Mostrar mensagens com a etiqueta Abílio Magro. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Abílio Magro. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19816: Memórias do QG/CTIG, Santa Luzia, Bissau (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, QG/CTIG, 1973/74)





Carlos Filipe Gonçalves, hoje jornalista aposentado, 
a viver na Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde


1. Mensagem, com data de 16 do corrente, de Carlos Filipe Gonçalves, ex-.fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74, membro recentíssimo da Tabanca Grande, com o nº 790 (*)

Olá,  Luis:

Como prometido,  aqui vão algumas fotos do tempo da minha Comissão na Guiné . Foram todas tiradas logo no início da minha chegada entre Março e Maio de 1973,  tinha comprado uma máquina fotográfica a um camarada durante a viagem no Uíge… De modo que logo que cheguei, andava entusiasmado com o “aparelhómetro”,  tirava fotos por tudo e por nada… Mandava revelar naquela casa fotográfica aí perto do Hospital em Bissau, naquela rua que desembocava na estrada de Santa Luzia. A Foto Cardoso!... Pois é,  o homem saiu de Bissau depois do 25 de Abril e instalou-se na Cidade da Praia,  aqui em Cabo Verde e a Foto Cardoso está aqui, desde 1974…

Falando agora de recordações das Fotos que envio e que devem interessar aqueles que estiveram em Santa Luzia en 1973/74:



Fotnº 1

1 - Foto da Piscina da messe de Oficiais, com o ecrã de cinema ao fundo. Foi aí que aconteceu o episódio muito bem descrito no Blog pelo camarada Abílio Magro com o titulo – "Bomba" no Clube de Oficiais do CTIG”.



Foto nº 2


2 – Foto do Poilão que fica(va) na pequena rotunda da estrada que vem do QG e vai dar à Messe de Sargentos.



Foto nº 3

3 -  Foto na zona dos quartos da Messe de Sargentos em Santa Luzia.


Fotos (e legendas): ©  Carlos Filipe Gonçalves (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Finalmente, a ainda em relação ao camarada Abílio Magro (**), para comentar a foto em que ele aparece ao lado de uma piscina em construção: Como ele bem disse, os sargentos só podiam tomar banhos de piscina da Messe de Oficiais, às quintas de manhã e aos sábados à tarde.

 Bem, o início de obras de uma piscina na Messe de Sargentos que é a que se vê na foto [º 1], foi muito acolhida! As obras começaram, o meu quarto é um daqueles cujas janelinhas se veem na foto atrás do camarada Abílio Magro.



Guiné > Bissau > Santa Luzia > QG / CTIG > Cartão que nos foi distribuído para podermos circular no QG depois da bomba. Reparem nas datas de emissão e validade (parece que contavam comigo até ao fim da comissão). (**)




Guiné > Bissau> QG/CTIG > Santa Luzia > c.  1974 > O Abílio Magro, "junto às obras da piscina de sargentos que estava a ser construída nas traseiras dos nossos quartos" (**)


Fotos (e legendas): © Abílio Magro (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Passei mal com aquelas obras, Caterpillar logo de manhã cedo, poeira em enorme quantidade… Infelizmente as obras daquela pisca dos Sargentos nunca foram terminadas, porque aconteceu o 25 de Abril, e poucos meses depois teve início a retirada militar da Guiné. 

Como eu fiquei na Guiné até 1975… posso dizer o seguinte: Aquilo tudo ficou ao abandono, depois das chuvas de 1974, a piscina em obras ficou inundada! A piscina da Messe de Oficiais (entretanto Hotel 24 de Setembro) esteve aberta ao público em 1974/75, parece que funcionou ainda durante mais algum tempo… Quando visitei Bissau em 1987 a piscina estava toda escangalhada, inutilizada. Não sei se existirá actualmente…

Aquele abraço

Carlos Filipe Gonçalves

Jornalista Aposentado 
e já agora ex-Furriel Miliciano n.º 800 048/71 

terça-feira, 10 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16074: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (11): Honrando os nossos "mais velhos": Fernando Valente (Magro), cap mil art, BENG 474 (Bissau, 1970/72), que faz hoje 80 anos... Tem 60 meses / 5 anos de serviço militar, e mais 5 manos que serviram a Pátria em Angola, Guiné e Moçambique... Recorda-se também aqui o relevante papel da engenharia militar na Guiné, através do BENG 447


Capa do livro "A Engenharia Militar na Guiné - O Batalhão de Engenharia". Coord. Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar. Lisboa : Direcção de Infraestruturas do Exército, 2014, 166 p. : il. ; 23 cm. PT 378364/14 ISBN 978-972-99877-8-6.  Índice da obra: ver aqui.

[Cortesia de Nuno Nazareth Fernandes] (*).


1. Em honra do nosso camarada Fernando Valente (Magro) que hoje faz 80 (oitenta anos!) (o outro aniversariante é o Henrique Matos, "régulo da Tabanca do Algarve") (*) e é um dos "nossos mais velhos", o que na cultura da Tabanca Grande significa, mais do que um 'posto', respeito, apreço, orgulho ...

Recorde-se que Fernando Valente (Magro):

(i) nasceu a 10/05/1936 em Arouca;

(ii) foi Engenheiro Técnico de Construções Civis no Ministério das Obras Públicas;

(iii) prestou serviço na Guiné como Capitão Miliciano de Artilharia, entre 1970 e 1972, no BENG 447;

(iv) é membro da Associação Portuguesa de Escritores;

(v) é autor das seguintes obras literárias: Menina do Meu Pensar; A Canção Arábica;  Memórias da Guiné; Um Olhar Abrangente; As Aventuras de Robin dos Bosques;

(vi) tem dois blogues: Portugal e o Passado..; Histórias da Vida Real.

Do primeiro blogue voltamos aqui a reproduzir, em sua honra e em honra dos demais camaradas do BENG 447, um poste com a data de 12 de maio de 2015. Foi originalmente publicado no seu livro  "Memórias da Guiné",  Edições Polvo, Lda, 2005...  É um notável poste, não só pelos apontamentos biográficos como pelo relato da trágica emboscada que sofreram as NT em 22/3/1974, a um mês do 25 de abril, na estrada Piche-Nova Lamego, no troço entre Bentem e Camabajá, poderosamente evocado pelo fur mil do BENG 447, Manuel Pedro Santos. É uma forma de os associarmos também, aos nossos camaradas da engenharia militar, à festa dos nossos 12 anos: o nosso blogue nasceu em 23/4/2004 (***).

Há uma página no Facebook sobre o BENG 447, Brá, Guiné - Comunidade  (sem movimento desde há um ano...). No nosso blogue há cerca de 7 dezenas de referências ao BENG 447. E temos vários camaradas da engenharia militar na nossa Tabanca Grande.


2. Poste do blogue Portugal e o Passado... A nossa verdade sobre a história de Portugal... > 12 de maio de 2015 >  A Agonia do Império (excerto)

por Fernando Valente (Magro)


Guiné > s/l > s/d > c. 1970/72] > O Cap Mil Fernando Valente (Magro), à esquerda, acompanhando o Gen Spínola e o Comandante Militar; ao centro, o Ajudante de Campo do Com-Chefe, Almeida Bruno.

[Cortesia do blogue Os Magros do Capim - A gesta de seis irmãos que cumpriram Serviço Militar em África (Angola, Guiné e Moçambique)]

(...) Essa guerra [, a guerra colonial], em três frentes, tornar-se-á longa obrigando a um grande esforço material e humano, com sacrifício de várias gerações de jovens soldados, enquadrados por sargentos e oficiais do quadro permanente e do quadro de complemento (milicianos).

No caso da minha família (Valente Magro) todos os meus cinco irmãos e eu próprio fomos chamados a prestar serviço militar obrigatório e todos fomos mobilizados: um para Moçambique, como alferes miliciano;  dois para Angola sendo um deles no posto de furriel,  e o outro como cabo especialista da Força Aérea;  e três para a Guiné, sendo eu, o mais velho, como capitão miliciano, o mais novo como furriel [Abílio Magro] e o imediatamente a seguir ao mais novo como primeiro cabo auxiliar de enfermeiro [, Álvaro Magro].

