarrada à farda.

Acordar às tantas da madrugada com músicas da Tonicha, e apresentar-se em poucos minutos na parada invariavelmente com umas das fardas, era outra das situações que nos punha em “ponto de rebuçado”. Nunca mais me esqueci da frase, “terreno semeado é terreno minado”, quando colocados a uns bons quilómetros do quartel, e tínhamos de lá chegar sem ser detectados. Pela estrada também não era possível ir por estarem constantemente patrulhadas. Era um grande desafio…

Também não foi fácil assumir que não queria ir para os Comandos, apesar de me ter sido apresentada a possibilidade de ir frequentar o COM (Curso de Oficiais Milicianos), se a resposta fosse sim.

Foi uma cidade de que muito gostei, e tive pena de não ter feito aqui a especialidade. A população era extremamente agradável e compreensiva para com os militares. E Almeirim ficava ali tão perto, com os seus bons “tascos”…


Fevereiro 1971. 5º Esquadrão / 5º Pelotão. Sou o quarto sentado, da direita para a esquerda. O primeiro de pé é o Vicente “Passarinho” (Piu), e o segundo sentado é o Daniel Matos.


Março 1971. Eu em pose no Destacamento da EPC


Abril 1971. Junto à entrada da E.P.C., ladeado pelos camaradas Lúcio e Miguel Ângelo.


TAVIRA

Bandeira da Cidade de Tavira


Vista parcial do Quartel da Atalaia

Sou entretanto colocado no CISMI (Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria), onde me foi dada a especialidade de Atirador de Infantaria. Também aqui tive bons e maus momentos, mas efectivamente senti um pouco a diferença do ambiente vivido na arma de Cavalaria, embora a adaptação tenha sido feita rapidamente.

A formação trazida da EPC ajudou muito. Foi igualmente fácil, porque muitos dos camaradas que constituíam a Companhia, tinham vindo de Santarém. Foi aqui que voltei a encontrar o Daniel Matos e o Vicente “Passarinho” (Piu), também eles mais tarde mobilizados para a Guiné. Infelizmente ambos já não estão entre nós.

A situação mais traumatizante que aqui passei, relacionou-se com uma questão de saúde, que por pouco não viria a ter consequências graves para mim. Tendo na semana de campo apanhado uma forte gripe com febres altas, apesar de eu ter avisado os enfermeiros de que era alérgico à penicilina, foi-me dado algo relacionado com aquela droga, pelo que por pouco não bati as botas, como se costuma dizer.

Recordo ainda uma ocasião em que toda a Companhia foi formada, para que alguém do sexo feminino passasse “revista” à formatura… Tal só não aconteceu, porque o possível “infractor” ao ver a pessoa em questão, resolveu por antecipação dar o corpo ao manifesto. Mas deu para perceber que havia algum pessoal igualmente muito nervoso.

Gostei da cidade e das suas gentes. Sempre que possível uma ida à praia na Ilha de Tavira, era um bom escape.


Abril 1971. Na Caserna com mais três camaradas. Eu sou o primeiro da esquerda e o Vicente “Passarinho” (Piu) é o terceiro, de garrafa na mão.


Junho 1971. No centro da cidade com outro camarada.


Junho 1971. Na Ilha de Tavira, em pose.


SERRA DA CARREGUEIRA, SINTRA

Bandeira da Vila de Sintra


Vista parcial da Serra da Carregueira

Por ter obtido a máxima classificação na disciplina de tiro (atirador especial de G3 e atirador de 1ª classe em HK 21), sou colocado no CTSC (Campo de Tiro da Serra da Carregueira), como Cabo Miliciano, para dar recrutas e instrução de tiro.

Foi aqui que vivi das situações mais caricatas na tropa, desde ver um Tenente a matar ratazanas a tiro de pistola Walter, a ter de dormir calçado com medo que aqueles roedores nos viessem morder os pés.
Era frequente vê-las passar por cima dos camaradas que estavam a dormir, e não menos frequente aparecerem peças de fardamento roídas.

Tirando esta parte mais ou menos “lúdica”, também assisti à situação mais estúpida.

Era hábito no Bar dos Sargentos (principalmente para assustar os recém chegados), alguém por brincadeira atirar uma granada de instrução para o meio da sala gritando “granada”, obrigando a que todo o pessoal saísse em correria mas, certo dia, alguém por engano ou ignorância atirou uma granada com detonador e descavilhada, que um camarada pensando tratar-se do habitual, agarrou… Pode-se imaginar o que aconteceu a seguir e as graves consequências de tal disparate.

Era um quartel estranho e sem grandes condições, na altura situado no meio da serra sem habitações por perto… Recordo-me que, na época, não existiam quaisquer muros ou vedações para além do pouco que era visível perto da porta de armas. Era uma unidade do tipo “campo aberto”, delimitado apenas por grandes silvados, arvoredo, e moitas. Escusado será dizer que só não entrava ou saía quem não queria, e os “desenfianços” eram o pão nosso de cada dia.

Os Cabos Milicianos dormiam em camaratas tipo “bidonville”. A parte melhor desta passagem pela Carregueira, foi a de poder ir jantar e dormir a casa, sempre que não estava de serviço, pois tínhamos transporte para o efeito.


Novembro 1971. Já como Cabo Miliciano, na instrução do 6º Pelotão da 2ª Companhia. Sou o quinto de pé, da direita para a esquerda.


MAFRA


Bandeira da Vila de Mafra


Entrada do Quartel do CMEFED

Algum tempo depois rumo ao CMEFED (Centro Militar de Educação Física, Equitação e Desportos), para ficar na EPI (Escola Prática de Infantaria) como instrutor de educação física. Com muita pena minha não viria a concluir este curso, por ter sido entretanto mobilizado para a Guiné.

Em Mafra, como se costuma dizer, nem deu para aquecer, pois só lá estive cerca de 2 meses, mas ainda passei as “passinhas do Algarve” na Tapada de Mafra.

Quem passou pelo CMEFED (mais conhecido pelo se me f….), sabe bem a que me refiro… Para a época, era já uma unidade muito à frente e com óptimas condições sobre todos os aspectos.

Tal como na EPC em Santarém, aqui não havia “baldas”. A instrução era levada muito a sério e com rigor. Curiosamente, na minha vida civil e trabalhando na Marinha Mercante, andando embarcado nos navios Rita Maria, Alfredo da Silva, e Niassa, já havia passado uma boa dezena de vezes pela Guiné, mais propriamente por Bissau. Tinha o destino marcado…


Abril 1970 (faz agora precisamente 44 anos), a bordo do N/M Alfredo da Silva, no porto de Bissau, com o restante “pessoal das máquinas”. Sou o primeiro da direita, ainda de barba.


Dezembro 1971. Pronto a seguir viagem para CTIG. Foto tirada com farda emprestada pelo fotógrafo. Julgo que acontecia com todos os Furriéis Milicianos obrigados a tirar esta foto.
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12918: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (25): E Vendas Novas, onde funcionou a Escola Prática de Artilharia ?...Será que vai ser recordada apenas pelas bifanas ? (Luís Graça)

terça-feira, 8 de abril de 2014

Guinjé 63/74 - P12948: Fotos à procura... de uma legenda (26): Mais um sítio de passagem, para alguns de nós, no tempo de tropa... Qual ? (Luís Graça)





Fotos: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. A série "Fotos à procura... de uma legenda" (*) funciona como um "tapa-buracos", sobretudo no tempo das férias de verão, em que escasseia o material para o blogue... Mas não deixa de ser didática... Obriga (ou, melhor, convida) os leitores do blogue a um exercício de imaginação, ou de memória.

Hoje, depois de  ter regressado a casa, ao fim da tarde de ontem,  depois de 7 dias hospitalizado, e do consequente  "jejum bloguístico" (desde 3ª feira , 1 do corrente, que não publicava nada), e  depois de ter feito o meu exercío matinal com as minhas duas novas amigas, canadianas, proponho-vos quie liguem o vosso GPS e identifiquem  o sitio, ou melhor, a cidade ou vila  portuguesa, onde foram tiradas estas fotos...