No meu caso particular,  fui duas vezes incorporado obrigatoriamente na vida militar. Em 1959 iniciei o cumprimento da minha primeira obrigação militar na Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas como cadete tendo acabado como aspirante oficial miliciano no Grupo de Artilharia Contra Aeronaves n.º 3, em Paramos, Espinho. Somente regressei à vida civil em Fevereiro de 1960 como alferes miliciano, tendo sido promovido mais tarde a tenente miliciano na disponibilidade. Estive nas fileiras do exército nessa primeira fase durante vinte meses.

Depois disso entrei ao serviço do Ministério das Obras Públicas como engenheiro técnico, casei e nasceu o meu filho Fernando Manuel em 1961, precisamente no ano da invasão e anexação pelas tropas da União Indiana das possessões de Goa, Damão e Diu.

Também em 1961 teve início a guerra colonial de Angola, que se estendeu rapidamente à Guiné e a Moçambique como já referi anteriormente. Na altura, em 1961, ainda receei ser mobilizado como alferes, mas tal não se verificou. Mas em 1968, passados sete anos, tive conhecimento que, por haver muita falta de comandantes e companhia (capitães),  o governo estava incorporando os tenentes milicianos na disponibilidade a fim de frequentarem obrigatoriamente um curso de promoção a capitães, tendo em vista a sua mobilização, nesse posto, para as guerras coloniais em África.

O aviso para me apresentar em Mafra a fim de frequentar o referido curso de promoção a capitão chegou-me a vinte e oito de Fevereiro de 1969. Em Março desse mesmo ano fui pela segunda vez incorporado no exército e só passei à disponibilidade em trinta de Junho de 1972, isto é, passados quarenta meses. Como na minha primeira incorporação tinha estado vinte meses ao serviço do exército, com esta segunda incorporação perfiz sessenta meses, isto é cinco anos de vida militar obrigatória.

Vida militar que na segunda fase compreendeu uma comissão na Guiné de 10 de Abril de 1970 a 30 de Junho de 1972. Essa comissão que inicialmente estava para ser cumprida comandando uma companhia operacional no mato, acabou por ser levada a efeito no Batalhão de Engenharia 447, em Bissau por intervenção do Governador e Comandante-Chefe da Guiné, General Spínola, que decidiu colocar-me no referido batalhão de engenharia aproveitando a minha formação civil. Aí chefiei os Serviços de Reordenamentos Populacionais.

Tratava-se de um serviço dirigido por militares que era essencialmente destinado às populações civis. Tinha em vista proceder ao agrupamento de diversas pequenas "tabancas" com o fim de constituir aldeamentos médios onde fosse rentável dotá-los com algumas infraestruturas tais como escolas, postos sanitários, fontanários, tanques de lavar, cercados para o gado, mesquitas ou capelas. Além disso tinha-se também em vista, com a execução dos reordenamentos, a defesa e o controle das populações.

Capa do livro, edições Polvo, 2005
A minha actividade não estava por isso circunscrita à cidade de Bissau. Tinha por vezes que me deslocar ao interior do território para resolver localmente problemas que surgiam durante as obras dos reordenamentos populacionais. Fiz, por isso, algumas viagens para o interior da Guiné em helicóptero ou em avião militar (Dornier). Essas viagens tinham alguns riscos devido aos independentistas, a certa altura, se terem apetrechado com mísseis terra-ar e devido aos tornados que por vezes se formavam e que eram perigosos principalmente para as pequenas aeronaves.

Durante a minha estadia na Guiné ocorreu um acidente justamente com um helicóptero que transportava cinco deputados da Assembleia Nacional e que um tornado fez despenhar no rio Mansoa tendo morrido todos os seus ocupantes.

Comigo as deslocações ao interior da Guiné correram sempre sem perigo, mas para outros militares não foi sempre assim. O Batalhão de Engenharia 447 tinha como funções dar apoio às tropas aquarteladas na Guiné no âmbito de garantir o regular funcionamento dos quartéis, promover o fornecimento de geradores eléctricos, orientar e apoiar as obras de reordenamentos populacionais, fornecer material de manutenção, construir estradas, pontes e portos de atracagem, quartéis e abrigos subterrâneos, etc.

Muitos elementos do BENG 447 tinham de se deslocar ao mato frequentemente em colunas por via terrestre e alguns correram grandes riscos como podemos constatar pelo relato trágico que o Furriel Miliciano de Engenharia Pedro Manuel Santos fez no livro "A Engenharia Militar na Guiné" (no qual também colaborei) (*) quando descreve uma emboscada que sofreu uma coluna de dez viaturas, em que ele mesmo seguia, da seguinte forma:

"No dia 22 de Março de 1974 quando regressava de Piche para Nova Lamego, em coluna militar, e após termos percorrido cerca de dez quilómetros entre Benten e Cambajá, cerca das 8:30 horas, sofremos uma emboscada de grande violência.

O PAIGC (Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde) tinha colocado à beira da estrada cerca de 110 abrigos e outra grande quantidade de guerrilheiros em cima de mangueiros. O número de guerrilheiros estimou-se entre duzentos e duzentos e cinquenta elementos...

A nossa coluna militar era constituída por dez viaturas, sendo duas chaimites, uma white, três berliets e quatro unimogs. Quando deflagrou a emboscada as duas chaimites da frente foram as primeiras a ser atacadas com RPGês bem como uma white e um unimog.

A primeira chaimite onde ia o capitão Luz Afonso passou e saiu da estrada protegendo-se no mato no lado oposto ao dos guerrilheiros tendo sido ainda atingida por um rocket de raspão. A segunda chaimite, onde ia eu, apanhou uma rocketada à frente, bem como no lugar onde ia o condutor e o Furriel Soares que a comandava. Perfurou o blindado e cortou as pernas aos dois referidos camaradas que começaram a gritar por ajuda.

O cabo Augusto Graça que ia na metralhadora, com uma enorme frieza dispara durante algum tempo até que a velha máquina se encravou. Durante uns minutos, que me pareceram anos, a chaimite começou a arder pela frente e as chamas envolveram os companheiros que tinham sido atingidos pela rocketada e que já estavam sem pernas.

Lembro-me de olhar nos olhos o Furriel Soares, que comandava a chaimite, e que me pediu para o não deixar morrer ali. Por segundos tentei pegar num deles mas a viatura já se encontrava com um nível de calor muito elevado e o perigo de ficarmos todos lá dentro era iminente.

O cabo atirador Augusto Graça apenas teve tempo de abrir metade da escotilha do blindado e gritar para fugirmos. Já não pude fazer mais nada. Tive de abandonar o blindado. Saí eu, o capitão miliciano Fernando e o cabo Augusto Graça. Corri cerca de cem metros e logo atrás de mim um guerrilheiro do PAIGC tentou agarrar-me à mão. De imediato os depósitos da chaimite rebentaram e deu-se uma enorme explosão.
Ainda me lembro de ouvir as balas e as granadas que estavam dentro do blindado a rebentar e os últimos gritos dos meus dois camaradas! Nesse momento o guerrilheiro que correu atrás de mim, em volta de um enorme morro de formigas "baga baga", desistiu, presumo que assustado pela enorme explosão da chaimite e consegui despistá-lo fugindo para o mato. A minha G3 tinha ficado no blindado.


Guiné > Zona leste > Região de Gabú > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Coluna logística, vinda (presumivelmente) de Nova Lamego e a chegar a Piche... À frente uma Chaimite, seguida de uma White... As duas viaturas deveriam, possivelmente, pertencer ao Esq Rec Fox 8840 (Bafatá, 1973/74). Foto do álbum fotográfico do nosso camarada Jacinto Cristina (Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo).

Foto: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

Dentro do mato encontrei o capitão Fernando... ele trazia uma pistola Walter e disse-me: esta pistola é para nos suicidarmos se formos agarrados à mão!

A partir de aí perdi por completo a memória, não sei por onde andei nem durante quanto tempo, mas dizem-me que foi por um dia inteiro. Tenho uma vaga ideia de ir ter sozinho à estrada e encontrar o Furriel Fidalgo que fazia segurança ao material queimado. Senti o cheiro de carne humana queimada que saía da minha chaimite e que até hoje nunca mais me saiu do nariz.

Levaram-me para Piche onde o nosso capitão Luz Afonso já se encontrava à espera de transporte para Bissau. Segui, depois, para Nova Lamego onde fui tratado a uma perna que ficou ferida ao sair por metade da escotilha da chaimite. Fui depois evacuado para o Hospital Militar de Bissau...

A minha arma foi entregue mais tarde no BENG 447 apenas com a parte de ferro crivada das balas que rebentaram dentro da chaimite. O Furriel Fidalgo disse-me que quando apareci do mato e o encontrei junto à estrada só gritava para ele: "Foge que vem aí os amarelos!" (referindo-me aos fardamentos do guerrilheiros do PAIGC) e que estava completamente baralhado da cabeça. 

Chamaram-me o "morto-vivo" por ter sido dado como morto e depois aparecer com vida. Nesta emboscada tivemos seis mortos (****), dezasseis feridos muito graves e três feridos ligeiros. Tenho na memória alguns camaradas a respirar pelas costas e já sem vida. Alguns completamente desfeitos. Outros a serem tratados com garrotes.

Quando regressei à metrópole para junto da minha família... senti-me completamente abandonado e entregue a mim próprio. Ninguém me perguntou se estava bem ou mal, se precisava ou não de qualquer tipo de ajuda. Tinha de recomeçar a minha vida...

Hoje, passados quarenta anos, acho imprescindível este desabafo para que alguém com poderes para isso não deixe que a história se repita neste capítulo.

Esta é apenas uma história entre outras que em dois anos sucederam e que não gosto de contar mas entendo que a devia escrever. A todos os ex-combatentes ainda vivos deixo uma palavra de coragem para acabarmos os dias que nos falta viver.

As gerações vindouras que não esqueçam a brutalidade a que o Governo de então submeteu os jovens da nossa geração. Quando se fala de ex-combatentes deve tributar-se o respeito que eles merecem pois marcaram e fazem parte de uma página da história que, em nome da Pátria, foram obrigados a cumprir e muitos a darem, inclusive, a sua própria vida."

[Texto originalmente publicado em "Memórias da Guiné",  de Fernando Magro,  Edições Polvo, Lda, 2005]



Guiné > Zona leste > Região de Gabu  > Carta de Nova Lamego > Escala 1/50 mil (1957) > Pormenor: Troço Cambajá-Bentem na estrada Nova Lamego

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016).
________________


(***) Último poste da série > 8 de maio de 2016 >  Guiné 63/74 - P16065: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (10): Republicando o poste P5807, de 13/2/2010: O 6.º aniversário do nosso Blogue (1): Homenagem ao Fundador Luís Graça e a toda a tertúlia (Jorge Félix/Carlos Vinhal)

(****) Nesta emboscada, na estrada de Piche-Nova Lamego,  morreram 2 soldados e 2 furriéis do Esq Rec Fox 8840, 1 soldaddo da CCAÇ 21 e 1 soldado do 12.º Pel Art

Lembremos aqui o nomes desses bravos camaradas:

(i) Do EREC 8840/72 (Bafatá, 1973/74):

2 fur mil cav, José António da Costa Teixeira, natural de Lousada; e Manuel Joaquim Sá Soares, natural de Santo Tirso; e

2 sold cav,  João da Costa Araújo, natural de Ponte Lima; e Victor Manuel de Jesus Paiva, natural de Castelo Branco;

(ii) Dois soldados naturais da Guiné: Bailó Baldé, natural de Nova Lamego, sol at inf, CCAÇ 21; e Bambo Nanqui, natural de Fulacunda, sold at art, 12º Pel Art / GAC 7.

domingo, 20 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15879: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (15): N'fendi cadera goss!

1. Em mensagem do dia 7 de Março de 2016, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense da CSJD/QG/CTIG, 1973/74) enviou-nos uma lição de crioulo da Guiné-Bissau:


N'fendi cadera goss!

O crioulo da Guiné-Bissau

O crioulo é uma língua natural, isto é; uma linguagem que foi desenvolvida naturalmente pelo ser humano, de forma espontânea e serve de meio de comunicação entre os falantes de idiomas diferentes.
Estas linguagens: “Possuem normalmente gramáticas rudimentares e um vocabulário restrito, servindo como línguas de contacto auxiliares. São improvisadas e não são aprendidas de forma nativa.”

Consta que o crioulo da Guiné-Bissau (kriol) terá surgido como uma mistura de vários dialectos das mais variadas etnias, de modo a dificultar a compreensão dos portugueses, na época do colonialismo. Trata-se de uma língua falada, e não escrita, pois há poucos livros escritos em crioulo, e também não é a língua oficial do país, não sendo portanto, ensinada nas escolas.
Durante a guerra colonial na Guiné-Bissau (1963-1974), com a chegada massiva de tropas oriundas das várias regiões de Portugal, o crioulo da Guiné acabou por absorver muitos vocábulos portugueses.
Por outro lado, os militares portugueses, “na caserna”, acabaram por “inventar” algumas expressões, misturando crioulo com regionalismos e algum calão, originando uma linguagem digna de inclusão num qualquer compêndio linguístico.
Mas como, efectivamente, não existia qualquer dicionário, nem documento escrito que informasse qual o real significado de alguns termos em crioulo, estes eram por vezes usados de maneira diferente pelos militares, conforme a época e a região em que permaneceram na Guiné.

Por exemplo:
“- Djubi lá!” (para alguns “Djubi” significava “Jovem” e, para outros, significaria “Olha”; “lá” significava “ali” para todos).
Assim, para uns, “djubi lá!” queria dizer: “Jovem, olha ali!”; para outros queria dizer: “Olha ali!”
De qualquer maneira este pequeno exemplo serve para demonstrar a imaginação de caserna, pois era frequente ouvir-se os militares a usarem um novo verbo; “jubilar” (de “djubi lá”), como por exemplo:
“- Eh pá, estás a ‘jubilar’ a bunda da bajuda?!”
Que se podia traduzir por :
“- Eh pá, estás a olhar para o ‘traseiro’ da moça?!”

Conforme referi numa mensagem anterior, havia na sala onde eu prestava serviço na CSJD/QG/CTIG quatro escriturários, dois brancos e dois negros. Um dos escriturários brancos era também ajudante na Igreja Católica de Bissau (sacristão?) e falava crioulo muito bem. Deu-me algumas “aulas” e eu, na altura, “desenrascava-me” razoavelmente a falar crioulo.
Conhecia muitas frases e, embora seja minha intenção deixar aqui alguma informação sobre o assunto, não asseguro que a ortografia seja a correcta, já que o meu crioulo foi aprendido de ouvido, aliás como quase toda a gente por não existirem livros sobre o assunto.

O título deste capítulo “N’fendi cadera goss!”, era uma frase frequentemente usada pelos negros quando se “pegavam” uns com os outros e estavam prestes a chegar a vias de facto. Significava:
- n’ (eu)
- fendi (parto)
- cadera (cadeira, bunda)
- goss (rápido, depressa)

Isto é:
“- Eu parto bunda rápido!” o que, traduzido para um português mais vernáculo, queria dizer:
“- Eu parto-te já o ‘focinho’!”

Uma vez que já se passaram mais de quarenta anos e muitos dos termos já se me “varreram” completamente da memória, fiz umas pesquisas na net, onde encontrei a informação abaixo, à qual acrescentei algumas frases que aprendi de ouvido.

“Em português temos: eu, tu, ele, nós, vós, eles. Em crioulo: n', bu, i, no, bo, e. Estes são os chamados pronomes «fortes». Algumas vezes é possível usar os «fracos»; Ami, abo, elis. (eu, tu , eles).

Kuma ke bu sta? (como é que tu estás?)
Kuma bai kurpu di bo? (Como vai o seu corpo? = Como vai sua saúde?)
No na bai nus nima (nós vamos ao cinema)
Sta dretu (está certo, está bem), (o «está» virou «sta» e o «direito» virou «dretu»)
Pa bia di kê? (porquê?), (talvez uma derivação de “por via de quê”)
Alin'li (aqui estou, no sentido de «tou na boa»)


Como curiosidade, aqui vos deixo um "Pai Nosso” em crioulo da Guiné-Bissau:

“No pape ku sta na seu, (Pai Nosso, que estais no Céu)
pa bu nomi santifikadu, (Santificado seja o Vosso Nome)
pa bu renu bin, (Venha a nós o Vosso Reino)
pa bu vontadi fasidu (Seja feita a Vossa Vontade), (talvez traduzido à letra: 'para vós vontade fazida')
na tera suma na seu. (Assim na Terra como no Céu)
Partinu aos no pon di kada dia, (O Pão-Nosso de cada dia nos dai hoje)
purdanu no pekadus (Perdoai-nos as nossas ofensas)
suma ke no purda kilis ki iaranu, (Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido)
ka bu disanu kai na tentason (E não nos deixeis cair em tentação)
ma libranu di mal. (Mas livrai-nos do mal.)
Amen. (Amém)"


Alguns sinónimos:

ka = não;
ka bai = não vou;
ka tem = não tenho;
ka sabe = sabe mal, não presta;
ka sibe = não sei;
ka miste = não quero;
parte (de reparte?) = dá;
catota = vagina;
peso = escudo, dinheiro;
parte peso = dá escudo, dinheiro;
parte catota = anda fazer amor ;
parte punho = (adivinhem…);
Manga = muito;
Ronco = festa, bom, fixe, etc.