As fotos são  receente, são  deste ano... numa altura em que eu já mancava da perna direitam, e se tornava penoso a subir  e a descer escadas, ruas e ruelas,,, Há pistas demasidado óbvias. De qualquer modo, foi um sítio por onde alguns de nós passaram na tropa.

Meus bons amigos e camaradas da Guiné, ponham lá a legenda, enquanto eu vou dar mais umas voltinhas de canadianas, dentro das quatro paredes da minha sala, porque já me doi o rabo de estar sentado, a perna direita  estendida ao comprido  e a trabalhar com o portátil...  

Mandem histórias para a série "A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei na no meu tempo de tropa, amtes de ser mobilizado para o CTIG"... Um alfabravo para todos, Luís Graça.
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segunda-feira, 31 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12918: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (25): E Vendas Novas, onde funcionou a Escola Prática de Artilharia ?...Será que vai ser recordada apenas pelas bifanas ? (Luís Graça)


Vendas Novas > Escola Prática de Artilharia (EPA) >  1969

Foto  © Carlos Vinhal  (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]



Vendas Novas > Escola Prática de Artilharia (EPA) >  1967 > O Torcato Mendonça, à esquerda,. sentado, num exercío de instrução sobre a G3... 2º ciclo do COM.

Foto: © Torcato Mendonça (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]


Vendas Novas > Março de 2014 > "Outdoor" com o anúncio da maraca registada "Bifanas de Vendas Novas"


Vendas Novas > Março de 2014 > As famosas "bifanas", prontas a comer (1)...


Vendas Novas > 1 de março de 2014 > As famosas "bifanas", especilaidade da terra



Fotos (e legendas): ©  Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados. 


1. Sobre Vendas Novas já temos, no nosso blogue, mais de um dúzia de referências. Muitos dos nossos camaradas artilheiros passaram por lá antes de irem parar à Guiné. Estou-me a lembrar do Carlos Vinhal, do Torcato Mendonça, do Jorge Cabral, do Jorge Picadio, do Vasco Pires, do Fernando Valente (Magro), do João Martins, e de  tantos outros. O nosso colaborador permanente José Marcelino Martins já aqui fez o historial da Escola Prática de Artilharia (EPA), incluindo o seu papel no 25 de abril de 1974.

De qualquer modo, faltam-nos histórias vividas em Vendas Novas, do tempo da recruta e da especialidade... Temos algumas, mas queremos mais... O Carlos Vinhal sei que tem uma, pronta (ou quase pronta) a editar... Mas era bom que os nossoa arilheiros mandassem aí umas "obusadas", para enriquecer a série "A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG" (*)....

Até porque temos uma ideia algo estereotipada sobre aquela, hoje, cidade que aparentemente cresceu ao longo de uma estrada nacional, a N4... É, historicamente,  um sítio de "passagem", aparentemente sem grandes histórias para contar... Até 1962, era uma simples fregueseia do concelho de Montijo. Em 1970, o concelho tinha c. de 8500 habitantes, hoje terá menos de 12 mil, a grande maioria vivendo na sede.

Diz a Wikipédia que "a origem de Vendas Novas remonta à criação da Posta Sul, por ordem de D. João III. Foi então aberto um caminho de Aldeia Galega (Montijo) a Montemor,  de modo a reduzir o percurso e o tempo das viagens. Foi nesse caminho que o rei mandou construir uma estalagem, no local onde hoje se encontra Vendas Novas. Alguns anos mais tarde, por ordem de D. Teodósio, uma nova pousada foi construída nas Vendas Novas. O nome do povoado terá provavelmente origem nas construções - "Estalagens" ou "Vendas" - que por serem de recente construção, eram novas, denominadas pelos viajantes como "as Vendas Novas". A povoação mais antiga do concelho é, no entanto a Landeira, hoje freguesia do concelho, de que existem referências de sua existência nos inícios do Séc. XII." (...) 

Para mim, e para muitos portugueses em viagem,  que ali fazem uma paragem "técnico-gastronómica", Vendas Novas é apenas a capital da bifana.. Seria injusto esquecer o Museu da Escola Prática de Artilharia e de outros centros de interesse. Curiosamente, o Museu não tem ainda uma página na Net. E a página do munícípio é muito fraquinha, em matéria de informação turística...(Eu diria que é uma grande pobreza!).

Confesso que ainda não o conheço o museu da EPA... Há um mês atrás, parei lá, em Vendas Novas, mas apenas para comer a "sandocha" da ordem..."O pró lá e ó pró cá!, como se diz no norte...  Eu, a Alice e e mais um casal, os meus cuhados... Neste caso, e já não tendo 20 anos (e a "galga" dos 20 anos!), pedimos só... oito "bifanas", mais 4 empadas, e umas cervejolas pretas, fresquinhas, mais os cafezinhos da ordem, no fim...  Um almoço "light", o suficiiente para a viagem, de 45 minutos, até Lisboa... Julgo que pagámos 7 euros por cabeça, neste caso, por boca...

Enfim, são valores do século passado, A.T. (antes da Troika)... Perguntam-me onde ? Passe a publicidade, no Snack-bar e Café "A Chaminé", que é com o café Boavista o "tasco" que disputa a fama e o proveito das melhores bifanas de Vendas Novas... Faço aqui a minha declaração de conflito de interesses:  não sou sócio, não conheço ninguém, não tenho lá amigos nem parentes, mas já lá fui 3 vezes e fiquei fã... E nestas coisas, o povo é quem mais "ordenha"...

Não sei porquê mas as bifanas de Vendas Novas ganharam  fama e proveito de há 20 ou 30 anos para cá... E são hoje uma das nossas especialidades da chamada "street food" (, comida de rua, que a gente já conhece desde o tempo da tropa!)... Têm alguns segredos, como se pode ler no ponto 2, a seguir... 

De qualquer modo, pergunto à rapaziada da artilharia que por lá pssei se não haveria já bifanas à maneira,  nos anos 60/70, em Vendas Novas, quando por lá passaram ?  Seguramente que sim, e estas devem ser filhas da tropa... 

Importa documentar onde e com quê se matava a malvada naquele tempo, em Vendas Novas... E só por ver as fotos das bifaninhas, já fiquei com hipoglicemia...


2. Excerto, com a devida vénia, do blogue Mesa Reservada, de Rui Barradas Pereira >  4 de julho de 2013 > A Bifana de Vendas Novas


(...) Depois de durante o ano passado ter falado desta, daquela e de outra bifana,  havia uma grave omissão no meu estudo bifanófilo. Ainda mais sendo a minha família oriunda da zona de Vendas Novas, era difícil explicar como é que ainda não tinha escrito aqui sobre a mítica bifana de Vendas Novas. 

Apesar de os meus pais terem uma casa perto de Vendas Novas onde passam uma boa parte do tempo e de eu lá ir várias vezes durante ano, a proximidade da cozinha da minha mãe,  acabava por nunca proporcionar uma ida a uma das casas de bifanas em Vendas Novas.

Diz a lenda que a bifana de Vendas Novas teve origem numa das casas de bifanas ainda existente: o Café Boavista. A principal característica distintiva da bifana de Vendas Novas é ser feita com um bife de porco do lombo que [ é ] batido até se transformar numa fina película de carne. A bifana é feita no molho numa espécie de frigideira desenhada para o efeito e o pão é ligeiramente torrado e passado pelo molho.

Esta minha incursão pela bifana de Vendas Novas não teve lugar no Café Boavista mas sim no Café Chaminé que fica do outro lado rua. Diz também a lenda ter sido aberto por um ex-empregado do Café Boavista e que trouxe consigo os segredos da bifana do Café Boavista. Estas duas casas são as mais afamadas casas de bifanas de Vendas Novas e a discussão sobre qual das duas é a melhor inflama paixões entre os mais fiéis apreciadores das bifanas de Vendas Novas.