Se a duas ou três palavras em crioulo juntarmos uma ou outra palavra em português, ficamos a falar crioulo que nem um manjaco!

Por exemplo:
- Furriê, parte peso(1) (furriel dá um peso).
- Ka tem patacom (não tenho dinheiro).

Quando nos aparecia um preto que ainda não conhecíamos.
- Kal raça di bó?
- Fula.
- Manga de ronco!

Se fosse de uma outra etnia qualquer (são cerca de trinta) respondia-se de igual modo e eles ficavam felizes, claro, porque tinham orgulho na sua raça.

Nos anos de 1960-70 estava em moda uma canção de Gianni Morandi (cantor italiano) que tinha o título; “Não sou digno de ti”.

Na maioria das vezes as rádios locais transmitiam os seus programas totalmente em crioulo e, entre os militares, constava que a dada altura o locutor de serviço terá anunciado:

“- Pa tudu irmon de no tera e Mamadu Djaló cabita Catió, Giani Morandi na bai na canta pra bo, ‘Ka so dinho di bo’ ”.

Provavelmente tratar-se-ia apenas de uma ‘caricatura’, onde o uso de muitos «ós» dava à frase uma sonoridade engraçada.

“Pa tudu irmon de no tera” – Para todos os irmãos da nossa terra, para todos os guineenses.
“Mamadu Djaló” – nome muito frequente na Guiné-Bissau.
“cabita Catió” – que mora em Catió (pequena cidade da Guiné-Bissau).
“na bai na canta pra bo” – vai cantar para vocês.
“Ka so dinho di bo” – Não sou digno de ti.
____________

Fontes:
Wikipédia
http://marcoembissau.blogspot.pt

(1) – O peso foi a moeda da Guiné-Bissau entre 1975 e 1997, após o que foi substituído pelo Franco CFA (Colónias Francesas Africanas) aquando da sua entrada na União Monetária dos Estados da África Oriental - UEMOA (Union Économique et Monétaire Ouest Africaine).
Já antes da independência os guineenses chamavam “peso” ao escudo português da Guiné.

Abílio Magro
____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15618: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (14): O Prisioneiro da Ilha das Galinhas

sexta-feira, 18 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15874: Notas de leitura (819): "Seis Irmãos Em África", narrativa cativante à volta de seis irmãos nascidos entre 1936 e 1951 que foram à guerra em Angola, Moçambique e Guiné (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Março de 2016:

Queridos amigos,
Estamos sempre a aprender, estes seis irmãos experimentaram a guerra e juntaram os relatos que forçosamente nos tocam pela ausência de redundâncias e arrebiques, não há para aqui declarações de valentia nem a descarga de azedumes, as coisas foram assim, e ninguém encenou bravatas, há mesmo a propensão para as horas de folia, até há uma descrição humorada de um amanuense que viu em Cacine os lances dramáticos, as sequelas dos ataques a Gadamael, naqueles bravios meses de 1973.
Honra aos Magro, pelo que se lê vieram de boa saúde e guardam o que há de melhor nos tempos de camaradagem que a guerra permite.

Um abraço do
Mário


Os seis irmãos Magro deixaram a casa e foram à guerra

Beja Santos

Trata-se de uma narrativa cativante à volta de seis irmãos nascidos entre 1936 e 1951 que foram até Angola, Moçambique e Guiné participar na guerra, cada um na sua especialidade. Não sei se existe outra família com tal historial. Juntaram memórias que primam pela singeleza e economia descritiva nas diferentes abordagens. Nada de grandes amarguras, nada de mistificações, sente-se que os Magro são folgazões e não querem fazer alarido de bravuras que não viveram. Fazem parte de um arco familiar que nunca foi esquecido, como escrevem: “Uma casa repleta de juventude e movimento ficou, no espaço de dois ou três anos, vazia, fria, envolta em tristeza, albergando apenas o pai, já viúvo. A mãe, doente, vira partir e apenas regressar um. Foi duro. Já não viu partir o sexto”.

Do mais velho já aqui falámos, o Capitão Miliciano de Artilharia Fernando Magro, que teve responsabilidades em Bissau pelas obras dos ordenamentos. Tinha prestado serviço militar entre 1958 e 1960, foi repescado em 1968. Com a saúde precária, foi colocado em Bissau nos Serviços de Reordenamentos Populacionais, chefiando depois os Serviços do Batalhão de Engenharia 447, tendo acumulado atividades extras. Retomando um texto publicado, lembra-nos que a rapaziada da Engenharia que tinha como funções dar apoio às tropas aquarteladas na Guiné, promovendo o fornecimento de geradores elétricos, orientando e apoiando as obras de reordenamentos populacionais, construindo estradas, pontes e portos de atracagem e até quarteis, também corriam perigos, como nos conta os acontecimentos vividos pelo Furriel Miliciano de Engenharia Pedro Manuel Santos, constante do livro “A Engenharia Militar na Guiné”, uma emboscada sofrida entre Piche e Nova Lamego, em 22 de Março de 1974, seguiam na coluna militar elementos do Batalhão de Engenharia. Escreve Pedro Manuel Santos: “Nesta emboscada tivemos 6 mortos, 16 feridos muito graves e 3 feridos ligeiros. Tenho na memória alguns camaradas a respirar pelas costas e já sem vida. Alguns completamente desfeitos. Quando regressei à metrópole senti-me completamente abandonado e entregue a mim próprio. Ninguém me perguntou se estava bem ou mal, se precisava ou não de qualquer tipo de ajuda. Tinha de recomeçar a minha vida”.

A seguir a Fernando vem Rogério, Furriel Miliciano Atirador de Infantaria, em Angola, 1967/1969. “O Rogério foi dos seis irmãos que prestaram serviço nas ex-províncias ultramarinas o que certamente teve o percurso militar mais duro, como maiores privações e que enfrentou maiores perigos”. Depõe sobre os seus dias em Lumbala, 48 dias a comer rações de combate, não faltaram emboscadas, relata histórias de solidariedade e até ordem de prisão. Para nunca mais esquecer foi uma história vivida em Maio de 1968 em que o mandaram levantar o dinheiro para pagar os ordenados da CCAÇ 1719, andou com a pasta apavorado uma série de dias, um pesadelo quando podiam ter sido alguns dias de férias no Luso.

O terceiro irmão chama-se Dálio, Alferes Miliciano de Engenharia, andou por Moçambique, em Marrupa, entre 1970 e 1972. A despeito da canseira das colunas e dos ataques de abelhas, é o Magro que terá levado a comissão com a maior carga de otimismo e bonomia. Temos depois o caso de Alberto, Especialista da Força Aérea, cumpriu seis anos de serviço militar entre Tancos, Angola e S. Jacinto. Guarda recordações das evacuações, das idas à caça e da operação Siroco, que envolveu tropas especiais.

O mano seguinte é Álvaro, Primeiro-Cabo Auxiliar de Enfermagem, começou em Mansambo, participou numa operação militar, adormeceu e quando acordou viu-se sozinho. O irmão Fernando, Capitão em Bissau, tudo fez para o trazer para o Hospital Militar de Bissau. É por esse tempo que morre a mãe dos Magro, ainda muito nova, foi um abalo para aquela ninhada de oito irmãos.

O último dos Magro, de nome Abílio, foi Furriel Miliciano Amanuense. Deixa-nos um registo do Major Leal de Almeida, amigo do irmão Fernando. Viveu a contragosto o período turbulento dos ataques a Gadamael e de toda aquela gente que se foi recolher a Cacine. Não esqueceu as bombas em Bissau, no café Ronda, no autocarro da Base Aérea e o dia 25 e 26 de Abril em Bissau. Mas divertiu-se imenso, gostou de aprender crioulo, é um belíssimo relato. No termo destas memórias, fecha-se o arco familiar falando dos pais, Acácio Lamares Magro e Adelina de Pinha Valente. Seis irmãos que andaram por várias paragens e que passaram a limpo as suas memórias, sem prosápia nem farronca; dá gosto esta leitura de gente que não precisa de fazer alarde nem teatro nem fantasia do que experimentaram e guardaram para nos contar.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15855: Notas de leitura (816): "Seis irmãos em África", edição de autor, Porto, 2016... Um excerto: "Perdido no mato de Mansambo... por uma hora!" (Álvaro Magro, ex-1º cabo aux enf, CART 3494, Mansambo, e HM 241, Bissau, 1971/74)

quarta-feira, 16 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15864: Tabanca Grande (483): Álvaro Magro (ex-1.º Cabo Aux Enf da CART 3493, Mansambo e HM 241 de Bissau, 1971/74). Passa a ser o grã-tabanqueiro n.º 712, com direito a sentar-se à sombra do nosso poilão, ao lado dos seu manos Abílio Magro e Fernando Valente Magro

1. Aceitou o nosso convite para integrar a Tabanca Grande, sob o n.º 712,  o Álvaro Magro, ex-1.º Cabo Aux Enf (CART 3493, Mansambo e HM 241, 1971/74), um dos seis "Magros do capim", co-autor do livro "Seis Irmãos em África" (*)

O convite fora há dias dirigido nestes termos:

(...) "E como há sempre um Magro desconhecido, aqui vai a ficha da tropa do Álvaro Valente Lamares Magro, o terceiro da família que foi parar à Guiné e a quem eu peço licença para enfileirar na Tabanca Grande, ao lado dos manos Fernando Valente (Magro) e Abílio Magro, se eles. os três, concordarem... 

O mais importante é a vontade e a opinião do Álvaro, por muito que prezemos a opinião do mano mais velho (Fernando) e do mais novo (Abílio). Temos um número para ele, o 712, um lugar jeitoso à sombra do mágico poilão da Tabanca Grande... Era muito honroso termos cá, todos sentadinhos e bem comportadinhos, os três manos Magro que foram à Guiné... É caso único...

Se os outros três, que andaram por outros "matos" (Angola e Moçambique) se quiserem juntar a nós, era ouro sobre azul!... Acho que nos podíamos candidatar ao Guiness Book of Records!... (Na verdade, não conheço até agora nenhum blogue da guerra que tenha juntado, sob o mesmo poilão, seis irmãos, combatentes)...

Vou pedir ao mano Abílio para fazer uma reunião de família... Convidar só o Álvaro, até parece mal!... Bolas, os outros três, também são filhos do mesmo pai e da mesma mãe: o Rogério, o Dálio e o Carlos!... (LG) (...).

O Álvaro respondeu logo,  na sua página do Facebook, e a mensagem chegou-nos através do mano Abílio, nestes termos:

Caro Luís Graça,

E com todo prazer e honra, enfileirar na Tabanca Grande, ao lado dos manos Fernando e Abílio.

Um abraço a todos Tabanqueiros.

Álvaro.

2. Ficha da tropa

(i) em janeiro e 1971, é  incorporado no Exército, fazendo a recruta no RI 7, Leria;

(ii) em abril, faz a instrução de especialidade no Regimento de Serviços de Saúde, Coimbra;

(iii) em Julho/agosto, faz estágio  HMR-1, Porto;
O Álvaro Magro, em Mansambo (1972)

(iv) em setembro/outubro, EPI, Mafra;

(v) em Novembro, é mobilizado para Moçambique;

(vi) em dezembro, é desmobilizado e novamente mobilizado, mas desta vez para a Guiné, onde chega no final do mês:
(vii) é integrado na CART 3493 (Mansambo, 1971/72), como 1.º Cabo Aux Enf; 

(viii)  em março de 1972, consegue transferência para o HM 241, Bissau onde presta serviço na Secretaria até ao fim da Comissão;

(ix) passa à situação de disponibilidade em 26 de fevereiro de 1974.

3. Comentário do editor:

Álvaro, sê bem vindo  a esta fantástica comunidade, real e virtual, dos camaradas e amigos da Guiné. As nossas regras de convívio são simples, estão aqui "on line": todos cabemos nesta tabanca (e por isso ela é grande) com tudo o que nos uniu ontem e une hoje, e até com as diferenças que nos pode separar (política, religião, futebol, etc.). 

Os manos estão por aqui: Abílio Magro (mais de 30 referências) e Fernando Valente (Magro) (um quarteirão de referências)... Apreciamos histórias e fotos... Para que os nossos filhos, netos e bisnetos não se esqueçam de nós, que na Guiné fizemos a guerra e a paz. Sabemos que fazes anos a 19 de maio, diz-nos se queres festejar connosco, na Tabanca Grande.

 Apreciaríamos, por outro lado, poder  ter o teu endereço de email. Manda uma mensagem com um OK na volta do correio. (**)
_________

Notas do editor:

segunda-feira, 14 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15855: Notas de leitura (818): "Seis irmãos em África", edição de autor, Porto, 2016... Um excerto: "Perdido no mato de Mansambo... por uma hora!" (Álvaro Magro, ex-1º cabo aux enf, CART 3494, Mansambo, e HM 241, Bissau, 1971/74)










Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mansambo>  1970 > Foto aérea de Mansambo a que o PAIGC "campo fortificado de Mansambo"... O aquartelamento foi construído de raiz pelos bravos da CART 2339 (1968/69), "Os Viriatos", ao tempo do BCAÇ 2852 (1968/70)...

Sobre Mansambo temos de 3 centenas de referências...  e quase 2 centenas sobre a CART 2339 Foto do arquivo do nosso "cartógrafo-mor", o Humberto Reis (ex-fur mil  op esp,  CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto: ©  Humberto Reis (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem de Abílio Magro, com referência ao poste P15847 (*)


Data: 13 de março de 2016 às 19:40
Assunto:  "Seis Irmãos em África"


Caro Luís:

Obrigado pelas tuas palavras referentes ao livreco "Seis Irmãos em Africa" que mais não é do que uma compilação de textos que por aí andam em blogues, livros e quejandos.

Quanto ao prefácio da minha filha, julgo que ela terá talvez comprado um dicionário novo e a "coisa" saiu "jeitosa".

Como já te tinha dito, tratou-se de uma edição "familiar", de apenas 100 exemplares, destinados a oferecer a familiares e amigos.  Calharam 16-17 exemplares a cada "combatente" que, atendendo ao "preço" bastante convidativo, terão já sido todos "vendidos". Daí podendo-se concluir tratar-se de um verdadeiro "best seller", a necessitar de nova edição.

O livro, portanto, não esteve, não está e nem estará à venda, a não ser que surjam inúmeras solicitações, provenientes das mais diversas latitudes e, nesse caso, poderemos pensar numa segunda edição, desta feita com um preço não tão convidativo (a vida está má), mas não cremos que isso venha a suceder.

Em relação ao "descarado roubo" de histórias, sendo embora proibida por lei, achamos que a sua publicação no blogue "Luis Graça & Camaradas da Guiné", não se trata de qualquer crime, mas antes pelo contrário e conferirá à "obra" a projecção internacional que ela merece. Assim, ouso falar pelos seis "capineiros",.  autorizando a publicação no blogue.

Um abraço do Abílio Magro


2. Mensagem anterior de LG (*)

Abílio:

Dá um "alfabravo" aos manos, adorei essa dos "Magros do capim"!... Felicito-te por puxares esta "carroça", não é por acaso que és o mano mais novo... Mas, como na tropa, é preciso que alguém mande, ou melhor, lidere... (Como sabes, há uma liderança entre chefia e liderança, basta lembrares-te como era, lá no QG:  "eram mais os chefes... que os índios!"... Não sei se foi por isso que perdemos a guerra...).

Um beijinho para a tua filha, Cláudia, que vos escreveu um prefácio tão bonito... E já agora diz-nos onde ou como é que o vosso livro pode ser comprado... Por exemplo, pelo correio... Manda o preço de capa (+ portes de correio) e a morada...