Esta bifana pede mostarda. Só com a mostarda é que o tempero da carne sobressai. Em termos de tempero até prefiro outras. Mas a carne é finíssima e de boa qualidade, quase demasiado fina, e o pão ligeiramente torrado dá-lhe um crocante que faz toda a diferença. Para acompanhar uma Sagres Preta. Porquê? Porque sim... (...)
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Nota do editor:

(*) Vd último poste da série > 23 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12891: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (24): Um longo percurso que começou em Vendas Novas, passando por Cascais, Torres Novas, Queluz, Lisboa, acabando em Mafra

domingo, 23 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12891: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (24): Um longo percurso que começou em Vendas Novas, passando por Cascais, Torres Novas, Queluz, Lisboa, acabando em Mafra (Jorge Picado)

2. Mensagem do nosso camarada Jorge Picado (ex-Cap Mil na CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 18 de Março de 2014:

Amigo Carlos

Um passarinho me segredou que andavas sem "trabalho". Ora isso não é bom para a saúde.

Pegando num escrito que tinha feito, do género "para memória pós-morte", os meus sucessores, que já são muitos (só netos já formam uma equipa de futebol mista) saberem o que eram aqueles tempos do antigamente, a que chamei " Pedaços de Vida - Quatro Anos e 159 dias Fardado de Militar", extraí uns parágrafos e arranjei uma composição que tavez possa ser enquadrada em "A Cidade ou Vila que eu mais amei ou odiei no meu tempo de Tropa".
Se não tens mais nada para fazer aí vai.

Grande abraço para Vós do
Jorge


A Cidade ou Vila que eu mais amei ou odiei no meu tempo de Tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG

Se bem que as terras ou cidades que detinham estabelecimentos militares, onde se cumpria o tempo obrigatório do serviço militar, não fossem as culpadas pelos “sofrimentos” que por ventura viessem a ocorrer, a verdade é que muitos os “descarregavam” sobre as localidades, chegando mesmo a criar aversão a tais terras.
Pela minha parte, tendo conhecido várias dessas localidades, algumas mais “pobres” e, outras até mais desenvolvidas e evoluídas, também ocorreu algo de semelhante como a tantos.

De Vendas Novas, onde assentei praça em pleno verão do tão longínquo ano de 1959, 31AGO, muito mais pequena e menos desenvolvida do que actualmente e mal servida de meios de comunicação, não guardo más recordações.

Não obstante as deficiências resultantes por exemplo: da falta de água em época de tanta canícula, obrigando-nos algumas vezes a dormir todos enfarruscados, após instruções noturnas, sem pinga de água nas canalizações para um banho na chegada ao quartel; ou a dificuldade em ligações de transporte para quem queria vir passar um fim de semana ao Norte; ou mesmo a relativa falta de meios de passatempo, sempre encarei a situação como provisória e fazendo parte duma etapa a que não me podia furtar.

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Foto 1 – No início do COM em Vendas Novas.


Foto 2 – Em OUT59 nas escadas para o “galho”. Onze mancebos do COM 1/59/A. 1- Emanuel Maranha das Neves; 2- Carvalho, do Porto; 3- Este escriba.


Foto 3 – Junto de uma “relíquia da 1.ª Guerra Mundial”, parece que estou chegando “fogo à peça”, que não é peça.


Foto 4 – Ensaios para o “Juramento de Bandeira”. 1- Belmiro de Azevedo; 2- Carvalho, do Porto; 3- Eu; 4- Maranha das Neves.


Foto 5 – Juramento de Bandeira. Com a seta verde Eu; 1- Maranha das Neves.


Seguidamente rumei a Cascais para a especialidade e aí, após a secura alentejana, sobreveio a água a mais, já que se seguiu um outono-inverno bem molhado.

No entanto havia a compensação de que os “ares” eram outros. Mais cosmopolitas, melhores “vistas”, cafés mais “acolhedores”, apesar da triste figura que por vezes nos obrigavam a fazer quando “tocavam a capotes” e lá tínhamos de sair com aqueles “sobretudos” feitos para outros corpos, nunca correspondentes ao nosso número. Mesmo assim, já se podia até ir a uma sessão de cinema.

E Lisboa ali tão perto para fins de semana, sempre com estadia garantida na morada onde sempre aquartelei durante a frequência, e não só, do ISA. Era uma casa particular com vários quartos e camas em maior número, “sui generis”, praticamente de Ilhavenses, homens do mar, onde eu destoava por ser “de terra” e quase o único que estudava. Como “imagem de marca”, mesmo para aqueles que já andavam embarcados, havia sempre lugar para dormida mesmo quando os navios chegavam a altas horas da madrugada. Quase “uma República Coimbrã”.

De Cascais portanto nada de mal a dizer e, quanto às tropas, sempre de vento em poupa, tudo na desportiva como é costume dizer-se e a caminho duma “Muito Boa” classificação, ao mesmo tempo que limpava a “cadeira de Hidráulica Agrícola” que tinha deixado para fazer em Dezembro.

No final da especialidade, 2.º classificado em AAA com 16,59, preparava-me para seguir rumo a Queluz, convencido que a Instituição Militar era o paradigma dos valores éticos que apregoava.


Foto 6 – Na última semana de JAN60 (se não erro) nos exercícios finais nas matas do Guincho. Fila para o “tacho” (comida, não para aquilo que os “boys” agora fazem). 1- Barroco (Algarvio e colega de curso no ISA); 2- Carvalho, do Porto; 3- Barreto (Moçambique, colega do ISA mas Silvicultura); 4- Julgo ser o que ficou em 1.º em AA; 5- Eu; 6- Gil.


Foto 7 – 2.ª Secção a efectuar “fogo de barragem” com a peça de 9,4 cm. Reparem nos “supositórios”. Depois do tiro, com o recuo, era cá cada salto que os apontadores davam nos assentos que se não apertassem bem os capacetes eles voavam. A 1.ª Secção, sob o meu (seta vermelha) comando estava “em descanso com o pessoal fora dos postos a ver”.


Foi então que surgiu a primeira de muitas decepções e aparece uma localidade que “comeu” por tabela com o “meu ódio”.

A malfadada Torres Novas onde se acolitava o GACA 2 (Grupo de Artilharia Contra Aeronaves 2).

De facto, no final do COM e antes de nos mandarem para “casa” a aguardar colocação, tivemos de preencher os “inquéritos” com a ordem de preferência na colocação. Em função da minha classificação, e de acordo com o que era normal, escolhi o RAAF – Queluz como 1.ª e única prioridade, pois permitia-me, como acontecia com todos os meus colegas de Agronomia, proximidade ao ISA e a realização ali de alguns trabalhos.

Deixei Cascais descansado, até porque sabia que o 1.º não ia para lá, mas antes tinha solicitado, como aconteceu, colocação no Serviço Cartográfico do Exército, já que ainda não tinha concluído o curso de Matemáticas, acabando por aí permanecer vários anos.

A desilusão não podia ser maior ao receber como prémio, poucos dias depois, a Nota de colocação naquele aquartelamento para onde eram remetidos, género de castigo, os últimos classificados do curso. Antes de levantar a guia de marcha apresentei um requerimento devidamente formulado e instruído, dirigido a SEXA o Ministro do Exército, reclamando de tal colocação. Porém, enquanto não fosse emitida a decisão de SEXA, tinha de seguir caminho e, nestas coisas de “cunhas”, “quem vai ao mar perde o lugar” como se diz na minha terra. E quem “o ganhou” por Queluz se repimpou.

Desde o “barrete” que os distintos Serviços Militares enfiaram a 2 ou 3, já não recordo quantos éramos, ingénuos Aspirantes, passando-nos guias de transporte de Caminho de Ferro de Lisboa para Torres Novas, que nos fizeram desembarcar de uma composição ronceira, recordo que estávamos em FEV60, no dito apeadeiro de Torres Novas, onde o respectivo Chefe, muito admirado nos avisou que o nosso destino ficava a não sei quantos quilómetros e dali não havia carreiras de camioneta! Até conseguirmos um carro de aluguer, requisitado via telefone a uma praça da dita Vila ou já seria Cidade (?), pago logicamente por nós e não pelo Exército, muitos nomes bonitos fomos endereçando a quem nos pregou tal partida. O trajecto correcto, viemos a saber por esse Chefe da CP, seria transporte da CP até Entroncamento e depois de Camioneta até Torres Novas, pois daí, sim, havia carreiras regulares.

Mais uma achega para o aumento do mau relacionamento com esta terra. Mas outras se seguiram.

O “inimigo” que arranjei, logo na apresentação oficial na Unidade. Sem qualquer diplomacia da minha parte, quando o Comandante admirado verifica o meu “currículo militar” e exclama para os restantes oficiais que finalmente eram premiados, julgando-me talvez um “militarão”, lhe respondi que estava enganado, já que o que acontecia era um tremendo erro, para não dizer outra coisa, uma vez que o meu lugar, por direito era no RAAF e, aguardava que tal erro fosse corrigido por quem de direito, após análise do recurso.

Isso é que era bom, julgava eu, pois não conhecia a “têmpera” e “o posicionamento político” desse Comandante. Mesmo depois da resposta afirmativa de SEXA de que o meu lugar era em Queluz para onde deveria voltar, tive de “gramar” com uma recruta naquela Unidade e com a “vigilância pidesca” do IN, que era exercida unicamente nos meus serviços à Unidade, que eram examinados a “pente fino”. Só de lá saí depois de terminada a recruta que ministrei, ocupando o lugar de direito no RAAF apenas em Setembro-Outubro. Torres Novas foi pois um lugar a esquecer.


Foto 8 – Em Torre Novas, com “atavios” cedidos.


Foto 9 – Almoço no GACA 2. Três Asp a Of [1- “O mais guapo”; 2- Trancas de Carvalho (colega do ISA); 3-Almada Negreiros] e Alf QP (4).


Foto 10 – O “meu Pelotão de instruendos”.


Foto 11 – Praia de S. Pedro de Muel, durante a semana de exercícios finais dos recrutas. 1- Cap Art QP Cmdt da Companhia de Instrução praticando tiro ao alvo com bazooka; 2- Eu que também fiz gosto ao dedo.

Seguir-se-ia Queluz por pouco tempo. Um ou dois meses, já que para “embolsarem umas massas”, mandavam de licença registada (?) quem quisesse, até terminar o tempo e antes da promoção a Alferes. Mas aqui eram só os serviços à Unidade e ver passar o tempo, muitas vezes com dispensas alegando “afazeres” no ISA, uma vez que tinha concluído as cadeiras, mas faltava o estágio obrigatório para a obtenção do “canudo”.

Esta era uma Unidade “chave” para os “astros” do Sporting e Benfica, pelo menos, que por ali “passavam” quais “Senhores”, apenas para “assinar o ponto” como se dizia. Pouco faltava para serem os Oficiais a fazerem-lhes continência e não o inverso!

Queluz, além de muito para ver, era quase Lisboa. Logo nada de mau.

Mais tarde, 30AGO61 voltei e, apesar de ser para Lisboa, Santa Apolónia, já não gostei.

A Capital não tinha culpa, mas a forma como fui apanhado e os transtornos que me causaram provocaram-me “azia”. Ainda para cúmulo o serviço podia traduzir-se em “encanar a perna à rã”. E eu com tanto que fazer para realizar o estágio!

Durou este “fadário” até 05FEV62, mas não chegou para mudar a minha opinião sobre Lisboa, que “habitava” desde OUT54.

Se não tinha gostado desta “pseudo brincadeira”, fiquei “pior que uma barata” por ter de voltar a Queluz e entrar novamente no RAAF, de 18AGO62 a 17OUT62, para ministrar nova recruta, sem se importarem pelos transtornos e prejuízos que profissionalmente me causaram.

Oeiras-Queluz e volta ainda que distância relativamente pequena, mas feita diariamente deixavam-me fulo. Valia-me possuir já meio auto próprio, mas já não havia encanto nas belezas de Queluz. Devo acrescentar que já tinha a primeira filha bébé e a minha mulher de férias até quase ao fim de Setembro, passava esses dias comigo em Oeiras e nos dias em que estava de Serviço na Unidade lá ia de camioneta e com a alcofa e o bébé fazer-me companhia durante as tardes.

Finalmente, não contando claro com todas aquelas localidades que conheci na Guiné, colocaram-me, não uma “cereja em cima do bolo”, formado pelas terras que me obrigaram a percorrer, mas um “limão” bem amargo.

Em 24AGO69 “desterram-me” para Mafra. Escusado será dizer que por tudo que essa convocatória significou, a Cidade berço da Escola Prática de Infantaria e aquele Convento de Mafra foi a pior Cidade por onde passei e da qual guardo as piores recordações.


Diploma de Curso.

JPicado
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12821: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (24): Caldas da Rainha, com o meu amigo Zé Tito, para uma aventura que havia de ligar-nos por três anos, até Janeiro de 72, quando passámos à peluda (José Manuel M. Dinis)

segunda-feira, 10 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12821: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (24): Caldas da Rainha, com o meu amigo Zé Tito, para uma aventura que havia de ligar-nos por três anos, até Janeiro de 72, quando passámos à peluda (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 4 de Março de 2014:

A CIDADE OU VILA QUE MAIS AMEI OU ODIEI, NO MEU TEMPO DE TROPA ANTES DE SER MOBILIZADO PARA O CTIG

CALDAS DA RAINHA

O tema sugere sentimentos extremados relativamente às localidades por onde a tropa nos mandou antes do cruzeiro ultramarino. Cá para mim, não houve amores ou ódios no que às localidades por onde passei me tenham marcado. Mais, fui feliz em todas elas. Feliz, na tropa, perguntar-se-ão? É verdade. Até então não tinha tido mesada ou receita continuada de trabalho, pois levei uma vida airada, de menino quase protegido, que me permitiu não ter estragado o corpinho em afazeres laborais, com excepção do mês de Outubro de 68, em que pedi o salário de um conto para trabalhar. Até fiquei doente, com uma pleuresia, que me atirou para a cama durante quinze dias, passados os quais surpreendi o médico a pedir autorização para sair à noite. Em 09JAN69, convenientemente recuperado, apresentei-me no RI 5, nas Caldas da Rainha, com o meu amigo Zé Tito, para uma aventura que havia de ligar-nos por três anos, até Janeiro de 72, quando passámos à peluda. Mas mantemos a amizade.

O meu pai, coitado, perante a realidade mais dura para ele do que para mim, prontificou-se a facultar-me momentos tão bons quanto possível, até à hora em que levasse um tiro indesejável, ou que por qualquer outra via decorrente da guerra me passasse para o lado dos anjinhos. Nessa convicção, passou a abonar-me uma muito generosa mensalidade para mitigar as dificuldades da tropa, o que, conforme as circunstâncias, me permitia comer, dormir fora, e andar na galderice com um grupo chegado de amigos, o que é sempre fácil de concretizar naqueles verdes-anos, e o Zé participava igualmente. Pois! Esse gajo entrou comigo, e acompanhou-me sempre, no continente, na Madeira e na Guiné, só não podíamos pertencer ao mesmo pelotão por causa da especialização em "mines and bloody tracks".

Estação dos Comboios das Caldas da Rainha
Foto: Wikipédia

Ainda à civil, e já estava a armar a primeira barraca. Estendia-se o pessoal por uma longa fila, para receber os primeiros ícones militares: a farda (que o Veríssimo tão bem descreveu e que nos garantia exemplar compostura), que incluía botas; e a G-3, coisas que nos obrigaram a abrir os olhos, pois constou que logo ali seríamos roubados de qualquer coisa. Com o pessoal à rasca, um furriel etiquetado de "operações especiais", acolitado por dois ou três militares, vinha a comandar aquela força de revista aos sacos de cada um. Chouriços, salpicões, bagaceiras, etc, eram produtos arrecadados para o festim deles. Quando me interrogou sobre o conteúdo do meu saco com intenção de o abarbatar, respondi-lhe que estava carregado de coisas boas, queijo, presunto, bolinhos de bacalhau, e, até, um magnífico salame de chocolate, uma delícia da minha namorada, que até passarmos à peluda constituiu um pretexto de especulação com o Tito: só te dou um bocadinho de salame, se... e ainda assim ele queria. Peço-vos contenção imaginativa, o Tito é um gajo porreiro e meu amigo, que, às vezes, supria as minhas dificuldades a engraxar as botas. Mais nada.