Um bom domningo!...Luís

PS -Vou vos "roubar" uma história para publicar no blogue, pode ser ? É também uma forma de promover o livro que, se calhar, com uma família tão grande como a vossa, mais os amigos, já está esgotado... Ou não ?

3. E como há sempre um Magro desconhecido,  aqui vai a ficha da tropa do Álvaro Valente Lamares Magro, o terceiro da família que foi parar à Guiné e a quem eu peço licença para enfileirar na Tabanca Grande, ao lado dos manos Fernando Valente (Magro) e AbílioMagro, se eles. os três, concordarem... 


O mais importante é a vontade e a opinião do Álvaro, por muito que prezemos a opinião do mano mais velho (Fernando) e do mais novo (Abílio). Temos um nº para ele, o 712, um lugar jeitoso à sombra do mágico poilão da Tabanca Grande... Era muito honroso termos cá, todos sentadinhos e bem comportadinhos, os três manos Magro que foram à Guiné... É caso único...

Se os outros três, que andaram por outros "matos" (Angola e Moçambique) se quiserem juntar a nós, era ouro sobre azul!... Acho que nos podíamos candidatar ao Guiness Book of Records!... (Na verdade, não conheço até agora nenhum blogue da guerra que tenha juntado, sob o mesmo poilão, seis irmãos, combatentes)...

Vou pedir ao mano Abílio para fazer uma reunião de família... Convindar só o Álvaro, até parece mal!... Bolas, os outros três, também são filhos do mesmo pai e da mesma mãe: o Rogério,  o Dálio e o Carlos!... (LG)


Ex-1º Cabo Aux Enfermagem

1971

- Janeiro: incorporado no Exército, no RI 7, Leria (recruta);

- Abril: Regimento de Serviços de Saúde, Coimbra (especialidade);

- Julho/agosto: HMR-1, Porto (estágio);

- Setembro/uutubro: EPI, Mafra;

- Novembro; Mobilizado para Moçambique;

- Dezembro: Desmobilizado e novamente mobilizado, mas desta vez para a Guiné, onde chega no final do mês;

- 1972/1974

 Integra a CART 3493 em Mansambo.

- No decorrer de uma operação, num curto período de descanso no mato, adormece e, quando acorda, vê-se sozinho [vd. relato~abaixo, no ponto 4];

- Anda perdido durante cerca de uma hora, mas acaba por encontrar pessoal da sua Companhia;

- Em março de 1972 consegue transferência para o HMBIS [HM 241], onde presta serviço na Secretaria até ao fim da Comissão;

- Passa à situação de disponibilidade em 26 cde fevereiro de 1974.

4. Perdido no mato de Mansambo... por uma hora!

por Álvaro Magro:


(...) Em Fevereiro de 1972, quando me encontrava ao serviço da CART 3493 em Mansambo, participei numa operação militar que durou um dia e duas noites e onde, a dada altura, no meio do mato, o Alferes,  Comandante do deu pelotão, deu ordem para que o poessoal descansasse um pouco.

Acabei por adormecer e, quando acordeu, viu-se sozinho, perdido no mato, numa região de "turras".

Foi uma experiência muito traumatizante, principalmente para alguém que, como eu, tinha chegado à Guiné havia pouco mais de um mês.

Num "bate estradas" (aerograma) que enviei para o meu irmão Fernando, em Bissau, relatei aquela "odisseia" (...)

"Não imaginas o meu estado de espírito ao ver-me só e perdido dentro daquela mata densa. Andei cerca de uma hora perdido, cheio de medo. Cheguei a pensar que seria apanhado pelos terroristas e que nunca mais voltaria a ver a família. 

Procurei encobrir-me com a vegetação, mas se porventura tinha de atravessar uma clareira, fazia-o rastejando. 

Por fim encontrei um trilho por onde segui algum tempo, encharcado em suor.
Finalmente vi, ao longe, um pequeno grupo de militares.  Aproximei-me deles correndo o mais que pude e,  quando me pareceu que a minha voz poderia por eles ser ouvida, gritei com quanta força tinha. 

Era tropa da minha Companhia, embora não fosse do meu pelotão.
Contei o que havia acontecido, quase sem poder falar, por estar muito cansado.

domingo, 13 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15847: Notas de leitura (816): "Seis irmãos em África" (edição de autor, Porto, 2016, 278 pp.): um livro de memórias escrito a 12 mãos pelos "Magros do Capim": três estiveram no TO da Guiné, e dois deles são nossos grã-tabanqueiros, o Abílio Magro e o Fernando Valente (Magro)... Dois passaram por Angola, e outro esteve em Moçambique... Ao todo, 1 capitão, 1 alferes, 2 furriéis, 2 cabos









Capa e contra-capa do livro "Seis Irmãos em África" (Porto, ed. autor, 2016)


Têm um sítio na Net, Magros do Capim, e acabam de publicar um livro, Seis Irmãos em África (edição de autor, Porto, 2016, 278 pp., impresso na Areagráfica).

É um livro de memórias escrito a 12 mãos, e composto por mais de meia centenas de pequenas/grandes histórias de uma "família tripeira" que teve seis filhos na guerra de África, 3 na Guiné, 2 em Angola, e outro em Moçambique, com diferentes postos (1 capitão, 1 alferes, 2 furriéis, 2 cabos), e com diferentes especialidades (engenheiros,  infantes, auxiliar de enfermagem, especialista da FAP...).  Nascidos entre 1936 e 1951, chegaram a estar 4 em simultâneo em África. É um caso raro, senão mesmo único, no nosso país.

O nosso editor Luís Graça acaba de receber um exemplar do livro, autografado pelo Abílio Magro, nosso grâ-tabanqueiro, e com a seguinte dedicatória:

"À Grande Tabanca do Luís Graça com um alfabravo do amanuense [Abílio Magro, ilegível]".

Como explica a Cláudia Magro, filha do Abílio, no prefácio que escreveu com toda a ternura,  "no decorrer destas páginas, o leitor descobrirá,  através de textos e memórias contados na primeira pessoa, o cenário  do triste teatro que é a guerra. A particularidade e o que mais surpreende  nesta obra, são a emoção e a sinceridade  dos actores, neste caso  "interpretados" por seis irmãos que partiram quase todos em simultâneo para uma guerra descabida, deixando para trás os seus inquietos progrenitores".

O livro merece uma outra atenção por parte dos nossos editores. Este poste é apenas uma primeira, apressada mas calorosa,  apresentação. Aos "Magros do Capim" damos os nossos parabéns pela iniciativa, com destaque para os nossos grã-tabanqueiros, Fernando, o mais velho, e Abílio, o mais novo. Fomos agora a descobrir que o terceiro mano, que passou pelo TO da Guiné, é o Álvaro Magro, 1º cabo aux enf, da CART 3493, que esteve em Mansambo, setor L1, Bambadinca (1971/72), e no  HM 241 (1972/74).

______________

Nota do editor:

Último poste da série > 11 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15842: Notas de leitura (815): “A Marinha em África (1955-1975), Especificidades”, publicação da Academia da Marinha, 2014 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15638: Blogues da nossa blogosfera (73): No Blogue "Portugal e o Passado", A Agonia do Império, de Fernando Valente (Magro)



1. Publicamos hoje mais um texto do nosso camarada Fernando Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), intitulado A Agonia do Império, enviado pelo seu irmão Abílio Magro em mensagem de 8 de Dezembro de 2015, que podemos ler, além de outros, no seu Blogue "Portugal e o Passado".


A Agonia do Império

Texto publicado por Fernando Magro no seu blog "Portugal e o Passado"

O Império Colonial Português abrangia em 1960 uma superfície total de 2.031.935 Km2, correspondendo à soma das superfícies dos seguintes países europeus: Portugal Continental, Espanha, França, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Suíça, Alemanha e Inglaterra. Em área Portugal ocupava em 1960 o quarto lugar do mundo entre os impérios coloniais nessa altura. Os territórios que estavam sobre o domínio de Portugal eram, além do rectângulo europeu e das ilhas adjacentes da Madeira e dos Açores, o arquipélago de Cabo Verde, a Guiné, São Tomé e Príncipe, São João Baptista de Ajudá, Angola, Moçambique, Estado da Índia (composto por Goa, Damão e Diu), Macau (na China) e Timor (na Indonésia).