A rematar aquela informação, confiado no físico do Tito, estudante avantajado no Instituto Superior de Educação Física, informei o cujo, de que o conteúdo do saco não lhe estava disponível, esclarecimento que o visado aceitou com civilidade total, e até mandou suspender a revista e colecta dos produtos portadores de colesterol. Começava a gostar da tropa. No dia seguinte, fiquei a conhecer o comandante do 2.º pelotão, da 6.ª Companhia, o tenente Clemente, com quem me daria bastante bem.

À noite, o pessoal saía para jantar na cidade, arrastar os corpinhos pelas barras dos cafés, e ala, que estávamos nos anos sessenta, a região era provinciana, não havia garotas na rua, nem estabelecimentos de diversão noturna. Outrossim, já lá havia umas almas da PM para nos intimidarem. Não passei por qualquer azar.

O meu pelotão foi premiado com a abertura do desfile no dia do juramento de bandeira, e para isso contribuiu decisivamente, o comportamento excepcional daquele corpo de milicianos, tanto na ordem unida, como nas provas de tiro, como ainda nos exercícios intelectuais, e ainda, nas provas de "mato", aquelas que nos obrigavam a sair do conforto aquartelado. Já antes referi que a incorporação se verificou em 09Jan69, um dia chuvoso. E a chuva continuou a frequentar a região durante alguns dias. Num desses, talvez uma semana mais tarde, estavam os pelotões instalados nas salas de aulas onde os instruendos recebiam valiosa formação teórica protegidos da chuva inclemente, quando esta praça, de um dos últimos lugares da sala, levantou a mão pedindo autorização para alguma coisa. O Ten. Clemente inquiriu:
- O que é que quer, oh nosso instruendo?

E o instruendo fez uma brevíssima caracterização do ambiente:
- Oh meu Tenente, isto parece uma turma de meninas!

O Tenente quase explodiu de surpresa:
 - Aaahhhnnn?

Aquela espécie de interrogação compeliu o instruendo que eu era, a especificar as razões da intervenção:
- Oh meu tenente, se nós estamos neste período de instrução a prepararmo-nos para a guerra de África e para os climas inóspitos, não se percebe por que é que nos protegemos de umas gotinhas de água (sic) para baixo do tecto.

O Ten. Clemente, naturalmente reagiu:
- Está tudo a formar lá fora!

E foi o bonito. Dirijimo-nos para um campo anexo onde estavam os aparelhos, marchámos, rastejámos, voltámos a rastejar e a pagar sempre que o Senhor Tenente entendia que alguém não fazia as coisas como era conveniente da condição militar, até que no final do período de aulas, marchámos até à parada, fizemos um bocado de ordem unida, formámos, e finalmente, mandou destroçar. Acho que ainda chovia. O nosso aspecto devia ser lastimoso, e ao entrarmos na caserna onde pernoitavam os três pelotões da Companhia, ouvi alguns camaradas desses pelotões a avaliarem a situação:
- O vosso tenente deve ser um filho da... - ao que foram logo esclarecidos por uns camaradas que me acompanhavam:
- Filho da... é o Dinis - ao que eu lhes chamei a atenção que estava ali, e não queria ouvir aqueles mimos. Todos nos rimos da parvoeira colectiva. Afinal, numa reacção psicológica típica dos vinte anos, o pessoal mostrou que estava para a curvas.

Num dos primeiros crosses que fizemos, saímos em grande velocidade, pedimos licença e ultrapassámos outros pelotões. Depressa ficámos fora do alcance visual dos restantes, e foi quando pedimos para descansar debaixo de um pomar e fora de vistas. Nesse dia não chovia. Da estrada, um pouco distante, chegava-nos o barulho dos pelotões em corrida na direcção de Óbidos. Depois fizemos uma refeição de laranjas, tudo na maior rebaldaria, com o abandono no local dos restos da fruta, o que atestava a presença de inimigos no laranjal. Regressámos outra vez em correria, entrámos com espavento nas instalações regimentais, demos ainda uma volta à parada com a alegria de atletas bem classificados, e esse facto causou algum efeito junto de oficiais que saíram do edifício do comando para observar aquele corpo de valentes mancebos. Só muito depois chegavam os outros pelotões. O Ten. Clemente deve ter inventado um itinerário alternativo para não nos cruzarmos com os restantes, e isso causou logo uma forte impressão geral. Todos caladinhos como fora combinado, saíamos do duche "quentinho", quando os outros começavam a chegar mortos da estafa.

Outra ocasião, regressávamos às Caldas provenientes da carreira de tiro, quando começou uma chuvinha. A coluna estancou, e vieram dizer para me apresentar ao Ten. Clemente que seguia na primeira viatura. Bati a palada, e ele colocou a hipótese de aproveitarmos o tempo remanescente, e a escassa chuva que caía, para armarmos um passo de desfile pela cidade e impressionarmos as garotas. Achei logo que sim, as miúdas ficariam impressionadas. E foi o que aconteceu. O Tenente à frente, com garbo e vaidade, cabeça levantada e quico a proteger os olhos, levantava braços e pernas numa marcha cadenciada. Atrás, o pessoal esforçava-se para corresponder à harmonia dos movimentos, e todos mostravam um sorriso para as meninas e as senhoras, que protegidas nas ombreiras das portas da chuva que adensara, nos olhavam impressionadas e com vontade de nos levarem para lugares confortáveis, quiçá para nos darem mimos.

O pelotão era bem divertido e tornou-se solidário. Da cidade daquele tempo já quase não tenho recordações. Do Ten.Clemente também não voltei a ter notícias, mas que ele deve ter abixado algum louvor à pala da camaradagem, acho bem provável. Nas provas finais recusei-me a lançar-me ao galho, mas um capitão homónimo, vindo não sei de onde, intimidou-me:
- És a vergonha do meu nome. Não passas, não sais no fim-de-semana.

E acabou-se a brincadeira que se estribava em vertigens. Fiz a pista em tempo recorde, que nem os coxos levariam tanto tempo. No fim tive que recusar a ida para os comandos, fiel ao princípio de nunca me oferecer. Com fé inabalável nos psicotécnicos, admitia que fosse seleccionado para a Artilharia Anti-Aérea de Costa, e colocado em Cascais com as vantagens consequentes. Tá-bem-tá !!! Mas a "sociedade" com o Tito prolongar-se-ia com a coincidência de destino nas guias de marcha: Tavira!
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Nota do editor:

Último poste da série de 9 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12815: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (23): Santarém, onde volto por necessidade, por gosto e por desgosto de ver desaparecer algumas das minhas referências (Hélder Valério de Sousa)

domingo, 9 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12815: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (23): Santarém, onde volto por necessidade, por gosto e por desgosto de ver desaparecer algumas das minhas referências (Hélder Valério de Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 2 de Março de 2014:

Caro Editores

Já faz tempo que não colaboro com nenhum escrito para o Blogue.
Coisas da vida! Mas hoje resolvi enviar-vos este texto para ser enquadrado no tema da "Cidade ou Vila que mais amei ou odiei antes da mobilização".
Trata-se de Santarém e da sua EPC e Destacamento.
Ainda não tinha visto por aqui ninguém recordar essa passagem e entendi por bem fazê-lo. O problema é que não tenho fotos da época e por isso o texto pode ser pouco apelativo. Afinal tratam-se das minhas recordações e isso pouco pode interessar a terceiros, no entanto acho que por lá passou também muito boa gente e pode ser que se sintam encorajados a trazer a público as suas lembranças.