A partir porém de 1960 este vasto Império começa a desmoronar-se, devido a movimentos armados dos respectivos povos.
A primeira perda foi a de São João Baptista de Ajudá, uma presença simbólica portuguesa na costa do Daomé, uma vez que era praticamente constituída por uma fortaleza e um pequeno território a envolvê-la.

A 17 de Dezembro de 1961 a União Indiana ocupa militarmente o Estado Português da Índia e anexa Goa, Damão e Diu ao seu território. Nesse mesmo ano, em Angola é iniciada uma guerra de guerrilhas contra a nossa permanência naquela área de África, guerra que se estende rapidamente em 1962 à Guiné e em 1963 a Moçambique.

Essa guerra, em três frentes, tornar-se-á longa obrigando a um grande esforço material e humano, com sacrifício de várias gerações de jovens soldados, enquadrados por sargentos e oficiais do quadro permanente e do quadro de complemento (milicianos).

No caso da minha família (Valente Magro) todos os meus cinco irmãos e eu próprio fomos chamados a prestar serviço militar obrigatório e todos fomos mobilizados: um para Moçambique, como alferes miliciano, dois para Angola sendo um deles no posto de furriel e o outro como cabo especialista da Força Aérea e três para a Guiné, sendo eu, o mais velho, como capitão miliciano, o mais novo como furriel e o imediatamente a seguir ao mais novo como primeiro-cabo auxiliar de enfermeiro.

No meu caso particular fui duas vezes incorporado obrigatoriamente na vida militar. Em 1959 iniciei o cumprimento da minha primeira obrigação militar na escola prática de artilharia em Vendas Novas como cadete, tendo acabado como aspirante oficial miliciano no Grupo de Artilharia Contra Aeronaves n.º 3, em Paramos, Espinho. Somente regressei à vida civil em Fevereiro de 1960 como alferes miliciano, tendo sido promovido mais tarde a tenente miliciano na disponibilidade.

Estive nas fileiras do exército nessa primeira fase durante vinte meses. Depois disso entrei ao serviço do Ministério das Obras Públicas como engenheiro técnico, casei e nasceu o meu filho Fernando Manuel em 1961, precisamente no ano da invasão e anexação pelas tropas da União Indiana das possessões de Goa, Damâo e Diu.

Também em 1961 teve início a guerra colonial de Angola, que se estendeu rapidamente à Guiné e a Moçambique como já referi anteriormente.

Na altura, em 1961, ainda receei ser mobilizado como alferes [tenente], mas tal não se verificou. Mas em 1968, passados sete anos, tive conhecimento que, por haver muita falta de comandantes de companhia (capitães) o governo estava incorporando os tenentes milicianos na disponibilidade a fim de frequentarem obrigatoriamente um curso de promoção a capitães, tendo em vista a sua mobilização, nesse posto, para as guerras coloniais em África.

O aviso para me apresentar em Mafra a fim de frequentar o referido curso de promoção a capitão chegou-me a vinte e oito de Fevereiro de 1969. Em Março desse mesmo ano fui pela segunda vez incorporado no exército e só passei à disponibilidade em trinta de Junho de 1972, isto é, passados quarenta messes. Como na minha primeira incorporação tinha estado vinte meses ao serviço do exército, com esta segunda incorporação perfiz sessenta meses, isto é cinco anos de vida militar obrigatória.

Vida militar que na segunda fase compreendeu uma comissão na Guiné de 10 de Abril de 1970 a 30 de Junho de 1972. Essa comissão que inicialmente estava para a ser cumprida comandando uma companhia operacional no mato, acabou por ser levada a efeito no Batalhão de Engenharia 447, em Bissau por intervenção do Governador e Comandante-Chefe da Guiné, General Spínola, que decidiu colocar-me no referido batalhão de engenharia aproveitando a minha formação civil.

Aí chefiei os Serviços de Reordenamentos Populacionais. Tratava-se de um serviço dirigido por militares que era essencialmente destinado às populações civis. Tinha em vista proceder ao agrupamento de diversas pequenas "tabancas"(*) com o fim de constituir aldeamentos médios onde fosse rentável dotá-los com algumas infraestruturas tais como escolas, postos sanitários, fontanários, tanques de lavar, cercados para o gado, mesquitas ou capelas.
Além disso tinha-se também em vista, com a execução dos reordenamentos, a defesa e o controle das populações.

A minha actividade não estava por isso circunscrita à cidade de Bissau. Tinha por vezes que me deslocar ao interior do território para resolver localmente problemas que surgiam durante as obras dos reordenamentos populacionais. Fiz, por isso, algumas viagens para o interior da Guiné em helicóptero ou em avião militar (Dornier). Essas viagens tinham alguns riscos devido aos independentistas, a certa altura, se terem apetrechado com mísseis terra-ar e devido aos tornados que por vezes se formavam e que eram perigosos principalmente para as pequenas aeronaves.

Durante a minha estadia na Guiné ocorreu um acidente justamente com um helicóptero que transportava cinco deputados da Assembleia Nacional e que um tornado fez despenhar no rio Mansoa tendo morrido todos os seus ocupantes.
Comigo as deslocações ao interior da Guiné correram sempre sem perigo, mas para outros militares não foi sempre assim.

O Batalhão de Engenharia 447 tinha como funções dar apoio às tropas aquarteladas na Guiné no âmbito de garantir o regular funcionamento dos quartéis, promover o fornecimento de geradores eléctricos, orientar e apoiar as obras de reordenamentos populacionais, fornecer material de manutenção, construir estradas, pontes e portos de atracagem, quartéis e abrigos subterrâneos, etc. Muitos elementos do BENG 447 tinham de se deslocar ao mato frequentemente em colunas por via terrestre e alguns correram grandes riscos como podemos constatar pelo relato trágico que o Furriel Miliciano de Engenharia Pedro Manuel Santos fez no livro "A Engenharia Militar na Guiné" (no qual também colaborei) quando descreve uma emboscada que sofreu uma coluna de dez viaturas, em que ele mesmo seguia, da seguinte forma:

"No dia 22 de Março de 1974 quando regressava de Piche para Nova Lamego, em coluna militar, e após termos percorrido cerca de dez quilómetros entre Benten e Cambajá, cerca das 8:30 horas, sofremos uma emboscada de grande violência.

O PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) tinha colocado à beira da estrada cerca de 110 abrigos e outra grande quantidade de guerrilheiros em cima de mangueiros. O número de guerrilheiros estimou-se entre duzentos e duzentos e cinquenta elementos...

A nossa coluna militar era constituída por dez viaturas, sendo duas chaimites, uma white, três berliets e quatro unimogs.

Quando deflagrou a emboscada as duas chaimites da frente foram as primeiras a ser atacadas com RPGês bem como uma white e um unimog.

A primeira chaimite onde ia o Capitão Luz Afonso passou e saiu da estrada protegendo-se no mato no lado oposto ao dos guerrilheiros tendo sido ainda atingida por um rocket de raspão. A segunda chaimite, onde ia eu, apanhou uma rocketada à frente, bem como no lugar onde ia o condutor e o Furriel Soares que a comandava. Perfurou o blindado e cortou as pernas aos dois referidos camaradas que começaram a gritar por ajuda.

O Cabo Augusto Graça que ia na metralhadora, com uma enorme frieza dispara durante algum tempo até que a velha máquina se encravou. Durante uns minutos, que me pareceram anos, a chaimite começou a arder pela frente e as chamas envolveram os companheiros que tinham sido atingidos pela rocketada e que já estavam sem pernas.

Lembro-me de olhar nos olhos o Furriel Soares, que comandava a chaimite, e que me pediu para o não deixar morrer ali.

Por segundos tentei pegar num deles mas a viatura já se encontrava com um nível de calor muito elevado e o perigo de ficarmos todos lá dentro era iminente.

O Cabo Atirador Augusto Graça apenas teve tempo de abrir metade da escotilha do blindado e gritar para fugirmos. Já não pude fazer mais nada. Tive de abandonar o blindado.

Saí eu, o Capitão Miliciano Fernando e o Cabo Augusto Graça. Corri cerca de cem metros e logo atrás de mim um guerrilheiro do PAIGC tentou agarrar-me à mão. De imediato os depósitos da chaimite rebentaram e deu-se uma enorme explosão.