Abraços
Hélder Sousa


A CIDADE OU VILA QUE MAIS AMEI OU ODIEI, NO MEU TEMPO DE TROPA ANTES DE SER MOBILIZADO

SANTARÉM


Vista aérea da cidade de Santarém. Foto: InLut, com a devida vénia


Responder a esta questão não é fácil, porque as circunstâncias eram diferentes conforme se estava na recruta ou com uma ocupação mais ‘folgada’, aliás conforme já foi possível verificar por recordações de outros camaradas. Mas é uma boa questão, para se perceber melhor como é que nos relacionamos com essas recordações e se elas ainda ‘mexem’ connosco. Por isso, vou também entrar no jogo.

O meu percurso militar, antes de ser mobilizado, portanto, na “Metrópole”, foi Santarém, Lisboa (Batalhão de Telegrafistas), Tancos, novamente Lisboa, Porto e Lisboa (Adidos). Porque de todos esses locais guardo recordações, vou cingir-me hoje a Santarém.

E faço-o com muito gosto porque ainda não vi por aqui recordações da Escola Prática de Cavalaria [EPC], o que lamento, sabendo da importância que tal Escola teve nas nossas vidas, esperando sinceramente que possam surgir mais depoimentos.

Como o objectivo é saber, no fundo, como é que nos relacionámos ou interagimos com as terras e suas gentes, isto podia ser muito simples: antes de ir para Santarém, gostava muito, enquanto lá estive fui ganhando saturação ao ponto de pensar que “Santarém, nunca mais!” e hoje volto a ir lá por necessidade, por gosto e por desgosto de ver desaparecer algumas das minhas referências. É preciso dizer que sou ribatejano, que fui Furriel e até aqui estou coincidente com o Armando Pires, mas depois não fui enfermeiro nem fadista o que, valha a verdade, ainda bem, pois não tenho jeito.



Bissau - Bar de Sargentos. Santa Luzia. O Hélder Sousa com o Boavida, do seu tempo de recruta na EPC.

Ir a Santarém, antes da tropa, era normal. Ia lá muitas vezes, principalmente quando estava a passar alguns dias na minha aldeia. Fui lá às “sortes”. E apresentei-me no dia 15 de Julho de 1969 para integrar a 3.ª incorporação no 1.º Ciclo do CSM. Foi no Destacamento da EPC.

Durante esse tempo da recruta foram muito poucas as folgas, os dias em que se podia sair, dar uma volta pela cidade ou arredores, para que assim se pudesse conhecer melhor e dar agora a opinião. Como noutros locais em que se tinha que produzir rapidamente militares ‘prontos’, a formação era acelerada. E tenho a ideia que havia uma espécie de competição para ver quem fazia mais e melhores ‘sargentos milicianos’, nomeadamente entre a Cavalaria (Santarém), a Artilharia (Vendas Novas) e a Infantaria (Tavira), já que as Caldas da Rainha, não sei se só com fama se também com proveito, não contava para isso.

Essa competição fazia com que as recrutas fossem duras, por si mesmas, ou até por algum exagero para maior diferenciação. Devido às constantes actividades saía-se pouco à noite. O pessoal era fortemente castigado do ponto de vista físico, portanto tinha que descansar e as actividades nocturnas não eram raras. Daí que, para a generalidade dos ‘soldados-recrutas’, acredito que o conhecimento da cidade não pudesse vir a ser muito profundo. Já aqueles que depois, terminado esse 1.º ciclo, ficaram na própria EPC em qualquer das especialidades da Cavalaria, tiveram mais tempo e talvez mais oportunidades.

Não sei como era no curto tempo do fim-de-semana pois consegui vir sempre a casa, já que a distância não era muita (45 km) e havia ligações por camioneta e comboio. Quando se saía, os mais afortunados iam até Almeirim, às febras e à ‘sopa da pedra’. Fui lá 2 ou 3 vezes por força das amizades que sempre se vão fazendo com camaradas do Pelotão e que eram de lá, caso do Aranha Figueiredo e do Boavida, cujos conhecimentos ajudavam a ‘abrir portas’.

Refiro estes dois camaradas porque o Aranha, que foi para Moçambique, encontrei-o naquela “clara e límpida madrugada”, no Terreiro do Paço, onde pensávamos que íamos apanhar o barco das 07:00 para a Margem Sul onde trabalhávamos e o Boavida porque mais tarde me veio a encontrar em Bissau conforme foto anexa tirada no Bar de Sargentos em Santa Luzia.

A maior parte das vezes, quando havia dispensa de recolher, ficava-se ali perto, no “Verde Gaio”. Também ia até ao “Quinzena”. Visitar a “Adibis”, pastelaria fina, da elite ‘scalabitana’, das meninas estudantes, era quase proibitivo já que também estava ‘infestada’ de Oficiais. Enquanto civil, fui lá várias vezes, Enquanto militar, acho que só entrei uma vez e… chegou!

Santarém tem a particularidade de se espraiar por um planalto o que faz com que fosse para onde se fosse, para a carreira de tiro com acesso pela EN 3 a caminho do Cartaxo, para a outra carreira de tiro em Vale de Estacas, para a estrada da Estação da CP e ponte de Almeirim, fosse pelo “Colégio Andaluz” para a Quinta das Ómnias, à ida era sempre a descer e depois de completamente estoirados, o regresso seria naturalmente a subir, mas parecia sempre muito mais íngreme do que na descida. E quantas vezes, para ‘abreviar tempo’, se tinha que o fazer em ‘passo de corrida’? Daí que quando saí de Santarém tivesse pensado de forma determinada que nunca mais voltaria lá. Claro, puro engano!
Voltei lá, sim senhor, para tratar assuntos pessoais, para jantares de convívio, para rever locais, para visitar a minha mãe no Hospital e assisti-la no falecimento.

Tudo o que atrás disse tem a ver com a relação com a cidade, com os locais e as pessoas. Mas foi tudo condicionado pela actividade militar. Não será esse o tema mas não posso deixar de referir alguns apontamentos que me parecem relevantes ou interessantes. Muitas vezes tenho lido que o pessoal foi, na generalidade, mal preparado para a guerra, para o tipo de guerra que acabou por encontrar, principalmente na Guiné. A experiência que tive em Santarém diz-me o contrário. Lá, pelo menos naquele 3.º Turno do CSM, a preparação foi dura, exigente (talvez nada que se parecesse com os “especiais”, mas teve alguns pontos comuns), e fortemente voltada para o tipo de situações semelhantes à Guiné.

Claro que na altura não podíamos saber, mas eles, os instrutores, esforçavam-se por nos incutir a ideia que esse seria o nosso destino. Diziam isso amiudadamente e as nossas constantes idas às Ómnias podem hoje testemunhar como isso era verdade. Nas Ómnias, na orla do Tejo, com terrenos alagados, em charcos, em terrenos enlameados, em lagoas (numa das quais, mais funda do que se pensava, um dos instruendos do meu Pelotão ia lá ficando) encontrava-se e praticava-se em locais que quem teve o ‘privilégio de usufruir’ das bolanhas não deve ter achado estranho.

Particularmente duras foram as “24 horas de Santarém”, já no final da formação, em Setembro.
Nesse ‘evento’ todos os Pelotões saíram para um local comum, no Paúl, onde lhe foi dada a possibilidade de participar e assistir a progressões, emboscadas, golpes de mão, confrontos. Após isso, em que enquanto participantes estávamos lá em baixo no terreno cada vez mais enlameado por força da chuva e revolvido pelos passos dos ‘actores’ e enquanto espectadores estávamos num plano mais acima donde se podia assistir ao desenrolar dos acontecimentos, fomos agrupados em diferentes secções para desempenharmos as missões que nos foram dadas e das quais só podíamos regressar ao Destacamento às 08:00 do dia seguinte.

Como começou a chover uma chuvinha miudinha, mas persistente, praticamente desde que saímos do Quartel e que foi progressivamente engrossando e que durou todo o ‘santo dia’, aliviando já só sobre a madrugada alta, foram realmente umas “24 horas” de grandes dificuldades, em que se pode dizer que fomos ‘ensopados até aos ossos’. Recordo que cerca das 23:00 entrámos, o meu grupo (7?, 9?, não recordo) em Alcanede e habitantes apiedados da nossa situação e estado lastimoso, convidaram-nos a entrar para uma espécie de adega onde tinham um lareira e várias coisas para comer que nos facultaram. O pão soube divinamente, os chouriços, morcelas, queijos, etc., também, mas o que recordo ainda é o fumegar das nossas roupas, a evaporação da água incorporada, pois tirámos o que pudemos e ficou tudo junto à tal lareira.

Ficámos por lá até quase à madrugada e, conhecedores da região, foi então mais fácil dar conta da missão e chegar a horas ao Destacamento. Um dos elementos desse grupo era o Aranha, que levava a bazuca. Na formação no Destacamento estavam 3 Esquadrões. O 3.º do Tenente Cadavez, o 4.º do Tenente Guilherme, que me disseram nunca ter chegado a ir a África pois foi para a NATO, e o 5.º do Tenente Tavares de Almeida.

Eu pertenci ao 1.º Pelotão do 4.º Esquadrão que tinha como instrutores o Aspirante Teixeira (diziam que tinha pertencido ao Conjunto Maria Albertina) e um Cabo que, não sendo maus tipos, tinham assumido o ‘espírito da coisa’ e foram bastante duros connosco. Duros, mas leais, diga-se em abono da verdade.

Além dos já citados Aranha e Boavida faziam parte do meu Pelotão outros elementos (obviamente) de que me lembro agora dum tal Vozone, que era um nome conhecido da vela de competição, e o nosso camarada da Guiné, Luís Encarnação, da Companhia que esteve em Canquelifá do BCAV 2922, que ainda não pertence à “Tabanca” mas já esteve em almoços na “Linha”. Falando com ele recordei-me de várias peripécias, como os patrulhamentos ao longo do caminho de ferro, a escalada da escarpa das “Portas do Sol” (dizia o Aspirante Teixeira que era para imitar os soldados de D. Afonso Henriques) em que a cada dois metros de progressão escorregávamos um, das ‘cenas’ com um camarada que dormia de olhos abertos, de outro que foi enganado e utilizou “Baygon” pensando que era desodorizante, etc..

Foi tempo de conhecer um tal Salgueiro Maia, que nos deu instrução de granadas, de um tal Mário Tomé, ao tempo Oficial de Segurança da EPC e que foi o protagonista de uma cena-aviso do tipo “casamento na Parada”.

Esta passou-se na Parada da EPC, com todos os militares tanto da própria EPC como do seu Destacamento, ao qual pertencíamos, formados e a ouvir um raspanete a propósito, ou a pretexto, de uma mãe que se teria queixado de abusos à sua filha ocasionados por militar. Fiquei sempre com a sensação que se tratou de uma encenação, destinada à “acção psicológica”, mas a verdade é que o então Capitão Tomé disse mais ou menos isto: “…. têm a mania que são machões? Acham que a instrução não é suficientemente dura? Pois vão ver como será daqui para a frente! Vão ser ‘apertados’ de tal maneira que não terão força nem para levantar o ‘piçalho’….”

Foi tempo de um grande empenhamento em aprender as ‘artes militares’. Dediquei-me à formação com toda a energia. Aprendi a teoria. Não me baldei à prática. Achava que era importante aprender e obter conhecimentos que certamente iriam ser necessários para os tempos que, convictamente, ‘sabia’ que iriam ocorrer, inevitavelmente, embora ainda tivessem que decorrer quase 5 anos.

Tive boas pontuações de tal modo que fui convidado a ‘seguir outro caminho’, o que não aconteceu. Além disso também podia usufruir do conhecimento antecipado do resultado correcto dos testes de escolha múltipla que fazíamos sentados no chão. Como sabia? Não me recordo…. apenas me lembro que fazia sempre primeiro por meu conhecimento e depois ia ‘conferir’, sendo que, por ‘precaução’, falhava sempre uma ou duas.

Lembro-me, também, como se ia ‘moldando’ as vontades do pessoal. Primeiro procurava-se valorizar a ‘dispensa de fim-de-semana’ de tal modo que isso era uma espécie de prémio, para o qual todos deviam concorrer e para tal suportar tudo. E tudo servia de pretexto para ‘cortar’ essa ‘regalia’. Por exemplo, na revista aos Pelotões do meu Esquadrão chegou a participar um Alferes, com um ar propositadamente abandalhado, mal ataviado, com a barba por fazer e a exigir o máximo de aprumo e perfeição dos instruendos perfilados, para lhes provocar alguma reacção às injustiças sentidas quando os castigavam por os botões não estarem alegadamente bem brilhantes, por a camisa não estar devidamente fraldada, por a barba ‘não estar bem feita’ (mesmo que a cara já estivesse com vários cortes).

Suprema ironia era quando, propositadamente, pisava uma bota impecavelmente reluzente (diria quase envernizada com “Búfalo”) que assim ficava com algum pedaço esfolado e depois dizia para o Cabo apontar o corte da dispensa por ter as botas mal engraxadas. Tudo isto provocava revolta. Mas o pessoal continha-se. E, de contenção em contenção, as chefias pensavam que ‘domavam as vontades’, o que era possível que sim, pelo menos no momento, e que tinham o pessoal ‘enquadrado’, sendo que aqui se enganavam redondamente, pois as animosidades foram sempre em crescendo.

Portanto, em resumo, as recordações de Santarém são boas. O que se passou foi importante. Sempre valorizei essa passagem, compreendendo todos os seus passos. Isto em termos militares que, afinal, não podemos dissociar do resto.

Da cidade em si, da sua História, da sua importância, da sua monumentalidade, a capital do Gótico Português, diz-se, isso foram conhecimentos que já tinha antes da passagem pela tropa, pelo que não me acrescentaram nada.

Quanto a ódio-amor acho que já disse. Primeiro, amor. Depois, ódio, Agora, novamente, amor e tristeza.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões TSF
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12810: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (22): Caldas da Rainha - Os primeiros dias da recruta (Mário Migueis da Silva)

Guiné 63/74 - P12814: Manuscrito(s) (Luís Graça) (23): Gostei de voltar a Tavira (Parte VI): E de rever as salinas, a estrada das Quatro Águas, Santa Luzia, Cabanas, Vila Real de Santo António...



Tavira > Convento das Bernardas Residence > 2 de fevereiro de 2014 > Piscina interior, de água salgada, de 400 m2.


Tavira > Convento das Bernardas Residence > 2 de fevereiro de 2014 > Vista das seculares salinas de Tavira... O que os velhos instruendos taklvez não saibam é que a Comissão Europeia atribuiu recentemente  a Denominação de Origem Protegida (DOP) ao produto “Flor de Sal de Tavira” ou ”Sal de Tavira”... As características únicas da Flor de Sal são reconhecidas nacional e internacionalmente pelos grandes chefes de cozinha...A designação DOP é atribuída a um produto ou género alimentício cuja produção, transformação e elaboração devem ocorrer numa área geográfica determinada a partir de um saber fazer reconhecido... A candidatura remonta a 2011... Mas o ten Madeira e outros instrutores do CISMI, na década de 1960,  já estavam avançados quase meio século, quando nos mandavam "trabalhar que nem mouros" para as salinas...


Tavira > Quatro  Águas > Parque Natural da Ilha Formosa > 2 de fevereiro de 2014 > Foz do Rio Gilão... O topónimo Quatro Águas designa o sítio da i(i) confluência do Rio Gilão, do (ii) Canal de Cabanas, do (iii) Canal de Tavira e da (iv) barra de acesso ao mar através da ilha de Tavira...