Ainda me lembro de ouvir as balas e as granadas que estavam dentro do blindado a rebentar e os últimos gritos dos meus dois camaradas!

Nesse momento o guerrilheiro que correu atrás de mim, em volta de um enorme morro de formigas "baga baga", desistiu, presumo que assustado pela enorme explosão da chaimite e consegui despistá-lo fugindo para o mato. A minha G3 tinha ficado no blindado.

Dentro do mato encontrei o Capitão Fernando... ele trazia uma pistola Walter e disse-me: esta pistola é para nos suicidarmos se formos agarrados à mão!

A partir de aí perdi por completo a memória, não sei por onde andei nem durante quanto tempo, mas dizem-me que foi por um dia inteiro. Tenho uma vaga ideia de ir ter sozinho à estrada e encontrar o Furriel Fidalgo que fazia segurança ao material queimado. Senti o cheiro de carne humana queimada que saía da minha chaimite e que até hoje nunca mais me saiu do nariz.

Levaram-me para Piche onde o nosso Capitão Luz Afonso já se encontrava à espera de transporte para Bissau. Segui, depois, para Nova Lamego onde fui tratado a uma perna que ficou ferida ao sair por metade da escotilha da chaimite. Fui depois evacuado para o Hospital Militar de Bissau...

A minha arma foi entregue mais tarde no BENG 447 apenas com a parte de ferro crivada das balas que rebentaram dentro da chaimite.

O Furriel Fidalgo disse-me que quando apareci do mato e o encontrei junto à estrada só gritava para ele: "Foge que vem aí os amarelos!" (referindo-me aos fardamentos do guerrilheiros do PAIGC) e que estava completamente baralhado da cabeça. Chamaram-me o "morto-vivo" por ter sido dado como morto e depois aparecer com vida.

Nesta emboscada tivemos seis mortos, dezasseis feridos muito graves e três feridos ligeiros. Tenho na memória alguns camaradas a respirar pelas costas e já sem vida. Alguns completamente desfeitos. Outros a serem tratados com garrotes.

Quando regressei à metrópole para junto da minha família... senti-me completamente abandonado e entregue a mim próprio. Ninguém me perguntou se estava bem ou mal, se precisava ou não de qualquer tipo de ajuda. Tinha de recomeçar a minha vida...

Hoje, passados quarenta anos, acho imprescindível este desabafo para que alguém com poderes para isso não deixe que a história se repita neste capítulo. Esta é apenas uma história entre outras que em dois anos sucederam e que não gosto de contar mas entendo que a devia escrever. A todos os ex-combatentes ainda vivos deixo uma palavra de coragem para acabarmos os dias que nos falta viver.

As gerações vindouras que não esqueçam a brutalidade a que o Governo de então submeteu os jovens da nossa geração. Quando se fala de ex-combatentes deve tributar-se o respeito que eles merecem pois marcaram e fazem parte de uma página da história que, em nome da Pátria, foram obrigados a cumprir e muitos a darem, inclusive, a sua própria vida."

____________

Notas do editor

- Sublinhado da responsabilidade do editor

- Nesta emboscada morreram 2 Soldados e 2 Furriéis do Esq Rec Fox 8840, 1 Soldaddo da CCAÇ 21 e 1 Soldado do 12.º Pel Art

Último poste da série de 18 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15631: Blogues da nossa blogosfera (72): Uma aventura em África: em 14 de novembro de 1980, eu estava em Bissau... Depois do jantar, no Hotel 24 de Setembro, fui surpreendido pelo golpe de Estado do 'Nino' Vieira (Francisco George, antigo represente da OMS - Organização Mundial da Saúde na Guiné-Bissau)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15618: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (14): O Prisioneiro da Ilha das Galinhas

1. Ainda em mensagem do dia 8 de Dezembro de 2015, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense da CSJD/QG/CTIG, 1973/74), traz-nos desta vez a história de um prisioneiro da Ilha das Galinhas, que se fazia acompanhar de um símio que parece ter tido um fim trágico.


Um Amanuense em terras de Kako Baldé

(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné)


14 - O Prisioneiro da Ilha das Galinhas

A azáfama fazia lembrar uma tarde de fim de feira numa qualquer terra do interior de Portugal, onde as embalagens vazias de cartão se amontoam ao lado de cada tenda e os feirantes se apressam a recolher os artefactos e produtos não transacionados para, na madrugada seguinte, regressarem à estrada e ocupar novamente as “montras” numa outra feira qualquer.

Estávamos em finais de Setembro de 1974 e o recinto da “feira” era a pequena “parada” defronte do edifício do QG/CTIG.

Com efeito, havia muita movimentação de pessoas e bens e o asseio parecia ter sido algo descurado. Notava-se algum nervosismo e pressa em fazer malas. Lembrava o términos de um qualquer período de férias de Agosto no Algarve em que havia necessidade de andar lesto, a fim de se evitar as longas filas de trânsito das estradas algarvias daqueles tempos.

As entradas e saídas do Quartel-General eram constantes e respirava-se, efectivamente, um fim de feira com desfazer de tendas. A grande maioria das Unidades Militares que tinham estado sediadas no interior do território, já tinha regressado à Metrópole e era agora chegado o momento dos últimos “moicanos”, nomeadamente os militares metropolitanos que se encontravam presos na Ilha das Galinhas.
A pequena Ilha das Galinhas, com apenas 50 km² de área é uma das oitenta e oito ilhas que compõem o Arquipélago de Bijagós.

Durante o período colonial funcionou nesta ilha uma prisão, designada por "Colónia Penal e Agrícola da Ilha das Galinhas".
Esta colónia estava destinada, essencialmente, a presos políticos, incluindo elementos do PAIGC, alguns dos quais ali estariam em trânsito para a prisão do Tarrafal (Ilha de Santiago - Cabo Verde).

Os prisioneiros andavam soltos pela ilha e a maioria trabalhava na bolanha (cultivo de arroz) e nas plantações de ananás e mancarra (amendoim) que havia pelo campo.

Nos finais de Setembro de 1974, um desses prisioneiros, militar metropolitano, andava por ali no recinto da “feira” do QG/CTIG a aguardar não se sabia muito bem o quê.
Fazia-se acompanhar por um corpulento macaco-cão que segurava por uma trela de corrente de aço.
Este “prisioneiro à solta” apresentava uma tez bastante avermelhada, indiciando excesso de sol recente (ou algum excesso de aguardente) e trajava de um modo demasiadamente informal para um militar naquele local; camisa, calções e sapatos de ténis militares. Na cabeça, sempre descoberta, ostentava uma farta cabeleira arruivada e encaracolada e, nas pernas e coxas, várias tatuagens “pornográficas” a necessitarem de “bolinha vermelha”.

Era de poucas falas e parecia andar por ali apenas com o intuito de desafiar “altas patentes”, digo eu.

Com efeito, dava-me um certo gozo ver majores, ten-coronéis, coronéis, etc., que entravam ou a saíam do QG, depararem-se com aquela figura acompanhada do “seu animalzinho de estimação” e, pasmados, fitando o “moicano”, receberem em troca um olhar ostensivamente desafiador que os desarmava por completo e os “aconselhava” a prosseguir o seu caminho, o que faziam sem pestanejar.

Com muito custo lá conseguimos chegar à fala com o “moicano” e, segundo recordo, ele aguardava autorização para trazer o “companheiro” para a Metrópole, mas, confrontado com a nossa convicção de que isso não seria possível, logo afirmou que: “então cortava o pescoço ao símio!”

Eram dias de muita rebaldaria e, lá fora, na estrada que passava em frente ao QG/CTIG, era constante o movimento de negros alombando para suas tabancas “troféus de guerra” diversos, tais como: colchões, frigoríficos, aparelhos de ar condicionado, etc.
Alguns capitães conduziam jipes bastante “mal-tratados” que avariavam constantemente e era vê-los a empurrar a “sucata” com a ajuda de um ou outro militar…, imagens vivas do fim do Império Colonial Português.

Uns dias depois é chegada a hora do meu regresso a casa e lá estava no aeroporto de Bissalanca o “moicano”, sem macaco.

Viajou connosco e disse-nos que o tinha matado (??).
____________

Nota do editor

Último poste da série de 8 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15593: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (13): Um Herói à Minha Porta