Tavira > Quatro  Águas > Parque Natural da Ilha Formosa >  2 de fevereiro de 2014 > Arraial Ferreira Neto (**)



Tavira > Quatro  Águas > Parque Natural da Ilha Formosa >2 de fevereiro de 2014 >  Barco de pesca


Tavira > Quatro  Águas > Parque Natural da Ilha Formosa > 2 de fevereiro de 2014   > O famoso Arraial Ferreira Neto, hoje transformado em umidade hoteleira (**)


Tavira > Quatro  Águas > Parque Natural da Ilha Formosa > 2 de fevereiro de 2014 > O barco que faz a travessia para a Ilha de Tavira


Tavira > Quatro  Águas > Parque Natural da Ilha Formosa > 2 de fevereiro de 2014 > Travessia Quatro Águas- Ilha de Tavira... Tabela de preços e horários... Como seriam os preços no final dos anos 60 ?



Tavira > Santa Luzia > 1 de fevereiro de 2014 > Marginal


Tavira > Santa Luzia > 1 de  fevereiro de 2014 > Ostras da ria Formosa... No nosso tempo, no tempo em que passámos pelo CISMI, não dávamos grande valor às ostras... Alguns de nós passaram a apreciá-las em Bissau e em Quinhamel...



Tavira > Santa Luzia > 1 de fevereiro de 2014 > Casa típica, tradicional...


Tavira > Santa Luzia > 1 de fevereiro de 2014 > Táxis marítimos: tabela de preços e horários... Não tenho ideia de haver estes serviços no tempo...


Vila Real de Santo António > 1 de fevereiro de 2014 > Praça Marquês de Pombal > A placa do obelisco erguido em 1775, a expensas do comércio local das pescarias, e que simbolizava o poder do rei D. José, e do seu Secretário Estado do Reino, o Marquês de Pombal, verdadeiro fundador da cidade... 

"Vila Real de Santo António foi fundada em 1774, por vontade expressa do Marquês de Pombal, perto da foz do Guadiana. A cidade constitui um testemunho histórico importante devido ao facto de ter sido construída de raíz em apenas dois anos, segundo o padrão iluminista do século XVIII, caracterizado pela planimetria, altimetria e volumetria. A vila começou a ser construída em 1774 com base num processo de pré-fabrico  e estandardização, técnicas que a Casa do Risco das Obras Públicas empregava desde a reconstrução de Lisboa, ficando em Agosto do mesmo ano concluída toda a parte destinada à Sociedade das Pescarias.Foi rápida a sua construção, pois assim o exigiam as contingências da política face a Espanha e a vontade férrea do Marquês de Pombal, ministro do rei D. José I (1714-1777)" (...) (Fonte: CM Vila Real de Santo António).

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados.


1. E damos por encerrado, aqui, o roteiro (breve) de Tavira, aonde regressei, com "olhos de ver" e sem "mágoa no coração", 45 anos depois de ter feito o 2º Ciclo do CSM, no quartel da Atalaia, CISMI, no último trimestre de 1968 (*)...

Fiquei alojado dois dias no Convento das Bernardas Residence,  acessível na época baixa... É um notável projeto de recuperação arquitetónico, com a assinatura de Eduardo Souto de Moura... Aproveitei, obviamente, para percorrer o caminho que  ia dar à ilha de Tavira, a famosa estarad dos Quatro Caminhos, onde se toma o barco, para atravessando o Gilão, se chegar à ilha de Tavira que alguns de nós conheceram, no tempo da recruta e/ou especialidade...

Essa estrada era também uma das estações do calvário dos milicianos,  havendo instrutores que adoravam pôr-nos de salmoura, nas salinas.. Também fui, ou fomos (, eu, a Alice, e os meusw cunhados do Porto, Nitas e Gusto,, a Santa Luzia, zona piscatória de Tavira,  para provar as especialidades gastronómicas de Tavira onde o polvo continua a ser rei... E ainda houve tempo para dar um salto à pombalina Vila Real de Santo António...

Faltou, por manifesta escassez de tempo, revisitar a Cacela Velha, um dos  lugares mais mágicos da costa algarvia (,. pertence já ao concelho vizinho, de Vila Real de Santo António, ) e sobre o qual escreveu a nossa grande poetisa Sophia de Mello Breyner Andersen (Porto, 1919-Lisboa, 2004):

As praças-fortes foram conquistadas
Por seu poder e foram sitiadas
As cidades do mar pela riqueza

Porém Cacela
Foi desejada só pela beleza


[A conquista de Cacela, in: Livro Sexto, Lisboa, Morais, 1962]
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Notas do editor:


Vd. poste anterior:

28 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12783: Manuscrito(s) (Luís Graça) (23): Gostei de voltar a Tavira (Parte V): No último trimestre de 1968, quando por lá passei, não tive condições físicas e psicológicas para descobrir a cidade, as suas ruas, o seu património e as suas gentes... Pairava já na minha cabeça o fantasma da guerra colonial...

(**) Sobre o Arraial Ferreira Neto:

CM Tavira > Património arquitetónico civil:

(...) Arraial Ferreira Neto (Monumento de Interesse Público)

Localização: Praia das Cascas, junto à foz do rio Gilão. Tavira.

O Arraial Ferreira Neto está implantado no lado nascente da foz do rio Gilão, perto de Tavira, numa zona denominada Quatro Águas (confluência do Rio Gilão, do Canal de Cabanas, do Canal de Tavira e da barra de acesso ao mar através da ilha de Tavira), perto da Fortaleza do Rato.

Como conjunto edificado o Arraial constitui um vestígio de grande importância das atividades económicas da Ria Formosa e da região e um dos poucos testemunhos arquitetónicos das instalações de apoio à pesca do atum de toda a costa algarvia, constituindo um exemplo perfeito da organização social, urbanística e arquitetónica do Estado Novo.

O atual conjunto veio substituir as instalações anteriores, demolidas pelo mar no ano de 1943, existentes na praia do Medo das Cascas, na Ilha de Tavira, mesmo em frente ao local onde se localiza agora o Arraial Ferreira Neto. O conjunto foi projetado pelo Eng.º Sena Lino em 1943, tendo por base o conceito de uma unidade urbana autónoma onde pudessem viver cerca de 150 famílias, com a sua zona industrial, as suas oficinas e a sua zona habitacional e de lazer. O Arraial era o local onde se concentravam os pescadores e família, que durante a campanha aí viviam e cuidavam nas oficinas os materiais e apetrechos necessários à faina da pesca do atum.

O Arraial - que é todo murado, apenas com duas portas externas de serviço- foi construído de forma a separar inteiramente a parte industrial da reservada às habitações, que é constituída por dois largos e cinco ruas. No seu conjunto é um autêntico bairro social piscatório, com o aspeto de "uma aldeia de linhas rústico-portuguesas" onde habitariam 400 a 500 pessoas, pois oferecia instalações adequadas ao exercício da atividade industrial, assim como o conforto necessário ao descanso dos pescadores e das suas famílias. Possui edifício escolar, balneário, forno, capela, posto médico, sanitários públicos e clube, além de uma rede completa de esgotos e cinco cisternas. Possui ainda um cais de embarque apetrechado com um guindaste manual na foz do rio Gilão.

Os projetos de arquitetura desenvolvidos no auge do governo do Estado Novo são um exemplo da racionalidade formal típica da época, com o seu aprumo volumétrico e a sua métrica "moderna", o uso de "materiais portugueses" (pedra bujardada, telha de canudo, ladrilhos de barro, painéis de azulejo e portas de madeira pintada com aldraba ou postigo de reixa), e as técnicas mais atuais da altura - fundações diretas em alvenaria ordinária, escadas em betão, paredes de tijolo cheio rebocado e estruturas da cobertura em asnas de madeira.

Com o declínio das capturas de atum até 1970 e 1971, data das últimas campanhas, o Arraial deixa de cumprir a finalidade para que fora destinado. Data de então a sua desafetação definitiva, tendo-se convertido mais recentemente em unidade hoteleira.

Fonte: IGESPAR (...)